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Primeira Edição: Em Marcha, s. d.
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A AD aí está com as tripas à mostra. Há que concordar que não é um espectáculo bonito.
O Balsemão, que prometera governar-nos por quatro anos sai ao fim de sete meses. Nunca te arrependas, rapaz! Vai com Deus!
Foi uma decisão muito digna, garantem os amigos. Que tem, de resto, a vantagem de passar a bola a outro, agora que vem aí o impopular pacote dos preços, em Setembro. Quem vai agarrar a batata quente?
Os barões pepedês, os magnifícios, reuniram 30 horas a fio "com alto espírito de militância", segundo consta. Estavam lá todos, o Eurico, o Carlinhos Macedo, o Ângelo, o Amândio, o Cavaco, a Helena temperamental — tudo rapaziada fina. Só não se esfaqueram porque estava gente a olhar.
O Freitas, depois de puxar o tapete debaixo dos pés do parceiro, vem dizer, protector, que ele não governou mal e que não tem de que se envergonhar. Cada vez mais parecido com o Salazar, este Freitas! Vocês repararam no outro dia na televisão como ele até lhe imita a vozinha aflautada?
Aí estão os estadistas eminentes, os altos pensadores políticos, que definhavam por falta de condições para salvar o país. Agora já têm um balanço para apresentar. De cabeça erguida.
"Estabilidade": crise permanente, rasteiras, intrigas reles. "Seriedade": EPAC, casinos da Torralta, os aumentozitos dos deputados, o Abecassis a facilitar umas concessões publicitárias aos cunhados, a Mafia no Alentejo, os 800 contos para o filme sobre Sá Carneiro. "Recuperação": aumentos de preços todos os quinze dias.
A AD é a nossa burguesia em corpo inteiro: mesquinha, obtusa, corrupta até à medula. A única coisa que aprendeu com o 25 de Abril foi ser mais sórdida ainda, se possível. O lema é enriquecer depressa, aviar o farnel antes que se acabe o forrobodó.
E enquanto eles discutem se a culpa da crise é do Balsemão, político de carregar pela boca, do Freitas, mais guloso pelo poder do que macaco por banana, ou do Eurico, que pensa que vai governar o país como governa as suas fábricas têxteis — enquanto eles se esfarrapam, cada um a querer mostrar aos Mellos, ao Champalimaud, aos americanos, que é o gerente ideal — nós, o que fazemos?
Porque uma coisa é verdade: o Governo caiu de podre, não porque a Oposição o derrubasse. As greves, o descontentamento geral, a aversão aos ricos que cresce outra vez nas oficinas, nos bairros de lata, nas aldeias, como há dez anos — quem lhes pega?
Inclusão | 22/08/2019 |