As Guerras Coloniais do Século XXI

Francisco Martins Rodrigues

Setembro/Outubro de 2007


Primeira Edição: Política Operária nº 111, Set-Out 2007

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Guerra no Iraque. Guerra no Afeganistão. Preparativos de guerra civil na Palestina. Ameaças de ataque nuclear ao Irão. Ameaças de ataque à Síria. Guerra civil larvar no Líbano. Desmembramento final da Sérvia pela separação do Ko- sovo. Força internacional no Darfur...

A simples enumeração dos conflitos na região do Próximo e Médio Oriente mostra o progresso feito pelo imperialismo desde que foi declarada a “guerra mundial ao terrorismo”. Instaurado um estado de emergência mundial, foi abolida qualquer aparência de lei internacional. As intervenções militares imperialistas passaram a ser a lei, a resistência dos agredidos passa a ser “terrorismo dos fora-da-lei”. E fácil lançar guerras punitivas ou preventivas, com pretextos encenados ou inventados: ataque ou ameaça de ataque, regime “pária”, violação dos direitos humanos, da democracia... O verdadeiro objectivo, que nem sequer se disfarça, é mudar o regime político de um país recalcitrante, obrigá-lo a abrir-se ao mercado mundial e a permitir a exploração das suas matérias-primas.

Estamos em pleno retorno às expedições coloniais do século XIX: defender a civilização contra os povos bárbaros, exterminar “grupos de bandoleiros”, usar uma superioridade militar esmagadora, lançar ataques relâmpago “preventivos”, assumir o direito de infligir “danos colaterais”, não se deixar amarrar por leis da guerra declaradas “obsoletas”, estigmatizar como “traidores” os que se opõem à agressão...

Os valores de autodeterminação e soberania nacional que as potências imperialistas tinham sido obrigadas a reconhecer quando da derrota do nazi-fascismo deixaram de vigorar. E é um grave erro supor que se pode voltar a essa época.

EUROPA QUER A SUA PARTE

Atribuir esta reviravolta apenas à agressividade bestial dos Estados Unidos e do seu cão de fila, Israel, é enganador. Todas as potências, e nomeadamente a Europa, aderem à nova lei da selva internacional. É uma evolução de todo o sistema capitalista, resultante de uma nova correlação de forças.

Assim, os países europeus associados na NATO, Alemanha e França, já sem falar na Inglaterra, moderaram as condenações veementes da invasão do Iraque e da administração Bush. Apercebendo-se de que corriam o risco de perder posições se deixassem os EUA avançar sozinhos, optaram por acompanhar em segundo plano as suas expedições coloniais. Mesmo não entrando a fundo no plano de criação de um novo “Grande Médio Oriente”, marcam as suas posições próprias, para poderem ter o direito a reclamar a sua parte dos despojos.

A Europa acorre a apoiar os EUA quando estes desestabilizam o Líbano ou a Síria, serve de medianeira-polícia na crise do Irão, está presente no Darfur, coopera na “solução” para o Kosovo... e aceita um papel de primeiro plano na “pacificação” do Afeganistão.

Esta reactivação imperial europeia toma-se possível porque a indignação que ergueu milhões em 2003 contra a invasão do Iraque esfumou-se. Com toda a sua imponência, o movimento pacifista era vulnerável ao espírito chauvinista e este fez o seu caminho na propaganda diária. O colonialismo profundo das massas europeias acabou por levar a melhor.

NOVA ONDA ANTICOLONIAL?

Vista do lado dos povos agredidos, esta agressão e pilhagem do campo imperialista surge em toda a sua bestialidade, como uma ameaça à sua própria sobrevivência. Para eles, as novas guerras coloniais do século XXI são uma nova fase, ampliada, das velhas invasões coloniais. Ampliada por um potencial destrutivo e por uma capacidade de estrangulamento económico cem vezes maior que no passado.

A guerrilha, o chamado “terrorismo”, reacção ao terror quotidiano sofrido pelas populações agredidas, é a resposta que está ao alcance das vítimas: fustigar o ocupante, mesmo à custa de terríveis sacrifícios humanos, até acabar por tornar a ocupação insustentável ou demasiado cara e forçá-lo à retirada. E o que se desenha já no Iraque, é o que virá a seguir no Afeganistão.

Mas isto não significa que vamos assistir a uma repetição dos tempos heróicos da luta anticolonialista. As guerras de libertação do século passado culminaram na criação de novos Estados nas antigas regiões coloniais, porque contavam com a ajuda económica, política e militar do “campo socialista”, União Soviética, China, Cuba, etc. Agora esse campo desapareceu. Na nova economia imperialista mundializada, já não existe um espaço exterior à chamada “comunidade internacional”. Por isso, os tremendos sacrifícios da resistência desembocam em miseráveis compromissos e, a prazo, o imperialismo acaba por conseguir os seus objectivos.

O que significa que os esforços do proletariado não podem limitar-se a condenar as aventuras imperialistas. Prestando indefectível solidariedade aos povos agredidos, têm que olhar mais longe, para a tarefa principal: a preparação, lenta, difícil, das condições da revolução anticapitalista, porque fora dela não há esperanças de vitória.


Inclusão 21/08/2019