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CM – Nas tuas análises e contributos teóricos sobre o fracasso da Revoluçom de Abril, apontas várias causas. Caracterizas o 25 de Abril nom como umha revoluçom, senom como umha crise revolucionária, destacas a fraqueza das organizaçons revolucionárias, o subdesenvolvimento teórico e político da corrente M-L, mas especialmente o revisionismo do PCP que nom quijo aprofundar na via socialista, procurando unicamente umha transformaçom a fundo do capitalismo português para situar Portugal entre as democracias ocidentais, como conseqüência dessa estratégia do levantamento nacional, da “unidade dos portugueses honrados”. Porque as massas organizadas nom fôrom capazes de evitar o contragolpe da direita no 25 de Novembro?
Francisco M. Rodrigues – O PC é revisionista, é um partido pequeno-burguês; estar a pedir responsabilidades como se eles fossem comunistas nom tem sentido, mas acho que na análise desse período é inevitável ver que era o único partido à esquerda com umha implantaçom sólida na classe trabalhadora, e a sua linha foi perfeitamente coerente com o que Cunhal vinha defendendo há muitos anos, embora assentasse num erro clamoroso que era ele convencer-se que a democracia burguesa feita com a ajuda de um forte PC teria que ser umha democracia burguesa progressista, de esquerda, que deixaria um grande lugar ao PC.
Cunhal acreditava que o PC ia ser reconhecido e ter umha grande participaçom no governo. Verificou-se que isso era um sonho, umha completa utopia, porque a burguesia estava assustada com o processo revolucionário. A burguesia portuguesa é conservadora ao máximo, estava habituada a cinqüenta anos de tranquilidade, de segurança, ficou apavorada com o processo. Como sabes, era todo mandar o dinheiro para o Brasil, para a Suíça. O que queria era voltar à estabilidade. Ora, um PC no governo, no poder, a tolerar as manifestaçons, as greves, era para eles inconcebível. Nom podiam admitir essa situaçom. O PC nom podia controlar aquele movimento porque à sua esquerda estavam sempre a surgir tendências cada vez com umha maior radicalizaçom.
Para a burguesia, aquela situaçom dos governos provisórios era inadmisível umha vez que o PS e PSD ganhárom as eleiçons para a Constituinte. O PC tivo umha votaçom muito menor do que a gente pensava. Umha cousa som os activistas, outra é o “país real”, as grandes massas. A partir daí, ficou sem autoridade e o PS e o PSD, apoiados polo embaixador Carlucci dos EUA, começárom a reclamar o governo. A partir daí, a burguesia nom podia continuar a aceitar a continuaçom desse regime de governos provisórios. Aqueles últimos governos que o PC tentou manter, do Vasco Gonçalves, estavam sendo boicotados por todos os meios pola burguesia. Em Tancos, durante o verao, figérom umha reuniom dos militares e resolvêrom derrubar o quinto governo de Vasco Gonçalves, e começárom a criar as condiçons para isso. Atentados, empresas a encerrar mandando milhares para a rua, campanha permanente de mentiras, provocar pánico.
Havia, claro, umha onda revolucionária mas acho que lá fora, no estrangeiro, é vista com muito mais poder que na realidade tivo, porque era espontánea, era só a conseqüência de tirar a tampa a cinqüenta anos de fascismo. Era espontáneo, nom estava estruturado, nom tinha um programa. “Os patrons oprimiam-nos, eram fascistas, entom fora com os patrons”. Saneavam os patrons, sanevam os engenheiros, tomavam possessom das terras, numha ingenuidade revolucionária espontánea dum povo que nom tem direito nengum e de repente vê que é livre. Mas que de facto nom tem um programa político, e a burguesia apercebeu-se disso: “Isto é todo fogacho, e nom há por trás umha força com um programa que leve isto até o fim. Entom, se a gente actuar com firmeza, vai recuperar a situaçom”. Foi fácil, nom aconteceu nada, há que reconhecê-lo. Os tipos prendêrom lume a umhas sedes, pegárom uns tiros, matárom cinco ou seis pessoas e após esta demonstraçom de força dérom um golpe que foi um passeio militar. Comentava na Política Operária o Varela Gomes que nos meses anteriores os tipos estivérom a encher de material de guerra os Comandos da Amadora e a desarmar as unidades que nom eram de confiança, que eram dirigidas por oficiais da esquerda. E o MFA a ver…
CM – Otelo, como comandante do COPCON, que fijo?
FMR – Umha figura triste. Foi o dirigente vacilante dum movimento vacilante. A princípio tinha arranques revolucionários. Quando os proprietários mandavam a polícia para expulsar as pessoas das casas ocupadas, elas telefonavam ao COPCON e ele mandava lá um destacamento. “Nós estamos ao lado do povo, o povo tem razom”. Mas, mais tarde, na Amadora, os soldados e os oficiais subalternos tentárom correr com aquele bandido do Jaime Neves, que era um facho declarado que toda a gente sabia, e o Otelo foi lá apoiá-lo. É um homem de umha vacilaçom extrema. Veu de Cuba todo entusiasmado fazer aqueles discursos, mas quando os campos estavam claros ele nom sabia que havia de fazer.
Houvo essa pequena tentativa de criar a terceira corrente, chamada o Poder Popular, de assembleias populares com os quartéis. O PRP apostou muito nisso, a Isabel do Carmo, o Carlos Antunes, apostárom como último recurso encostar-se aos quartéis da esquerda para fazer umha corrente de poder popular. Mas o próprio Otelo nom apostou a fundo nisso. Era um oficial do exército colonial. Eu nom podo a falar mal dos oficiais do MFA porque figérom o 25 de Abril, mas eu acho que tinham umha carga ideológica muito pesada. Tivérom um sobressalto de consciência, quigérom acabar com o fascismo, é umha realidade, mas sabiam que estavam à beira de levar porrada por todos os lados. Aquilo na Guiné estava à beira de umha derrota total. Esse movimento é muito ambíguo. Movimento que poderia ter dado corpo a aquilo é o movimento do proletariado com sentido revolucionário, com ambiçons revolucionárias. Infelizmente nom existia. O PC educou geraçons de operários para atingir a democracia e “depois já veremos”. O sonho da democracia avançada rumo ao socialismo, a revoluçom democrática nacional, o PC ia ser aceite por toda a gente… Nos primeiros meses as pessoas andavam encantadas, parecia mesmo que ia acontecer. Mas quando chegou a hora da verdade…
CM – Nas duas últimas décadas, na PO, parte da tua reflexom teórica está centrada na necessidade de construir umha corrente operária comunista caracterizada por umha demarcaçom clara entre a linha proletária e a linha pequeno-burguesa. O teu livro Anti Dimitrov 1935-1985 meio século de derrotas da revoluçom, publicado em Março de 1985, está centrado a realizar um balanço do relatório do Jorge Dimitrov ao 7º congresso da Internacional Comunista que defendia a unidade de todas as forças operárias, populares e democráticas sob umha mesma estratégia, no que tu definescomo fazer do proletariado umha força de reservadaburguesia liberal, contrariamente ao defendido por Lenine. Substituir a luita de classes pola colaboraçom de classes.
FMR – O que se passou em Portugal depois do 25 de Abril só confirmou aquilo que já se adivinhava antes: que os comunistas, pondo-se ao serviço dessa unidade de todas as forças democráticas, estám de facto a atraiçoar os interesses a longo prazo do proletariado, porque, como nós podemos ver em Portugal, o proletariado encontrou-se numha crise revolucionária com possibilidades imensas para fazer um avanço revolucionário neste país, e estava inteiramente desarmado porque toda a sua educaçom tinha sido no sentido de ser umha força de apoio da democracia burguesa. Foi sempre assim que as cousas funcionárom no tempo do fascismo. Pedia-se muito ao proletariado, muito esforço, muito sacrifício, muita organizaçom, mas todo sem passar os limites daquilo que o programa liberal considerava aceitável. Todo o que no proletariado tendesse a ultrapassar esse limite e em falar em seu nome próprio e dos seus interesses próprios a longo prazo era chamado “sectarismo”, “obreirismo”, que só prejudicava a unidade. Portanto, criárom-se geraçons de operários muito luitadores, muito combativos, com um espírito de sacrifício tremendo, e que politicamente eles nem sabiam que a linha política que defendiam era contrária ao interesse a longo prazo da sua classe.
Hoje, essa independência política do proletariado ainda é mais difícil de conseguir. A situaçom tem estado a evoluir aceleradamente com as globalizaçons, com a pulverizaçom da própria classe operária, a fragmentaçom, os precários, todos os fenómenos novos que a gente está a ver, e a identidade do proletariado como classe parece umha cousa cada vez mais difícil de palpar. No meu tempo, quando eu era jovem, ainda era possível perfeitamente encontrar núcleos de operários que sabiam a classe a que pertenciam, embora lhes pudesse faltar umha perspectiva política revolucionária. Mas hoje as pessoas som eleitores, som membros da populaçom, som cidadaos, e essa consciência, essa identidade de classe está-se a esfumar cada vez mais.
Eu sei que a insistência nesta ideia, que me parece a única de acordo com o marxismo, a ideia da necessidade de independência política do proletariado, nom parece realista à massa dos militantes. Mas é a única que faz sentido: se este sistema nom vai evoluir, nem vai desaparecer por si, nem vai entregar o poder, a única perspectiva que existe é do seu derrubamento pola força. E nom vale a pena dizermos que “a esmagadora maioria da populaçom é contra o capitalismo, logo a coisa pode-se fazer pacificamente”… Isto funciona por camadas. Tem que haver um núcleo, um sector de classe, cujos interesses próprios de classe lhe permitam ver que para além deste regime podemos organizar um regime socialista, podemos expropriar à burguesia para criar o nosso sistema. Depois há outros sectores que estám descontentes, que vam aderir, mas que nom podem assumir essa visom de classe. Se nom tenhem essa visom de classe, tem-se que fazer distinçons. Tem que haver forças revolucionárias e aliados de primeira ordem, e aliados de segunda ordem, e forças a neutralizar, e forças a hostilizar e por aí fora.
Essa separaçom, essa gradaçom das várias camadas, eu vejo que hoje na esquerda repugna a toda a gente. Considera-se que isso divide, isso cria espírito de seita, isso nom dá frutos políticos, etc. Entom, ofereçam-me umha alternativa do ponto de vista marxista, com um mínimo de racionalidade de vermos a saída disto. Como é? Nom vês, só vês respostas que som umha versom actualizada das mesmas asneiras antigas. Som versons pequeno-burguesas de tentar umha saída sem violência através dumha moderaçom dos objectivos, dum apagamento dos conflitos mais agudos. É o espírito da pequena burguesia que penetra naturalmente em todas as camadas, no próprio proletariado. Quando se está perante um inimigo tam poderoso é inevitável que se gere na grande massa umha tendência para procurar saídas nom muito dolorosas: “Os gajos nom olham os meios, usam bombas atómicas, gases, guerras, massacram as pessoas de qualquer maneira, que é que se há de fazer? Vamos ver se levamos isto de vagarinho, com jeito..” Mas essa ideia é umha ideia errada, equivocada, nom conduz a nada. Eu sinto que hoje a continuidade da defesa destas opinions, como o artigo que escrevim na última PO sobre o problema do proletariado, deixa mesmo na nossa área muit@s camaradas um pouco reticentes. Nom vam directamente em contra, mas nom lhes cheira: “Isto nom dá, isto dá isolamento. Onde é que arranjamos forças a falar desta forma? Quem é que adere?” . Por causa deste espírito é que a PO anda há vinte anos a remar sozinha.
Eu sei, temos que procurar umha soluçom para avançar na prática. Mas eu, depois de ver tanta burla feita aos trabalhadores em nome do marxismo, tenho umha grande preocupaçom em nom embarcar de novo nas cousas em que embarquei na juventude, que era seguir cegamente um partido que é comunista, que segue a Uniom Soviética, que é socialista, logo está porreiro. Acho que isso é desastroso. Temos que procurar raciocinar como marxistas, procurar respostas que fagam sentido. Resposta que fai sentido é esta: o proletariado é a única força que pode intervir numha perspectiva para além do capitalismo. Para o proletariado assumir isto, tem que ter a sua identidade própria. Para ter a sua identidade própria tem que se demarcar dos outros, e dos mais próximos é que é preciso se demarcar, como dizia o Lenine, que som aqueles com os que a gente se confunde. A gente nom se confunde com os banqueiros, a gente confunde-se com a pequena burguesia que está ao nosso lado. Temos que fazer essa demarcaçom. A nossa política nom pode ser a deles. Tem que ser diferente, mesmo que eles nom gostem.
CM – Quando falas de pequena burguesia a quem te referes? Estou a pensar na difusom desta entrevista entre milhares de pessoas, e nós utilizamos umha determinada terminologia que nom sempre é bem compreendida. Esta explicaçom tam lúcida pode ser pouco efectiva perante a perda de visom política e da pouca formaçom ideológica de amplos sectores da esquerda. Há umha série de categorias e conceitos que ou nom sabem exactamente o que som, ou existem umha confusom sobre o verdadeiro significado. Muitas veces falamos de cousas que muita gente que nos ouve di: “Mas que estám a dizer estes tipos?”.
FMR – Aí vamos dar à discussom das classes. Isso deu discussons muito grandes na cadeia. A gente na cadeia tentava ver se entendemos as classes utilizando o Marx. Se partimos do princípio que o proletariado é a classe que produz umha mais-valia ao capitalista pola sua actividade, aquelas camadas que nom produzem umha mais-valia tenhem que ser consideradas fora do proletariado. Agora existem várias camadas, o Lenine falava muito disto, insistia muito na existência do semiproletariado, da pequena burguesia e por aí fora… Há pessoas que som assalariadas, vivem só do seu salário, contodo a sua actividade é um custo para o capitalista, nom é umha fonte de lucro, como é a do proletário. O capitalista precisa de um contabilista que lhe faga as contas da empresa, aquilo é um custo que ele vai tirar do seu lucro possível, vai pagar a esse gajo porque necessita disso para a realizaçom do seu próprio lucro. Portanto, esa pessoa, o empregado do comércio, o empregado de escritório, que já nom se consegue meter dentro do proletariado, mas é umha grande massa que está à volta do proletariado, de assalariados, com umha condiçom de vida próxima, embora normalmente isentos de trabalho manual mais violento, daqueles perigos mais duros que rodeiam o proletariado, esses portanto, som o semiproletariado. Entom partimos do princípio que politicamente tenderá a apoiar o proletariado, mas nom a assumir umha posiçom de vanguarda, porque nom está no fogo da luita como está o proletário, que às tantas pode dizer “eu estou aqui a arrasar a saúde para aquel gajo andar num carro de luxo e ter umha piscina”.
Depois vem o pequeno proprietário, que ninguém tem dificuldade em ver em que seja um pequeno burguês. É umha pessoa que inviste um pequeno capital para tentar obter um lucro mas apenas para sobreviver, que no campo, no comércio, ou na pequena indústria, eventualmente até explora um ou dous empregados, e depende muito do seu próprio trabalho. Há várias camadas, uns mais abonados, outros mais pobres, outros arruinados, e em funçom da situaçom em que estejam reagem de umha maneira política ou outra. Mas nom nos digam que eles, como classe, podem desejar o socialismo.
Depois temos umha série de actividades intelectuais, de funcionários públicos, de médicos, engenheiros, advogados, professores, que hoje é umha massa muita grande, e normalmente pola sua situaçom social, pola sua actividade, aproxima-se, tende a identificar-se com a pequena burguesia. De umha maneira talvez nom muito rigorosa, como arrumaçom de tendências políticas, eu creio que toda essa massa dos pequenos proprietários, com essa massa de profissons intelectuais um bocadinho superiores ao simples empregado de escritório constituem umha massa pequeno-burguesa. Nom som proletários, mas também estám numha posiçom arredada do núcleo da burguesia. E a burguesia nom som só os banqueiros, os grandes financeiros; abaixo deles está a média burguesia que nom é lá tam pouca, de empresários, industriais, comerciantes, toda essa gente está por baixo dos grandes grupos multinacionais, mas que fai parte do corpo da burguesia, com todos os seus serventes, guardas de segurança, padres, todos encarregados de lhe fazer a vida mais fácil, toda essa gente que circula às contas da burguesia. A burguesia precisa dumha série de gente que nom produzem nada, mas é necessária para o seu bem-estar. E esta gente, em geral, nom quer ouvir falar em revoluçom.
CM – Dentro desta massa de pequena burguesia da Europa Ocidental teremos que incorporar os funcionários públicos. Tenhem um salário superior à média, um contrato estável, embora sejam assalariados pola sua concepçom da vida, cultura.
FMR -Pois. Como funcionários públicos, fam parte da máquina do Estado, para o funcionamento do sistema burguês. Nom se confunde com os sectores que estám a produzir mais capital.
Inclusão | 08/11/2016 |