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Primeira Edição: Política Operária nº 94, Mar-Abr 2004
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A Comuna. n° 3, Janeiro. Director: Carlos Santos. R. S. Bento. 698, 1250 I.isboa. [email protected]
Duas notas acerca do artigo de Francisco Louçã sobre aspectos da situação internacional, em crítica a um livro recente de Robert Kagan, um dos ideólogos da política de Bush.
Para justificar o direito de supremacia mundial dos EUA, Kagan, mostra como uma lógica agressiva e expansionista tem estado sempre presente por trás das suas proclamações idealistas. Era por puro realismo, escreve, que os primeiros ianques, ao mesmo tempo que exterminavam os índios, se mostravam conciliadores em relação às potências europeias, na altura mais fortes do que eles. Mais tarde, quando os EUA condenavam o colonialismo e o imperialismo europeus, era apenas por ainda não serem suficientemente fortes para assumir o papel que lhes cabe. Hoje já nada impede que os EUA recorram a todos o meios para fazer valer os seus interesses: “uso da força, ataques, preventivos, mentiras”, etc., etc. Kagan defende, numa palavra, que os EUA trazem desde o início um destino imperial e que chegou a hora de o realizarem sem peias, instituindo pela força “uma ordem mundial liberal”.
Ora bem. Em vez de saudar a cínica franqueza com que Kagan desmonta o hipócrita paleio “humanista” dos carrascos da Casa Branca e diz brutalmente a verdade, Louçã insurge-se contra esta “doutrina” que não corresponderia aos factos (!?) e defende o mito de que sempre teria existido na chefia dos EUA uma outra política alternativa, não-guerreira, não expansionista. Compreende-se muito bem a oportunidade dessa tese para os que se empenham em criar correntes de confiança na candidatura do democrata Kerry em Novembro, mas o menos que se pode dizer é que ela carece inteiramente de fundamento. O imperialismo não é uma política que possa ser atalhada por mudanças de governo, explicou Lenine; é a própria “maneira de ser" do capital financeiro.
Eloquente também a ideia exposta por Louçã no mesmo artigo de que a cruzada da “guerra infinita” lançada por Bush terá tido como “alvo fundamental” “evacuar o debate sobre a globalização, porque era aí. no terreno do enfrentamento das ruas, das opiniões públicas, das mobilizações cívicas, que se disputava o futuro”. Se Louçã efectivamente pensa que os donos do mundo usaram as expedições guerreiras do Médio Oriente apenas como um derivativo para afastar a terrível ameaça que para eles representaria o movimento da “alterglobalização”, só lhe podemos dizer que está a ver a cena mundial de pernas para o ar. Os conflitos que se processam no interior das metrópoles imperialistas são por enquanto, e para nossa desgraça, uma pálida réplica dos verdadeiros combates que levantam os pobres do Terceiro Mundo contra o genocídio imperialista. Não é em Seattle, São Paulo ou Génova (independentemente do mérito que possam ter essas acções) que se está a “disputar o futuro”, mas na Palestina, nas selvas da Colômbia, no Iraque, no Nepal, no Afeganistão, em Cuba. Encerrar-se na visão eurocêntrica é um primeiro passo para perder o pé na luta anti-imperialista.
Neste número da revista da UDP merecem também referência, pela sua carga ideológica, as “21 exigências da Attac” apresentadas ao governo e ao parlamento francês. A Attac requer que a “solidariedade” seja inscrita como valor da União Europeia; que se substitua a ‘‘concorrência" pela “cooperação”, como norma superior da União; que se impeça a mercantilização da cultura; que a política comercial comum seja objecto de controlo democrático; que o Banco Central Europeu deve prestar contas aos deputados eleitos; que a União deve poder controlar os movimentos de capitais; etc. A simples enumeração destas “exigências” basta para revelar o utopismo débil dos seus promotores.
A campanha para submeter a Constituição a referendo pode ser uma forma de cavar mais o fosso entre os povos europeus e a clique dirigente da UE; ou pode ser usada, como é o caso, como narcótico para instilar nas massas a crença de que podem, por via institucional, “corrigir” o carácter antipopular deste projecto imperial.
Inclusão | 21/08/2019 |