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Primeira Edição: Política Operária nº 20, Maio-Junho 1989
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
(Na sessão de apresentação da Frente da Esquerda Revolucionária na Voz do Operário em 24 de Abril de 1989)
Depois que esta intervenção foi feita, a FER faliu. Por isso mesmo pode ter interesse recordar algumas posições que já então foram definidas em contraponto à tendência dos trotskistas de dar um tom reformista à campanha e de adoçar as posições mais contundentes que a OCPO vinha defendendo.
Várias passagens estão nitidamente desactualizadas. Mas elas são uteis para tornar mais claro duas coisas: o empenhamento que estávamos a pôr neste projecto e a inevitabilidade de o abandonar quando verificámos não ser possível dar-lhe corpo. Reproduzimos a seguir o essencial da intervenção:
Queremos ocupar um espaço político que não está preenchido por nenhum partido, e que é o dos que não se conformam com o que por aí vai. Neste 25 de Abril 15 anos depois, o que vemos nós? Os burgueses com pressa de enriquecer perdem as maneiras. A onda laranja desaguou no cano de esgoto dos ministros apanhados com a mão na massa. Milhares de trabalhadores vão para a rua para os novos grupos económicos rentabilizarem os seus capitais. O trabalho à jorna enfileira entre as descobertas do patronato lusitano, depois do trabalho a prazo, do trabalho infantil, do trabalho à borla. O Presidente Soares gasta o nosso dinheiro pelo mundo, armado em Américo Tomás da Democracia. Polícias correm polícias à cacetada. Otelo e os amigos estão na cadeia — não é caso para menos, estavam a pôr em risco esta bela ordem democrática. O ministro da Defesa diz que armas nucleares, ora essa, porque não? E assim fazemos a nossa entrada triunfal na CEE.
Porquê então uma candidatura da esquerda revolucionária ao Parlamento Europeu? Será que também queremos tornar-nos eurocratas engravatados a sacar 2.000 por mês e a abrir agências de representações? Que os nossos amigos se tranquilizem. Vamos entrar nesta campanha apenas para poder dizer com mais força, de modo a ser ouvidos por todos, que a CEE é o clube dos empresários europeus, que o Parlamento Europeu é um circo de luxo destinado a dar um ar simpático à ditadura dos capitalistas, que no comboio da CEE os trabalhadores vão de pé, que o chamado “apoio ao desenvolvimento” é o filme dos alegres salteadores do fundo perdido, que Portugal vai ser cada vez mais o bairro da lata da Europa.
E vamos dizer mais: que este regime mete nojo porque nem tem a coragem de assumir o seu reaccionarismo- O chamado restabelecimento da legalidade iniciado com o golpe militar do 25 de Novembro é das coisas mais vergonhosas e mais reles que tem havido em Portugal. 90% das conquistas que os trabalhadores tinham conseguido com a queda do fascismo já lhes foram retiradas e agora querem-lhes tirar o resto. Os legalistas do PS, PSD e CDS que se vêm revezando no poder, há 14 anos que andam a fazer flores à direita e a meter na ordem a esquerda. E o PCP continua a sua longa marcha às arrecuas, a ver se merece ser enfim admitido no governo. Ainda lhe falta recuar mais.
Por isso, há hoje muita gente farta; farta do governo e da oposição, farta dos patrões e do parlamento, farta dos polícias que dão ao gatilho e dos dirigentes sindicais ordeiros. Farta do sistema, que canaliza sempre mais dinheiro e mais poder para quem tem o dinheiro e o poder. Farta da oposição trampolineira do PS e da subserviência enjoativa do PCP.
É a esses que não se conformam que nos dirigimos com a nossa candidatura. Podemos garantir-lhes que a FER vai dizer nesta campanha eleitoral algumas coisas diferentes das outras forças de esquerda. São seis diferenças, pelo menos.
A principal: não temos respeito nenhum pela ordem estabelecida e vamos dizer aos trabalhadores que é preciso perderem os restos de respeito que ainda têm pela palhaçada pseudodemocrática que por aí se representa, e começarem a exigir muito mais, porque quem produz tem direito a exigir. Não alinhamos no unanimismo sobre as belezas deste regime, nem no consenso em torno do Presidente da República, e dizemos redondamente que não prestam, nem um nem o outro.
Há quem ache que isso não nos dará muitos votos. É possível. Mas, na situação a que chegou o país, não temos tanto medo de ser poucos como temos medo de ser frouxos. É preciso que alguém diga que esta comédia é revoltante.
Segunda diferença: vamos mostrar que a campanha contra o cavaquismo é só fumaça enquanto estiver centrada nos debates na Assembleia da República. Tem que ser a luta dos trabalhadores na rua a conduzir o parlamento. Em vez de pôr água na fervura das lutas, é preciso apoiá-las, coordená-las, fazê-las convergir num grande movimento popular. A campanha para tornar a vida impossível à quadrilha cavaquista tem que ser conduzida de tal modo que enfraqueça a ordem capitalista, enfraqueça os partidos do regime e não sirva de escadote ao PS para voltar mais uma vez a fazer a mesma política da direita com cores socialistas.
Terceira diferença: dizemos que a concertação social, o espírito do diálogo, as negociações de gabinete, as lutas desconvocadas em acordos de bastidores, estão a cortar as pernas aos trabalhadores, como se viu com a greve geral do ano passado, que não foi aproveitada para derrotar o pacote laboral, e com a nova greve geral que esteve quase a haver no outro dia e depois se sumiu por um alçapão. Vamos reclamar como medidas imediatas 10 contos de aumento para todos, a correcção salarial de 88 que nunca mais apareceu, e que no fim deste ano os aumentos sejam indexados à inflação real e não aos cálculos vigarizados do ministro das Finanças. Reclamamos a semana de 40 horas, a revogação do pacote laboral, o fim do trabalho precário.
Quarta diferença: não nos extasiamos perante a tolerância da nossa jovem democracia. Avisamos que os de cima só consentem em ser democratas desde que lhes obedeçam e não os chateiem. Mostramos que a paz social só existe enquanto os de baixo se sujeitam a ser espezinhados. E vamos dizer que o que está em jogo com o processo FUP/ FP-25 não é só a baixeza de condenarem a 18 anos de cadeia o chefe do levantamento contra o fascismo; é saber se travamos ou não a ascensão descarada da direita, se lhe permitimos que se arvore em juiz do nosso comportamento democrático depois de nos ter oprimido durante 50 anos. Por isso, reclamamos o que nenhuma outra candidatura é capaz de dizer: abolição da polícia política, amnistia total e imediata para Otelo e todos os presos políticos.
Quinta diferença: já chega de oposição platónica à NATO e ao militarismo. Com isso podem eles bem. Vamos propor acções na rua para exigir: Fora a NATO, fechem as bases, não às armas nucleares, direitos democráticos para os soldados, sargentos e todos os membros das forças militarizadas.
Sexta diferença: não somos saudosistas, não vamos propor o regresso ao “bom tempo” em que só éramos explorados pelos nossos capitalistas patriotas. Estamos contra a CEE mas não nos mete medo. É um gigante com pés de barro. A luta contra o capitalismo, pelo socialismo, podemos conduzi-la a partir de agora em união com os trabalhadores de toda a Europa. Talvez daqui a uns anos os capitalistas europeus cheguem à conclusão de que o derrubamento das fronteiras não foi assim tão boa ideia…
Inclusão | 16/10/2018 |