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Primeira Edição: Informe de FMR à Assembleia Extraordinária de 1/7/1988. As reticências entre parêntesis, nomes, siglas e designações alterados, etc. correspondem a cortes no texto da responsabilidade de Ana Barradas para proteger identidades, agrupamentos políticos, e/ou acções políticas.
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Depois de uma primeira fase, em que nos concentrámos no trabalho ideológico e falhámos no projecto paralelo de uma corrente sindical em torno da “Tribuna Operária”, e de uma segunda fase (o último ano), em que fomos forçados a fechar-nos na empresa, as nossas forças encontram-se muito desgastadas.
Chegámos a um ponto em que a maioria dos camaradas está desmobilizada e descrente, a nossa ligação ao movimento operário é quase nula e, por falta de vida política, começam a faltar ideias novas para a redacção da PO. A nossa continuidade como grupo político parece duvidosa.
Há contudo condições para uma viragem:
A situação política também está a mudar. Depois da vitória esmagadora do PSD nas eleições, as ilusões da prosperidade com a direita e com a CEE desfazem-se; houve uma greve geral que obrigou a adiar o pacote laboral; a crise do PCP, em desenvolvimento constante, se está a ser capitalizada pelo PS, não deixa de abrir espaços novos para a disputa do movimento operário. Os campos políticos entraram em movimento e permitem novas partilhas de influências; com o escorregar do PCP para a direita e com o cretinismo oportunista da PC(R) e do PSR, pode criar-se uma situação favorável à implantação de uma esquerda revolucionária, mesmo que muito minoritária, mas que sirva de pólo para o futuro.
O problema é: o que vamos nós fazer para isso?
A PO foi desde início pensada como uma fórmula de compromisso entre a agitação e a propaganda, capaz de animar uma corrente de ideias comunistas e uma reanimação da vanguarda operária, mas não o conseguiu. Mesmo os operários politizados consideram-na demasiado “intelectual”. Tentámos resolver este problema com a edição da “Tribuna Operária” mas verificámos que era superior às nossas forças. Temos que procurar uma solução em que a revista e o trabalho operário se fundam e se ajudem mutuamente em vez de se contraporem.
Daqui surgiu a ideia da nova série da PO: passar de revista ideológica de crítica marxista, dirigida sobretudo a intelectuais, para uma revista-jornal, mais dirigida aos operários de vanguarda. Não temos ilusões de poder começar dum dia para o outro a fazer uma revista muito melhor, porque as nossas forças são limitadas. Trata-se de adaptar melhor a revista que fazemos aos operários: mais comentários curtos e polémicos, mais denúncias sobre as empresas, compressão do palavreado, preço mais baixo, apresentação mais atraente, mais ligeira.
Põe-se naturalmente a questão: e que fazemos dos grandes problemas teóricos e ideológicos necessários ao renascimento do marxismo e que até agora só aflorámos num ou noutro aspecto? A resposta que vemos para esta pergunta é esta: mesmo que tenhamos que marcar passo durante algum tempo nessas questões, não podemos hesitar em fazê-lo porque ligarmo-nos à luta política e económica é a condição para nos mantermos vivos. Só se sairmos do estreito círculo que somos actualmente e nos revitalizarmos na acção política poderemos amanhã desdobrar o nosso trabalho numa revista teórica e num jornal político.
De qualquer maneira, a proposta não é passar a uma PO meramente agitativa. Conservaremos uma secção de artigos de fundo. Apresentamos em anexo a maquete da nova PO.
Este novo tipo de revista só pode ser feito se a redacção sair do gabinete. E preciso um contacto permanente com operários, não só para colher informações e cartas das empresas, mas para saber melhor de problemas políticos a que é preciso dar resposta.
A passagem à 2ª série deveria servir para actualizar o comité de redacção. 0 actual é teoricamente numeroso mas na prática está muito reduzido. Para além disso, tem havido uma degradação crescente e falta de seriedade de vários camaradas quanto aos compromissos assumidos. Deveriam eliminar-se os nomes dos que abandonaram a redacção e esclarecer com vários outros se renovam ou não o compromisso de membros da redacção.
Para melhor funcionamento, deveria haver um comité restrito de 4 responsáveis de secções:
Este comité de 4 deveria reunir semanalmente, aprovar materiais, etc. 0 colectivo de redacção reuniria mensalmente, para programar cada número e debater os artigos principais.
A passagem à nova série exige um esforço renovado de venda nas empresas, em que teremos que empenhar todos os membros da OCPO e uma rede de amigos. Algumas medidas previstas:
O nosso fracasso no trabalho operário não pode ser só atribuído ao facto de o modelo da PO não lhe estar adaptado, nem à ambição demasiada do projecto “Tribuna Operária” que não tivemos força para sustentar. Houve uma fuga ao trabalho prático de apoio à luta nas empresas, encoberta sob grandes polémicas em torno da crise do movimento e da cisão sindical, planos irrealistas de criar uma rede de ligações à escala nacional, etc. As ligações concretas de que dispúnhamos à partida e que deveriam ser o eixo do nosso esforço têm sido desprezadas e ou se perderam ou vegetam. Não houve empenhamento para acompanhar pontas operárias porque eram débeis e não se exploraram outras novas. Pomos incapazes de editar folhas de empresa.
Este nosso desprezo pelo trabalho operário não nos permitiu beliscar sequer a direcção do PCP sobre o movimento; não “roubámos” influência ao PC(R), apesar da sua crise; e tem permitido aos grupos trotskistas manterem e até ampliarem ligações de empresa que devíamos ter ganho para nós. (…)
Para este mau trabalho colectivo, contribuiu a quebra de Lll, que ficou desorientado e amolecido perante o falhanço da “Tribuna Operária” e não tem correspondido aos seus compromissos como funcionário da organização. Lll e Zcc, que também tinham um papel importante a desempenhar nesta frente, reduziram cada vez mais a sua intervenção e Lll aparece mesmo a desvincular-se de responsabilidades organizativas.
O relançamento do nosso trabalho operário tem que partir de uma ruptura com os falsos problemas de orientação que têm servido de cortina para a inacção. Opções como a criação de uma corrente sindical só poderão ser discutidas seriamente se erguermos primeiro uma rede de ligações, sem pretensões grandiosas, e começarmos a intervir em pequena escala em lutas de empresa, na luta contra o pacote laborai, acções contra o desemprego, etc. Só neste trabalho prático surgirão elementos para saber por onde avançar.
Algumas directivas imediatas:
A importância do trabalho feito na SCR nos últimos dois meses foi ter desmoronado a teoria da impotência que se tem generalizado entre nós. Demonstra-se que, mesmo sendo nós uma força insignificante e estando o campo da esquerda desagregado, não é impossível desencadear acções políticas.
O estilo de Aaa na SCR deve ser estendido a outras frentes de trabalho: descobrir a acção prática que corresponde ao estado do movimento, ganhar as pessoas para a sua realização, lutar com obstinação para levar cada tarefa até ao fim.
Se a experiência-piloto da SCR for aplicada a outros campos, podemos dentro de algum tempo estar a animar movimentos de massas contra o pacote laboral, contra o desemprego, contra a NATO, etc., dando início na prática à corrente de esquerda que muitos camaradas encaram como um sonho.
Devemos ter claros os aspectos perigosos e negativos da SCR:
Estes perigos não justificam que deixemos cair a SCR. Em qualquer outra frente de trabalho haverá perigos semelhantes, devido à nossa pequenez e falta de dinamismo. O que é preciso é neutralizá-los por uma acção concertada:
Enquanto o movimento continuar em refluxo a intervenção nas eleições tem uma grande importância política. Nas eleições anteriores, a OCPO, sem força para se legalizar e ter uma intervenção própria, envolveu-se em negociações tardias com os grupos anarco-trotskistas, ficou entalada nas suas manobras e acabou por ver-se forçada a apelar à abstenção, isolando-se das massas. Esta incapacidade de intervenção nas eleições contribuiu bastante para a perda de perspectivas de diversos camaradas, levando-os a afastar-se de nós ou a cair na apatia.
Para evitar que esta situação se repita no próximo ano, devemos definir com a necessária antecedência uma táctica de participação nas eleições para o Parlamento Europeu através de uma frente de grupos à esquerda do PCP, UDP e PSR. A única maneira de formar esta frente sem ficarmos na dependência de ninguém será legalizarmos um “partido” formado por sociedade entre os vários grupos e cujo único objectivo seria dar cobertura à apresentação de candidaturas nesta eleição e, se possível, noutras mais tarde.
As objecções que costumam surgir a esta perspectiva são:
Estes inconvenientes são reais mas a alternativa — não concorrer — é pior ainda, porque nos deixa sem espaço político. Devemos ter em conta:
Deveríamos iniciar a discussão com os grupos antes do fim do ano, apresentando-nos com as nossas forças mais consolidadas e com propostas concretas, de modo a termos a iniciativa na mão.
Eleições para as autarquias — Surgiu em Lisboa e Setúbal a possibilidade de se formarem listas independentes em freguesias, para as eleições de 89. Outras possibilidades surgirão se as procurarmos. Devemos começar desde já a apoiar a formação dessas listas, adaptando-nos às suas limitações políticas localistas e pondo apenas como condição para o nosso apoio: que sejam claramente dirigidas contra a direita e o governo; que sejam independentes do PS e do PCP.
Embora sejam sempre preferíveis listas de cidadãos independentes, poderiam surgir casos em que apoiássemos listas LST, FUP, PSR, UDP, desde que isso nos desse alguma vantagem política.
A ausência total de agitação contra a NATO é um dos aspectos do enorme atraso político do movimento de massas no nosso país, em contraste com o que se passa por exemplo em Espanha. Abrir uma campanha de acções de rua contra a NATO é uma tarefa urgente para que uma corrente de autêntica esquerda revolucionária comece a ganhar contornos.
Não dispondo nós de forças para nos lançarmos de imediato a esta tarefa, devemos para já usar a SCR para atacar o militarismo (como no caso dos Comandos), com vista a preparar terreno para o lançamento, logo que possível, de um comité unitário contra a NATO.
A um ritmo muito lento, os nossos contactos internacionais têm progredido:
Apesar da nossa pequenez e dos problemas que atravessamos, não devemos perder de vista que temos um papel a desempenhar na criação de um núcleo internacional comunista revolucionário. O que está em jogo, tal como no plano nacional, é saber se a nova corrente consegue coesionar-se e tornar-se um pólo de atracção ou se é desagregada sob a pressão dos revisionistas, trotskistas e centristas albaneses. (…)
As dificuldades do nosso percurso nos 3 anos que já levamos de existência (prioridade ao trabalho ideológico, montagem e viabilização do aparelho técnico) fizeram-nos perder vários camaradas e degradaram seriamente a militância nas nossas fileiras. Poderíamos estar muito mais avançados se o grosso do trabalho não recaísse se sobre meia dúzia de camaradas, perante a falta de entusiasmo ou mesmo a indiferença dos restantes.
A perda de espírito revolucionário discutida na 3ª Assembleia agrava-se de tal maneira que os progressos conseguidos nos últimos meses, em vez de reanimar os camaradas em crise, parecem alarmá-los, por ameaçar o seu acomodamento. Reagem com uma lógica viciada a tudo o que indique possibilidades de acção: houve uma greve geral? Pois sim, mas foi uma derrota. Tocámos centenas de pessoas com a SCR? Mas é só pequena burguesia folclórica. Conseguimos 50 assinaturas para o manifesto sindical? Mas isso não mudou nada. Lutar pela Amnistia é “uma direitada”. Transformar a PO é “desistir da luta ideológica”. Etc. Parece que apostaram em não se deixar comover. Defendem o seu direito a retirar-se da acção militante ou a reduzi-la a um mínimo simbólico.
Temos que concluir que a componente direitista na nossa ruptura com o PC(R), que já detectámos há 3 anos, é mais vasta do que pensávamos. A maioria dos camaradas saiu do PC(R), de facto, com uma dinâmica de abandono da luta comunista, que se revela perante os obstáculos.
Devemos reagir a esta pressão capituladora sem pânico mas também sem espírito de conciliação. Não pretendemos sanear ninguém mas recusamos deixar-nos arrastar pelos que se afogam. Devemos apelar mais uma vez a cada membro da OCPO para que ocupe o seu lugar nas tarefas que temos pela frente, fazendo-lhes ver que os argumentos com que justificam a inacção encobrem a rendição ao inimigo de classe.
Algumas medidas para a melhoria da nossa vida interna:
Inclusão | 16/11/2018 |