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CAUSOU SURPRESA o apelo “para uma ampla convergência democrática capaz de abrir uma saída política à situação na Colômbia”, lançado a 4 de Abril num comunicado conjunto das Forças Armadas Revolucionarias Colombianas (FARC) do Exército Popular de Libertação (EPL) e do Partido Comunista da Colômbia (marxista-leninista).
Com efeito, a ruptura entre as FARC, de orientação revisionista, e os restantes grupos guerrilheiros parecia definitiva depois dos acontecimentos do ano passado.
Duas notícias, surgidas em Dezembro na imprensa, punham em foco as tendências opostas em que estava a separar-se o movimento de oposição à oligarquia. Dum lado a União Patriótica, agrupamento legal criado em Maio de 1985 pelo PC pró-soviético e pelo seu exército, as FARC. lamentando a morte de 350 membros seus, entre eles três deputados, massacrados pelos bandos de extrema direita, reafirmava que “estas provocações não nos desviarão do respeito escrupuloso pelo acordo de tréguas”. Pela mesma altura, a Coordenadora Nacional Guerrilheira, formada em Setembro de 1985 pelo M-19, pelo EPL, pelo ELN e por outros pequenos grupos de guerrilha, noticiava que as suas forças tinham rompido, após uma semana de árduos combates, o cerco montado pelo Exército na província de Antioquia.
O abandono da luta armada pelo PC revisionista e pelas FARC e a passagem das restantes forças guerrilheiras a uma fase superior de luta combinada pareciam pois constituir o saldo contraditório e clarificador da operação de “reconciliação nacional” lançada há cinco anos pelo presidente Belisário Betancur.
O comunicado conjunto de 4 de Abril não pode assim deixar de levantar sérias interrogações quanto ao percurso do PCC (m-l), um dos poucos partidos da chamada corrente marxista-leninista com implantação de massas e uma larga experiência política. Porque a busca duma “convergência democrática” em colaboração com os revisionistas, sobretudo na Colômbia de hoje tem que ser vista como um passo no sentido da capitulação, que a burguesia e o imperialismo tentam arrancar por qualquer preço.
Os objectivos da manobra de “reconciliação nacional” estão hoje perfeitamente claros. Comprovou-se que as promessas de amnistia, de distribuição de terras e de reformas democráticas não passaram dum isco para levar os guerrilheiros a depor as armas. Após a assinatura dos acordos de tréguas pelo M-19, pelas FARC e pelo EPL (o ELN de tendência castrista radical, nunca chegou a assinar), os grupos paramilitares do Exército intensificaram as operações de limpeza, os raptos, assassinatos e torturas. O pretexto era a exigência de que os grupos de guerrilha entregassem as armas, embora os acordos lhes reconhecessem expressamente o direito de as conservar durante uma fase transitória, como garantia de autodefesa.
A farsa sangrenta das tréguas terminou em Novembro de 1985 com o banho de sangue de Bogotá. A ocupação do Palácio da Justiça por um destacamento do M-19 em protesto contra a violação dos acordos, respondeu o exército massacrando as cem pessoas que se encontravam no edifício guerrilheiros e refens. Como veio a público posteriormente o objectivo desta chacina que teve o aval do dialogante Betancur era torpedear de vez qualquer hipótese de tréguas e ajustar contas com os magistrados liberais sequestrados pelas denuncias que vinham fazendo do terrorismo do exército. O ano findo consagrado pelo regime a mais um carnaval eleitoral acentuou o distanciamento entre o PC e as outras forças da oposição popular. Enquanto a União Patriótica concentrou todos os esforços na meta de “ter eleições em paz ordenou a desmobilização dos destacamentos das FARC que pretendiam retomar a luta armada e previu “uma alteração da história eleitoral do pais” a Coordenadora Nacional Guerrilheira apelou ao boicote das eleições-farsa e reorganizou as acções de combate.
As eleições não mudaram nada e registaram uma abstenção superior a 60%. O lugar de Betancur, do Partido Conservador, foi ocupado por Virgílio Barco, do Partido Liberal, que prossegue a política de guerra total à esquerda, a coberto de declarações de legalidade. A União Patriótica recolheu apenas 4,4% dos votos e, apesar das suas proclamações conciliatórias, não conseguiu deter o extermínio metódico dos seus militantes. O sinistro MAS (“Morte aos Sequestradores”), organizado pelo exército, rapta, tortura e mata os antigos guerrilheiros que pretendem regressar à acção política, assim como dirigentes sindicais, deputados, etc.
E o certo é que a onda de terror acelera as tendências de capitulação incondicional nas fileiras revisionistas. “Para a pacificação, estamos dispostos a sacrificar todo o sangue que for necessário”: esta declaração espantosa, proferida recentemente por Jacobo Arenas, n.° 2 da União Patriótica, dá bem a medida do liquidacionismo do PC, disposto a ganhar um espaço parlamentar por qualquer preço.
É com esta política que o PCC (m-l) passou a colaborar, como se o terrorismo de direita pudesse ser detido com reuniões cívicas “pelo direito à vida” e propostas de “convergência democrática”.
A luta popular de guerrilha da Colômbia não pode ser abandonada sem se atraiçoarem os direitos elementares da classe operária, dos camponeses e das massas populares. Ela não nasceu de uma mera opção das forças de esquerda. Foi imposta por uma situação social explosiva, após vinte anos de guerra civil mortífera entre o Partido Conservador e o Partido Liberal (1948-1968), que causou cerca de 300 mil mortos e empurrou as massas camponesas para a luta armada como única via de salvação.
A Colômbia é hoje um dos expoentes mais elevados da decomposição política das burguesias vassalas dos Estados Unidos. Latifundiários e potentados da cocaína com os seus esquadrões da morte, grandes jazidas de petróleo e de carvão açambarcados pelas multinacionais norte-americanas, generais nazis e bispos ultra-reaccionários, conselheiros da CIA e do FMI todo-poderosos, cidades gigantescas, um quarto da população em pobreza absoluta — é esta a base para a luta guerrilheira. Se o isolamento da guerrilha nas zonas atrasadas do interior e a sua falta de implantação nos grandes centros populacionais provocaram uma crise no desenvolvimento da luta armada, a viragem estratégica que se impõe não deve ser no sentido da deposição das armas, que só pode acarretar (e já está a acarretar) sacrifícios maiores ainda para o movimento popular.
O Exército Popular de Libertação, com uma longa história de luta e com mártires como Óscar William Calvo e o comandante Ernesto Rojas, não merece um fim semelhante ao das FARC. Sobre o Partido Comunista da Colômbia (marxista-leninista), um dos primeiros a erguer-se no mundo contra a traição revisionista, recai a grande responsabilidade de enfrentar a situação dramática em que se encontra e não se deixar envolver pela rendição “pacificadora” do PCC. Esperamos que os comunistas colombianos encontrem forças para reagir à tentação da rendição.
Inclusão | 08/11/2016 |