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Primeira Edição: Texto publicado na Tribuna Comunista nº 7 da Organização Comunista Política Operária, Junho de 1986, inédito
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Começo por dar um resumo da argumentação de Lenine acerca do “esquerdismo” nas eleições. Cada camarada poderá ler o texto integral em Esquerdismo, doença infantil do comunismo, capítulos VII, VIII e IX.
Historicamente, o parlamentarismo já fez a sua época, já vivemos na época da ditadura do proletariado. Mas do ponto de vista da política prática imediata, a questão não é assim tão simples Aquilo que nós já superámos não foi ainda superado peia classe e pelas massas.
Temos que lhes dizer claramente que estão dominadas por preconceitos democráticos burgueses e parlamentares. Mas temos que encarar — com lucidez o estado real da sua consciência. Somos obrigados a participar nas eleições precisamente para educar essas massas. Enquanto não tivermos força para dissolver o parlamento, somos obrigados a trabalhar nele para ganhar a nós os operários iludidos. É muito fácil manifestar “espírito revolucionário” contentando-se em chamar nomes aos oportunistas e recusando a participação no parlamento. Mas isso não resolve o problema.
O ódio proletário aos políticos da burguesia é o primeiro passo para a inteligência de classe. Mas para alcançar a vitória futura dos sovietes sobre o parlamento burguês é preciso fazer com que políticos ‘‘soviéticos” entrem nesse parlamento e desagreguem o parlamentarismo por dentro.
Na Rússia, participámos nas eleições para o parlamento burguês em Setembro-Novembro de 1917, apesar de os operários, soldados e camponeses já estarem preparados para adoptar o regime soviético. Mesmo a poucas semanas da vitória da República soviética, mesmo depois dessa vitória, a participação no parlamento democrático burguês não só não estorvou o proletariado revolucionário como lhe permitiu demonstrar às massas retardatárias porque é que esse parlamento devia ser dissolvido.
Os bolcheviques participaram nos parlamentos mais contra-revolucionários e a experiência mostrou que essa participação foi indispensável para passar da primeira à segunda revolução burguesa e desta à revolução socialista. A presença de uma oposição bolchevique no parlamento não entravou mas facilitou a sua dissolução.
Naturalmente, há casos em que se devem boicotar as eleições, quando a acção revolucionária das massas possibilita varrer um parlamento contra-revolucionário. Foi o que os bolcheviques fizeram com êxito em 1905. Mas já no ano seguinte a sua tentativa de boicote foi errada e não resultou porque o movimento de massas perdera força.
Põe-se aqui a questão dos compromissos. Não será que ao entrarmos em compromissos eleitorais caímos no oportunismo? Este é um falso problema.
Todo o proletário que já viveu a experiência de greves e de compromissos com os opressores sabe distinguir entre um compromisso imposto pela situação e um compromisso aceite por traidores que querem ficar bem vistos pelos capitalistas. Só por ingenuidade se pode supor que ao admitir os compromissos em geral se apagam as fronteiras entre marxismo revolucionário e oportunismo.
Toda a história do bolchevismo abunda em exemplos de acordos e compromissos, mesmo com os partidos burgueses. Desde 1905, preconizámos sistematicamente a aliança do proletariado com o campesinato contra o czarismo e a burguesia liberal, mas sem por isso nos recusarmos a apoiar a burguesia contra o czarismo (por exemplo, na “segunda volta” das eleições). Em 1907, constituímos um bloco formal com os socialistas-revolucionários para as eleições. De 1903 a 1912, mantivemo-nos nominalmente no mesmo partido com os mencheviques. Durante a guerra, estabelecemos uma espécie de compromisso com os centristas de centro, os mencheviques de esquerda e com uma parte dos socialistas-revolucionários.
Vejamos a situação na Inglaterra. É um facto que os chefes trabalhistas querem ir para o poder para administrar segundo as regras da burguesia. Mas não se segue daqui que dar-lhes apoio seja trair a revolução Os revolucionários da classe operária devem, no interesse da revolução, dar a esses cavalheiros um certo apoio parlamentar (p. 77).
Uma vez que a maioria dos operários ingleses segue os trabalhistas e ainda não fez a experiência do seu governo (ao contrário do que sucedeu na Rússia e na Alemanha), os comunistas ingleses devem participar na acção parlamentar e de dentro do parlamento ajudar os trabalhistas a vencer a coligação dos liberais e conservadores e ajudar a massa operária a avaliar o governo trabalhista pelos seus actos
Agir de outra forma é entravar a obra da revolução, porque se não houver uma evolução nos pontos de vista da maioria da classe operária, a revolução será impossível. E essa evolução só se consegue pela experiência política das massas, nunca pela mera propaganda, (p. 80).
Se não somos apenas um grupo de revolucionários mas o partido da classe revolucionária, se quisermos arrastar as massas atrás de nós, devemos ajudar primeiro os trabalhistas a bater os liberais e os conservadores (mais: obrigá-los a vencer, porque eles receiam a sua própria vitória): em seguida, ajudar a maioria da classe operária a convencer-se pela sua própria experiência de que temos razão, de que os trabalhistas não passam de pequenos burgueses traiçoeiros; por fim, aproximar o momento em que a maioria dos operários, depois de ter perdido as ilusões nos trabalhistas, nos ajudará a derrubar o seu governo.
Em concreto: os comunistas Ingleses devem fundir os seus quatro partidos e grupos num único partido, na base da participação obrigatória no parlamento. O PC deve propor aos trabalhistas um acordo eleitoral: caminharemos em conjunto convosco contra os liberais e conservadores; partilharemos os lugares ganhos na proporção dos votos dados a cada um; evidentemente, conservaremos total liberdade de propaganda, de agitação e de acção política. Sendo [ilegível] fazer bloco connosco nestas condições ficaremos a ganhar porque a partir aos lugares obtidos, poderemos alargar a nossa propaganda entre as massas. Se recusarem ganharemos mais ainda porque poderemos demonstrar às massas que os trabalhistas preferem a colaboração com a burguesia à união de todos os operários.
Na Rússia, após a revolução de Fevereiro de 1917, os bolcheviques diziam aos mencheviques e socialistas-revolucionários: “Tomem o poder, já que têm a maioria nos sovietes.” Mas eles não ousavam fazê-lo e conciliavam com a burguesia.
O que deveriam portanto fazer os comunistas ingleses se os trabalhistas recusassem um bloco eleitoral? Deveriam apresentar os seus candidatos próprios num número ínfimo de circunscrições absolutamente seguras, onde a apresentação do nosso candidato nâo acarretasse perigo de dar a vitória a um liberal contra um trabalhista. Deveriam, além disso, fazer a sua propaganda eleitoral a favor do comunismo mas apelando ao voto no trabalhista contra o burguês em todas as circunscrições onde não apresentássemos candidato.
Não têm razão os camaradas que vêem nisto uma traição ao comunismo. Os comunistas têm uma grande dificuldade em fazer-se ouvir pelas massas. Mas se eu me apresentar como comunista e apelar ao voto pelo trabalhista contra o liberal, certamente dar-me-ão ouvidos. Poderei explicar-lhes porque é que os sovietes são melhores do que o parlamento e também que a minha intenção, ao ajudar a eleger um trabalhista é sustê-lo como a corda sustem o enforcado. Quanto mais próximos do governo estiverem os chefes trabalhistas, mais claro se tornará que eu tenho razão, mais as massas se deslocarão para o meu lado, mais próxima estará a morte política dos chefes oportunistas. Foi o que sucedeu na Rússia e na Alemanha.
Para alguns camaradas, a nossa preocupação em tomarmos posição acerca das eleições, editarmos manifestos, etc., seria uma cedência ao eleitoralismo que nos desvia das nossas tarefas centrais e que manifesta a persistência de tendências oportunistas nas nossas fileiras. Parece-me que a argumentação de Lenine mostra o que há de errado nesta posição. No período de refluxo que atravessamos, a classe operária e a massa dos trabalhadores vêem nas eleições uma das principais formas de intervenção na vida política Bombardeados pela propaganda dos partidos burgueses, alinham-se atrás de uma ou outra candidatura e não é o nosso desinteresse que ajuda a modificar essa situação. Os que se alheiam das eleições neste momento não são a vanguarda da classe operária mas a retaguarda despolitizada. Não nos podemos enganar com a ideia de que 25% dos trabalhadores se abstiveram como nós. O problema das eleições deve preocupar-nos seriamente.
Até aqui tudo me parece claro. Mas os problemas começam quando se pretende aplicar o leninismo à situação actual.
Se aplicarmos à letra na situação actual as opiniões de Lenine que transcrevi, teremos que concluir que a nossa posição acerca das eleições foi totalmente esquerdista. É o que pensam diversos camaradas, que avançam como argumentos:
Penso que estas críticas tocam nalguns erros que cometemos mas não esclarecem o fundo da questão e deixam em aberto uma série de interrogações. Na realidade, se quiséssemos aplicar à letra as posições de Lenine, deveríamos ter defendido o seguinte nestas eleições:
Isto era o que deveríamos ter feito se seguíssemos linearmente o princípio de acompanhar o estado de consciência das massas e ajudá-las a percorrer a sua própria experiência. Os camaradas que invocam este argumento deveriam aplicá-lo em todos os casos e não só em alguns.
Porque é que não aparecem camaradas dispostos a assumir estas consequências práticas? É por estarmos viciados em preconceitos esquerdistas, ou porque todos sentimos, mais ou menos confusamente, que as eleições se dão num quadro político e social muito diferente do que existia no tempo de Lenine? Acho que devíamos esclarecer esta questão. Para já, vejo três circunstâncias novas que devem ser ponderadas:
Do lado do movimento operário há uma crise geral de perspectivas revolucionárias, relacionada com a crise da corrente marxista. Actualmente, a vanguarda operária não sabe como fazer a revolução, não acredita que possa tomar o poder, nem vê como poderia conservá-lo. É evidente que, faltando-lhe isso, fica sem ponto de apoio para utilizar quaisquer manobras eleitorais em seu proveito.
Do lado da burguesia, há um entrelaçamento muito maior da burguesia e da pequena burguesia com os monopólios, com o aparelho de estado e com o imperialismo. Esses laços tornaram-se tão apertados que a política dos seus partidos representa apenas variantes tácticas da mesma política imperialista. O jogo eleitoral está muito mais apodrecido e move- se nos limites da alternância burguesa. Ninguém pode dizer que uma vitória eleitoral da social-democracia seja o prelúdio de um novo passo em frente dos operários; pelo contrário, é o prelúdio para um passo atrás nas eleições seguintes, em direcção aos conservadores.
Apareceu uma pequena burguesia “comunista” que balança entre a atracção pelo reformismo e a esperança de chegar ao poder apoiada na URSS. É um fenómeno historicamente novo em relação a Lenine e que tem que pesar nas nossas análises. A táctica de apoiar os partidos revisionistas para os fazer desmascarar-se é muito perigosa porque pode facilitar a instauração de novos regimes de capitalismo de Estado.
Em resumo, hoje, a alternativa que as eleições abrem ao movimento operário, num país como Portugal, pelo menos, é muito mais estreita do que no tempo de Lenine. A absorção do movimento operário pela burguesia e pequena burguesia foi levada tão longe que o direito de voto só serve aos operários para escolher o inimigo menos mau.
Deixando de lado como Improvável uma situação em que um partido comunista autêntico ganhe força eleitoral (e aí estaria o nosso problema resolvido: apelávamos ao voto no PC), pode-se admitir uma situação de crise em que partidos pequeno-burgueses radicais, do tipo UDP ou FUP. poderiam ganhar grande apoio de massas e o voto neles poderia ajudar a precipitai uma crise revolucionária e a levar as massas mais longe mas fora destes casos não se vê como se possa fazer uma organização do voto no sentido da revolução.
É por sentirem isto que os operários se debatem sempre no mesmo dilema; para não serem úteis à direita, têm que se resignar a ser úteis aos liberais ou revisionistas, ou vice-versa. Daí as divergências insolúveis que se manifestam entre nós de cada vez que há uma eleição. Cada uma das soluções propostas aparece como uma ameaça para a corrente operária revolucionária que queremos: ou votar útil contra a direita — e nesse caso perdemos fronteiras com os liberais e revisas, tendemos para o oportunismo, corremos o risco de ser engolidos por eles; ou abstermo-nos — e nesse caso, favorecer indirectamente a direita. isolarmo-nos perante a massa e estiolarmos no sectarismo.
Só o facto de nos debatermos neste dilema mostra que a resposta para a táctica eleitoral não pode ser encontrada apenas no campo dos argumentos tácticos. Tem que ser procurada numa nova avaliação de toda a perspectiva estratégica.
Resta um argumento. É que, embora as eleições não permitam na situação actual uma acumulação revolucionária de forças, elas conservam a sua importância porque decidem do tipo de canga que vai ser imposta ao movimento operário. Ninguém tem dúvida de que uma vitória eleitoral da direita é desfavorável para os trabalhadores. Todo o voto a menos nos partidos do centro (PS. PRD. PCP) é um voto de vantagem para os reaccionários. É por isso que os operários sentem espontaneamente a necessidade de votar contra a direita e não querem saber de cantigas acerca da independência de classe. A solução seria pois optar pelo voto crítico nos partidos do centro, acompanhando os operários mas tentando elevar-lhes a consciência.
Aqui vejo uma dificuldade. Para que esse voto fosse efectivamente crítico, sem nada de capitulador, demarcado das ilusôes da massa nos “bons” burgueses, ele teria que dizer toda e verdade acerca dos partidos ou candidatos que iríamos apoiar.
Seria, por exemplo, dizer nas legislativas:
“Vamos acompanhar a massa operária com um voto no PCP mas por razões completamente diferentes das deles. Os operários acreditam que é bom haver um forte PCP na oposição para travar a ofensiva do Capital. Mas nós vamos votar no PCP porque sabemos que, quanto maior força eleitoral ele tiver, mais depressa apodrecerá como partido do regime, mais se afastará dos interesses operários, mais espaço abrirá para o surgimento dum verdadeiro PC. Vamos dar força ao PCP para acelerar a sua degeneração.”
Ou, na primeira volta das presidenciais:
“Vamos votar em Zenha porque, dos candidatos burgueses com hipóteses de ganhar, ele é o mais fraco e incapaz, o que melhor poderemos utilizar para criar conflitos no seio da burguesia e deitar abaixo a democracia burguesa”.
Ou, na segunda volta:
“Vamos votar em Soares porque ele é, dos dois candidatos anti-operános, aquele que mais facilmente poderemos envolver num conflito com o governo. Vamos pregar uma partida à burguesia votando no nosso inimigo social-democrata para deixar o poder dividido entre duas correntes e portanto mais vulnerável aos nossos golpes”.
Isto era, no mínimo, o que teríamos que dizer aos operários para não fazermos o jogo da burguesia democrática. Mas estas declarações de voto não seriam consideradas pelos próprios operários como uma provocação contra a esquerda, na medida em que dariam armas à propaganda da direita junto dos sectores intermédios, ajudariam a direita a engrossar a sua votação e comprometeriam a vitória da “esquerda”?
O voto crítico, se fosse realmente crítico. alargaria o nosso espaço ou isolar-nos-ia ainda mais do que a abstenção?
Parece-me que vamos sempre bater em problemas que não se resolvem com manobras tácticas e que exigem uma discussão mais alargada.
Poderei resumir as minhas dúvidas em quatro pontos
Mas não me parece que tenhamos sido esquerdistas. Fomos prudentes, apenas, porque o perigo de um voto errado era maior do que o perigo de uma abstenção errada.
Nestas condições, se a breve prazo nos virmos confrontados com outras eleições legislativas, e sem termos ideias seguras sobre esta questão, só vejo uma solução menos arriscada fazermos agitação antes, desafiando o PCP e a UDP a definirem-se sobre questões políticas essenciais e em seguida abstermo-nos, explicando publicamente as razões.
Inclusão | 02/10/2018 |