Questão na Ordem do Dia

Francisco Martins Rodrigues

22 de Dezembro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 22 de Dezembro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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O assassinato do administrador-polícia da Fábrica de Loiças de Sacavém, Monteiro Pereira, desencadeou um coro de exclamações horrorizadas. A direita, puxando ao sentimento, apresentou-o como um mártir do dever. Os liberais saltaram em defesa da “convivência e tolerâncla”. E o PCP e a CGTP, como era de esperar, não faltaram a cacarejar o seu repúdio alvoroçado. Os operários é que não foram no choradinho. Era ouvi-los comentar nas ruas com tranquilo bom-senso: “É um fascista a menos Não se perdeu nada".

Os operários podem ter poucas luzes de política. Mas hipócritas não são. E só por hipocrisia pode alguém estranhar que um cidadão do calibre de Monteiro Pereira morra num atentado.

Para “restabelecer a disciplina e a produtividade”, este ex-oficial da GNR despediu 48 delegados operários, puniu mais 84, fez invadir a fábrica por 300 GNRs, mandou saquear as instalações da comissão de trabalhadores, sufocou a greve, desgraçou a vida a centenas de operários. Então...?

Quem semeia ventos colhe tempestades. Digamos que tinha escolhido uma profissão arriscada. A sua morte pode considerar-se como um acidente de trabalho.

Entendamo-nos. Os atentados das FP-25 não têm nada a ver com a luta operária. Matando um homem odiado pelos trabalhadores, os suspeitos “vingadores do povo” das FP-25 procuram juntar um capital político para fins obscuros. Se não são teleguiados pela direita, vão-lhe muito ao jeito.

Mas o dr. Álvaro Cunhal aproveita a condenação do terrorismo para fazer esquecer que Monteiro Pereira era um carrasco justamente odiado. Não diz que a sua morte regozijou os trabalhadores. Ataca em bloco toda a ideia de responder à repressão.

O que o PCP quis dizer com o seu repúdio foi — à burguesia: "Vejam como somos adeptos da ordem" — e aos operários: “Cuidado, não respondam à violência, que isso é provocação". Tal qual como na Reforma Agrária. Com os resultados que se conhecem.

A luta operária não precisa dos atentados das FP-25. Rejeita-os. Mas rejeita-os porque precisa de outros meios mais eficazes de resposta à violência crescente da burguesia. A burguesia têm que deixar de sorrir desdenhosa perante os operários que saem à rua com fome. A burguesia tem que começar a levar os operários a sério. Essa é uma questão na ordem do dia. Queira-o Cunhal ou não.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2018