A Cortesia não Compensa

Francisco Martins Rodrigues

15 de Setembro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 15 de Setembro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Telejornal de sábado: o Presidente da República visita o concelho de Alenquer, entre manifestações de júbilo da população. Enquanto ouvia o chato e emproado discurso de Sua Excelência, pus-me a pensar nos destinos do partido eanista (Reformador, Democrático ou Republicano, segundo os padrinhos) que está por ai a rebentar.

O efeito, para já, é animador. Velhos liberais empalhados reanimam-se. Mário Soares, livido, torce-se com cólicas. Balsemão lança apelos ao apaziguamento capazes de fazer chorar as pedras.

Se o novo partido vai ser uma cunha metida na aliança reaccionária AD/PS, porque não apoiar? O sr. Álvaro Cunhal, pelo menos, não tem dúvidas a esse respeito: já lhe deu as suas bênçãos. Será benvinda a nova força, “favorável à defesa da democracia”.

Sabem o que isto quer dizer, trocado por miúdos? Antes, mantinha-se a luta contra a AD em lume brando para não causar má impressão a Eanes e provar-lhe que podia demitir o Governo sem risco para a ordem pública. Hoje, os deputados do PCP apertam-se nas suas cadeiras na Assembleia, para fazer lugar aos deputados-irmãos eanistas. Amanhã, será preciso fornecer quadros ao Ministério do Trabalho num governo eanista, para assegurar sã cooperação entre as forças democráticas. Depois de amanhã...

— Mas então vamos criticar uma iniciativa que pode em futuras eleições correr a AD do Governo? Não é isso fazer o jogo da reacção?

As boas almas que assim pensam esquecem que o reagrupamento da burguesia liberal num novo partido não é coisa que precise dos amens dos trabalhadores. As próprias dificuldades da AD em avançar criam na burguesia uma corrente favorável à experiência eanista. Demonstrados os riscos de uma confrontação à bruta, a tendência natural é para tornear a resistência operária e popular com bons modos.

Ora, tudo indica que grandes massas vão embarcar na operação eanista do “consenso”, tal como há três anos embarcaram na operação sácarneirista do “confronto”. Logo, a tarefa não é empurrá-las para lá, é ganhá-las para a acção independente.

Eis porque os piropos de Álvaro Cunhal ao partido eanista enfraquecem a consciência dos operários, enfraquecem a corrente popular e portanto reforçam a direita.

Donde se conclui que a cortesia democrática do dr. Alvaro Cunhal para com o general Eanes é vantajosa para o prof. Freitas.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018