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Primeira Edição: Em Marcha, 28 de Abril de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Cena eventualmente chocante a que teve lugar na Casa do Alentejo no dia 21. Deputados e conselheiros da Revolução brindaram ao 25 de Abril, aplaudiram a fala do major Vasco Lourenço e cantaram a “Grândola” abraçados sem distinção de partidos, os do PS e os do CDS, os do PCP e os do PSD. Não fui eu que inventei, vem nos jornais.
A mesma concórdia já se verificara, de resto, quando da viagem de Eanes a Angola. Ali se viu o ministro Baião Horta do CDS e o embaixador Leonardo Mathias a colaborar com o tenente-coronel Melo Antunes na elaboração dos patrióticos acordos que prometem alguns milhões de contos de encomendas à indústria nacional. O que prova que quando há harmonia de esforços, o país tem tudo a ganhar e nada a perder, como nota com alegria "O Jornal".
A sessão solene na Assembleia foi um gargarejar comovente à democracia, à esperança e aos ideais de Abril. Se não fosse aquele grosseirão do major Tomé, insensível aos valores mais sublimes, teria sido um momento perfeito.
Esta semana provou que ainda há coisas capazes de promover a reconciliação dos portugueses honrados de todos os quadrantes: a democracia e o progresso.
É verdade que o capitalismo nos atira com a crise para cima das costas aos pacotes. É verdade que a Constituição está a dar as últimas. É verdade que os operários da Loiça de Sacavém levam cacetada dos polícias de choque. É verdade que as terras das cooperativas estão a ser executadas pelas dívidas que o Estado não lhes paga. É verdade que os camponeses não sabem o que hão-de fazer à vida.
Simples detalhes. O que é isso ao pé dos cravos de Abril? Estamos a festejar "oito anos de Revolução". Oito, nada menos. É o sr. Miguel Urbano Rodrigues que nos dá esta boa nova no "Diário". Se com oito anos de Revolução viemos parar a este buraco, o que não será com outros oito?
Aquilo que se quer ocultar com esta enxurrada de concórdia é que o 25 de Abril acabou no 25 de Novembro. Aquilo que se quer fazer esquecer a todo o custo é que a luta entre liberais e ultras é a luta entre dois lobos que nos disputam a pele. Aquilo que se proíbe nesta admirável democracia é que os operários e camponeses pensem na maneira de mandar no país e acabar com a exploração capitalista. Mas a vida é mais teimosa do que os discursos.
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha
Inclusão | 02/12/2018 |