O Meu Herói Favorito

Francisco Martins Rodrigues

24 de Fevereiro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 24 de Fevereiro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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O que eu mais admiro, no meio da bandalhice que por aí vai, é o espírito de sacrifício do nosso doutor Mário Soares. Como ele se sujeita a ser insultado por todas as esquinas deste país e a ler os elogios protectores do “Dia” e do "Tempo"! Como ele segura firme o leme do PS, todo a esfrangalhar-se e a meter água! Como ele suporta os rompantes do Cunhal, a atirar-lhe à cara com as cartas e os retratos, farto de tantos anos de namoro sem esperanças! Como ele aguenta de cara alegre aquela piolheira da UGT, que qualquer dia tem mais chefes do que chefiados!

E tudo para ser fiel aos seus princípios! Desde que compreendeu que a salvação de Portugal depende de um entendimento PS-PSD, Mário Soares tudo tem sacrificado à grande batalha, árdua mas gloriosa, pela nova Constituição e pelas pastas ministeriais. Não por apetite do poder, como rosnam os despeitados, mas porque ó a única forma realista de tirar o poder à direita.

Porque, não haja ilusões, os tempos do socialismo em liberdade já lá vão. Se é o Reagan que manda cá no burgo e se o Reagan quer a linha dura, para que havemos de estar com quixotismos inúteis, não é verdade? Antes seja o PS a fazer o trabalhinho do que outros piores.

Vocês já imaginaram a volta que levava esta terra se tivéssemos Mário Soares em Presidente da República, a inaugurar quartéis de bombeiros em vilas de província? Já pensaram que bom seria ter em primeiro ministro, no lugar da dentadura e da brilhantina do Balsemão, com aquelas conversas que não interessam nem ao menino Jesus — o nosso doutor Almeida Santos, cheio de rábula, todo democrata? Já viram a diferença que vai do Ângelo das revoluções, ao Jaime Gama, que deu tão boa conta de si em ministro socialista das polícias? Já viram o sainete que dava ao país ter o poeta doutor Alegre em ministro da Cultura?

Costumava dizer o velho Lenine, com a sua irreverência subversiva, que o que os reaccionários têm de audaciosos, têm os liberais de poltrões. Mas até nisto o dr. Soares conseguiu fugir-lhe ao esquema: nem é atrevido nem é liberal; é o reaccionário medroso, viscoso, tortuoso.

Cumpra-se pois o destino histórico do dr. Mário Soares. Arrume-se de vez como intendente da direita, dos americanos, das multinacionais.

Fica aos operários socialistas aberto o caminho para escolher. Ou enfiam novo barrete, com as "esperanças de Abril" oferecidas grátis pelo general Eanes, assistido pelo dr. Cunhal, ou se passam de vez para a esquerda, que é o lugar da sua classe, a lutar para derrubar o capitalismo.


Inclusão 22/08/2019