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Primeira Edição: Em Marcha, 17 de Fevereiro de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Que o govemo diga que a greve geral foi um “estrondoso fracasso”, dando como prova as lojas abertas na Baixa, é normal. Com certeza, ninguém estava à espera que o govemo viesse reconhecer que teve no dia 12 contra si a massa compacta da classe operária, na maior paralisação até hoje vista em Portugal. Nem que o governo reconhecesse que teve do seu lado a burguesia abastada, com os seus filhinhos, os seus quadros e criados, e que não conseguiu do funcionalismo e do pessoal dos serviços mais do que uma obediência atemorizada.
Mas porque não disfarçou então o governo o soco no estômago que lhe deram os operários com as trombetas da vitória? Porque mandou para a televisão aquele infeliz do Ângelo Correia a contar aquela anedota do plano insurreccional com “objectos metálicos”, vulgo pregos, nas estradas, “sabotagem de fechaduras” em lojas de Braga e fitas com proclamações revolucionárias descobertas no Parque Eduardo VII?
Se o fez, não foi só porque a direita tem mau perder. Foi, primeiro, porque o governo precisava de inventar uma desculpa qualquer para a largada dos gorilas do Almeida Bruno no Rossio, a fazer lembrar demasiado os velhos tempos.
Segundo, porque quer aterrar os pobres diabos pequeno-burgueses, para os fazer aguentar de bico calado os pacotes da carestia.
Terceiro, porque precisa de criar factos políticos que dêem uma aparência de justificação à nova lei anti-greve que está na forja.
Quarto, porque quer mostrar ao Haig, hesitante entre as bases portuguesas e as bases marroquinas, que aqui há um governo tão eficiente como o do rei Hassan.
Erraríamos pois se víssemos no número televisivo do eng. Ângelo Correia só um sinal de imbecilidade. Em nome da “defesa da legalidade democrática”, o governo começa a ensaiar o fascismo. É disso que se trata, só disso.
O governo berra mas sabe que a greve foi tão pouco “insurreccional” que a polícia nem conseguiu pretextos para intervir à porta das fábricas. Os próprios piquetes se encarregaram de policiar os grevistas e de assegurar aos “furas” a liberdade de furar. É triste, mas é verdade. O governo berra mas sabe que enquanto a classe operária seguir maioritariamente o PCP será uma força de choque bem comportada, proibida de pensar sequer em virar isto de pernas para o ar.
Sosseguem pois as almas simples. Não houve nenhuma tentativa insurreccional. Quando a houver, até o eng. Ângelo Correia vai notar a diferença.
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária
Inclusão | 03/02/2019 |