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Primeira Edição: Em Marcha, 6 de Janeiro de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
“Nenhuma sociedade livre se pode construir ou governar com base na exploração de grupos sociais por outros grupos sociais”. Tive um baque quando dei com esta pérola na mensagem de Ano Novo do nosso Presidente. Uma ideia louca passou-me pela cabeça: “Querem ver que ele é mesmo um bolchevista encapotado como dizem os da AD? Querem ver que aquele jantar de fim-de-ano com os operários do Tramagal traz água no bico? Querem ver que o camarada Cunhal sabe coisas que nós desconhecemos acerca das intenções de Eanes?”
Aí, resolvi-me a ler aquele lençol da mensagem, que mete medo até a um advogado. Mas não adiantei muito.
O general acha que devemos apertar o cinto, a bem da recuperação económica. Só que, no seu entender, as restrições devem ser temporárias e bem explicadas ao povo, para ele perceber e colaborar. Bom. Mas se o povo, mesmo assim, não quiser perceber nem colaborar, nesse caso o que acha o general que se faça?
O general está contra o liberalismo capitalista e ainda mais contra a concentração estatal desumana. O que ele quer é a “cooperação entre os empresários privados e o sector público”, óptimo! Mas se essa “cooperação” resulta na engorda dos capitalistas e gestores à conta do Estado, o que faremos?
O general deseja o “entendimento participado” entre todos: trabalhadores, técnicos e empresários. Lindo! Mas se a prática mostra que isso é ainda menos possível do que o entendimento entre lobos e cordeiros, que partido toma o general?
O general espera que a revisão da Constituição servirá para se conseguir “maior serenidade do debate político”. Perfeito! Mas se em vez disso criar maior prepotência da direita?
O general pede que “não se criem artificialmente situações bipolarizadas”. Excelente! Mas se elas existem mesmo, em qual dos pólos está o general?
O general tem magníficas opções. Só com um defeito: são para um mundo que não existe. E à pala das opções imaginárias, o general evita dizer-nos as suas opções reais.
O pensamento do general é mais escorregadio do que uma enguia. A alternativa do general é a política da AD embrulhada em papel de seda. As boas-festas do general são uma fraude para enganar papalvos.
Quando cheguei a esta conclusão, tropecei numa dúvida ainda mais lancinante: pode considerar-se o camarada Cunhal um papalvo?
Inclusão | 06/09/2019 |