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Temos a família aumentada

Francisco Martins Rodrigues

11 de Novembro de 1981

Primeira Edição: Em Marcha, 11 de Novembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Numa grande empresa da região de Lisboa operários discutem a tabela salarial.

• Afinal — pergunta um deles ao elemento da comissão negociadora sindical — porque é que vocês propõem aumentos de 19% para as letras mais baixas e de 30% para os chefes de secção, que já têm tanto?
• Bem vês, camarada, é do nosso interesse puxar as chefias para o nosso lado. Não se esqueças de que são eles que decidem das promoções e da disciplina. A AD e o patronato querem virá-los contra nós, para nos isolar. Assim, com o aumento, é um isco que lhes damos...
• Pois é — atalha outro, pensativo — O pior é que eles comem o isco e cagam no anzol. E nós fazemos figura de tansos.

O dr. Álvaro Cunhal, obviamente, preocupa-se com o cancro que está a esfarelar o movimento sindical e a base operária do seu partido. Os últimos resultados sindicais foram um novo aviso inquietante. Mas não está na sua mão atalhar a doença. Porque a política de colaboração de classes traduz-se, dentro das empresas, por esta exigência pornográfica: pôr os operários a namorar os chefes. É claro que a traquitana tem que abrir buraco por qualquer lado.

Num folheto da Editorial “Avante”, intitulado com descaro “A doutrina marxista das classes e da luta de classes”, a coisa vem teorizada com todas as letras: “Deste modo, e em ritmo crescente, os quadros da intelectualidade técnica, que antigamente não pertenciam à classe operária, passaram agora a fazer parte dela”. Assim mesmo. Se duvidam, comprem o livrinho e procurem na pág. 22.

É esta abolição do espírito de classe que semeia o desencanto, o cinismo, o arranjismo, os conflitos pessoais, que paralisam ou dissolvem não poucas células de fábrica do PCP. Que abre lugar para os paralelos da UGT fazerem as suas flores e levarem trabalhadores na rede. Que obriga os chefes “comunistas” a adoptarem aquela linguagem melosa e paternalista que faz desconfiar o mais desprevenido. Que leva a expedientes pouco asseados, como a eleição de delegados sindicais por lista sem consultar os plenários, a marcação de eleições de surpresa, as chicanas burocráticas para anular listas, as campanhas fanáticas de insultos... Enfim, uma miséria!

Dizer aos operários que abram os braços aos seus novos irmãos engenheiros e contramestres, é uma palavra de ordem que se pode defender. Mas custa caro. Há que fazer-lhes pagar.

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