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Primeira Edição: Em Marcha, 14 de Outubro de 1981
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O assassinato do ditador Sadat, como todos os acontecimentos que abalam a ordem imperialista, traçou uma radiografia verídica dos partidos e forças políticas, para lá da cortina do palavreado democrático e pacifista.
Dos Estados Unidos veio, naturalmente, a reacção fascista no estado puro: o elogio de Sadat como "um autêntico herói" e o aviso de que não será admitida qualquer mudança no equilíbrio de forças da região. A seu lado, merece ficar a homenagem dos dirigentes chineses ao "grande lutador contra o hegemonismo" — é assim que classificam os lacaios de Washington.
Veio depois, num leque de gradações de hipocrisia, a procissão dos políticos "equilibrados", manifestando consternação, fingindo acreditar que Sadat era um moderador, um patriota, um campeão da Paz. E o Papa, claro, recolhido em oração, como lhe compete, a glorificar com piedosa inocência o carrasco da causa árabe.
Dos grandes, só a União Soviética não chorou. A liquidação do fantoche dos americanos dá-lhe esperanças de vir a recuperar posições no Egipto. Mas também não se identificou com o regozijo dos povos árabes. Porque receia uma desestabilização incontrolável na região. Pensa em geoestratégia, não em revoluções.
O arco-iris reproduz-se em miniatura cá dentro. Começa pelo CDS e PSD, cheios de horror e repulsa pelo "cobarde atentado". Passa depois ao pesar medido de Eanes, do PS, da UGT: o falecido era um estadista corajoso e sensato com grande capacidade de concertação, etc, etc.
E acaba no PCP, que lembra que o regime egípcio é uma ditadura reaccionária enfeudada aos EUA mas não comenta o atentado, por "insuficiência de informação"... Com esta pirueta, os dirigentes do PCP procuram, como de costume, ganhar em dois tabuleiros: satisfazer a opinião operária e popular, que se regozijou com a morte do traidor, mas sem comprometer a sua respeitabilidade perante a burguesia. Segredos da política madura...
Há três quartos de século, Lénine comentava um acontecimento semelhante, o assassinato do rei português D. Carlos.
Não alegava falta de informação nem se escondia atrás de frases. Registava a satisfação popular pelo acto e o respeito por aqueles que tinham sacrificado a vida para livrar o país de um tirano. E lamentava também. Lamentava que o movimento republicano em Portugal se limitasse ao terror conspirativo e não tivesse ousadia para pôr em marcha o terror popular de massa contra a monarquia.
De Lénine a Cunhal — que abismo!
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha
Inclusão | 02/12/2018 |