MIA> Biblioteca> Francisco Martins Rodrigues > Novidades
Primeira Edição: Em Marcha, 6 de Maio de 1981
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
— Eu gostava de saber como é que a Comissão Negociadora Sindical assinou os 20%. quando tinha sido aqui decidido que aumentos abaixo dos 24% tinham que vir obrigatoriamente a plenário, para decisão. E pergunto onde é que a comissão foi arranjar esta tabela salarial toda torcida, que dá só 18% às categorias mais desfavorecidas, para dar 22 e 23% aos quadros e chefias, que já têm demais.
Não houve palmas. O orador era um conhecido “esquerdista”. Mas um sussurro de mau agouro percorreu as bancadas.
Levantou-se o homem da Comissão Negociadora. Com o seu modo agradável, foi expondo, em tom pausado, as razões da comissão.
Tinham surgido divergências na administração da empresa: os que estavam dispostos a assinar os 20% eram atacados pela linha dura, que só queria dar 16%. Surgira de repente a possibilidade de um acordo. Era pegar ou largar. “Por isso assinámos sem esperar pelo plenário. Aproveitámos as divergências no patronato. Acho que foi a melhor maneira de defender os interesses de todos nós. Fazer mais greves, perder dias, não interessa a ninguém”. Também os aumentos mais escassos para o pessoal indiferenciado tinham a sua explicação. “Foi a única forma de ganhar para a nossa proposta os chefes e os engenheiros, que é quem tem peso lá em cima. Se fôssemos intransigentes, acabávamos por não levar nada”. O plenário terminou sem problemas de maior. Mas o homem da comissão notou que os aplausos ao seu discurso tinham sido os mais frouxos que ouvira em toda a sua carreira.
Nas empresas, alarga-se o espaço à esquerda do PCP. Operários pobres reagem às manigâncias e ao egoísmo dos quadros, que só pensam em abotoar-se e descansar. Nas células do partido, a política do sorriso e do sentimento não chega para encobrir a mentalidade burguesa posto de comando. A prometida radicalização das lutas nunca mais aparece. São muitos os que começam a olhar à sua volta.
E contudo esta nova corrente operária revolucionária que germina está a cair no vazio. Porque há revolucionários que receiam ir ao encontro dos camaradas de trabalho do PCP. ganhá-los para a política de classe que procuram. Porque há na esquerda quem esteja cansado de ser de esquerda.
Será preciso dizer que, se não formos ocupar o espaço vazio, alguém o tomará?
Inclusão | 22/08/2019 |