Boa Viagem

Francisco Martins Rodrigues

31 de Julho de 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 31 Julho 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


capa

Então apareceu agora gente no PS a contestar a sua candidatura pela Frente, ó Acácio Barreiros? Depois de tudo o que você tem feito, depois daquela sua entrevista no “Diário de Lisboa” da semana passada, que diabo querem eles mais?

Você evoluiu muito, alguém duvida? Você disse de caras ao “Diário de Lisboa” que o PS e o PC formam a esquerda. Depois de longas meditações, você considerou que era injusto considerar o PS e o PC como empresas especializadas em vender a política burguesa aos trabalhadores numa embalagem atreante. E você não receou rectificar. Você concluiu que a sua vocação é para “socialista independente” e nçao para conspirador subversivo. Você percebeu o erro terrível que havia em pregar a destruição desta ordem capitalista em que vivemos. Que querem eles mais?

Sobretudo, você concluiu que a FRS é “a única alternativa viável de governo” e que o povo português precisa do esforço de Acácio Barreiros na FRS, você foi ter com o Mário Soares, pôs-se a disposição da causa e fez declarações necessárias. Isto ainda não chega para provar a sua boa-fé, o seu valor parlamentar?

Mais. Você não hesitou em dizer que “temos esperança” que o PS tenha mudado. Você afirmou que “acredita perfeitamente nos sentimentos democráticos do PS" — e aqui o PS não são apenas os militantes e os quadros mas sobretudo os cabeças, o Soares, o Constâncio, o Gonelha, o Almeida Santos, o Guterres. Que diabo querem eles mais? I

Voce teve a coragem de dizer que “os erros do passado” estão vencidos. E você bem sabia que os mal intencionados iriam lembrar todos os pequenos erros do PS no governo. Desde aquele descuido infeliz da lei Barreto até aos cem milhões de indemnizações, desde os acordos com o FMI até às desintervenções e a inflação. Esta gente, quando quer desacreditar um partido sério, agarra-se a todas as picuinhas. Até a UGT, até a requisição civil dos grevistas, até o regresso do Spínola e do Tomás, até a “Europa connosco”, até o estreitamento dos laços com a NATO — tudo vai servir para atacar. Nem faltará aquele erro do Jaime Gama quando mandou a polícia de choque matar o CaracoI e José Jorge Morais. Você até fez um discurso na Assembleia sobre isso, está lembrado?

Mas isso tudo está superado. E você também amadureceu. Seria infantilismo continuar a fazer discursos vermelhos nos clubes operários e nas aldeias. Você lembra-se? Juntavam-se cem pobres para o ouvir, às vezes 30. Todos terrivelmente atentos a escutá-lo, alguns até tremiam de raiva. E no fim, velhos andrajosos vinham dar-lhe palmadas nas costas, diziam: “Cá o nosso homem é que diz as verdades na cara dos burgueses”. E você saía dali em fogo e ia gritar para a Assembleia: “A nossa oposição ao governo não está à venda!” Tudo romantismo, claro.

Você evoluiu, você agora é um político a sério. Você confia no PS. E você avisa, solene, no “Diário de Lisboa”: “Não vale a pena acrescentar o que seria para ostrabalhadores e para as liberdades democráticas se o PS entrasse num acordo de regime com os partidos da AD.

Não vale a pena acrescentar mais nada, Acácio. Já todos percebemos. Boa viagem.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2018