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Teve lugar há 50 anos a reorganização do antigo Partido Comunista, conduzida por Bento Gonçalves. Foi um acontecimento que marcou os destinos do Partido, do movimento operário e da luta popular em Portugal. Saber o que representou a reorganização de Abril de 1929 é uma questão importante para a educação dos comunistas e para todos os trabalhadores revolucionários.
É também uma questão de grande actualidade. Naturalmente, as tarefas que hoje se nos colocam não são de reorganização, mas de alargamento e maior proletarização das fileiras partidárias. E aqui muito temos a aprender com a firmeza e seriedade proletárias com que Bento Gonçalves e os seus companheiros ergueram o PCP.
Em 1929, o Partido praticamente não existia. Desde a sua fundação, em 1921, caíra sob a influência de tendências oportunistas de direita, que impediam a sua edificação e implantação sólida na classe operária. As perspectivas políticas de Carlos Rates, que esteve à frente do Partido entre 1923 e 1926, não iam além das negociações parlamentares e do apoio aos golpes militares radicais. Rates pensava que a classe operária estava condenada a servir de massa de manobra à pequena burguesia democrática. Não acreditava na possibilidade de elevar o proletariado a classe dirigente e promotora da revolução.
O golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, cortando ao Partido as possibilidades de actuação legal, provocou a sua prática dissolução. O PCP não tinha linha política nem têmpera de luta para enfrentar a clandestinidade. Como relata José da Silva, militante comunista, “a maior parte dos militantes operários surgidos entre nós depois da revolução russa, com poucas excepções, desapareceram no dilúvio de 1926. A maior parte deles veio à superfície do mundo operário através do estado emocional criado pela vitória dos trabalhadores russos. A maioria desses militantes, sem qualquer tradição político-social atrás de si, e ainda por cima incultos, estiveram à frente das massas operárias e dos seus sindicatos enquanto isso lhes pareceu tarefa fácil e não perigosa, na expectativa de que o fim do mundo burguês estava para breve.
Dominava assim a tendência para atrelar o movimento operário aos golpes militares que a burguesia republicana sempre projectava. Enquanto se esperava pelo “reviralho”, nada se fazia para conduzir as massas à luta. O Comité dos partidários da ISV (corrente sindical revolucionária) afirmava mesmo num documento que “enquanto durar a ditadura é impossível fazer luta de classe”. Com tal estado de espírito, compreende-se que o Partido não se levantasse.
Bento Gonçalves, dando mais tarde no Tarrafal o balanço ao trabalho realizado, sintetizou assim a situação política nas vésperas da reorganização:
Em Agosto de 1928, quando se deu o VI Congresso da Internacional Comunista, o PCP estava reduzido a 70 membros e não editava imprensa nem tinha qualquer actividade. Em começos de 1929, baixara para 40 membros e apenas duas células. No CC, composto apenas por três elementos, dominavam os pontos de vista de Augusto Machado, que levavam de facto à liquidação do Partido.
Com o pretexto da segurança, Machado opunha-se à publicação do jornal do Partido, ao desenvolvimento de actividade política e sindical, ao recrutamento de novos membros. Pretendia que se fizesse um puro trabalho de propaganda através da edição de textos e que no campo sindical não se fosse além da elaboração de inquéritos e estatísticas.
Esta linha de liquidação do Partido não era aceite pelos militantes operários, que procuravam na actividade diária novas formas de acção e de organização adaptadas à clandestinidade. A célula do Arsenal da Marinha, posta de pé por Bento Gonçalves, com a colaboração de Silvino Ferreira, Abílio Lima e outros operários, tornou-se um foco donde irradiava o renascimento do Partido. Estabeleciam-se contactos para outras empresas, intervinha-se em assembleias sindicais, faziam-se reuniões, estudava-se o marxismo.
No Comité Central, Manuel Pilar, batia-se contra o espírito de seita e defendia a necessidade de reorganizar o Partido e o seu Comité Central. Com o apoio de Pilar, a célula do Arsenal da Marinha lançou-se à reorganização.
Em 9 de Fevereiro, Bento Gonçalves enviou ao CC uma carta onde apontava
“a necessidade do estabelecimento de uma ligação sistemática com os vários organismos sindicais; a necessidade de uma crítica comunista de todos os assuntos do dia; a luta pelo desenvolvimento das células comunistas; a necessidade de publicações clandestinas”.
Como o CC não responde e continua inactivo, a 7 de Março realiza-se uma reunião de 12 militantes de Lisboa, que debate a crise no Partido e decide convocar para o mês seguinte nova reunião para que pede a comparência do CC.
A 21 de Abril realiza-se a Conferência de reorganização do PCP. Os 14 militantes presentes, perante a prática inexistência do CC, decidem destitui-lo. São aprovadas as posições defendidas por Bento Gonçalves e Manuel Pilar. É eleito um Comité Central provisório constituído por Bento Gonçalves, F. Martins, José de Sousa, César Leitão e Batalha. Assim começa uma época nova na vida do PCP, graças à abnegação, clarividência e audácia dos seus militantes operários.
Logo após a Conferência, Bento Gonçalves ligou ao Partido o núcleo comunista do Porto, que então lançara o jornal legal O Proletário. Sob a sua direcção, O Proletário tornou-se na prática o órgão central do Partido, enquanto não se reuniam condições para editar um órgão oficial do CC, na clandestinidade. Com uma tiragem de 3 a 4 mil exemplares, dedicava a maior parte do espaço à informação e orientação do movimento reivindicativo e sindical. Publicava também artigos de formação marxista, da autoria de Bento Gonçalves, que tiveram uma grande importância para a formação e alargamento das fileiras do Partido. Nesses artigos era criticado tanto o reformismo dos socialistas como o falso radicalismo dos anarquistas, demonstrando-se que representavam as posições da pequena burguesia e que não serviam os interesses revolucionários da classe operária.
Em 15 de Fevereiro de 1931, iniciou a sua publicação o primeiro órgão central clandestino do Partido, o Avante, que tomou o lugar do Proletário como o principal agitador, propagandista e organizador colectivo do Partido e que se tornou a voz da resistência popular antifascista. Em 1933, começou a publicar-se O Militante, boletim de organização do Partido. Nesta altura já se realizavam cursos de formação política, frequentados na União Soviética por muitos militantes que se destacavam na luta prática pela sua firmeza e dedicação à classe operária e ao povo.
O Partido, em rigorosa clandestinidade, contava com algumas centenas de membros. Estava firmemente implantado na classe operária e era por ela reconhecido como o seu único partido. Alargara-se ao Alentejo, Algarve Marinha Grande.
“Antes de 1929, diz Bento Gonçalves, quando as massas falavam de comunismo, referiam-se aos comunistas franceses, por exemplo. Depois de 1929, referiam-se a nós. No espaço de três anos, tornámos o Partido conhecido e querido dos trabalhadores. A correlação de forças no movimento sindical modificou-se muito a nosso favor. Tivemos vários êxitos no campo intelectual e estudantil. Criámos uma forte organização de marinheiros. Passámos a ser tomados a sério”. (Intervenção sobre 12 anos de vida do Partido, Tarrafal, 1941).
Em três anos o Partido formou um corpo de militantes combativos e ligados às massas: José Gregório, que mais tarde veio a ser secretário do Partido, António Guerra, Manuel Vieira Tomé, Fernando Alcobia, Augusto Almeida Martins, Américo Gomes, Maria Machado, Manuel dos Santos, assassinados muitos deles pelo fascismo.
“Quase todos nós provínhamos do movimento sindical”, é ainda Bento Gonçalves que recorda. Para o Partido reorganizado não foi difícil compreender a importância de estreitar os laços com as massas operárias através dos sindicatos.
A CIS (Comissão Inter Sindical) surgiu em Setembro de 1930, como reacção dos sindicatos à tentativa do governo para os enquadrar em comissões conjuntas com o patronato. Em breve, a CIS tornou-se o centro do movimento sindical revolucionário. Animou a criação ou reorganização de diversos sindicatos e federações, entre as quais a Federação Marítima, a dos Trabalhadores Rurais do Baixo Alentejo e a Federação Nacional dos Trabalhadores dos Transportes, cujo jornal, O Reduto, em breve atingia os 25 a 30 mil exemplares, tornando-se na prática o órgão do movimento sindical revolucionário.
Agitando palavras de ordem que se tornaram queridas das grandes massas operárias, a CIS arrastou o movimento sindical para a direcção política do Partido e derrotou a influência anarquista. Em 1933 a CIS contava já com 25 mil aderentes, contra apenas 15 mil para a CGT anarco-sindicalista.
Pouco depois da reorganização do Partido, faziam-se sentir duramente no nosso país os efeitos da crise mundial do capitalismo. A burguesia tratou de lançar sobre as costas da classe operária o fardo da crise. Foi imposta uma exploração sem limites aos trabalhadores. Os salários foram fortemente reduzidos, enquanto o custo de vida subia. O número de desempregados elevou-se para 100 mil. A crise do vinho e do trigo lançou a miséria negra nos campos.
Em 1931-32, as lutas reivindicativas tomam amplitude, tornando-se o centro da actividade do Partido. Importantes greves em Lisboa, Setúbal, na Marinha Grande e no Algarve, com manifestações e marchas da fome, mobilizam muitos milhares de operários sob as palavras de ordem do Partido: “Pão e Trabalho”, “Não à colaboração de classes!”
Ao mesmo tempo, o Partido orienta as primeiras lutas políticas contra a ditadura, lançando as bases para o movimento de massas antifascista. Assim o Partido se educou na condução das lutas parciais e rompeu com o sentimento de impotência perante o governo fascista. Tudo isto saíra da Conferência de 14 comunistas em 21 de Abril de 1929.
Inclusão | 30/09/2016 |