A Expulsão dum Membro do Comité Central do Partido Comunista Português

Comité Marxista-Leninista “Revolução Popular”

Julho de 1964


Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

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Nos últimos meses, foi levada ao conhecimento dos militantes do Partido Comunista uma circular do Comité Central anunciando a expulsão do camarada Francisco Martins Rodrigues das fileiras do Partido.

Como sabemos que em diversos sectores do Partido essa circular foi apenas lida pelos controleiros, que se recusaram a entregá-la aos militantes para estudo, e que noutros sectores nem chegou a ser lida, parece-nos de interesse começar por a reproduzir na íntegra, para depois lhe fazermos alguns comentários. O texto é o seguinte:

“Aos militantes do Partido”
(Circular do Comité Central)

“1. Francisco Martins Rodrigues (“Serpa”, “Campos”) foi admitido como membro do Partido Comunista Português em 1951, foi várias vezes preso e teve um comportamento digno perante a polícia; fugiu da prisão com outros camaradas. Viveu vários anos na clandestinidade. Em 1960 foi cooptado para membro suplente do C.C. e posteriormente para membro efectivo. Em 1962-63 foi chamado à Comissão Executiva do C.C.”

“2. Desde há tempos, F.M.R. começou manifestando incompreensões à cerca da orientação do Partido e, embora inicialmente com prudência, espalhou algumas ideias entre camaradas que controlava ou com quem estava em contacto. Toda a sua actividade se passou a ressentir dessas incompreensões e do desrespeito dos princípios do centralismo democrático.”

“3. Já várias vezes na sua vida de militante (em 1951-53 e 1955) F.M.R. manifestara incompreensões graves (sectárias e esquerdistas umas, oportunistas de direita outras), do que resultaram então erros diversos na sua actividade, “crises” no seu espírito revolucionário, e sanções partidárias. F.M.R. não soube colher os ensinamentos de tal experiência passada. Em 1963, ao mesmo tempo que manifestava incompreensões políticas sérias e divergências acerca da orientação do Partido, começou a cumprir deficientemente as suas tarefas e a criar tais dificuldades ao trabalho corrente da Comissão Executiva, e ao desenvolvimento do trabalho partidário em geral, que levou a Comissão Executiva a propor ao C.C. a sua saída desse organismo.”

“4. Nenhumas medidas disciplinares foram tomadas por motivo das suas opiniões divergentes. A F.M.R» foi dada (como é dada a qualquer militante) completa possibilidade de defender as suas opiniões dentro dos princípios do centralismo democrático. Na reunião do C.C. de Agosto de 1963, mais uma vez pôde fazê-lo com completa liberdade. Já então as suas ideias apareciam divorciadas do marxismo-leninismo, já então F.M.R. mostrou perante o C.C. uma profunda ignorância da situação económica e política portuguesa e das experiências de luta do Partido Comunista Português, adulterando factos, fechando ouvidos à opiniões e à ajuda, fraternal, que o C.C. lhe procurou dar, e mantendo uma posição auto-suficiente e presunçosa. Tendo porém em conta o seu passado, e como tivesse garantido repetidas vezes ao Secretariado e ao C.C. do Partido que observaria na sua actividade os princípios do centralismo democrático, defendendo e aplicando a linha do Partido, o C.C. resolveu mantê-lo como membro do C.C.”

“5. Infelizmente, pouco depois, veio a verificar-se que F.M.R. tomara, na reunião do C.C. e em reuniões com o Secretariado do Partido para tratar do seu caso, uma atitude dúplice, hipócrita e mentirosa (como posteriormente viria cinicamente a declarar), procurando apenas ganhar tempo para pôr em prática planos anti-partido que já tinha em mente. Em fins de 1963, F.M.R. desertou da instalação que o Partido lhe destinara, não cumpriu as tarefas que lhe haviam sido atribuídas, recusou-se a restituir documentos conspirativos do Partido que lhe estavam confiados, assim como outros haveres do Partido, passou a gastar com a sua pessoa fundos do Partido que tinha à sua guarda. Em virtude destes factos, o C.C. resolveu expulsá—lo do C.C.. Ao mesmo tempo, o C.C. procurou ainda com conselhos/ que ele reconsiderasse a sua atitude e não criasse uma situação incompatível com a qualidade de membro do Partido.”

“6. Sem querer saber da ajuda do Partido e recusando qualquer controle, passando a fazer actividade por sua conta, F.M.R. lançou-se numa actividade cisionista e anti-partido, difundindo entre camaradas que conhece um documento por ele elaborado onde ataca o Partido e a sua direcção, documento onde a falsidade, a inexactidão e deturpação de factos, a ignorância da história do Partido e do marxismo-leninismo, a ingenuidade política e a inexperiência se entrelaçam com a auto-suficiência, a presunção e a ambição pessoal. F.M.R. apregoa a indisciplina dentro do Partido, procura arrastar na luta contra o Partido e o C.C. outros camaradas.”

“Com essa acção divisionista e provocatória, F.M.R. passou sem pudor ao campo dos inimigos do Partido. Por isso, o C.C. resolveu a sua expulsão do Partido.”

“7. F.M.R. procura arrastar outros camaradas para a sua posição anti-partido. Se o viesse a conseguir, o caso não seria novo. Ao longo da gloriosa história do Partido Comunista Português, diversos casos se registaram de se formarem, a pretexto de divergências políticas, grupelhos divisionistas. A sua sorte foi sempre e invariavelmente a mesma. Convertidos em grupelhos provocatórios anti-partido (mais ou menos protegidos pela PIDE) acabaram por desaparecer miserável e indignamente depois de fazerem alguns danos ao Partido, à luta da classe operária e das forças democráticas portuguesas. É essa a sorte de todos os renegados e traidores. É essa a sorte que (a insistir na sua actividade anti-partido) espera o desertor F.M.R. e quaisquer pessoas que, mal ou bem intencionados, eventualmente se liguem a tal actividade.”

Janeiro de 1964

O Comité Central
do Partido Comunista Português

Este é o texto da circular. Passemos agora a fazer-lhe alguns comentários.


Temos já indicado noutras ocasiões que nos recusamos a transformar a luta que nos opõe ao revisionismo e ao oportunismo em Portugal numa troca de acusações de insultos pessoais; seguiremos inflexivelmente a linha que adoptámos de levar cada vez mais longe a discussão de principias no seio do movimento revolucionário português, porque estamos conscientes de que essa é a condição principal para o triunfo da revolução.

Mas isto não significa que devamos manter-nos silenciosos quando os dirigentes do Partido, aproveitando as dificuldades de informação criadas pela clandestinidade, tentam, de forma hábil e com aparência de imparcialidade, lançar o descrédito sobre a actividade militante e as posições políticas dum camarada cujo “crime” consiste em ter rompido com o oportunismo dominante na direcção do Partido. Se eles se lançam nesta tarefa pouco dignificante, não é porque os movam sentimentos de vingança pessoal, mas porque visam um objectivo político muito preciso: paralisar o debate ideológico actualmente em curso nas fileiras do Partido, afrouxar a coesão e combatividade crescentes dos marxistas-leninistas portugueses. Torna-se indispensável por isso repor a verdade e revelar a má-fé dos caluniadores.

A actividade do camarada Francisco Rodrigues

Se os dirigentes do Partido Comunista tivessem um pouco de senso não fariam insinuações sobre as “incompreensões graves”, “erros”, “crises”, “sanções partidárias”, “presunção”, “ambição pessoal”, etc, que, segundo eles, assinalariam a actividade política deste camarada. Salta aos olhos de qualquer pessoa o absurdo de se acusar de sucessivos erros, desvios e crises um militante que é chamado a cargos sucessivamente mais responsáveis no Partido. Estará o Partido Comunista Português tão pobre de quadros que tenha que constituir o seu Comité Central com elementos inseguros, incapazes, ambiciosos, etc.? Ou será que no P.C.P. os erros, desvios e crises dos militantes são considerados como uma recomendação para os chamar aos cargos mais responsáveis? A ânsia dos dirigentes do Partido em aniquilarem este camarada não lhes permitiu reflectir sobre o ridículo a que se expõem com estas acusações.

O camarada F. Rodrigues consagrou os últimos 14 anos ininterruptamente à actividade revolucionária, abandonando para isso desde 1951 toda a actividade profissional para se pôr incondicionalmente ao serviço do Partido; passou seis anos e meio na clandestinidade e três anos e meio nas prisões fascistas; das quatro vezes que foi preso, nunca prestou quaisquer declarações à polícia; este camarada não recusou nunca as tarefas que o Partido lhe confiou, defendeu sempre em todas as circunstâncias os interesses superiores do Partido e respeitou sempre rigorosamente a disciplina partidária; a única sanção que lhe foi aplicada, em 1955 (um mês de suspensão) foi motivada por erros conspirativos da sua parte e não tem qualquer relação com o seu comportamento disciplinar.

Dentro do MUD Juvenil, onde actuou cinco anos, foi sucessivamente chamado a tarefas mais responsáveis, ocupando desde 1953 o lugar de membro da Comissão Executiva, da Comissão Central. Dentro do Partido foi chamado também a tarefas da maior responsabilidade, sendo desde Março de 1961 membro suplente do Comité Central, desde Maio de 1962 membro da Comissão Executiva do Comité Central, desde Dezembro de 1962 membro da Comissão Executiva e membro efectivo do Comité Central.

Não serão estes elementos suficientes? Quererão os dirigentes do Partido fazer uma discussão minuciosa da biografia, política deste camarada? Se é essa a sua intenção, se lhes interessa tanto revelar aos militantes a actividade de F. Rodrigues, então devem fazê-lo com base nos factos e não lançando insinuações caluniosas, impróprias de dirigentes que se pretendem revolucionários.

Quanto a acusação de que o camarada, F. Rodrigues se teria apropriado de bens do Partido e “passou a gastar com a sua pessoa fundos do Partido que tinha à sua guarda”, cremos que o conteúdo das cartas dirigidas por este camarada ao C.C. em Janeiro e Março do ano corrente (cartas que reproduzimos junto do presente documento) esclarece suficientemente o assunto.

Aproveitar as circunstâncias em que este camarada rompeu com a direcção do Partido (circunstâncias que lhe foram impostas) para o acusar de roubo e tentar assim furtar-se à discussão de princípios, é um expediente digno de pessoas sem princípios. Qualquer militante colocará a si próprio estas perguntas: Como explicar que este “ladrão” não tenha aproveitado as inúmeras oportunidades que se lhe proporcionaram para se apropriar do dinheiro do Partido (ainda não muitos meses antes da sua expulsão tinha à sua guarda muitas dezenas de contos) e tenha preferido roubar o seu salário dum mês? Como explicar que este “ladrão” tenha passado a viver com grandes dificuldades materiais, precisamente por ter recusado a “carreira” que ainda em Janeiro de 1964 lhe ofereciam os dirigentes do Partido em troca, do seu silêncio?

Os insultos dos dirigentes do Partido só a eles diminuem. A actividade do cam. F. Rodrigues é a actividade dum militante honesto.

As posições políticas do camarada F. Rodrigues

As posições políticas deste camarada estão expressas numa série de cartas que dirigiu ao Comité Central nos anos de 1960-63. Vamos citá-las resumidamente para que cada militante do Partido possa ajuizar sobre os “desvios direitistas e sectários”, a “ignorância”, a “adulteração dos factos”, que assinalam as posições de F. Rodrigues.

Imediatamente após a sua evasão da cadeia, em Janeiro de 1960, e ao longo de todo o ano de 1960, o camarada F. Rodrigues dirigiu ao C.C. sucessivas críticas à formulação da linha do Partido na sua imprensa, condenando nomeadamente: a linha da Unidade com a média burguesia; a ausência de qualquer esforço para a aliança do proletariado com o campesinato; a classificação da actual etapa da revolução portuguesa como “democrática- burguesa”, feita nesse ano no “Avante”; a ausência duma linha para a insurreição e a conquista do poder; a substituição do Projecto de Programa elaborado em 1954 pelo Programa oportunista e pacifista de 1957; a afirmação, feita no “Militante” de que a luta económica dos operários deveria ser essencialmente dirigida contra o governo e não contra os patrões, a fim de evitar o perigo duma “ruptura” na frente anti-salazarista; etc. Esta serie de críticas foi parcialmente apoiada pelo C.C. e integrou-se na corrente crítica que levou à derrota do desvio ultra-oportunista da “solução pacífica”; o relatório do C.C. sobre o desvio de direita menciona um destes documentos do cam. F. Rodrigues.

Em Março de 1961, este camarada envia à reunião do C.C. então realizada um documento em que considera insuficiente a correcção do oportunismo até aí realizada, crítica as teses apresentadas pelo Secretariado ao C.C. como fazendo só uma correcção parcial e superficial do desvio oportunista, e indica a necessidade duma revisão total à linha anterior do Partido e sobretudo à linha geral da Unidade com a burguesia liberal formulada pelo 2º Congresso Ilegal de 1946. Esta posição é rejeitada pelo C.C.

Em Agosto de 1961 dirige duas cartas ao C.C., denunciando as manifestações de oportunismo que persistem na actividade e nas publicações do Partido, reclamando que se faça uma apreciação pública do “Programa de Democratização da República” então divulgado pelos liberais burgueses e que se critique, a partir de posições revolucionárias de classe, a linha da burguesia liberal, classificando a Linha da Unidade como um instrumento para pôr o proletariado a reboque da burguesia e insistindo em que a linha da Unidade deve ser substituída pela linha da aliança operaria-camponesa para a tomada do poder; termina propondo que sejam desligados da actividade de direcção os elementos do C.C. que têm permanentemente dado provas de oportunismo e de incapacidade para assimilar os interesses revolucionários do proletariado e do Partido. As suas críticas e a sua proposta são rejeitadas pelo C.C. como sectárias.

Em Agosto de 1962 dirige um extenso documento ao C.C. em que faz uma apreciação geral da actividade partidária, indicando a debilidade do trabalho operário, a quase inexistência de trabalho camponês, o nível baixo dos quadros, e indicando que a origem desta grave situação não está nas dificuldades conspirativas mas na concepção oportunista em que assenta a linha geral da Unidade operária-burguesa, aplicada pelo C.C. quase sem interrupção desde 1946; defende a urgência vital para o Partido de um estudo sobre os aspectos essenciais da luta de classes na nossa sociedade e sobre as tarefas da revolução na etapa actual, insiste em que a revolução portuguesa só pode ser classificada como democrática-popular e não como democrática-burguesa. Termina com uma série de propostas concretas para a elevação do nível ideológico do C.C. e de todo o Partido, para a formação de quadros no espírito do marxismo-leninismo, para o estudo da questão camponesa; propõe a edição imediata de textos de Lenine e nomeadamente das “Duas tácticas”. Este documento é também rejeitado pelo C.C. como sectário.

Na reunião do C.C. de Dezembro de 1962, F. Rodrigues insiste em todas as críticas anteriores à linha geral do Partido, reclamando o aprofundamento da crítica ao oportunismo e a definição duma linha de princípios baseada numa analise marxista-leninista da sociedade portuguesa; reclama além disso uma informação sobre a situação existente no movimento comunista internacional, criticando o facto de o secretário-geral do Partido ter tomado posições públicas sobre o assunto e ter criticado publicamente o Partido do Trabalho da Albânia, sem que os membros do C.C. tenham recebido qualquer informação sobre o problema. As suas críticas não são aceites e as informações pedidas não são prestadas.

Em Janeiro de 1963 dirige nova carta ao Secretariado do C.C. considerando como facto anormal e intolerável na vida do Partido que, três semanas após a reunião do C.C., tenha sido difundido um documento com assinatura do Comité Central em que se apoia uma corrente surgida no movimento comunista e se atacam publicamente partidos irmãos, sem que os membros do C.C. tenham sido informados sobre o problema e nem sequer tenham sido ouvidos sobre a difusão dum documento de tal gravidade. Critica o facto inconcebível de o Secretariado, em meia dúzia de linhas e sem argumentos sérios, ter invertido todas as posições anteriores do Partido em relação ao movimento comunista internacional, e nomeadamente fazer a reabilitação sumária do revisionismo jugoslavo; atacar os partidos irmãos da China e Albânia; decretar que agora é o “dogmatismo” e não revisionismo o perigo principal para o movimento comunista internacional; classifica este procedimento sem precedentes na vida do Partido como um desrespeito flagrante dos princípios livremente subscritos pelo Partido Comunista Português em 1960, na Declaração comum dos 81 partidos comunistas e operários; pergunta se esta viragem imprevista da linha do Partido não foi resultado de pressões exercidas por dirigentes de outros partidos que formam uma contra-corrente revisionista no seio do movimento comunista internacional; reclama a suspensão dos ataques a partidos irmãos e que seja dada uma satisfação imediata aos membros do C.C. acerca desta questão. O Secretariado não dá a satisfação pedida e rejeita completamente a crítica do camarada F. Rodrigues.

Em Março de 1963 propõe a modificação radical da linha de alianças seguida pelo Partido, o abandono dos compromissos assumidos com a burguesia dentro da “Frente Patriótica”, uma linha de unidade e critica simultânea com a burguesia e uma linha de estreita aliança com o campesinato. A proposta não é aceite.

Em Abril de 1963 dirige um extenso documento ao C.C. revelando o conteúdo da sua carta de Janeiro ao Secretariado sobre a situação no movimento comunista internacional e chamando mais uma vez a atenção para a gravidade do caminho seguido pela direcção do Partido; faz apelo para que se suspendam todos os ataques a partidos irmãos e não se colabore num trabalho de cisão do movimento comunista; propõe que o C.C. empreenda um estudo sério das divergências existentes, na base do marxismo-leninismo, de forma a chegar a conclusões sérias. A sua proposta não é aceite.

Em Agosto de 1963, participa na reunião do C.C. e manifesta-se contra a linha geral aí aprovada, e nomeadamente: a omissão da questão da tomada, do poder pelas massas trabalhadoras; a classificação de “terrorismo” dada a todas as tendências surgidas entre a classe operária para passar a acções violentas; a classificação da revolução como “democrática e nacional” e o facto desta classificação escamotear o problema do poder; a entrega oficial (feita pela primeira vez) da mobilização do campesinato aos representantes da burguesia liberal e radical; a afirmação de que a média burguesia “é mais activa e politicamente mais preparada do que a pequena burguesia”. Vota contra o informe de Álvaro Cunhal sobre a situação no movimento comunista internacional, classificando-o como um documento revisionista e dirigido para a cisão no movimento comunista; propõe que esse informe não seja divulgado e que não sejam tornados públicos mais ataques a partidos irmãos. As suas posições e propostas são rejeitadas pelo C.C. como “dogmáticas”, “sectárias” e “terroristas”; o C.C. toma medidas para o isolar da organização partidária, considerando-o um elemento prejudicial para o Partido.


Estas são resumidamente as posições tomadas nos últimos anos pelo camarada F. Rodrigues quanto à linha geral do Partido, Se os dirigentes do Partido consideram que este resumo esta incompleto ou não é exacto, têm ao seu alcance todas as possibilidades de o corrigir, visto que têm em seu poder todas as cartas e documentos elaborados por este camarada e podem levá-los ao conhecimento do Partido. Quanto a nós, consideramos que, com todos os erros que forçosamente conterão, devido a insuficiente preparação teórica geral no Partido, esses documentos poderão apesar de tudo contribuir positivamente para o alargamento do debate no Partido em torno do marxismo-leninismo.(a)

Porque não revelam os dirigentes do Partido aos militantes em que consistem os “erros sectários e oportunistas de direita” que acabaram por levar à expulsão dum membro do C.C.? Porque não revelam esses documentos para depois rebater uma a uma as ideias neles defendidas e demonstrar perante todo o Partido a sua natureza “sectária” e “oportunista de direita”? Esta é uma pergunta para a qual cada militante deve encontrar uma resposta.

Se os militantes do Partido não conhecem as posições do camarada F. Rodrigues é porque ele se absteve rigorosamente, enquanto militante do Partido, de as levar ao conhecimento de qualquer camarada fora do seu organismo e se cingiu estritamente à disciplina partidária, defendendo nos organismos que controlava e na imprensa do Partido, a linha traçada pelo C.C.; afirmar, como se faz na circular referida, que, “embora inicialmente com prudência, espalhou algumas ideias entre camaradas que controlava ou com quem estava em contacto”, é dar provas de revoltante falta de escrúpulos.

Resta ainda falar das posições do camarada F. Rodrigues durante a fase anterior da sua actividade partidária, que vai de 1951 a 1960. Durante esses dez anos, interrompidos por três anos e meio de prisão, este camarada, como militante sem responsabilidades dirigentes dentro do Partido, esforçou-se sempre por assimilar a linha do Partido e a levar à prática consequentemente, procurando ao mesmo tempo assimilar a teoria marxista-leninista.

Nesta época, o camarada F. Rodrigues manifestou-se por duas vezes em desacordo com a linha seguida pelo Partido, em duas questões particulares: a primeira, em 1951, dizia respeito às tendências dogmáticas e sectárias que dominavam então o movimento da juventude e a necessidade de encontrar formas de ligar os jovens comunistas à massa da juventude; numa reunião de militantes comunistas da juventude realizada em 1952, as suas posições foram aprovadas pela direcção do Partido que nessa época procurava empreender um trabalho de correcção dos desvios sectários nos movimentos unitários de massas.

A segunda, em 1955-56, dizia respeito ao centralismo absorvente, autoritarismo e sufocação da crítica, que eram então correntemente adoptados em organismos do Partido; o camarada. F. Rodrigues manifestou-se insistentemente (sempre dentro do respeito pela disciplina) contra esses desvios do centralismo democrático, desvios que, a partir de 1956 começaram a ser criticados e corrigidos pelo C.C. do Partido. Mais tarde, em 1960, este camarada reconheceu espontaneamente que a sua crítica ao centralismo excessivo em 1955-56, sendo justa no essencial,tinha enfermado contudo de certas incompreensões “democratistas” e anarquizantes.

Estes são elementos objectivos para a apreciação das posições políticas do camarada F. Rodrigues, que os dirigentes do Partido parecem ter tanto interesse em discutir; aqui os deixamos para ajudar a que essa discussão se faça sobre uma base honesta, objectiva, séria, e não sobre a base de insinuações e calunias.

O verdadeiro problema

Procurámos não deixar sem resposta nenhuma das acusações dirigidas contra o camarada F. Rodrigues, para tornar possível abordarmos o fundo da questão. Parece-nos que fica evidente para todos os militantes que estamos perante um problema político e não perante um problema pessoal.

É inútil portanto pretender esconder atrás de acusações inconsistentes de desonestidade, ambição e indisciplina aquilo que é na realidade uma divergência de princípios.

A única posição séria que dirigentes revolucionários podem tomar perante divergências de princípios é discuti-las. Se se toma realmente a peito a defesa dos interesses superiores do proletariado, então é forçoso estudar as divergências de princípios que se manifestem, investigar as suas origens, determinar os interesses de classe nelas envolvidos, para encontrar a via correcta da sua superação. Não há outro caminho.

O camarada F. Rodrigues começou a manifestar em_1960 divergências com a linha do Partido sobre o carácter da revolução portuguesa e a linha de alianças; em 1962, essas divergências estenderam-se aos problemas da linha geral do movimento comunista; em 1963, elas foram mais longe ainda e envolveram toda a questão das formas de luta, da aplicação das formas violentas e não-violentas, acabando por se transformar, em Agosto de 1963, numa oposição total à linha geral do Partido.

Isto foi assim porque a evolução das posições deste camarada não é mais do que a expressão, ao nível da direcção do Partido, duma profunda evolução de concepções que se vem processando há já anos no seio do Partido e do movimento revolucionário português. As ideias do camarada F. Rodrigues não lhe nasceram milagrosamente no cérebro, elas reflectem as conclusões elaboradas por vastas massas revolucionárias portuguesas nos últimos anos, elas correspondem a uma situação objectiva, a experiências práticas que se acumularam.

Nos últimos anos, desde 1958 sobretudo, o nosso movimento revolucionário atravessou importantes etapas e ganhou novo amadurecimento político, e ideológico. Ele conheceu as grandes manifestações, os choques com a força armada, a greve política, a acção de Beja, que lhe trouxeram grandes ensinamentos quanto às formas de luta; o facto destas acções surgirem após cerca de 20 anos consecutivos de utilização exaustiva das formas inferiores, dos meios legais e semi-legais, reforçou ainda mais o valor educativo destas experiências de tipo novo; os sectores avançados do proletariado e das outras forças revolucionárias começaram a tomar consciência da diferença radical de objectivos que os separam das forças da burguesia liberal.

Esta demarcação entre o campo revolucionário popular e o campo democrático burguês, que durante dezenas de anos se mantivera obscurecida, acentuou-se mais ainda devido ao desencadeamento das insurreições dos povos das colónias; precisamente porque se integram num amplo processo revolucionário, as insurreições coloniais têm vindo a abalar até aos alicerces a estrutura da sociedade burguesa em Portugal, não aplicam golpes apenas sobre a ditadura fascista mas sobre todo o sistema capitalista português, forçam uma delimitação clara entre os interesses da burguesia e os interesses do proletariado em Portugal.

Por último, estas situações inteiramente novas formaram-se no quadro de grandes transformações que têm tido lugar no movimento revolucionário mundial e que aceleraram a elevação da consciência do proletariado português; o triunfo da revolução cubana face ao imperialismo americano despertou um eco profundo entre as massas populares portuguesas, levou-as a encarar a luta anti-fascista em novas perspectivas, a ganhar uma confiança nova nas suas possibilidades; e à medida que se foi gradualmente conhecendo o grande debate de princípios em curso no movimento comunista internacional, à medida que o revisionismo moderno começou a surgir delimitado, caracterizado, devido à luta de princípios do Partido Comunista da China e dos marxistas-leninistas de todo o mundo, as forças revolucionárias do nosso país foram sacudidas por esta revelação, começou a encerrar-se o período de incerteza, de recuo e de dispersão a que dera lugar o 20º Congresso do PCUS, começou a desenhar-se um novo movimento ascendente.

Como supor que as fileiras do Partido Comunista poderiam permanecer alheias a esta evolução profunda? Desde 1958 começaram a multiplicar-se no Partido as discussões em torno da linha, começaram a aprofundar-se as objecções e as críticas; duma forma ainda confusa, resultante do baixo nível em que está mergulhado, o Partido procurava tirar conclusões das novas experiências.

Esta critica acabou por levar ao reajustamento da linha do Partido em 1960-61, com a correcção do desvio ultra-oportunista da “solução pacífica”. Mas a vida em breve mostrou que esta correcção era insuficiente porque não fizera mais do que aflorar alguns dos problemas decisivos que se colocavam ao Partido. Bastou um ano de experiência política agitada para dissipar as esperanças que a maioria dos militantes tinha posto nessa correcção. Em cada mês, a marcha do movimento ia colocando problemas novos que ficavam sem solução ou que eram iludidos com fórmulas dogmáticas: as formas da luta contra a guerra e o problema da deserção; a questão do emprego da violência e da organização da acção armada; a necessidade de utilizar os acordos com o movimento democrático burguês sem cair debaixo da sua influência; a insuficiência gritante do movimento sindical legal e a urgência de lhe encontrar formas novas; as novas exigências do movimento estudantil; etc.

A direcção do Partido foi tornando patente a sua incapacidade para resolver estas e outras questões; e isto porque a crítica ao desvio ultra-direitista não realizara a tarefa que lhe cabia, não fora às origens dos erros pacifistas e oportunistas. Sé estudando cuidadosamente as lições acumuladas pela experiência da luta de classes em Portugal se poderia ter determinado o carácter da revolução na sua etapa actual e se poderiam ter adoptado formas de luta correctas e uma linha de alianças correcta, em função dos objectivos a alcançar. Sé essa análise que não foi feita poderia ter aberto ao Partido a perspectiva de respostas vivas, criadoras, para todas as experiências novas do nosso movimento revolucionário.

Mas a direcção do Partido não se atreveu a olhar de frente a luta de classes e as suas lições, não se atreveu a sair do seu estreito democratismo, e manteve-se amarrada à sua concepção da Unidade operária-burguesa, mostrando-se incapaz, como já mostrara quando da crise política de 1943-47, de acompanhar e impulsionar ousadamente o movimento de massas, de lhe rasgar uma perspectiva revolucionária.

Esta foi a verdadeira origem da crise que tem vindo a crescer dentro do Partido. Desde 1961 não cessaram de se multiplicar as discussões apaixonadas em busca dum caminho revolucionário; centenas de propostas, críticas e relatórios foram dirigidos à direcção do Partido nestes três anos, tanto de militantes de base como de militantes responsáveis, com uma intensidade que não tem paralelo na vida do Partido. Esta actividade crítica, que mostra a vitalidade do Partido, contém, no seu conjunto, todos os elementos para permitir à direcção do Partido fazer uma revisão séria da linha, abordar finalmente as questões de fundo da nossa revolução, superar as actuais dificuldades e dar um grande impulso ao movimento de massas.

E o que vemos como resposta? O documento de Janeiro de 1963, “Perspectivas da luta nacional” foi um manifesto democrático, no pior estilo “unitário”, sem qualquer traço de visão revolucionária, que provocou a indignação do Partido; o documento do Agosto de 1963, “Sobre a linha política e táctica” foi pior ainda que o anterior, porque tentou enganar o Partido com uma fraseologia “de classe”, escamoteando ou dando respostas negativas a todos os problemas fundamentais em aberto: a compreensão da luta de classes em Portugal, o carácter da revolução, a tomada do poder, a aliança operaria-camponesa, o caminho para a insurreição; por último, o recente documento de Abril é o coroamento de toda uma evolução, é a guerra aberta à corrente marxista-leninista, é a confirmação de que os dirigentes do Partido recusam corrigir os seus erros.

E, como pano de fundo a esta evolução, sucedem-se os ataques cada vez mais abertos a partidos irmãos, a reabilitação do revisionismo, a falsificação do marxismo-leninismo; os militantes, estupefactos, vêem amontoar-se as acusações de “belicismo” e “expansionismo” contra os comunistas chineses, alvos das calúnias mais desprezíveis, tal como há 40 anos a Rússia Soviética era alvo dos ataques e calúnias dos social-democratas. O Partido pergunta: até onde iremos? Para onde caminhamos?

É evidente que todas as medidas disciplinares do mundo serão impotentes para deter a crise no Partido: são os dirigentes do Partido que estão cavando essa crise com as suas próprias mãos.

Cisão, degeneração, traição

Na parte final da circular, os dirigentes do Partido Comunista classificam como “desertores”, “renegados”, “traidores”, “grupelho provocatório anti-Partido”, “grupelho divisionista” etc, todos os elementos marxistas-leninistas que procuram organizar-se fora do Partido para combater o oportunismo e o revisionismo, e predizem que depois de serem “mais ou menos protegidos pela PIDE”, esses elementos virão a desaparecer “miserável e indignamente”.

Este amontoado histérico de insultos resulta duma manobra a que os oportunistas recorrem frequentemente para impedir o debate de ideias no movimento revolucionário; eles procuram induzir em erro os militantes mal informados e intimidar todos os outros, forçando-os a recuar nas suas críticas, com receio de virem a ser identificados com os “renegados” e “traidores”. Esse é um velho expediente dogmático a que se tem recorrido vezes sem conto.

No que respeita às acusações de cisão, a nossa posição é clara: saímos do Partido porque queremos lutar pelo engrandecimento do Partido. Saímos do Partido porque queremos lutar em defesa do marxismo-leninismo e isso não nos é possível sob a autoridade dos actuais dirigentes do Partido. Constituímos o Comité Marxista-Leninista Português como arma na luta para depurar o Partido Comunista da corrente oportunista e revisionista que o domina. Não estamos dispostos a assistir de braços cruzados a repetição em Portugal daquilo que se deu na Argélia e em Cuba: é urgente que os comunistas varram o oportunismo e o revisionismo das suas fileiras para se porem à cabeça da revolução.

Não nos impressionam os argumentos com que os dirigentes do Partido procuram demonstrar que a unidade e a disciplina devem ser colocadas acima de tudo; para os comunistas, o que deve ser colocado acima de tudo são os princípios; a unidade e a disciplina são meios para servir esses princípios. A unidade e a disciplina do Partido ao serviço duma orientação oportunista e revisionista são prejudiciais ao Partido. A cisão não parte daqueles que rompem com o oportunismo mas daqueles que lançam o Partido no oportunismo, abandonando com isso a própria base em que o Partido foi criado, o marxismo-leninismo.

Para todos os militantes deve tornar-se perfeitamente claro que a única questão a discutir actualmente entre comunistas não é uma questão de unidade ou disciplina mas uma questão de princípios. Seria trágico que nos viéssemos a encontrar amanhã todos unidos e disciplinados dentro dum partido que traísse a revolução.

Vejamos agora as acusações de degeneração e traição que nos são dirigidas. Não é só por cálculo que os dirigentes do Partido amontoam os insultos contra nós. A raiz é mais profunda: a sua estreiteza sectária, resultante do oportunismo em que mergulharam, impede-os na realidade de compreender a luta de ideias no movimento revolucionário.

Tendo abandonado as posições de classe marxistas-leninistas, os oportunistas acabam por não compreender que o desenvolvimento da luta de classes dá lugar à formação constante das mais diversas correntes ideológicas no seio do movimento revolucionário, que essas correntes exprimem, de forma mais ou menos consciente, mais ou menos completa, interesses de classe determinados, e que só pela luta ideológica aprofundada e permanente é possível localizar em cada etapa do movimento os interesses de classe envolvidos em luta e traçar uma linha, que liberte a independência do proletariado e das massas oprimidas, conduzindo-as à vitória.

Tendo caído prisioneiros da sua absurda linha geral da Unidade contra Salazar, que é a negação da luta de classes e que nada tem a ver com uma linha leninista de alianças, negando-se durante dezenas de anos a dar qualquer balanço às classes em presença na nossa sociedade, aos seus interesses reais, aos objectivos da revolução, a uma política revolucionária de alianças do proletariado, e limitando-se no campo político a marchar a reboque do movimento burguês democrático, os oportunistas ficam aterrorizados perante a luta ideológica, em que não vêem qualquer proveito e que temem venha a destruir a sua Unidade operária-burguesa tão laboriosamente construída. Por isso, eles tendem a apoiar sem critério revolucionário todas as posições que lhes parecem favoráveis à sua política de Unidade e atacam furiosamente como “provocação” e “traição” todas as posições que vão contra o seu oportunismo.

Esta incompreensão da luta ideológica como expressão da luta de classes, este abandono do espírito de investigação e de crítica próprio do marxismo-leninismo, substituídos por uma mistura grosseira de oportunismo, de sectarismo e dogmatismo, têm sido praticados vezes demasiadas na história do Partido Comunista Português para poderem ainda conservar a sua eficácia junto dos militantes. Os comunistas sentem que já é tempo de começar a discutir com base nos princípios as posições ideológicas que se afrontam em vez de pôr rótulos elogiosos ou insultuosos a cada corrente que se manifesta na luta de classes.

Pela nossa parte, temos uma noção muito clara de que o nosso esforço para estudarmos o marxismo-leninismo e o aplicarmos à realidade nacional, superando o radicalismo que tem dominado quase sem interrupção o nosso movimento nos últimos 40 anos, não é o resultado duma especulação intelectual gratuita, mas corresponde a interesses de classe muito precisos.

O nosso aparecimento esta ligado ao esforço de emancipação ideológica e política que começou a desenhar-se na vanguarda do proletariado e das outras camadas revolucionárias portuguesas, sobretudo a partir de 1958. Temos a noção bem clara de que só conseguiremos levar a cabo a tarefa que nos impusemos se perseverarmos na defesa dos interesses de classe do proletariado e das massas oprimidas, não os subordinando a qualquer consideração táctica, mas pelo contrário, subordinando todas as considerações tácticas aos interesses superiores do nosso movimento: conduzir a classe operária, à frente dos camponeses e das grandes massas exploradas a libertar-se pela instauração dum poder popular em Portugal, ser fiéis em todas as circunstâncias aos interesses mundiais do proletariado revolucionário e dos povos oprimidos pelo imperialismo.

E queremos também tornar clara a nossa apreciação acerca da base de classe a que corresponde a linha actual dos dirigentes do Partido Comunista. Nós não temos dúvida alguma de que eles se opõem objectivamente à revolução em Portugal, à libertação do proletariado, ao estabelecimento duma ditadura democrática popular, e que se esforçam por todos os meios para facilitar uma modernização (ou seja, portanto, um reforçamento) da ditadura burguesa. Isso está se tornando cada vez mais patente em toda a sua actividade. Mas nós não caímos no erro de os confundir com agentes da grande burguesia ou com provocadores policiais.

A posição dos dirigentes do Partido Comunista corresponde a interesses de classe muito precisos existentes no país; eles defendem no interior do proletariado os interesses e pontos de vista de certos sectores da burguesia radical, que, tendo entrado em contacto com as massas trabalhadoras e apercebendo-se da sua força, tendem a desenvolver o movimento proletário no interesse desses sectores da burguesia. Se foi possível a implantação durante dezenas de anos de tais dirigentes à cabeça do Partido Comunista, isso também não é fruto do acaso, mas reflecte uma tendência, tradicional em largas camadas do nosso proletariado e do campesinato pobre para procurarem a salvação na burguesia “esclarecida”, para entregar a outros a direcção duma luta que não se atrevem a_dirigir. E é também evidente que o facto de os dirigentes do Partido não terem consciência do papel que desempenham não diminui em nada este facto objectivo que os leva a servirem de ponte entre a burguesia e o proletariado.

Enquanto persistirem os interesses de classe e as situações que deram origem ao aparecimento e consolidação desta corrente oportunista no seio do Partido Comunista, ela persistirá e terá o seu lugar na arena política portuguesa. O nosso objectivo não pode ser o de aniquilar a posição dos dirigentes do Partido Comunista com excomunhões ou caluniando-a como “actividade provocatória e policial”, o que seria absurdo. O nosso objectivo e simplesmente pôr a claro de forma objectiva e indiscutível a sua natureza de classe, não permitir que ela continue por mais tempo a alimentar mistificações e a apresentar-se falsamente como a ideologia do proletariado revolucionário.

Queremos demonstrar ao proletariado revolucionário que a linha oportunista dos dirigentes do Partido Comunista não corresponde aos seus interesses de classe, demonstrar-lhe que não poderá jamais levar a revolução portuguesa ao triunfo e conquistar o poder se não dispuser dum sólido partido revolucionário guiado pelo marxismo-leninismo, expurgado implacavelmente da ideologia burguesa, voltado para o objectivo da tomada do poder, alimentado no internacionalismo proletário.


Os autores da circular preveem que acabaremos por “desaparecer miserável e indignamente como renegados e traidores”. É possível que esta condenação sem apelo os conforte um pouco e acalme a sua consciência perturbada. Pela nossa parte, aconselhá-los-iamos a não serem tão definitivos nas suas condenações. Pode dizer-se que começou agora a grande luta pelo triunfo das ideias marxistas-leninistas em Portugal; é cedo ainda para saber quem virá a cair no campo dos renegados do Partido e da classe operaria, dos traidores a revolução. Esperemos um pouco mais.

Quanto a nós, os dirigentes do Partido Comunista dariam provas de sensatez se fizessem uma revisão geral à sua actividade à luz do marxismo-leninismo, se se impregnassem nos interesses profundos do nosso proletariado, se se guiassem pelo objectivo da revolução e da conquista do poder, em vez de se deixarem envolver em compromissos e combinações sem princípios e de se entregarem à tutela dos revisionistas modernos. Ainda e possível corrigir os erros e levantar o Partido da crise em que esses erros o mergulharam. Quererão os dirigentes do Partido contribuir para isso?


Estamos conscientes de que apenas começámos um combate duro e prolongado. Os inimigos da nossa revolução, a grande burguesia fascista e os imperialistas não pouparão esforços para nos aniquilar; os oportunistas e os revisionistas, atemorizados pela perspectiva de perderem a sua influência sobre a classe operária, farão chover sobre nós os seus ataques e calúnias. Mas nós estamos certos de que força nenhuma no mundo poderá impedir a vitória do marxismo-leninismo em Portugal e o triunfo da revolução. Nada nos desviará das nossas posições porque elas se baseiam nos interesses profundos do proletariado e na teoria cientifica do marxismo-leninismo.

Julho 1964
O Comité Marxista-Leninista
“Revolução Popular”