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Vou tratar um tema puramente histórico, porém ao mesmo tempo cumpro uma tarefa teórica: já que Marx e Engels, os mestres cuja história farei referência, interessam como autores da concepção materialista da história e criadores do socialismo científico, quis fazê-lo empregando o seu próprio método, aplicando essa mesma concepção.
Por mais que nosso programa destaque a importância da coletividade das massas, se a atribuímos excessivamente às vezes ao papel dos indivíduos na história e, nos últimos tempos particularmente, subordinamos um pouco o das massas, relegando às vezes, em última instância, às condições econômicas e históricas gerais que determinam a ação individual.
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A personalidade de Engels se desenvolve um pouco antes da de Marx. É quase impossível encontrar na história do século XIX um homem que por sua atividade e sua obra científica tenha orientado de tal modo o pensamento e a ação de várias gerações em distintos países. Se passaram quarenta anos desde a morte de Marx(1), e ainda assim, seu pensamento não deixou de influenciar, de inspirar o desenvolvimento intelectual até nos países mais distantes, onde jamais havia se ouvido falar dele enquanto vivia.
O nome de Karl Marx é muito conhecido na Rússia. Há mais de meio século que apareceu a tradução russa de O Capital, porém a influência do marxismo longe de cessar, aumenta a cada ano. Nenhum historiador do futuro poderá estudar a história russa a partir de 1880 sem estudar previamente as obras de Marx e Engels: sinal do quão profundamente penetraram esses dois homens na história do pensamento socialista e do movimento operário revolucionário russo.
Eis-nos, pois, diante de duas figuras eminentes que determinaram a direção do pensamento humano. Vejamos em que condições e em que ambiente se desenvolveram.
O homem é produto de um meio histórico determinado. Um gênio que aporte uma novidade o fará sobre a base do existente. Não pode surgir do nada. Em consequência, se se quer precisar o gênio, o grau de originalidade de um homem, há de se ter pelo menos uma ideia aproximada do que já existia, do desenvolvimento alcançado pelo pensamento humano e pela sociedade no momento em que aquele começou a se formar, isto é, a sofrer influência do meio ambiente. Assim, para compreender Marx — e aplicaremos aqui, na prática, seu próprio método — será necessário considerar a influência do meio histórico sobre ele e Engels.
Marx nasceu em Tréveris em 5 de maio de 1818; Engels, no dia 28 de novembro de 1820, em Bremen, ambas cidades da Alemanha, situadas na mesma província — Renânia — banhada pelo rio Reno, que demarca a fronteira entre a França e a Alemanha. Nasceram, pois, com dois anos de intervalo, em uma mesma província alemã, na primeira metade do século XIX.
Como sabemos, nos primeiros anos de sua existência a criança se encontra submetida a toda influência do meio familiar. A partir dos dez ou doze anos sofre a influência, mais complexa, da escola. Começa a entrar em contato com uma quantidade de fenômenos e de fatos desconhecidos no círculo estreito da família.
Já situamos Marx e Engels em um meio geográfico determinado: Alemanha. Veremos agora a que classe pertence sua origem. Antes nos referiremos à situação histórica geral pelo ano de 1830, quando crianças conscientes, Marx e Engels começaram a sofrer a influência do meio histórico e social. Os anos de 1830 e 1831 são para a Europa anos revolucionários. No primeiro, estourou na França a Revolução de Julho, que se estendeu por toda a Europa, do ocidente ao oriente, alcançando a Rússia, onde provocou a insurreição de 1831 no reinado da Polônia. Desde que Marx e Engels entraram para a vida mais ou menos consciente se encontram, pois, no redemoinho da revolução e recebem impressões deste período convulsivo. Porém a Revolução de Julho de 1830 viria a ser a conclusão de outra revolução mais considerável, cujas consequências e influências é necessário conhecer para valorar o meio histórico em que cresceram Marx e Engels.
A história do século XIX até 1830 está determinada por dois fatores essenciais: a Revolução Industrial na Inglaterra e a grande Revolução Francesa. Começa a primeira desde 1760 e dura um longo período; chega ao seu apogeu no início do século XVIII, porém se finaliza mais ou menos em 1830.
O que é a Revolução Industrial? — assim denominada por Engels.
Na segunda metade do século XVIII a Inglaterra já era um país capitalista. Possuía uma classe de operários, de proletários, ou seja, uma classe de homens privados de qualquer propriedade, sem instrumentos de produção e, por conseguinte, obrigados para sobreviver, vender como uma mercadoria sua força de trabalho; e uma classe capitalista que explorava esta classe operária. Existia também uma classe de proprietários de terras.
Não obstante, em meados do século XVIII, o capitalismo na Inglaterra se apoiava tecnicamente sobre a antiga produção manual. Não era a produção artesã, em que cada oficina contava somente com um patrão, dois ou três companheiros e alguns aprendizes; já havia cedido aquela forma seu lugar ao modo de produção capitalista e, até a segunda metade do século XVIII, se desenvolveram justamente na Inglaterra tais formas desse estágio da produção capitalista que era denominada como manufatureira. No estágio manufatureiro do desenvolvimento da produção, os capitalistas seguem explorando o operário, porém em uma escala maior, em uma oficina consideravelmente mais ampla, que não é a do artesanato.
No que diz respeito à organização do trabalho, a produção manufatureira se distingue da artesanal pelo fato de que reúne centenas de operários em um grande e único local. Qualquer seja o ofício no qual se ocupem, se estabelece entre essas centenas de homens uma perfeita divisão do trabalho com todas suas consequências. É a empresa capitalista sem máquinas, sem mecanismos automáticos, porém na qual a divisão do trabalho e, do mesmo modo, de produzir em diferentes operações parciais chega a um grau mais alto. E precisamente na metade deste mesmo século este período manufatureiro se generalizou na Inglaterra.
Mais ou menos em 1769 começam a se modificar as próprias bases técnicas da produção. As antigas ferramentas dos artesãos são substituídas por máquinas. Esta inovação se dá sobretudo no principal ramo da indústria inglesa, a têxtil. A aplicação sucessiva de uma série de invenções transforma a técnica do tecido e fiação. Não enumerarei todas essas invenções; bastará saber que até 1780 os teares, para tecer e fiar figuravam entre elas. Em 1785, Watt inventou sua máquina a vapor aperfeiçoada, que permitiu instalar as fábricas nas cidades, que até então eram estabelecidas exclusivamente nas margens das correntes de água que proviam a energia necessária. Daí as condições favoráveis para a concentração da produção. A partir de 1785 começam as tentativas para aplicar o vapor como força motriz nos diversos ramos da indústria. Porém o progresso da técnica não foi tão rápido como aparece às vezes nos textos atuais; o período desta grande revolução industrial se estende de 1760 até 1830. A máquina de fiar automática, hoje muito difundida em nossas fábricas, não esteve suficientemente aperfeiçoada até 1852; a de tecer adquiriu sua forma atual em 1813, sendo que os primeiros teares haviam sido inventados antes de 1760 (o de Cartwright em 1785), isto é, muito anteriormente a esta data.
Estamos considerando, pois, um país em que desde 70 anos atrás as invenções se sucedem sem cessar, a produção se concentra cada vez mais e as pequenas oficinas de tecido e fiar desaparecem progressivamente. Os artesãos são substituídos por proletários a cada dia em maior número. Em lugar da antiga classe de operários que havia começado a se desenvolver nos séculos XVI e XVII e que na segunda metade do XVIII representavam, todavia, uma pequena parte da população, ao fim deste século até meados do XIX, se registra na Inglaterra uma classe considerável que impõe suas características em todas as relações sociais.
Simultaneamente com esta revolução industrial se produz certa concentração no seio da própria classe operária e também uma modificação em todas as ordens econômicas. Os tecelões e fiandeiros ficam privados de suas habituais condições de existência. No princípio, o operário manufatureiro apenas se diferenciava do artesão e do camponês, tinha confiança no futuro, sabia que estava nas mesmas condições do seu pai ou do seu avô; porém agora tudo havia mudado e haviam desaparecido as seculares relações familiares entre patrões e operários; aqueles jogavam nas ruas sem piedade dezenas e centenas de trabalhadores. Reagem estes, por sua vez, contra esta modificação tão radical, contra este transtorno em suas condições de vida. Se indignam, e sua indignação, seu ódio, se dirigem em seguida, naturalmente, contra o signo anterior desta nova revolução que atacam seus interesses, contra as máquinas, que representam para eles todo o mal. E assim, acontecem no começo do século XIX, sublevações de trabalhadores contra o emprego das máquinas e contra os aperfeiçoamentos técnicos da produção, que adquirem grandes proporções na Inglaterra até 1815, pouco depois da adoção da máquina de tecer aperfeiçoada. Por esta época o movimento afeta a todos os centros industriais, deixa de ser espontâneo, se organiza, responde a chefes e palavras de ordem. Fica conhecido na história como o movimento dos "ludistas", segundo alguns, por causa do nome de um operário e segundo outros devido ao fabuloso general Ludda, cujas proclamações eram subscritas pelos operários. Para repeli- los, as classes dirigentes, a oligarquia dominante, recorreram as medidas mais rigorosas. Qualquer tentativa de destruição de máquinas era castigada com a pena de morte. Inúmeros operários foram, por isso, enforcados.
Assim, se fazia necessária uma propaganda apropriada para fazê-los compreender que a causa da sua situação não estava nas máquinas, mas nas condições em que estas eram empregadas. O movimento revolucionário que se propõe fazer dos operários uma massa consciente capaz de lutar contra determinadas condições políticas e sociais, começa a se desenvolver vigorosamente na Inglaterra a partir de 1815. Não o examinarei em detalhes, porém quero assinalar que, apesar de haver iniciado neste tempo, teve precursores nos fins do século XVIII. Para compreender o papel que tiveram, é preciso estudar a situação da França, porque é difícil compreender corretamente os primeiros passos do movimento inglês sem conhecer as consequências da Revolução Francesa. Esta eclodiu em 1789 e chegou a sua fase culminante em 1793. Desde 1794 começa a declinar e acaba alguns anos mais tarde com a instauração da ditadura militar de Napoleão. Em 1799, Napoleão realiza seu golpe de estado e após ser cônsul por cinco anos, se proclama imperador e reina até 1815.
Até o fim do século XVIII, a França foi governada por uma monarquia absolutista. Na realidade, o poder pertencia a nobreza e ao clero que cediam por vantagens materiais uma parte de sua influência à burguesia financeira e comercial que começava a se constituir. A efervescência das massas populares, dos pequenos produtores, dos camponeses, dos pequenos e médios industriais que não possuíam privilégios alguns suscita um forte movimento revolucionário que obriga o poder real a fazer concessões e assim Luís XVI convoca os Estados Gerais. Enquanto lutam os dois grupos sociais representados pela classe pobre das cidades e as ordens privilegiadas, o poder cai nas mãos da pequena burguesia revolucionária e os operários parisienses em 10 de agosto de 1792. Dominam então os jacobinos com Maximilien de Robespierre e Jean- Paul Marat. Adicionamos o nome de Georges-Jacques Danton. Durante dois anos é dono da França o povo sublevado, cuja vanguarda está na Paris revolucionária. Os jacobinos representavam a burguesia, porém levaram suas reivindicações até seu limite lógico. Não eram nem comunistas, nem socialistas. Robespierre, Marat, Danton, democratas pequeno-burgueses, assumiam o papel e a tarefa que havia de cumprir toda a burguesia: despojar a França das sobrevivências do regime feudal; criar condições políticas que permitissem a todos os proprietários desenvolver livremente suas atividades e aos pequenos proprietários procurar uma renda média com um ofício honrado ou com uma honesta exploração do trabalho alheio. Porém em sua luta pela criação dessas condições políticas e contra o feudalismo, contra a aristocracia, e principalmente contra toda Europa, que avançava sobre a França, sobre os jacobinos: Robespierre e Marat agiram como chefes revolucionários, pondo em prática métodos de propaganda também revolucionários. Para opor a força das massas populares a dos senhores ou reis, lançaram a palavra de ordem: "Guerra aos palácios, paz nos bairros!" e inscreveram em sua bandeira: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
As primeiras conquistas da Revolução Francesa tiveram repercussão imediata na Renânia, onde foram organizadas sociedades jacobinas. Muitos alemães foram incorporados como voluntários no exército francês, e alguns em Paris participaram de todas as sociedades revolucionárias. Grande e duradoura foi essa influência na Renânia e também no Pa- latinado; no começo do século XIX as tradições heroicas da revolução conservavam ainda todo seu prestígio sobre a jovem geração. O próprio Napoleão, o usurpador, em sua luta contra a Europa monárquica e feudal se apoiou nas conquistas fundamentais da Revolução Francesa. Havia começado sua carreira militar no exército revolucionário. Os soldados franceses, descalços, esfarrapados, quase sem armas, lutaram contra as tropas regulares prussianas e venceram por seu entusiasmo, sua superioridade numérica e a arte de desmoralizar e desagregar o exército inimigo bombardeando-o com proclamações antes de dirigir-lhes as balas. Napoleão em suas guerras também recorreu a essa propaganda revolucionária. Sabia bem que os canhões são um poderoso meio de ação, porém jamais desdenhou daquele outro instrumento de propaganda que desorganiza tão bem as tropas adversárias.
A influência da Revolução Francesa se estendeu igualmente até o Leste e chegou até São Petersburgo, onde, como conta nossos velhos livros, as pessoas se abraçavam e felicitavam nas ruas ao receber a notícia da queda da Bastilha. Havia na Rússia um pequeno grupo de homens, dos quais o principal era Radichtchev, que compreendia o sentido da Revolução Francesa.
Na Inglaterra, país que então encabeçava as coalizões dirigidas contra a França, a mesma influência se fez sentir não somente entre os elementos pequeno-burgueses como também na numerosa população operária gerada pela Revolução Industrial. A primeira organização operária revolucionária surgiu na Inglaterra precisamente entre os anos 1791 e 1792. Foi batizada como "Sociedade de Correspondência" para enganar a lei inglesa que proibia que as sociedades das distintas localidades se ligassem organicamente. Ao fim do século XVIII, a Inglaterra, que já havia passado por duas revoluções, uma na metade e outra no encerrar do século XVII, se regia constitucionalmente. Considerava-se como o país mais livre; permitia-se ali o funcionamento de clubes e sociedades, porém sem direito de se vincularem entre si. Burlando essa proibição, os operários organizaram onde puderam aquelas sociedades de correspondência, que se relacionavam por cartas. A de Londres era dirigida por Tomás Hardy, um sapateiro escocês, de origem gaulesa. Atraiu e organizou um grande número de operários, os quais pagavam uma reduzida quota de ingresso. A sociedade organizava encontros e assembleias. A maioria eram artesãos, sapateiros e alfaiates, o que se explica pelo efeito desagregador que sobre a antiga produção manufatureira havia começado a exercer a Revolução Industrial a qual já fiz referência.
Vou dar outro nome ligado a história posterior do movimento tradeunionista inglesa: Francis Place, alfaiate de ofício. Citarei também, dentre outros artesãos membros de sociedades de correspondência, o sapateiro Holcruft, poeta, publicista e orador talentoso, que teve destacada atuação nas consequências do século XVIII.
Duas ou três semanas depois da proclamação da República na França (em 10 de agosto de 1792), a sociedade de Hardy, por meio do embaixador francês em Londres, enviou secretamente à Convenção uma mensagem de simpatia. Esta saudação, uma das primeiras manifestações de solidariedade internacional, produziu grande impressão do proceder do povo inglês, cuja classe dominante dedicava a França então a mais viva hostilidade, e a Convenção a retribuiu por resolução especial.
Tomando como pretexto as relações que sustentava com os jacobinos franceses, a oligarquia inglesa empreendeu perseguições contra as referidas sociedades. Contra Hardy e muitos dos seus companheiros foi iniciada uma série de processos. Ao analisar os discursos dos procuradores em que interviram, se vê como os grupos capitalistas ingleses intentaram retirar da França revolucionária suas colônias na Ásia e na América.
O temor de ver destruída sua dominação, fez com que a oligarquia inglesa tomasse medidas contra o então nascente movimento operário. As sociedades, as uniões que os elementos burgueses, as pessoas acomodadas, estava até então, autorizados a fundar, e por isso era impossível até então negar a autorização aos artesãos, foram proibidas em 1800.
Em 1799 uma lei especial proibiu toda associação de operários na Inglaterra e desde então até 1824 a classe operária do país esteve privada do direito de reunião e de associação.
Voltemos agora a 1815. O movimento dos "ludistas", cuja intenção exclusiva era destruir as máquinas, foi transformando-se em uma luta mais consciente. Novas organizações revolucionárias se propuseram a obter a modificação das condições políticas da classe operária, exigindo em primeiro lugar o direito de reunião e associação e a liberdade de imprensa. O ano de 1817 começou com uma luta encarniçada que, em 1819, provocou em Manchester, centro da indústria algodoeira, o célebre combate de Peterlow. Fortes esquadrões da cavalaria oprimiram os operários e em consequência da luta morreram dezenas de homens. O rei da Inglaterra felicitou os valentes cossacos que haviam vencido os trabalhadores desarmados, como em outro tempo Nicolau III aclamou aos bravos fanagoritsy que haviam aberto fogo contra os operários de Iaroslav.
Foram tomadas novas medidas rigorosas contra a classe operária, conhecida com o nome de "Seis Pontos". Estas perseguições não fizeram mais que fortalecer o movimento, principalmente a Place, que ainda já se tornara um rico industrial, não havia deixado de se relacionar com os radicais da Câmara dos Comuns, os operários ingleses conseguiram a famosa lei de coalização. Desde então o movimento conquistou uma base legal para a criação de organizações destinadas a defesa contra a opressão dos industriais, a conquista de melhores condições de trabalho e salários mais elevados. O tradeunionismo começa a se desenvolver e em seu seio se formaram sociedades políticas com o fim de conquistar o sufrágio universal.
Na França, enquanto isso, com a caída de Napoleão em 1815 e o restabelecimento da antiga monarquia dos Bourbons com Luís XVIII, segue a época de restauração que dura 15 anos. Recuperado o trono com a ajuda estrangeira, de Alexandre I em particular, Luís XVIII fez uma série de concessões aos grandes proprietários de terras que haviam sofrido as consequências da revolução. Era impossível restituir-lhes suas terras, posto que seria necessário expulsar os camponeses, porém lhes foi pago uma fabulosa soma de francos.
O poder real se esforçava para conter o desenvolvimento do novo regime social e político e deixar sem efeito, em tudo que fosse possível, as concessões que fora obrigado a fazer. A luta entre liberais e conservadores prosseguiu sem interrupção e conduziu finalmente a uma nova revolução que eclodiu em julho de 1830.
A Inglaterra, que ao fim do século XVIII, havia visto se fortalecer o movimento operário com raízes na Revolução Francesa, sob a influência desta, volta a contemplar um novo avanço revolucionário, que começa com uma campanha em favor da extensão do sufrágio, a qual somente tinha direito uma parte ínfima da população. Os proprietários de terras exerciam o domínio e, por conseguinte, na Câmara dos Comuns. Os partidos dirigentes, os "whigs" e os "tories", que representavam, em resumo, as diferentes frações da aristocracia proprietária de terras, se viram forçados a fazer certas concessões. O mais liberal de ambos, os "whigs", que considerava necessária a reforma eleitoral, ganhou terreno. Porém a burguesia industrial conseguiu somente para si o direito ao voto. Ante a traição desta burguesia liberal, que se aliou ao antigo membro da sociedade de correspondência Place, os trabalhadores, depois de várias tentativas infrutíferas, organizaram em 1836 sua sociedade em Londres, dirigida por talentosos operários, entre os quais William Lowett e Henry Haserington. Em 1837, Lowett e seus camaradas formularam pela primeira vez as reivindicações políticas fundamentais da classe operária. Se propõe organizar os trabalhadores em um partido especial com seu programa político, não em um partido de classe, adversário de todos os outros partidos burgueses, mas sim em um partido que junto aos demais, aspira ter influência e participar da luta política como partido político da classe operária sob o regime burguês. Partidos operários desta natureza ainda existem atualmente na Austrália e Nova Zelândia. Não tem por objetivo a transformação radical das condições sociais, e com frequência até se unem estreitamente com a burguesia para assegurar aos operários determinada influência na máquina governamental.
O documento no qual Lowett e seus companheiros declararam as pretensões dos operários recebeu o nome de "Carta" e o seu movimento de "cartista". Com estas seis reivindicações se iniciou o cartismo: sufrágio universal, parlamento anual, voto secreto, imunidade parlamentar, divisão do país em circunscrições eleitorais iguais, supressão da taxa eleitoral para os deputados. Começou, como vimos, em 1837.
Marx tinha 19 anos e Engels, 17. Foi a mais alta expressão alcançada pelo movimento operário no momento em que Marx e Engels tornavam-se conscientes.
A Revolução de Julho de 1830 não havia instaurado na França uma república, mas uma monarquia constitucional em cuja cabeça figurava o chefe dos Orleans que, durante a grande Revolução Francesa e mais tarde na Restauração, havia combatido os Bourbons. Luís Felipe foi o representante típico da burguesia; sua preocupação pela economia provoca a admiração dos pequenos comerciantes de Paris.
A monarquia de julho outorgou a liberdade à burguesia industrial, comercial e financeira para permitir-lhes enriquecer mais rapidamente, e dirigiu seus golpes contra a classe operária, na qual já se manifesta, ainda que de forma débil, uma tendência à organização. Nos anos subsequentes à revolução, as sociedades revolucionárias eram compostas principalmente por estudantes e intelectuais: os operários eram uma exceção nelas. Porém respondendo a traição da burguesia, uma insurreição operária eclode em 1831 nas tecelagens de Lyon. Durante vários dias os operários têm a cidade em seu poder. Não fazem reivindicação política alguma. Levantam apenas a palavra de ordem: "Viver trabalhando ou morrer combatendo". Finalmente são vencidos e submetidos à terríveis represálias. Em 1834, outra vez em Lyon, surgiu uma nova revolta. Sua importância foi mais considerável do que a da Revolução de Julho. Enquanto esta se baseava nos elementos pequeno-burgueses democráticos principalmente, a dupla insurreição lyonesa revelou pela primeira vez a importância revolucionária do elemento operário que, ainda que em somente uma sociedade, levantava a bandeira da rebelião contra toda a burguesia, demonstrando claramente os problemas de sua classe. Porém o proletariado de Lyon não atacava as reais bases do regime burguês, ainda que suas reivindicações fossem dirigidas contra os capitalistas.
Surgido em cena como nova classe revolucionária, o proletariado tenta nesta época organizar-se na Inglaterra; e na França, após os sucessos de Lyon, começaram as primeiras tentativas de sua organização revolucionária.
A figura de destaque deste movimento foi August Blanqui, um dos maiores revolucionários franceses. Havia tomado parte na Revolução de Julho. Sob a influência das insurreições lyonesas, que mostraram que o elemento mais revolucionário estava representado pelos operários, Blanqui começa junto com seus companheiros a construir sociedades revolucionárias entre os operários de Paris, nas quais participam, como nos tempos da grande Revolução Francesa, homens de outras nacionalidades: alemães, belgas e suíços.
Decididos a tomar o poder político com um só golpe e aplicar, em seguida, uma série de medidas em favor da classe operária, realizam em maio de 1839, em Paris, uma audaz tentativa de insurreição que, desde logo, é abortada, porém custa a Blanqui uma condenação à morte, comutada para prisão perpétua, e um sério desgosto a seus companheiros alemães. Entre estes mencionarei Chapper, nome que voltaremos a ouvir posteriormente. Obrigado a sair da França com alguns camaradas, chega em fevereiro de 1840 a Londres, onde organizada uma sociedade operária de educação.
Nesta época, quando o movimento operário revolucionário chegava ao seu auge, Marx e Engels, tinham 22 e 20 anos, respectivamente.
Notas de rodapé:
(1) Conferência proferida por David Riazanov em 1923. (retornar ao texto)