Entrevistas com a História
(Entrevista a Berenice Cavalcante Brandão)

Dinarco Reis

1 de dezembro de 1982


Primeira Edição: Entrevista concedida por Dinarco Reis a Berenice Cavalcante Brandão em 1º de dezembro de 1982, na qual o “Tenente Vermelho” lembra sua participação no Levante de 1935 e na organização da Conferência da Mantiqueira, entre outros fatos.

Fonte: https://fdinarcoreis.org.br/fdr/2012/07/09/entrevistas-com-a-historia-dinarco-reis/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


DINARCO E APOLÔNIO DE CARVALHO EM MARSELHA
Dinarco Reis e Apolonio Carvalho em Marseillha, 1942

(Berenice) Eu pediria ao senhor que começasse nos relatando a época e as condições em que o senhor fez a opção por filiar-se ao Partido Comunista Brasileiro.  Se possível também, dando uma breve discrição da sua vida, profissão, enfim me interessa ver que fatores jogaram nesta escolha, nesta opção.

(Dinarco) Bom, eu ingressei no Partido posteriormente aos anos de 30/32.  Em 30, eu participei do movimento armado. Eu era sargento da aviação, naquele tempo era Aviação Militar, eu já tinha uma posição política que era fundamentalmente de interesse de uma vitória das forças democráticas no Brasil. (gravação interrompida).

Bom, então, eu participei do Movimento armado de 1930, desse Movimento eu voltei como tenente comissionado Pelo governo de Vargas.  Depois, ingressei na Escola Militar para tirar o curso de oficial do Exército.  Participei ao lado do governo no Movimento de 32, acreditando que era necessário dar um voto de confiança a esse governo que tinha subido a pouco tempo, em 30.  Mas examinando com profundidade o resultado dos movimentos de 30 e 32, que haviam sacrificado tantas vidas de brasileiros, eu cheguei à conclusão de que nenhum desses movimentos tinha contribuído para realmente para uma saída política no sentido daquilo que a gente almejava para a situação brasileira.  Nesta ocasião, me interessei, comecei a me interessar pelo Marxismo, pela Revolução Soviética, estudar.  Compreendi, pelo menos achei que a saída estava por ai.  Isso me fez aproximar de outros camaradas que tinham a idéia semelhante no meio militar e daí o meu ingresso no Partido Comunista Brasileiro, assim em poucas palavras.

(Berenice) Só um esclarecimento, quando o senhor diz que começou a se interessar pelas questões do Marxismo, a estudar, a notícia que se tem é que era muito escassa a literatura aqui no Brasil sobre o tema.  Como é que o senhor enfrentou essa pequena dificuldade?

(Dinarco) Realmente a literatura Marxista era muito escassa, mas havia muito interesse, por outro lado, foi um período em que na própria Força Armada se discutia muito.  Havia muitos grupos, de toda a natureza, uns mais simpatizantes do fascismo – que também estava em ascensão na Europa, outros… Enfim um grande número de militares discutia e procurava uma saída, inconformados com aquela situação.  Foi nessa ocasião que se formaram, inclusive, vários grupos e várias correntes políticas mais definidas no Brasil:  Grupo 3 de outubro, de caráter nacionalista; o próprio integralismo, muita gente se interessou pelo integralismo; para o fascismo, enfim achando que era uma solução, porque o fascismo estava em plena ascensão na Europa, na Itália e na Alemanha.  E havia, podemos dizer assim, a corrente de esquerda que se interessava pelo Movimento Comunista Internacional, lia o jornais.  Se não havia realmente uma literatura, isto ainda hoje no Brasil é muito deficiente, havia no noticiário de jornal e assim na palestra política, muito interesse, muito debate, por essas questões. E quem buscava uma solução, estava interessado, procurava uma dessas correntes achando que elas constituíam uma saída.

No meu caso, como eu era um homem militar de origem modesta.  Eu havia ingressa na Escola de Aviação Militar como soldado e fui ascendendo: cabo, sargento, depois tenente  comissionado, depois oficial.  A minha tendência foi procurar as soluções de esquerda, correspondente com a minha origem.  Isso me fez aproximar do Partido Comunista.  E como havia outros colegas que estavam empenhados também nos debates.  Alguns que já tinham contato com o Partido, foi por ai que eu me encaminhei para o Partido, logo depois de 1932.

(Berenice) No Rio de Janeiro que o senhor estava?

(Dinarco) É. Eu atuava na Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos, aqui no rio de Janeiro.  Eu não posso precisar, eu não tenho uma data precisa de ingresso no Partido porque, nesta ocasião, quem se aproximava do Partido ficava assim numa função, mais ou menos, de simpatizante, conversando, reunindo às vezes e até mesmo fazendo tarefas do Partido.  Mas em determinado momento, eu vi que estava integrado com os demais camaradas do Partido.  Esta foi a minha evolução natural no sentido do Partido.  Nos ano 33/34 já estava mais integrado e no ano de 35, participei de um Movimento Armado, que se desencadeou em 35 o Chamado Movimento da Aliança Nacional Libertadora, fundamentalmente foi isso.  Eu não sei se satisfaz.

(Berenice) Não, está muito interessante.  Quer dizer, todos os detalhes que o senhor puder dar, ainda que esta questão de 35 não seja objeto específico da minha tese, uma vez que eu lhe disse que ela deverá se iniciar em 35, mas eu estou preocupada, sobretudo nesta entrevista, em conversar com o senhor a respeito da sua experiência no Partido, como é que o senhor viu esse período de militância, eu acho que a gente poderia dar seqüência a esta narrativa, tal como ela está se processando agora.

(Dinarco) Acontece o seguinte: eu era militar, era tenente, mais ou menos… Eu havia terminado em 34… Eu terminei o curso da Escola Militar, porque eu fui tenente comissionado em 30, precisava normalizar a minha situação.  Então, me matriculei em 32 na Escola Militar, tirei o curso e no ano de 34 terminei.  E no ano de 35 estava, mais ou menos, integrado na atividade normal da Aviação como tenente.  Agora, a minha área como comunista, neste período, foi limitada à Escola de Aviação, porque como militar nós não podíamos ter muito contato com a área operária, com o resto do Partido.  Então, na Escola de Aviação Militar, constituímos um grupo de alguns poucos oficiais, pouco mais de uma dezena, que conversávamos e atuávamos segundo a orientação do Partido.  Sabíamos da existência, também, de um grupo de cabos e soldados integrados no Partido.  Naturalmente, o nosso contato com eles também era, de certa maneira, limitada pela própria função hierárquica.  Mas tínhamos contatos às vezes com alguns.

Na Escola de Aviação Militar principalmente os alunos, os cabos-alunos, técnicos, formaram uma associação de cerca de 30e poucos alunos, do Partido.  Creio que era a maioria da turma.  E havia outros soldados também.  A Aviação Militar naquela época consistia de duas unidades principais aqui no Rio de Janeiro: A Escola de Aviação Militar e o Primeiro Regimento, tudo isso era no Campo dos Afonsos.  E neste grupo de oficiais, fundamentalmente, era a nossa atuação, consistia esta atuação: nós nos reuníamos freqüentemente com muita facilidade porque éramos do mesmo quartel, discutíamos política, traçávamos uma orientação política que recebíamos do Partido.  Essa é que era a nossa fundamental atuação.  Também, naturalmente, como… Entre os colegas, nós participávamos, quem não era do Partido, das discussões políticas, e procurávamos interpretar a situação, o ambiente político que havia.   Esse processo foi correndo até o ano de 34, quando no princípio de 35, surgiu com muita força a idéia de formação da Aliança Nacional Libertadora.  Uma organização de Frente Ampla de Esquerda, que tinha um programa interessante.  Na época, funcionávamos e discutíamos muito na base de programas e procuramos também, vamos dizer assim, nos comportar de acordo com aquela orientação da Aliança.  Então, estabelecemos relação com outros militares que eram desta mesma Frente, mas nosso setor de Aviação Militar, ainda bem restrita, apesar de tudo.  Mas houve condição de se falar, debater muito.

É interessante, que, nesta ocasião, no meio dos militares se discutia muita política.  O país vinha de atravessar um período de grande instabilidade.  E você sabe que depois de 1930, com a luta dos Tenentes, e a importância que os Tenentes adquiriram no quadro político brasileiro.  As forças armadas sofreram uma desagregação, de crise.  E essa crise se refletia, principalmente, nisso: na busca dos oficiais, principalmente, dos oficiais inferiores de capitão para baixo, de major para baixo, mas principalmente tenente, até os sargentos, cabos e soldados, numa pesquisa, numa procura pessoal permanente sobre a solução que melhor corresponderia ao Brasil.  E nesses debates… Desse debate nós participávamos.  Era frequente mesmo no meio militar, discussões entre gente de esquerda, oficiais militares, com de direita, de centro, digamos assim, liberais… Cada um defendendo a sua posição.  Se discutia com muita liberdade, inclusive, às vezes, com muita paixão, nossos pontos de vista.  Neste sentido havia um clima muito propício, digamos assim, a uma polarização que acabou se verificando entre esquerda e direita, que foi a polarização que, em certo momento, predominou nas forças armadas.  Nesta ocasião, o governo do Getúlio, que era um governo fundamentalmente reacionário, apesar de que ainda predominavam esse clima de democracia, ele foi tomando medidas radicais para superar esta situação, como convinha ao governo para ele se fortalecer.

Na tomada dessas medidas radicais, algumas atingiram, principalmente, quem atacava ou não correspondia às posições do Governo do Getúlio, ele tomou essas medidas radicais contra as tendências de esquerda, principalmente, a Aliança Nacional Libertadora e o Partido Comunista.  Tomou medidas drásticas: ilegalização da Aliança Nacional Libertadora, de perseguição aos comunistas, tanto que nós tínhamos que atuar com muito cuidado, numa ilegalidade bastante séria e finalmente isso determinou uma reação da parte das forças de esquerda contra essa situação, contra a ilegalização da Aliança Nacional Libertadora, contra a ilegalização do Partido.  Isso foi criando um clima que a gente sentia que marchava para um confronto, inclusive, se percebia uma tendência no governo de Getúlio de caminhar para um regime autoritário de nível fascista, como acabou acontecendo.

Naturalmente, que a radicalização de um lado determina radicalização do outro lado, não é?  A reação sempre é, mais ou menos, no sentido igual e contrário.  E foi o que se verificou nas forças de esquerda, principalmente no Partido Comunista, que em determinado momento não interpretou bem a realidade, achou que havia uma situação pre-revolucionária no país e começou a traçar uma orientação de uma  saída de confronto.  Naturalmente, estava pressionado também pela posição… Pela tendência do próprio governo Vargas que caminhava cada vez mais, para um radicalismo de direita, como o Estado Novo veio depois.  Como é natural, gerou-se, principalmente, na direção do Partido Comunista, a idéia de se preparar para um confronto armado que… Que era previsto.  Não se sabia bem de onde partiria, mas era previsto.  Então, realmente, nós militares do Partido começamos a discutir este problema na base da orientação do que vinha da direção do Partido, que devíamos estar preparados para uma situação de confronto, confronto armado inclusive.  E examinando o  quadro, a gente via que realmente a tendência era essa, isso nos levou, antes mesmo de novembro de 35, a nos prepararmos para que isso acontecesse.  É claro, que também contribuíam para isso, um clima que desde 1922, que nós podemos dizer que depois de 22, com  a luta dos Tenentes, a Nação viveu uma situação de instabilidade, quase de dois em dois anos, havia um golpe, um levante.  Levantes parciais, houve numerosíssimos, mesmo em 22, ou mesmo antes de 22, isso vinha se repetindo.  Então, nas Forças armadas havia um clima sempre muito acentuado de uma saída golpista para encaminhar o processo.  De certa maneira, nós do Partido apoiávamos essa concepção.

(Berenice) O senhor me permite uma interrupção muito pequenina, sem cortar o seu raciocínio?  Em primeiro lugar, a impressão que se tem escutando esta narrativa, é de… A palavra não é muito própria não, mas enfim… De certa… Quase uma certa autonomia entre os integrantes do Partido que faziam parte das forças armadas.  Enfim, eu estou fazendo esta menção porque quando o senhor levantar essa questão dos preparativos para um enfrentamento, da questão da luta armada, são duas questões que eu estou pensando; a primeira seria a seguinte: se isso eram questões que eram discutidas também com os militantes – vamos assim dizer – civis, não militares, esta seria a primeira questão.  E a segunda, por exemplo, Alberto Passos Guimarães no depoimento dele, ele se refere, no ano de 34 já, a um debate em termos de fixação da linha política, a uma opção pela política da luta armada, e outros depoimentos também, há referência sempre a uma certa visão que via: 22, como a primeira revolução; 24, a segunda; e agora, os anos 30, a terceira revolução.  Se, vamos dizer assim, a sua exposição está correndo nessa mesma linha de interpretação, se está correto fazer este comentário.  E mais do que isto, como é que se dava a integração desses debates que estavam ocorrendo na… Comunistas da área militar e dos comunistas civis, vamos dizer assim.

(Dinarco) Bom, isto que você diz é uma verdade.  Apesar de nós sermos um grupo de militares e não termos, portanto, muita vivência com a área civil do Partido.  Nós constituímos uma organização muito disciplinada e essas discussões, ou posições, eram reflexos da orientação que nós recebíamos da direção.  Nós não fazíamos nada por nossa conta.  Nós sempre aguardávamos a orientação da direção neste sentido.  E foi justamente esta orientação, mesmo quando a gente tinha dúvida, o que prevalecia era o que a gente recebia como orientação.  Porque nós também éramos um grupo reduzido, com muitas limitações e não tínhamos o contato, as informações, que o Partido possuía dos meios que tinha.  Então, nós recebíamos informações de que a situação da classe operária se agravava, havia portanto espírito de revolta, contra aquela situação econômica, social e tudo mais …  Isso correspondia, vamos dizer assim, a nossa tendência de militar, em tempo a coisa se encaminharia para um confronto armado.  Isso talvez em nós coincidisse com a própria mentalidade do militar dada à formação.

Ainda hoje muitos ainda acham que um confrontosinho seria melhor que …

(Berenice) Deus nos Livre!

(Dinarco) Deus nos livre:  Mas a verdade é essa isso fermenta muito no meio militar.  É uma posição falsa, errada, mas que corresponde de certa maneira … O militar brasileiro não tem alternativas, é formado para a luta armada, para o confronto armado.  Ele não tem condições de ir a uma guerra, que nunca acontece.  Ele exagera muito essas suas qualidades, sempre … A cultiva muito essas qualidades de se preparar para esse confronto que nunca se realiza, a não ser nas lutas aqui internas, o que acaba não sendo nem grandes lutas armada, são conflitos – vamos dizer – guerras de curta duração e, às vezes, sem nenhuma duração como foi o golpe de 64.  Foi um golpe que eles prepararam grandes unidades de tanque, mas acabou não havendo … Houve muito pouco tiro.  O que de certa maneira decepciona os seus promotores.  Bom, eu estou dizendo isso assim.  Mas o que eu queria responder realmente a sua pergunta é isso, é que: nós éramos uma organização disciplinada, era uma característica do Partido nesta época, nós e a organização dos cabos e dos soldados éramos muito disciplinados e sempre buscávamos cumprir fundamentalmente aquela orientação que vinha do Partido.  Isso não impedia que, às vezes, tomasse a iniciativa de algumas coisas que não estavam certas.

(Berenice) 35, o senhor colocaria em que caso, numa iniciativa ou de uma orientação que veio de cima?

(Dinarco) 35 foi produto de um clima que predominou na direção do Partido de que essa luta armada seria inevitável e isso se estendeu a todo o Partido.  Agora é o negócio, quem brinca com fogo acaba se queimando, essa é que é a realidade.

Quando nós estávamos no auge desse clima deu-se um fato, vamos dizer assim, um tanto inesperado: uma rebelião em Natal.  Eu creio que houve muito elemento de espontaneidade.  Houve elementos também de influência da direção do Partido neste sentido, certos elementos, mas a coisa surgiu de certa maneira espontânea e desorganizada, o que prejudicou muito o movimento.  Porque, pelo menos, eliminou de saída um fator que é muito importante: o fator surpresa.  Ela começou em Natal, um ou dois dias lá.  Depois estourou em Recife, veio assim como uma reação já completamente desorganizada.  Tanto que aqui no Rio de Janeiro, o pessoal já estava completamente preparado para reagir a qualquer tentativa neste sentido.  E nós fomos vítimas disso.

Eu vou lhe dar um pequeno detalhe.  Eu conversando, há pouco tempo com o Secretário de Organização do Partido na época, ele me disse o seguinte: no 23 de novembro quando eclodiu o movimento em Natal, ele estava na Bahia e não sabia.  Ele soube um ou dois dias depois.  Ele era uma homem da direção do Partido, isso revela que houve um certo espontaneismo, mas também, nós não podemos dizer que houve só espontaneismo porque havia um clima propício de que … Talvez até alguém que orientado por outro qualquer dirigente tenha chegado lá em Natal com essa orientação, mas não houve, vamos dizer assim, um plano pré-estabelecido neste sentido.  Por isso eu digo que prejudicou tremendamente.  De certo modo, dizem que tudo é negativo tem um aspecto positivo, evitou que muita gente comprometida aparecesse e fosse atingida, não foram queimados todos os foguetes na fogueira.  E só foram localizadas aqueles que participaram diretamente no movimento em Natal e Recife e aqui no Rio de Janeiro.  Bom eu não sei se é isto que você quer?

(Berenice) Para mim está interessantíssimo.  O senhor por exemplo, estaria no rol das pessoas que ficaram atingidas?

(Dinarco) Bom, eu participei do assalto à Escola de Aviação Militar, dominamos a Escola durante algumas horas, mas a Escola Militar, se você for um dia a Escola de Aviação Militar lá no Campo dos Afonsos, você vai constatar o seguinte:  Tem a Escola, aqui do lado o campo e do outro a Vila Militar, que tinha nesta ocasião, um conjunto, um efetivo, uma guarnição militar de cerca de 10.00 homens – duas unidades de infantaria, unidades de cavalaria, unidades de artilharia e tudo o mais.  E tudo isso caiu em cima de nós:  um grupo de 8 oficiais e uns 30 alunos rebelados, uma dezena ou pouco mais de soldados enfrentando esta situação, recebendo tiro de artilharia de todos os lados, de infantaria.  Quer dizer, este grupo de homens enfrentando um combate contra 10.00, não pode durar mais do que poucas horas, como durou efetivamente.  A gente não tinha condições nem … Depois, pelo seguinte: não podíamos atuar como aviação, porque já de véspera estavam os comandos avisados de que ia haver um levante no Rio de Janeiro, possivelmente pudesse haver esse assalto à Escola.  E o comando tinha tomado todas as medidas necessárias, inclusive tinha tirado a gasolina, o combustível de todos os aviões, desarmaram tudo.  Nós tentamos utilizar os aviões mas estavam todos sem combustível.  São detalhes que muita gente não sabe, inclusive a reação explora muito esse detalhe de havia gente dormindo, quando não é verdade porque a Escola Militar, a Escola de Aviação Militar estava de prontidão, quando nós – o grupo de oficiais chegou a Escola.

Bom, o que eu queria dizer é o seguinte: este grupo chegou na Escola de Oficiais, encontrou uma companhia formada no comando na frente dessa companhia haviam vários oficiais.  Agora você pergunta: como é que uma centena de homens deixou se dominar rapidamente, tão facilmente?  A verdade é que nós tínhamos uma missão definida então … Tínhamos a iniciativa e pusemos em debandada rapidamente essa companhia, conseguimos penetrar na Escola, éramos oficiais da Escola a maioria, os sentinelas nos deixaram entrar, porque nós éramos oficiais da Escola, apesar deles terem ordem expressa de não deixarem ninguém passar.  A realidade é que nós penetramos, dissolvemos a companhia e assumimos o comando.  O grupo de oficiais do comando surpreso, reagiu, houve tiroteio, gente ferida e morta dos dois lados, como em todo o combate, não é?  E  o resto você já sabe como é que foi.  Dominamos a Escola por algumas horas, procuramos dominar o regimento, não conseguimos, fomos rechaçados e depois o Movimento foi dominado, fundamentalmente.

(Berenice) Sim, mas a minha pergunta é se o senhor conseguiu ficar livre, foi preso?

(Dinarco) No término da ação, uns foram mortos e outros foram presos.  Nós éramos uma minoria, foi fácil, lá dentro, cercados, acabamos presos.  Eu me dirigi ao regimento para ver se podia utilizar qualquer avião, quando entrei no regimento para pegar um avião, ai percebi que o avião não tinha condições de voar e neste momento em que estava tentando, fui preso.  Comandava o regimento Eduardo Gomes, que tinha sido ferido num tiroteio.  Um oficial logo constatou o que eu pretendia, estive lá alguns momentos, assisti o fato muito triste de ver os soldados … O fuzilamento de soldados.  Não deve constar nem da versão oficial.  A luta armada tem sempre desses fatos.  E a realidade é que logo depois a coisa se acabou, a luta foi dominada.  Os combates foram muito violentos, uma parte da Escola, por exemplo foi dominada incendiada, destruída pela artilharia da Vila Militar.

Estava ainda … Mais ou menos em liberdade o Eduardo Gomes: veio falar comigo seu senti que estava preso, não havia condições de escapar e neste momento, logo depois chegou o Getúlio, ao prédio do regimento de Aviação ele não falou comigo e nem eu com ele.  Ai me recolheram a um carro e me mandaram para o Quartel General, preso.  Depois fui mandado para a Casa de Detenção.

(Berenice) Mas como é que o senhor voltou então a sua atividade política no Partido?

(Dinarco) Bom, eu estive preso durante um ano e sete meses. Eu sai em 1937, houve sim uma abertura, um início de abertura democrática porque ia haver eleições.

(Berenice) No início de 37, antes do Estado Novo?

(Dinarco) Antes do Estado Novo.  Aquela eleição em concorreu o José Américo, o Governador de São Paulo, que eu não me lembro o nome agora.  Enfim que precedeu ao Estado Novo, eleição que não houve, porque houve golpe.  Bom, em 37, eu já  … Eu acho que em julho de 37, houve uma anistia chamada “Macedada”.  Os militares e os presos políticos que não haviam sido julgados ainda, foram libertados, inclusive eu.  Em resumo aconteceu o seguinte:  Fui libertado no Rio de Janeiro, fui para a casa de minha família, na semana seguinte percebi que a situação política ia se agravar, tendia a se agravar, fugi … Fugi não … Aquilo não era fuga, porque eu fui livremente para o Rio Grande do sul, estado em estava o Flores da Cunha, que tinha posição contra o Getúlio.  Estive no Rio Grande do Sul até o fim de 37.  No fim de 37, eu acho que em setembro, novembro ou dezembro de 37, houve uma intervenção de Getúlio no Rio Grande do Sul, ai Flores da Cunha foi embora para o Uruguai, eu também fui muito procurado lá pela polícia, já tinham prendido alguns camaradas nossos Trifino e outros, sabendo da minha existência lá, eu atuava livremente.  Eu fui para o Uruguai, levei a família, fiquei lá algum tempo, do Uruguai fui para Espanha, havia luta da República contra Franco.  Eu como militar tinha, vamos dizer assim, muito interesse me participar de uma guerra e queria ver de perto uma guerra.  Daí me alistei e também, correspondia a minha luta contra o fascismo, não é?  Em defesa da República Espanhola.  Fui, me integrei no Exército republicano e durante o ano de 38 a 39, atuei no Exército Republicano espanhol, na chamada Brigadas Internacionais.  Terminado a guerra, derrotados, fomos para a França, recolhidos em campos de concentração, passei um ano e meio, veio a guerra da Alemanha, a agressão da Alemanha, evadi-me do campo de concentração, vivi em Paris, sob a ocupação alemã.  Depois vim regressando ao Brasil, vim para Marselha, Lisboa e Venezuela.  Sempre muito ilegal.  De Marselha vim para Portugal, passei uns meses.  De Portugal vim para Venezuela, passei uns meses.  Da Venezuela, em 1942, regressei ao Brasil, onde entrei ilegalmente.  E ai tive contato com o Partido.

(Berenice) Então o senhor participou da reorganização do Partido, a CNOP, a Conferência da Mantiqueira?

(Dinarco) Ai vamos devagar porque isso é meio complicado.  Em 1943, eu fiz parte de um grupo cujo objetivo era reorganizar o Partido nacionalmente.  Isso eu coloquei claramente, minha tarefa aqui vai ser esta.  Então, constituímos um grupo pequeno com esta disposição.  Entramos em contato com os camaradas de todas as tendências, inclusive com a CNOP, que era um grupinho pequeno, principalmente de estudantes e intelectuais, jornalista de não muito gabarito nacional.  Alguma pergunta?

Uma das condições que propusemos a estes vário grupos é que abandonassem agora qualquer preleção de organizar o Partido e viesse organizar conosco.  Isso foi o que aconteceu com a CNOP e outros grupos e não aconteceu com outros.

(Berenice) Só para eu entender.  Viessem organizar conosco.  Conosco seria este grupo que o senhor estava integrado, mas seria militares só?

(Dinarco) Não. Havia militares e civis.  Onde nós tivemos mais dificuldades, foi com o pessoal que estava preso, porque era a maioria dos quadros do Partido anterior.  Alguns estavam presos há muito tempo, desde 35.  Eram homens muito capazes, muito dedicados, mas que … A maioria deles não estava de acordo com a reorganização do Partido temendo que poderia alongar o tempo de prisão, que houvesse infiltração da polícia.  Não achavam que era ainda o momento propício.  Havia um outro grupo que nos botou bastante dificuldades, foi o grupo mais sério, foi o Fernando Lacerda, que achava igualmente que estávamos nos precipitando e achava que ainda não era o momento de organizar o Partido, o máximo que se podia fazer era organizar uma Frente Democrática da qual depois sairia, talvez, o Partido.

(Berenice) O senhor como participante deste debate, não sei se conhece. Por exemplo, que consta em termos da literatura, que é muito pouca a literatura do partido sobre este período, mas enfim, quando ele se refere a essa posição do Fernando Lacerda, é muito frequente afirmarem que esta posição contrária à reorganização decorria da dissolução do … Em que ele achava que isso representaria o fim do Movimento Internacional e que isso inviabilizava a possibilidade de quaisquer Partido.  Que é uma versão um pouquinho diferente da que o senhor está dando, embora não seja excludente?

(Dinarco) Esse ainda é um ponto que está muito confuso nesta literatura  … Que eu mais ou menos conheço a maioria delas.  O que houve, realmente, foi o seguinte: é que o Fernando Lacerda acabava de chegar da União Soviética e lá nas conversas com os quadros da Internacional Comunista, eles eram muito temerosos da reorganização do Partido, mas eles não deram uma orientação definitiva em absoluto.  Era uma posição do Fernando Lacerda.  Agora por outro lado, nós que tínhamos contato, tivemos contato com o Partido da Argentina, o qual havia representantes na Internacional Comunista.  Eles achavam que havia condição concreta.  Tanto que o Partido da Argentina nos ajudou bastante neste sentido, orientando como devíamos proceder.  Então, são coisas que não se pode afirmar categoricamente que Fernando Lacerda tivesse instrução, vamos dizer, feita deliberadamente pela Internacional Comunista.

(Berenice) Eu não disse uma instrução, que a “Posição dele decorria”…

(Dinarco) Isto é possível, …, mas o que nós achamos não correspondia.  Nós estávamos de acordo com a posição, com as opiniões que nós conseguimos conversar com os Argentinos, nós tínhamos muita afetividade, é um Partido que tem muita experiência.  Os conselhos que eles nos deram é que a gente com muito cuidado procurou fazer e o resultado foi positivo, porque começando isso nos fins de 42 e início de 43, já em meados de 43, em agosto parece, nós conseguimos realizar a Conferência da Mantiqueira.

Quer dizer, no ano de 43, nós procuramos reorganizar o Partido nacionalmente.  E desde 40, não havia uma Direção Central organizada, tinha sido presa a direção (o secretariado do C.C. em 40 ela foi atingida pela polícia e até 42 não houve Direção Nacional).  O Partido existia em vários estados, mas de uma maneira desorganizada o único estadual que permaneceu organizado, foi o da Bahia.  Mas nós entramos em contato com o Partido do Rio de Janeiro, com os Estados onde achávamos que havia o Partido, ou comunistas, conseguimos levantar em todo o país um efetivo de, mais ou menos, 1000 militantes, na base do que foi possível realizar a Conferência da Mantiqueira, que se realizou em, se não me engano, em agosto de 1943.  Ai se constituiu um Comitê Central tomando medidas para reconhecer ou encaminhar a reorganização de vários Comitês Estaduais.  A maioria dos dirigentes, estava preso, tanto que nós elegemos um Secretário Geral provisório, isto na Conferência da Mantiqueira, aguardando a saída do Prestes da cadeia, que nós achávamos que devia ser o Secretário Geral do Partido e foi o que aconteceu.

Um grande número de camaradas presos ainda faziam restrições a esta organização.  Só se convenceram depois da saída, quando viram que realmente havia um Partido organizado, uma Direção Nacional organizada e funcionando normalmente.  Este período foi ajudado muito pela situação internacional.  Pela vitória da União Soviética e das Forças Aliadas nas outras frentes da Europa, da África, da Ásia, que se refletiam aqui na situação do Brasil. O Getúlio realizou uma política de abertura e em 45, houve então a abertura que você conhece.

(Berenice) Não, não.  O senhor não vai se livrar de conversar sobre 45.  Eu só queria voltar a algumas referências suas a questão da Conferência.  Porque, em primeiro lugar é rara a oportunidade de se conversar com uma pessoa que tenha participado dela, em segundo, pelas divergências de interpretação e mesmo algumas ausências de informação, que o senhor na medida das possibilidades poderá dar, mas enfim, o senhor mesmo usou a expressão que o seu grupo … Então, você se referiu ao seu grupo entrando em contato com os outros grupos e as várias tendências.  Em primeiro lugar, eu gostaria de alguns esclarecimentos sobre essa questão das tendências porque a rigor o senhor mencionou uma que seria representada pelo Fernando Lacerda e alguns dos dirigentes presos que seriam contrários a reorganização do Partido.  Isto por um lado e por um outro lado; porque também se encontra correntes por ai é questão de esclarecer a respeito de divergências entre o Grupo de Bahia, o Grupo de São Paulo, etc.  e a gente fica sem ter uma visão muito clara de que se constituía em divergência; muito embora, quando a gente passa para o período subseqüente a gente possa deduzir o que seria, por exemplo: a questão da Linha Política se era apoio ou não era apoio a Vargas … Porque a mim, por exemplo, eu não vivi essa época, eu imagino que o clima era muito anti, pelo menos, Estado Novo … Mas pelo menos, Manifesto dos Mineiros, taí o Congresso da ABDE, dos escritores, onde a tônica é a reivindicação das liberdades.  Eu acho que tem uma questão importante do Partido ai, porque o Partido ainda que defendendo a questão das liberdades, ele não se une a essas forças que apareciam à época como os defensores da luta em prol dessas questões. … A questão das tendências e depois a gente discutia um pouquinho a linha política da Mantiqueira.

(Dinarco) Bom, a  posição  inicial  deste  grupo  que  procurou  reorganizar o Partido a partir de 42 …

(Berenice) A CNOP ou o seu grupo?

(Dinarco) Não, eu digo o nosso grupo. A CNOP jogou um papel, ela não sei se pela simpatia do nome, essa sigla, não é?  Se dá uma importância muito grande a CNOP, quando ela realmente teve muita definição assim não.

(Berenice) Ah!  Mas isso é fruto da literatura.  A gente só tem essa informação.  É importante até que o senhor de essa outra versão.

(Dinarco) Eu estou lhe explicando como organização, como repercussão não.  Ela teve

Bastante. Pelo seguinte: porque ela sofria um combate sério dos presos políticos em sua totalidade.  Eu não quero dizer que a  … A CNOP era constituída de um pequeno grupo também de pessoas muito boas, … Mas ela não conseguiu inclusive sair daqui do Rio de Janeiro, ela não realizou nenhum trabalho for do Rio de Janeiro.  Então, vamos dizer, o efeito organizativo da CNOP foi muito reduzido, ela surgiu num determinado momento com a tendência de reorganizar o Partido, mas em contraste com este grupo tinha uma posição mais clara sobre isso, nisso nós fomos ajudados pelo Partido da Argentina, que nos deu todo a sua experiência neste aspecto e é um Partido muito bem organizado, em matéria de organizar nós temos que aprender com eles.  Eles tem uma tradição de organização bastante sólida nunca se meteram a dar golpes e essas coisa todas.  É verdade que cada Partido tem as suas características, que nós respeitamos, mas eles nos ajudaram.  Então, nós tínhamos mais substância do que a CNOP e por isso atraímos alguns elementos da CNOP, nem todos, mas vieram quadros bons da CNOP, mas eles tinham uma dificuldade muito grande, é que os presos políticos não aceitavam a CNOP, e tinham caracterizado a CNOP como um grupo de aventureiros.  Nós também não aceitamos , achamos inclusive …

(Berenice) e o senhor tinha trânsito com os presos políticos … Tinha contato?

(Dinarco) Tínhamos, nós fazíamos questão, inclusive com o Prestes, nós forçávamos, todos esses contatos eram muito mais difíceis, mas com os presos políticos na Ilha Grande, onde estava concentrada a maioria dos presos, nós tínhamos contato quase que semanal.  Alguns presos que vinham chegando da Ilha, eram liberados, nós íamos agarrando-os e íamos confraternizado, nos compreendendo, a gente debatendo e iam-se incorporando ao Partido, isso era mais ou menos o processo.   Não é que eu esteja pretendendo em ser mais que a CNOP, mas estou explicando o fenômeno como ocorreu realmente, mas quem realizou o trabalho foi realmente … De reorganização do Partido, não foi nem o pessoal da cadeia – por que não tinham condições mesmo, nem o pessoal da CNOP, nem o pessoal do Fernando Lacerda.  Foi esse grupo que conseguiu realizar a Conferência da Mantiqueira.  E que na Mantiqueira já tinha liquidado praticamente todos esses conflitos.

Alguns quadros da CNOP  não vieram para o Partido, outros se incorporaram e foram dos quadros mais atuantes do nosso grupo, alguns logo se integraram na reorganização do Partido e ajudaram inclusive na realização da Conferência da Mantiqueira.

(Berenice) Agora sobre a questão das tais tendências o senhor veria algum outro tipo de problema além desse?

(Dinarco) Nós tínhamos a tendência do Fernando Lacerda.  Agora, isso, digamos assim …

(Berenice) … Que foi derrotado uma vez que o Partido se reorganizou.

(Dinarco)  Isso foi dentro do Partido.  Nos estados nós não encontramos resistências maiores, nós tivemos mais dificuldades em São Paulo.  Porque São Paulo, antes de 40 tinha havido uma cisão.  O Partido se desorganizou muito e tivemos dificuldades em reestruturá-lo.  Deu mais trabalho de reorganizar, se bem que, houvesse uma tendência contrária, mas estava realmente muito esfacelado.  A Bahia não, logo nos apoiou.  Vale dizer que um homem como Jorge Amado nos ajudou muito nesta ocasião, ele foi a Argentina, conversou com os dirigentes argentinos, nos trouxe boas informações.

Agora eu quero me referir mais as divergências com outras correntes, não no Partido, mas fora do Partido: o grupo dos mineiros intelectuais, nós procuramos contato com essa gente, mas era difícil.  Nós éramos ilegais, havia muito temor e prevenção contra o Partido.  Eu devo dizer mesmo que até 45, nós tivemos pouco contato com esta gente, pouco relativamente, porque sempre procurando, mas não conseguíamos grandes coisas não e nós sentíamos que havia uma tendência de formar um Partido Socialista, havia em Minas Gerais, principalmente, a esquerda trabalhava para formar a esquerda democrática, que depois gerou a UDN e gerou o Partido Socialista.

Havia um grupo de intelectuais que freqüentava o Amarelinho, que é um bar ali na Cinelândia, com quem a gente contatava, mas eles não aceitavam nossas posições e as vezes tinha posições mais radicais do que as nossas.  Havia um problema muito sério:  era a resistência de defender a política de guerra do Getúlio, mesmo alguns camaradas, presos políticos não aceitavam.  O ressentimento do Estado Novo ainda era muito forte.  Na Conferência da Mantiqueira o debate foi sério, muitos camaradas também, não concordavam,  Houve um debate neste sentido, mas acabou prevalecendo a tese de que devíamos apoiar a política de guerra do Getúlio. … Com essas outras correntes, também, nós encontrávamos: “Getúlio, o fascista!”  Era difícil, na reorganização do Partido nos Estados, era o que mais entravava.

(Berenice) Eu tenho a impressão de que este deve ter sido também de São Paulo, porque o Caio Prado deu uma entrevista ao Estadão, em “78 se não me engano”, aonde ele refere a essa discussão da fixação da linha política do Partido em 43, que é importante, uma vez que, ele vai prevalecer praticamente até 50 e que ele, na ocasião, teria sido contrário a essa linha de apoio à Vargas, porque como isso perdeu-se a possibilidade de estabelecer uma aliança política com os setores liberais da sociedade, que de longa data vinham se manifestando contra o regime.  E que eu acho que também tem a ver com a questão da organização da esquerda democrática; agora eu não sei … e também a questão de pedir a tua opinião, quer dizer, até que ponto, essa opção, essa definição política não teria dificultado um pouco o trânsito do Partido em determinados segmentos sociais, particularmente os intelectuais que o senhor acabou de se referir.

(Dinarco) Isso realmente você tem razão.  Isso constituiu uma dificuldade principalmente depois.  Dificuldade, neste momento também de diálogo com essas pessoas que se opunham.  Foram pessoas que sofreram todos os efeitos e implicações no Estado Novo e que muitos reagiram fortemente contra isto, mas esta política nos deu bastante lucro, essa posição política até 45.  Eu devo dizer que depois de 45 esta política nossa sofreu uma certa deformação e esta deformação foi prejudicial.  Mesmo antes de 45, começou a surgir já uma Palavra de Ordem em alguns setores do Partido, entusiasmados com os resultados da Guerra … Substituíram a palavra de apoio a Getúlio, à política de Guerra de Getúlio, com apoio a Getúlio incondicionalmente …

(Berenice) … Definição da linha política, apoio à Getúlio na guerra e na paz, depois de 1945.

(Dinarco) Essa deformação da linha política, eu creio surgiu na direção do Partido, depois de 45, é que a vitória do Partido em 45 foi grande.  Para você ter uma idéia, na Conferência da Mantiqueira nós chegamos a arrolar assim, mais ou menos, uns mil membros do Partido.  Antes de 45, antes da anistia, nós orçamos, mais ou menos, em 4 mil, membros do Partido organizado.  Agora, depois da anistia, sobretudo no ano de 46, eu posso lhe dizer isso porque era responsável pelas estatísticas do Partido, nós chegamos a registrar 180 mil membros.  Nossas estatísticas são como as estatísticas brasileiras, em geral.  Pode ser que sido um pouco mais, pode ser que tenha sido um pouco menos.  Uma outra coisa que tem que se considerar, também, é que muitos desses recrutados que vieram para o Partido eram homens de pouca instrução, muitos deles operários, não sabiam nem direito qual era o Partido, não tinham nem consciência de reunião.  Nós podemos dizer que tínhamos um efetivo de 150 mil militantes, que tinham idéia, mais ou menos, do que era o nosso Partido.  Reuniam suas bases, discutiam os seus problemas e discutiam os problemas do Partido e o problemas gerais, enfim, mas como eu ia dizendo, essa vitória também teve os seus lados negativos.  Os êxitos subiram à cabeça dessa direção, muitos desses dirigentes acharam que aquilo tinha sido o resultado da sua grande capacidade de dirigir.  No mínimo relacionaram isso com o processo que decorreu no exterior, no mundo, internacionalmente e com o processo que ocorreu aqui dentro.  Tudo isso foi produto de um processo objetivo.

Naturalmente, os homens influem, mas não têm esse poder de decisão que eles imaginavam.  Isso levou a que se cometessem esses equívocos políticos daí em diante, tanto que o Partido em 47 já foi fechado, voltou a ilegalidade.  Não quer dizer que foi só erro do Partido, são problemas para uma explicação muito mais detalhada:  a reação, houve a Guerra Fria, o mundo capitalista sentiu que estava perdendo terreno e precisava reagir, na Europa várias nações passando para o socialismo, tudo isso; nações capitalistas como a França, a Inglaterra, a Alemanha quase em banca ta, a Europa em geral, em banca ta, saiu de tanga, como se diz, depois da guerra.  O campo socialista foi se desenvolvendo.  Bom, isso são outros aspectos da questão.  Mas o que eu queria dizer, em relação ao Partido, é isso.

É que essas posições nos fizeram ter uma visão que não correspondia a realidade da situação, subestimando inclusive o quadro político, de certo modo achando que havia uma estabilidade naquele processo democrático que não corresponde, tanto que em 47 a coisa se modifica.  Sobe o governo Dutra, ele toma uma série de medidas.  A nossa reação, também, não foi das melhores, porque exageramos.  Não houve uma ruptura no processo democrático assim tão grave como nós considerávamos, mas o Partido se meteu numa ilegalidade exagerada.  Uma política cuja expressão sintetizada é o Manifesto de Agosto.  Quer dizer, nós procedíamos de 47 em diante numa linha política golpista, esquerdista sectária, que prejudicou muito o Partido.  Com esta linha nós vivemos de 47 a 56.

(Berenice) Quer dizer, voltaram as posições anteriores.  Agora, ainda que seja sabido, a própria leitura do documento já indica isso, o que me preocupa foi como que esta questão voltou, quer dizer, as raízes disso.  Eu vou tentar tornar mais claro a minha indagação.  Por exemplo, o senhor nessa última parte da exposição fez um comentário que em uma certa medida é contrário ao que eu tenho escutado.  Inclusive, ontem por parte de seu amigo Dias, eu posso falar isso a vontade porque o depoimento está gravado, enfim, o senhor usou a seguinte frase, eu até anotei: “As bases se reuniam, discutiam os seus problemas”; então pegando essa frase supõem-se que nas bases era um espaço de debate das visões diferentes que se tinha sobre o momento que se estava vivendo então.  Bom, primeira questão é que grande parte dos outros depoimentos esvaziam muito este conteúdo de debate das bases, as questões orgânicas do Partido, dando um depoimento que vai mais na linha de um Partido, usando a expressão do Dias, “Comandístico”.  Então, a primeira questão.

A segunda questão, deve ter permanecido nesse Partido as forças favoráveis a uma política de golpe, que momentaneamente abriram mão dessa política, e também, ao voltar a cena essa linha, quer dizer, não teria ficado um saldo mais favorável da experiência democrática, vamos dizer assim, do Partido em 45?47, no que a gente pode chamá-la democrática.

(Dinarco) É compreendo, essa sua pergunta.  Ela é correta.  Como eu disse o governo Dutra não foi um governo digamos assim, totalitário, havia um certo clima de democracia.  E o Partido funcionava na ilegalidade com relativa facilidade,  Eu vou lhe dar um exemplo, durante o governo Dutra, eu estive em Minas Gerais, dirigindo o Partido de lá e eu, apesar de meu nome ser muito conhecido pela polícia, eu morava numa casa legalmente, tinha o meu nome legal, fui algumas vezes ao Palácio de Milton Campos, conversar com ele, com outros dirigentes do Partido, levantar questões, participamos de comícios e isso que o Dias disse, é uma verdade, as bases do Partido funcionavam, o Partido em geral não foi um desgaste total não.  O Partido funcionava normalmente em todos os Estados.  Os estaduais funcionavam, o da Bahia funcionava, o de São Paulo, o do Rio Grande do Sul, o de Pernambuco e o de Minas Gerais e fazíamos lutas, enfim, elegíamos vereadores, participávamos de tudo isso,  Toda essa luta aproveitando aquele clima de democracia que havia.  O que houve realmente e é preciso compreender é que houve um equívoco do trabalho de direção.  Vou dar exemplo desse equívoco.  O Prestes, que era Secretário Geral de todo este período, de 47 a 56, nunca mais se reuni com o Comitê Central, estava numa ilegalidade exagerada.  Quer dizer, havia uma defasagem entre a realidade, a própria realidade do Partido e as concepções de Direção do Partido.  A Direção.

(Berenice) Quer dizer que, então, as bases realmente discutiam, o que ocorria é que a Direção não tomava conhecimento?

(Dinarco) Ou não tomavam conhecimento ou não …

(Berenice) Não dava importância

(Dinarco) Não davam importância.  Ela se regia por um pensamento centralizado, ai quando depois nos nossos documentos, nós fazemos críticas dizendo que o Centralismo Democrático foi violado, porque só funcionava o Centralismo.  As idéias só desciam, nunca subiam.  Esta foi a razão que em 56 houve uma crise de direção e botou abaixo todo este Comitê Central, com exceção do Prestes, que era um homem que estava isolado e era uma figura … Você sabe a importância dele, … Uma figura histórica, … Com capacidade pessoal e bastante personalidade e voltou ao Comitê Central que foi até 56, você vai encontrar eu, o Dias e mais dois ou três.

(Berenice) O resto está em outras …

(Dinarco) O resto foi para o PCdoB.

(Berenice) é. Agora, este distanciamento a que você se referiu, entre as bases e a direção, ele não era rompido nem momentaneamente em situações do tipo, por exemplo, Pleno da Vitória, em agosto de 1945 e a Conferência Nacional de 46, onde, pelo menos, reuniu-se um número significativo de delegados, a menos que estes delegados tenham sido escolhidos a dedo, se não o foram, pelo menos, as divergências poderiam ter sido, de alguma forma, explicitados e o debate …

(Dinarco) No Pleno de 45, o que predominou foi a euforia que inclusive, vamos dizer, a Direção, esta Direção se consagrou como a direção que soube conduzir o Partido para aqueles êxitos de 45.  De maneira que …

(Berenice) Ai eu concordo.

(Dinarco) … havia um clima de euforia e um clima de unidade de apoio a Direção, que Traçou uma linha e conquistou uma série de êxitos.

(Berenice) Mas o quadro da conferência de junho de 46, já seria diverso.

(Dinarco) Não, ainda predominava porque estávamos na legalidade, havíamos obtidos a vitória da Constituinte.  A Constituinte foi um êxito de uma Palavra de Ordem do Partido, … mas foi o Partido quem lançou a Palavra de Ordem, que jogou nas massas que lutou naquele momento, porque tinha condições para isso.  Nós tínhamos eleito uma série de parlamentares, em alguns Estados a eleição ainda era recente.  Todo mundo vinha na Conferência de 46, que se realizou na sede da UNE, na Praia do Flamengo, ainda havia muito deste clima de euforia e a Direção capitalizava.  O Prestes conversava com todo mundo, era um homem solicitado, era senador.  Então, aquilo tudo se refletia como um êxito.  Bom, ai o erro político que se pode admitir, é que nós não fomos capazes de interpretar a realidade e subestimamos a possibilidade, de um retrocesso, que houve em 47, pegou o Partido, mais ou menos, de surpresa.  Ai é que começa os erros da Direção de lançar o Partido numa ilegalidade exagerada, que não correspondia ao quadro que se desenvolvia no Brasil. Nós poderíamos ter aproveitado muito mais, mas a Direção se retraiu e começou então a exercer um Centralismo exagerado, que até digamos, a Conferência de 46, as bases tinham, vamos dizer assim, um desenvolvimento extraordinário.  Basta dizer que na preparação da Conferência de 46, nós tivemos uma reunião, eu participei da reunião da base do Arsenal da Marinha, uma base que tinha 1.500 militantes, tanto que se dividiam em várias sessões e sub-sessões.  Isso tudo prestigiava a Direção, os erros mesmo que houvessem, ainda não eram perceptíveis, mas depois de 47, então houve essa mudança de quadro brusco, surpreendeu o Partido, porque, realmente, o Partido não estava interpretando, não estava preparado para essa realidade e ai houve outras deficiências.  Muita confiança no Parlamentarismo, no Parlamento, no Congresso, no processo democrático o que seria mais difícil de explicar. … e outros fatores que eu citei no início.

Agora, inclusive não havia boa interpretação da realidade do quadro internacional, porque em 46 já havia começado a Guerra Fria, a reação dos EUA contra o campo socialista.  Então, outro fator, também, é que os êxitos do socialismo na URSS e a direção confiava exageradamente que isso possibilitaria … decorreria, digamos assim, uma facilidade para se chegar ao socialismo aqui no Brasil, de maneira equivocada.  Bem essas questões não são fáceis de explicar.

(Berenice) Agora, o senhor imagina como é que eu fico tendo que escrever uma tese sobres isso.  É por isso que eu estou pedindo socorro, mas o senhor quer ver uma outra coisa que eu acho de difícil explicação:  É nesse período inicial da vida legal do Partido, com a proposta de União Nacional, o Partido tirar, por exemplo, um candidato próprio à Presidência da República, o Yêdo Fiuza, mesmo encontrando críticas de membros do Partido que acabaram posteriormente se desligando, como é o caso de Cirro Merepes.  O Hélio Silva transcreve a carta dele e jogando numa perda, porque, efetivamente, eu acho até que se tirasse o nome do Prestes tinha mais chances de ser eleito como Presidente do que o Yêdo Fiuza, que não era sequer um candidato, … na política, quer dizer, o  senhor colocaria  isso num desses erros de avaliação, que o senhor se refere, ou isso teria uma outra ordem de explicação.

(Dinarco) Não.  Você tem razão isso foi um erro de avaliação e já foi uma manifestação do Centralismo, porque, isso foi uma coisa imposta pela Direção do Partido ao Partido, não foi uma consulta às bases.

Agora, o Partido em geral ignorava, desconhecia, quem era Yêdo Fiuza, e Prestes, principalmente, foi a pessoa que mais persistiu nisso.  Fiuza ele era um candidato civil, ele não queria ser, achava … e depois a direção superestimava a força política do Partido, o que foi um erro.  Ao invés de … a gente sentir … porque essa é uma tarefa do Comitê Central, o Comitê Central não fazendo uma política de relacionamento com as outras forças, então seria politicamente  necessário fazer.  Eu vou dar um exemplo, o Prestes num encontro com jornalistas internacionais, que eu assisti, um jornalista qualquer perguntou a ele qual era a diferença entre o Brigadeiro Eduardo Gomes e o Eurico Gaspar Dutra, ele disse: “os dois são iguais”.  Então, você imagina o seguinte, isso é uma posição de quem não quer fazer política.  Se os dois são iguais, se os dois são reacionários, eles estão daquele lado e nós de cá.

(Berenice) Isso anula a própria política de União Nacional.  Eu acho que inclusive abre um espaço para a reação poder explorar o discurso… sempre explora com relação aos comunistas: “traidores”, “dizem uma coisa e fazem outra”;  quer dizer, é o discurso que, a grosso modo, a reação usa com relação ao partido: “Não são confiáveis”,  mas… e podem explorar concretamente uma atitude desse teor que fala em democracia, fala em União Nacional, mas não foi capaz de se articular com nenhuma das forças.

(Dinarco) Pois é, não é.  Eu acho, não tenho certeza, eu sei que o Prestes – eu acompanhei muito o Prestes – ele tinha uma predileção muito grande pelo apoio do Getúlio, eu acho que ele considerava o Getúlio.  Por não gostar do Brigadeiro Eduardo Gomes e ter se chocado com o Dutra que deu um golpe contra ele, iria aconselhar ao PTB, às correntes que apoiavam Getúlio, a apoiar a favor do nosso candidato.  Talvez fosse essa a esperança.

(Berenice) Eu acho que foi um pouco ingênuo, porque a rigor a única força naquela época podia realmente rivalizar com o Getúlio era o Prestes, ele não iria marcar, dar um furo desses.

(Dinarco) E depois prevalece o critério de classe.  O Getúlio entre qualquer um desses generais e o Prestes, ele prefere um general por mais inimigo que seja dele.  É inimigo pessoal, mas não é inimigo de classe, o que prevalece são as posições de classe.  Eu estou dizendo isso assim com uma certa especulação, você fez a pergunta e eu procuro responder.  No próprio dia do golpe, Dutra, em 45, eu estava junto com o Prestes, a preocupação dele era dizer ao Getúlio que estava de acordo com ele, que podia contar com o apoio, se ele reagisse o Partido tomaria posição ao lado dele e esta coisa tosa.  O Getúlio não queria reagir porque contar com o apoio do Partido era uma luta que não interessava a ele e isso sabe como é.  Depois mesmo há vários indícios, por exemplo, quando o Getúlio se candidatou o Prestes fez muita força para participar da campanha de Getúlio, tanto que acabaram fazendo um comício juntos em São Paulo, foi muito explorado.  Eu estou dizendo isso porque acompanhei, estava sempre junto com o Prestes. … a minha interpretação é esta, pode ser que não seja a mais correta, mas você fez a pergunta … é um pouco de especulação, eu não sei o que estava na cabeça do Prestes.

(Berenice) Não, eu não pensava bem na cabeça dele.  Eu quero entender mais a dinâmica deste Partido, porque, por exemplo, o meu contato para poder ousar afirmar alguma coisa sobre o Partido, o que eu tenho lido na Tribuna Popular – eu realmente já praticamente devorei a coleção daqueles jornais.  Então, é muito frequente, quer nos discursos do Prestes, quer nas matérias mais diversas a referência à criação de um Partido de novo tipo, de um Partido de massa, são essas as expressões.  A gente sabe de que são expressões que estão cunhadas ai nos textos do Lênin, nos textos do Gramsci, mas enfim eu quero saber como que na época, na sociedade brasileira se entendia o Partido de massa, este Partido de novo tipo.  Porque , por exemplo, pelo o que o seu depoimento está dando ele não tem tanta diferença do que seria o Partido nos anos anteriores, pela presença do Centralismo Democrático …

(Dinarco) Essa questão de Partido de novo tipo, o que ela configura nos debates da Direção do Partido desde o início do Partido.  Documentos lá, logo depois da fundação do Partido há referência a ela, mas nunca se aprofundou muito nesta questão.  Era uma formulação assim interessante caracterizada no Partido Bolchevique por Lênin.

Agora, ela voltou a ser colocada, vamos dizer, nos nosso documentos, depois de 47 e se discutiu um pouco sobre isto.  Havia incompensações, havia várias interpretações.  De certo modo, a interpretação que prevaleceu foi uma deformação desta Direção que veio fracassar em 56.  A interpretação que eles sustentavam era uma interpretação de que a direção precisava de um grande Partido para ser uma grande direção.  Isso eu vou resumir numa frase que saiu publicada nos nossos documentos: “Precisamos de um grande Partido para um grande dirigente”; quer dizer, colocamos a coisa desta maneira.  Naturalmente que outros membros da Executiva viviam na sombra do Prestes.  Quer dizer, precisamos de um grande partido, na mentalidade, com o Prestes e uma grande direção.  A gente sente que houve muito desta coisa, se discutiu, mas não se chegou a uma discussão em profundidade porque nos organismos intermediários a compreensão já era outra, é que um Partido realmente revolucionário podia ser um grande Partido.

Então, esse choque de interpretação… como não interessava a Direção aprofundar este debate, ele se extinguiu quando essa Direção veio abaixo em 56.  Está compreendendo?

Esta é a explicação que posso dar.

(Berenice) É. Embora me fique um certo resíduo, porque eu tendo a ver grande parte da importância e do prestígio que o Partido pode usufruir nesses anos. A despeito de todas essas críticas que se possam a vir a fazer analiticamente, posteriormente, mas enfim, grande parte deste prestígio decorreu, eu acho, da defesa da questão democrática, já que ela pode se identificar ai com grandes parcelas da sociedade.  Agora, essa questão democrática fica parecendo que era lago que … quer dizer, que tipo de visão de democracia que se tinha a época que não passava para intramuros do Partido?  Quer dizer, eu tendo a ver que a democracia que se conseguia à época era a democracia nos marcos do Parlamentarismo, não mais do que isso, mas também, não está claro para mim porque, eu acho que o Partido teve, realmente, um trabalho organizador: Ele organizou bairros, ele organizou mulheres … é complicado para mim, definir este conceito democrático do Partido nesta época, até porque este é um conceito histórico, o senhor compreende?  Então, é isso.  É o conceito que pode … que assume visões distintas em épocas distintas, em sociedades distintas.  Quer dizer, esse conceito … democracia do Partido nos anos de 1943 e 50, está muito difícil de eu definir qual seja.

(Dinarco) Ai havia o seguinte: geralmente essas coisas refletem posições assumidas no passado, posições das quais o Partido tem resistido a fazer autocrítica, e quem não faz autocrítica sempre defende ou, pelo menos, justifica os erros cometidos, é uma forma de se justificar. O grande erro cometido pelo Partido foi 35, como eu já te expliquei.  Agora, acontece o seguinte, qual foi realmente a origem desses erros?  Ele reflete um pouco os erros que havia no Movimento Comunista Internacional.  No Movimento Comunista Internacional até os anos 35, havia duas tendências que se chocavam entre si.  Uma tendência … e essa divergência acontecia no seio da própria Internacional Comunista.  Uma tendência era a de que o Partido bastava para a revolução, o fundamental e que ele se bastava.  … porque se interpretava que na URSS o processo da revolução foi decidido porque existia um grande Partido, um Partido forte, um Partido muito capaz, que era o Partido Bolchevique.

Esse Partido, então, enfrentou uma luta de classe contra classe.  Então a concepção é que havendo um forte Partido, promovendo a luta de classe contra classe, ele resolve o processo da revolução.  É uma interpretação equivocada porque o próprio Lênin, fez todo o possível, se esforçou muito para que a Revolução se processasse numa Frente de um Partido Comunista com outros Partidos, mas ele não conseguiu isso, foi um grande drama para ele, mas chegou o momento em que ele viu que a revolução estava madura, mas só o Partido Comunista tinha visão da necessidade imediata dessa Revolução … esta era uma concepção: de que havendo um grande Partido, ia haver um choque de duas classes e o Partido bastava para conduzir, o que era uma interpretação equivocada.  Isso levou vários  e vários Partidos cometerem equívocos, principalmente partidos que já tinham … países que já tinham um Partido relativamente forte, é o caso da China.  Em determinado momento, eles tinham uma frente com o Chian Kai Chek, mas achavam que o processo revolucionário estava maduro, então esse Partido podia, vamos dizer, independer da posição de Chian Kai Chek, podia dirigir a revolução.  Houve um choque lá, eu não quero entrar em detalhes… . Bom, e conduziram o Partido ao fracasso, O Partido foi derrotado nas grandes cidades e refugiou-se no campo, mas já outra história.

Bom, mas depois que surgiu o fascismo, principalmente, foi elaborada, por alguns partidos e muito bem interpretada pelo Dimitrov, a linha da Frente Única, que ele achava que era a maneira mais correta de desenvolver o processo da revolução inclusive combatendo o fascismo,  mas estas duas concepções ainda se chocavam, em 1945, no Movimento Comunista Internacional e na própria Internacional Comunista.

Em 34, surgiu a Aliança Nacional Libertadora aqui no Brasil que era uma expressão da concepção desse política de Frente, mas havia no Partido, alguns camarada como o Miranda e outros que estavam ainda convencidos dessa concepção da luta de classe contra classe que o fundamental era um Partido forte.  Então esse problema determinou que os adeptos desta concepção, defendessem e procurassem seguir este caminho.  Foi isso que levou Miranda, em Moscou, a colocar que o processo brasileiro estava maduro, que nós tínhamos um forte Partido Comunista … elementos nas Forças Armadas, o problema então era de classe contra classe, em síntese, não é? … porque ele não foi colocado assim, mas o problema era precipitar o confronto de classes.  Então, o que iria acontecer?  –  Um Partido vitorioso, essas coisas todas, a aliança política teve esse momento secundário nessa luta.  Isso coincidiu com as concepções de Prestes de …

(Berenice) Coincidiu com a concepção do Prestes?

(Dinarco) … Do Prestes, golpista, militar … coincidiu com as minhas também, eu era um golpista, um militar.  Eu achava que o processo tinha que ser confronto mesmo de classe, confronto nesta concepção.  Depois da derrota que eu comecei ver outros lados, eu decidi mudar.

E nós fizemos a Aliança Nacional Libertadora, que era um instrumento de Frente Ampla que envolvia outras camadas da sociedade, enfim, fazer aliança, mas utilizando, então a aliança como instrumento dos confrontos de classe.  Então, ai havia, a gente tinha que deformar a realidade, dizer que havia condições objetivas, no Brasil, pré-revolucionárias, quando não tinha.  Esse foi o nosso grande erro.  E não foi só nosso erro não, a Internacional Comunista analisando, também, chegou a essa conclusão.  Então, precipitaram, mandaram Prestes porque defendia essa posição, porque o Miranda não tinha autoridade suficiente.  Prestes agiu como presidente nobre da Aliança.  E a Aliança é transformada num instrumento do confronto, está me entendendo?

(Berenice) Não, eu entendo sim.  Agora, só mais uma perguntinha, se a gente sai deste período e passa então para os anos de legalidade, como é que o senhor vê a concepção que tinha a época então de luta de classe?  Eu vou dizer o que significa esta minha pergunta, em primeiro lugar:  Porque nos textos da Tribuna, eu acho que a palavra classe operária foi substituída por povo, não é um simples “Achismo”,  já é uma conclusão.  Eu realmente vi que isso era muito forte, a referência ao povo, ao povo e a classe operária é uma entidade que não aparece.  Que eu não acho que isso implique em coisa grave não, eu acho que até tem a ver com a construção da sociedade brasileira da época, mas, enfim, não dá para a gente perceber quem seria os inimigos desse povo, porque não seria, certamente, a burguesia nesta época.?   Na concepção do Partido não seria, pela presença de outras colocações não seria?  Então, para além dos Trotskistas, esses são clara e inequivocadamente identificados como inimigos, como é que você vê questão da luta de classe, que eu acho que mesmo com a política de frente ampla, de frente única, a questão da luta de classe não desaparece.  Como é que ela era concebida nesta época?

(Dinarco) Bom, nessa época se discutia muito esse problema e acabou redundando muitos … Agora, a concepção que predominou nesta discussão foi a seguintes:  O Partido, isso é uma parte, também, da posição de que o Partido já dominava os setores decisivos da classe operária, um grande efetivo, camadas mais conscientes, elementos mais conscientes, mais combativos … e que, por parte do Partido, dispor dessa força de classe operária, ela era realmente a vanguarda deste povo.  Quer dizer, a maioria do povo já estava conosco, era uma ilusão.  Como … se insistia muito nesta questão, achamos que tendo o Partido a hegemonia sobre os setores mais esclarecidos da classe operária ele tinha também a hegemonia sobre o povo.

Então, era uma ilusão deformada pelos êxitos das vitórias obtidas em 45.  Nós achávamos e eu também achei nesse momento que a nossa influência sobre o povo já era predominante, se usava muito a palavra hegemonia, inclusive com uma interpretação um tanto equivocada, eu assisti, por exemplo, uma Conferência na ABI do Pomar, que era do secretariado do Partido, que ele dizia; “no terreno internacional, está claro, o socialismo tem hegemonia e aqui no Brasil o Partido com a classe operária já tem a hegemonia”.

Então, nós tínhamos a maioria do povo, porque o povo … Então, nós colocávamos a questão nos seguintes termos:  Quem está contra o processo revolucionário sugerido e indicado pelo Partido São somente os agentes do Imperialismo, o Imperialismo, os traidores da pátria.  Agora,  quem está a favor é o povo, desde a burguesia até o proletariado.

(Berenice) Então, que dizer, que a Burguesia estava incluída no povo?

(Dinarco) Porque nós dividimos a burguesia em: burguesia progressista que era a maior; e a burguesia ligada ao imperialismo – que era um setor menor, então este setor não era povo, ai vinha a discussão toda … interpretação do que era povo.  Então, povo era tudo aquilo que estava do lado do proletariado.  Quer dizer, é povo, … classe média é povo burguesia nacional é povo. … a palavra “burguesia nacional”foi muito repetida … Só que quem está contra é este bloco composto pelo imperialismo, agente do imperialismo, traidores da Pátria  a discussão era feita nesta base.  Isso justificava, então, a afirmação de que nós contávamos com a hegemonia no processo da revolução brasileira, foi essa a discussão do Partido, que hoje considero errada, mas naquele tempo … não se especulava neste terreno.  Depois é que  … depois de levar muito na cabeça é que a gente percebeu.


Inclusão: 28/02/2021