MIA > Biblioteca > Evelyn Reed > Novidades
Fonte: Sexo Contra Sexo ou Classe Contra Classe. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008.
Transcrição: Ana Chagas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © 2008, Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann. A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins acadêmicos e/ou de divulgação eletrônica, desde que mencionada a fonte.
O chauvinismo masculino desperta grande indignação entre as mulheres e fomenta um profundo antagonismo entre os dois sexos. Existem duas maneiras distintas de tratar este aspecto da liberação da mulher.
Uma é a marxista. Sabemos que as mulheres estão subjugadas e humilhadas em uma sociedade dominada pelo homem, e também que estão plenamente capacitadas para se organizarem ativamente contra estes males. Ao mesmo tempo, o marxismo nos ensina que a subordinação de um sexo é parte e consequência de uma pressão mais ampla e da exploração da massa trabalhadora por parte dos capitalistas, detentores do poder e da propriedade. Portanto, a luta pela liberação das mulheres e inseparável da luta pelo socialismo.
E outro ponto de vista sustenta que todas as mulheres, como sexo, estão no mesmo barco e têm objetivos e interesses idênticos independentemente de sua posição econômica e da classe a que pertençam. Portanto, para obter a emancipação, todas as mulheres deveriam se unir e levar a cabo uma guerra baseada na diferença de sexo contra os machos chauvinistas, seus inimigos acérrimos. Esta conclusão, unilateral e distorcida, pode causar um grande dano à a causa da liberação da mulher.
É certo que as mulheres em geral, inclusive as de classes superiores, sofrem de alguma forma com o chauvinismo masculino. Em algumas ocasiões e para alguns objetivos e útil til e necessário que as mulheres pertencentes a estratos sociais distintos constituam organizações próprias e atuem unitariamente para eliminar injustiças e desigualdades impostas a seu sexo. Um exemplo é o movimento para a legalização do controle de natalidade e do direito ao aborto.
Sem dúvida, nem sequer a garantia de ver realiza das estas reformas urgentes eliminará as causas fundamentais da opressão da mulher, que se encontram na estrutura de classe de nossa sociedade. Em relação a todas as questões fundamentais, concernentes à propriedade privada, as mulheres ricas estão a favor da manutenção do status quo e de sua posição privilegiada, exatamente igual aos homens ricos. Quando isto acontece, traem seu sexo em favor de seus interesses e de seus privilégios de classe.
Portanto, classe contra classe deve ser a linha mestra da luta pela libertação da humanidade em geral, e da mulher em particular. Somente uma vitória revolucionária sobre o capitalismo, dirigida pelos homens e mulheres trabalhadoras e apoiadas por todos os oprimidos, pode resgatar as mulheres de seu estado de opressão e garantir-lhes uma vida melhor numa nova sociedade. Esta afirmação teórico-política marxista foi confirmada pela experiência de todas as revoluções vitoriosas, como as da Rússia, China, Cuba.
Quaisquer que sejam seus limites, as melhorias que estas revoluções garantiram na condição da mulher foram realizadas não através de uma luta entre sexos, mas através da luta de classes.
Não importa quão radical possa parecer; a substituição da luta de classes pela luta entre sexos, por parte das mulheres ativistas, seria um perigoso desvio do verdadeiro caminho da liberação. Esta tática somente poderia servir ao jogo dos piores inimigos das mulheres e da revolução social.
Este erro ultrarradical, que contrapõe sexo contra sexo, apareceu claramente numa polêmica no interior do Socialist Workers’ Party em 1954. Durante os debates foram tratados temas importantes sobre o uso dos cosméticos, a moda, e todos os meios dedicados a proporcionar às mulheres o padrão de beleza desejado ou exigido, e torná-las atrativas aos homens. Produziu-se uma curiosa condescendência entre as mulheres que mais gritavam contra isto, frente ao chauvinismo masculino, e sem dúvida, este deveria ser um aspecto interessante para as mulheres radicais que se ocupam atualmente do problema. O texto a seguir e uma parte de minha contribuição naquela discussão.
As distinções de classe entre as mulheres transcendem sua identidade como sexo. Isto é certo principalmente na sociedade capitalista moderna, em que a polarização das forças sociais é mais forte.
Historicamente, a luta entre os sexos fez parte do movimento feminista burguês do século passado. Tratava-se de um movimento reformista, levado a cabo dentro do sistema, e não contra o mesmo. Foi, sem dúvida, uma luta progressiva, uma vez que as mulheres se rebelaram contra o domínio quase total do homem. Com o movimento feminista, as mulheres obtiveram um número considerável de reformas. Mas aquele tipo de movimento feminista já fez seu trabalho, alcançou seus objetivos limitados, e os problemas que se nos apresentam devem ser situados no contexto da luta de classes.
A “questão feminina” pode ser resolvida somente com a aliança dos homens e das mulheres trabalhadoras, contra os homens e as mulheres que detém o poder. Isto significa que os interesses comuns dos trabalhadores, como classe, são superiores aos das mulheres como sexo.
As mulheres que pertencem à classe dominante têm exatamente o mesmo interesse na conservação da sociedade capitalista que os seus maridos. As feministas burguesas lutaram, entre outras coisas, pelo direito das mulheres terem propriedades registradas em seu nome, e obtiveram este direito. Hoje, as mulheres plutocratas possuem fabulosas riquezas registradas em seu nome. Sobre temas políticos e sociais fundamentais, não simpatizaram nem se uniram com as mulheres trabalhadoras, cujas necessidades podem ser satisfeitas somente com a desaparição deste sistema. Por isto, a emancipação das mulheres trabalhadoras não será obtida através de uma aliança com as mulheres da classe inimiga, mas sim ao contrário, com uma luta contra elas, como parte de uma luta total contra o capitalismo.
A intenção de identificar os interesses das mulheres como sexo toma uma de suas formas mais insidiosas no campo da beleza feminina.
Surgiu o mito de que, já que todas as mulheres querem ser belas, tem todas o mesmo interesse pelos cosméticos, pela moda, considerados hoje indispensáveis para a beleza. Para sustentar esse mito, diz-se que o desejo de beleza se deu em todas as épocas da história, e com todas as mulheres. Os traficantes do campo da moda levantavam como testemunho disso o fato de que, inclusive na sociedade primitiva, as mulheres pintavam e decoravam seu corpo. Para destruir esta crença, vejamos rapidamente a história dos cosméticos da moda.
Na sociedade primitiva, em que não existia a disputa sexual, não eram necessários rios os cosméticos e a moda como subsídios artificiais da beleza. Os corpos e os rostos, tanto dos homens, como das mulheres, eram pintados e “decorados”, mas não por razões estéticas. Estes costumes nasceram de distintas necessidades relacionadas com a vida primitiva e com o trabalho.
Naquela época, qualquer indivíduo que pertencesse a um grupo familiar, necessitava estar “marcado” como tal, segundo o sexo e a idade. Estas “marcas” compreendiam não só ornamentos, anéis, braceletes, saias curtas etc., mas também gravações, tatuagens, e outros tipos de decoração no corpo, que indicavam não só o sexo do indivíduo, mas também a idade e o trabalho dos membros da comunidade, à medida que passavam da infância à idade madura e à velhice. Mais que decorações, estes sinais podem ser considerados como uma forma primitiva de evidenciar a história da vida de cada indivíduo, como atualmente nós fazemos com os álbuns de família. Uma vez que a sociedade primitiva era comunitária, estes sinais marcavam também uma completa igualdade social.
Depois veio a sociedade de classes. As marcas, símbolos de igualdade social, também foram transformadas em seu oposto. Converteram-se em modelos e decorações, símbolos de desigualdade social, expressão da divisão da sociedade entre ricos e pobres, entre governantes e governados. Os cosméticos e a moda passaram a ser prerrogativas da aristocracia.
Um exemplo concreto pode ser encontrado na Corte francesa, antes da revolução. Entre os reis, os príncipes e a aristocracia latifundiária, tanto os homens como as mulheres vestiam-se segundo o ditado pela moda. Eram “dândis” com as caras pintadas, os cabelos empoados, cintos coloridos, ornamentos de ouro e tudo o mais. Os dois sexos eram “belos” segundo os modelos em voga. Mas ambos os sexos da classe dominante se distinguiam, particularmente por seus cosméticos e suas roupas, dos camponeses pobres, que suavam por eles na terra e que, certamente, não eram belos, segundo os mesmos modelos. A moda naquele período foi símbolo de distinção de classe.
Mais tarde, quando os costumes burgueses substituíram os feudais por diversas razões históricas, os homens deixaram o campo da moda principalmente para as mulheres. Os homens de negócios afirmavam sua posição social com a exibição de esposas enfeitadas, e abandonaram as calças douradas e as faixas coloridas. Entre as mulheres, sem dúvida, a moda ainda distinguia a Judy O'Grady(1) da mulher de um coronel.
Com o desenvolvimento do capitalismo, produziu-se uma enorme expansão da produção, e com ela a necessidade de um mercado de massas. Já que as mulheres constituíam a metade da população, os capitalistas começaram a explorar o campo da beleza feminina. Assim, o capítulo da moda saiu do estreito marco dos ricos e se impôs a toda a população feminina.
Para corresponder às exigências deste setor industrial, as distinções de classe foram suavizadas e escondidas sob a identidade do sexo. Os agentes de publicidade difundiram a propaganda: todas as mulheres querem ser belas, portanto todas as mulheres têm interesse por cosméticos e moda. A moda se identificou com a beleza, venderam estes acessíveis produtos de beleza na base de sua “necessidade” e “desejo” comum a todas as mulheres.
Atualmente, o campo da beleza alimenta milhares de indústrias: cosméticos, vestidos, perucas, produtos para emagrecer, joias verdadeiras e falsas etc. Viu-se que a beleza era uma fórmula muito flexível. Tudo o que um empresáriorio deveria fazer para ficar rico era descobrir um novo produto e convencer as mulheres de que “tinham necessidade” dele e que o “desejavam” (ver qualquer das campanhas de publicidade da Revlon).
Para manter e aumentar esta pechincha, faltava propagandear outros mitos, em apoio aos capitalistas. São eles:
Os estudos biológicos e antropológicos nos demonstram que a concorrência sexual entre as mulheres não existe nem na natureza nem na sociedade primitiva. É exclusivamente um produto da sociedade de classes, e era desconhecido antes de sua existência.
No mundo animal, entre as fêmeas, não existe concorrência para que consigam atrair a atenção do macho. A única concorrência que existe, em nível sexual, é aquela que a natureza impõe aos machos que lutam uns contra os outros pela posse da fêmea. Isto é, simplesmente, uma forma natural de assegurar a perpetuação da espécie. Porém, além de seus efeitos destrutivos para a cooperação social, este aspecto da competição sexual masculina foi eliminado quando se formaram e se consolidaram as primeiras organizações sexuais comunistas.
A ausência da concorrência sexual na natureza foi uma das razões que permitiram às mulheres ter um papel determinante na criação de um sistema social carente de relações competitivas destrutivas. A ausência de concorrência sexual e de ciúmes entre as mulheres primitivas não é posta em dúvida nem pelos antropólogos conservadores, ainda que muitas vezes vejam isto com surpresa, ou como “algo raro” ou um costume original.
Depois surge a sociedade de classes, baseada em um espírito de consumo e competição, sobre a de pendência das mulheres com relação aos homens. Com a luta competitiva entre os homens pela propriedade e riqueza, surge a luta competitiva entre as mulheres para possuírem homens ricos e poderosos. Mas este lacre social não possui nada de natural; é exclusivamente artificial, criado historicamente e historicamente condicionado.
A concorrência sexual entre as mulheres surge com o “mercado” do sexo ou com o matrimônio. O mercado do sexo é um aspecto parcial do mercado comercial em geral, fundamental na sociedade capitalista de classes Ao difundir-se o sexo como mercadoria, o padrão de beleza feminina se transformou gradualmente, chegando a ser artificial e “de acordo com a moda”. Este processo chegou ao seu ponto máximo na sociedade contemporânea.
No primeiro período da economia de troca, as mulheres eram trocadas por animais; e os animais por mulheres. A beleza natural e a saúde da mulher constituíam um valor, da mesma forma que a saúde dos animais. Os dois eram necessários e fundamentais para a vida produtiva e reprodutora da comunidade, segundo a qual os exemplares mais belos e saudáveis estavam em condições de desenvolver melhor suas funções.
Posteriormente, com a consolidação do patriarcado e da sociedade de classes, algumas mulheres foram “acumuladas” pelos homens ricos, como uma forma qualquer de propriedade. Nasce o costume de embelezar estas esposas e concubinas com decorações e ornamentos, da mesma forma e pelas mesmas razões com que se adornavam os palácios. Um exemplo extremo é encontrado nos palácios e haréns asiáticos. As mulheres eram consideradas propriedades do príncipe ou Khan, e quanto maior a quantidade de artigos de luxo que possuíam, mais se ressaltava a sua condição de homem rico e poderoso. Nessa época, a concorrência sexual entre as mulheres estava à sombra da concorrência entre os homens pela acumulação de tais propriedades. A mulher mesma, era um “bem”, ou uma mercadoria.
Quando a monogamia substituiu a poligamia e as condições materiais se converteram na base do matrimônio, as mulheres ricas tiveram, com relação às pobres, vantagens na concorrência sexual. Uma rica herdeira que cuidava de sua beleza e saúde continuava sendo ainda uma esposa desejável para um homem que quisesse acumular propriedade e vice-versa. Um homem, tendo possibilidade de escolher, escolheria uma mulher ainda mais bela. As considerações econômicas, em geral, tinham preferência. Tais matrimônios, que implicavam fusões de propriedade, eram efetuados entre as famílias como negócios e só incidentalmente levavam em conta os desejos das partes implicadas. Tal matrimônio, realizado mediante pactos entre as famílias e com intermediários, esteve em vigor durante todo o grande período agrícola, quando a propriedade era principalmente a terra.
Mais tarde, aparece o capitalismo com suas relações monetárias e a “livre empresa”. Esta se introduz não só no “livre trabalho” competitivo e na concorrência comercial, mas também na concorrência sexual feminina. Entre os ricos, realmente, os matrimônios por interesse continuaram como forma de fusão da propriedade, e muitas vezes, as duas coisas não se podiam diferenciar. Depois, com o surgimento do capitalismo monopolista, os dois tipos de fusões levaram os plutocratas ao poder, até chegar às Sessenta Famílias Americanas(2).
No entanto, embora a América seja fundamentalmente burguesa desde o seu nascimento, deram-se certas peculiaridades. As barreiras de classe podiam ser infringidas por um homem rico, diferente do que acontecia na Europa feudal, onde as distinções de classe eram estabelecidas ao nascer. Assim, nos primórdios do capitalismo, um trabalhador ou um burguês podiam casualmente ter sorte, tornarem-se ricos e modificarem assim sua posição social.
A mesma coisa podia acontecer com a mulher. Por casualidade ou por beleza, podia casar-se com um milionário e mudar sua condição social. Tal coisa, ao estilo “América capitalista”, está muito bem representada por Bobo Rockfeler, filha de um mineiro, que se casou com um dos homens mais ricos da América e depois se divorciou, ganhando uma pensão de milhares de dólares.
Estas peculiaridades da vida americana prepararam o terreno sócio-psicológico para um mercado de consumo de massas, o mercado do sexo e da concorrência sexual de massas entre as mulheres. Da mesma forma que os relatos de Horatio Alger transformaram-se para os homens em um manual de como passar dos estábulos para as estrelas, os relatos para as mulheres ensinavam como fisgar e se casar com o filho do patrão. Tudo o que deviam fazer era correr para a perfumaria e comprar todos os produtos necessários para transformarem-se em princesas.
O mundo dos cosméticos e da moda se converteu em uma mina de ouro, com perspectivas virtualmente ilimitadas. Os empresários do ramo só tinham que mudar a moda frequentemente e inventar produtos de beleza cada vez mais numerosos e novos para ficarem cada vez mais ricos. Assim, no capitalismo moderno, a venda de mulheres como mercadorias foi substituída pela venda de mercadorias para as mulheres. Atualmente, encontra-se difundido o mito de que a beleza depende da moda, e que todas as mulheres têm a mesma necessidade de segui-la à risca, uma vez que todas têm a mesma exigência estética.
Existem três tipos de especuladores para persuadir, explorar e induzir a grande maioria das mulheres a gastar dinheiro em busca da beleza:
De acordo com a primeira categoria, uma mulher para ser bela tem que ser de certo tipo, pesar tanto, nem um grama a mais ou amenos, com determinadas medidas para os quadris, cintura e busto. As que fugiram deste esquema, não são belas.
Tal coisa é a causa de muitas aflições para as mulheres que não estejam dentro dos cânones estabelecidos. Oprimidas e frustradas pelas dificuldades reais da vida no mundo capitalista, cujas raízes não compreendem, as mulheres que trabalham, principalmente, tendem a identificar sua deformidade imaginária com a fonte de seus problemas. Convertem-se em vítimas do complexo de inferioridade. E, por causa disto, lançam mão de dezenas de milhares e milhões de manipuladores e decoradores do corpo feminino, deixando em suas mãos o dinheiro suado que ganham.
Esses padrões mantidos e apresentados como modelo, por meio das divas do cinema e dos concursos de beleza. “Belezas” selecionadas são exibidas ante os olhos hipnotizados de grande parte das mulheres, de várias maneiras: no cinema, na televisão, ou nas chamadas revistas para homens. Porém, a monótona uniformidade destas “belezas” é escandalosa. Qualquer indício de variedade, característica da verdadeira beleza, foi eliminado. Como se se tratassem de bonecas, feitas todas com a mesma massa e com o mesmo molde.
A outra categoria compreende os vendedores de cosméticos, tinturas e cremes para esses corpos uniformes. Na verdade, os que trabalham nas fábricas desses produtos sabem que a mesma matéria-prima, de custo irrisório, se encontra também nos frascos de cinquenta cents. No entanto, as mulheres ingênuas e crédulas acreditam que o frasco de 10 dólares contém algum potente filtro mágico que o mais barato não possui. Assim diz a publicidade, e assim deve ser. Estas pobres mulheres diminuem seus recursos financeiros para obter o produto milagroso, esperando dessa forma, transformarem-se de trabalhadoras em ricas herdeiras.
Por último, no campo da moda, impõe-se às mulheres uma dolorosa escolha. Devem comprar um vestido por causa de sua durabilidade, ou levando em conta os caprichos momentâneos da moda? As mulheres ricas podem fazer ambas as coisas e podem possuir um vestido para cada ocasião ou circunstância: para as manhãs, para o meio-dia, para os coquetéis, para a tarde e também numerosos conjuntos para a noite. Além disso, é necessária uma grande quantidade de acessórios para “acompanhar” cada tipo de vestimenta.
E toda esta montanha de modelos, impostos às mulheres, podem ser considerados ultrapassados com a imposição de outros, na próxima semana, no próximo mês ou na próxima estação. Um artigo publicado no New York Times trouxe - claramente resolvido - o dilema de se as mulheres compram aquilo de que têm necessidade ou se compram aquilo que estão forçadas a ter necessidade de comprar. Este artigo dizia que Christian Dior, o famoso costureiro para mulheres ricas, cujo estilo é copiado em versões mais baratas para as mulheres mais pobres, tinha o poder de alargar ou encurtar a saia de cinquenta milhões de americanas, no transcurso de uma noite!
Uma diferença de três ou quatro centímetros de barra pode ser um drama para as mulheres que se exigem estar constantemente na moda. Para a mulher rica pode ser divertido mudar todo o seu vestuário, renová-lo, mas é demasiadamente custoso para a mulher pobre.
Desta forma, quando se afirma que as mulheres têm o direito de usar cosméticos, vestidos elegantes etc., sem distinguir claramente este direito da pressão social a que está obrigada a se submeter cai-se diretamente na armadilha da propaganda capitalista. As mulheres de vanguarda, que lutam pelas transformações sociais, não deveriam nunca, nem sequer contra sua vontade, reforçar os aproveitadores deste campo. Sua missão, ao contrário, deveria ser a de desmascarar os que se beneficiam dessa escravidão das mulheres.
Sempre se defende que, mesmo que impere o capitalismo, nós como mulheres, devemos submeter-nos aos decretos da moda e dos cosméticos; pois do contrário ficaríamos na retaguarda econômica e social. E certo que para mantermos o emprego, e por outras razões, temos que levar em conta esta dura realidade.
Mas isto não significa que devamos aceitar estes condicionamentos, arbitrários e custosos, com complacência e sem protestar. Os operários que trabalham nas máquinas, estão muitas vezes obrigados a aceitar os aumentos do ritmo da produção, a diminuição de salários, e ataques a seus sindicatos, porém os aceitam protestando e continuando a luta contra eles, organizando-se em movimentos que contrapõem suas necessidades aos desejos de seus exploradores.
A luta de classe e um movimento de oposição e não de adaptação, e isto é correto não só para os trabalhadores das fábricas, como também para suas mulheres, consideradas como donas de casa. Quanto às s mulheres, consideradas como sexo, as metas não são tão claras, e por isso algumas caem no engano da adaptação. Sobre isso, devemos mudar nossa linha. Expliquemos aos modernos padronizadores de beleza que eles não existiram sempre, e que as mulheres trabalhadoras podem e devem opinar sobre esta questão.
Por exemplo, podemos dizer que o uso dos cosméticos é uma inovação bastante recente. No século passado, uma mulher que estivesse em busca de marido veria suas possibilidades diminuídas caso usasse cosméticos, que era então uma prerrogativa das prostitutas. Nenhum homem de respeito se casaria com uma “mulher pintada”.
Também no campo do vestuário verificaram-se mudanças radicais depois da entrada de um grande número de mulheres na indústria e nos escritórios, durante e após a Primeira Guerra Mundial. Eliminaram os espartilhes, as inumeráveis anáguas engomadas, os penteados volumosos, e os imensos chapéus, adotando vestidos mais adequados às suas atividades de trabalho. Os famosos trajes “desalinhados” que usamos atualmente nasceram dessas exigências das mulheres trabalhadoras e, posteriormente, foram adotados pelas mulheres ricas, em suas horas de lazer e diversão.
Atualmente, inclusive os macacões dos trabalhadores se converteram em trajes sofisticados. Seguramente, as mulheres ricas, fascinadas pelo aspecto sexualmente atraente das que usavam macacões e shorts, decidiram adaptá-los para a vida no campo e em suas fantásticas chácaras de fim-de-semana.
Com este ataque às trapaças da moda, não quero expressar a não aceitação dos vestidos bonitos, nem discutir as modificações necessárias e previsíveis no tipo de vestuário de que necessitamos. Novos tempos, novas condições sociais e produtivas, trarão transformações de todo tipo. O tempo e a mais valiosa das matérias-primas, pois o tempo e a vida, e nós temos coisas melhores a fazer do que gastar nosso tempo nesta custosa, deprimente e vulgar mania de andar correndo atrás da moda.
Com o socialismo, o fato de uma mulher querer não terá ou não se pintar e se enfeitar, não terá maiores consequências sociais do que as máscaras das crianças nos bailes de carnaval e outras festas, a maquiagem dos atores de um teatro ou dos palhaços de um circo. Algumas mulheres sentir-se-ão mais bonitas se pintadas, outras não. Porém será somente uma opinião pessoal e nada mais. Submeter-se a estes costumes já não será não será uma obrigação econômica ou social para todas as mulheres. Por isso, não defendemos esses abutres que exploram as mulheres em nome da “beleza”.
Nos últimos anos, temos visto que cada vez mais atenção é dada às mulheres, como importantes compradoras de artigos de consumo de todas as classes: casas e objetos de decoração, automóveis, geladeiras, vestidos, objetos para as mães, e assim sucessivamente. Muitos desses produtos são úteis e necessários, e portanto não necessitam ser “vendidos” com uma publicidade tão intensa que aumenta ainda mais seus custos. Mas no anárquico sistema capitalista, com sua grandiosa e dispersa proliferação de produtos, as indústrias competem umas com as outras para conseguir uma fatia maior neste lucrativo mercado. Desse modo, a indústria da publicidade, apêndice parasitário do mundo dos negócios, converteu-se, ela mesma, em uma grande indústria.
Todos os meios de comunicação social, o rádio, a televisão, a imprensa, que plasmam a opinião pública, baseiam-se e são sustentados pelos publicitários, que por sua vez são apoiados pelos traficantes capitalistas. Em todos os setores da indústria se pressiona para a venda de artigos de consumo, inclusive para a propaganda que difunde a ideologia e a psicologia necessárias para conservar o sistema capitalista e seu poder de exploração.
As mulheres, debilitadas por causa de numerosos conflitos e frustrações, são muito suscetíveis a estas manipulações psicológicas que as empurram para a compra de coisas, como solução de seus problemas. Por outro lado, na imprensa em geral, um número cada vez maior de revistas se dedicam exclusivamente às mulheres, principalmente no campo da moda e da beleza. Em geral, trata-se de produtos bons, impressos em papel de boa qualidade, mas de conteúdo muito ambíguo, uma vez que não vendem só beleza e outras mercadorias vantajosas, mas também são um incentivo altamente eficaz para a compra naquilo de dizer que as mulheres que mais consomem são as mais felizes, e as que conseguem maior sucesso.
A publicidade nos oferece sugestivas fotos de produtos de luxo de todo tipo, ao lado de belíssimas mulheres. O Grande Sonho Americano se converte em realidade para as belas mulheres que podem comprar carros aerodinâmicos, televisores ou qualquer outra coisa, e inclusive, apresenta uma vida sexual fantástica e uma família ideal. As que não puderem fazer tudo isso, perguntam-se no que poderiam ter falhado como mulheres para serem excluídas deste Grande Sonho Americano. E reprovam a si mesmas por não terem nascido ricas e belas.
Tal sensação de inferioridade pessoal é alimentada pelas novelas e artigos que preenchem os espaços para a propaganda. Os escritores capazes de explicar a origem capitalista desta sensação sentida por uma massa de mulheres não são nunca convidados, naturalmente, para que expressem suas opiniões nestas revistas. As opiniões “científicas” que estão nelas expressadas estão destinadas a conservar a exploração capitalista das mulheres, e não a eliminá-la.
Dessa forma, especialistas comprados para escrever artigos para as angustiadas donas-de-casa, aconselham estas a ocuparem-se o máximo possível dos filhos, a serem esposas amorosas, a cuidarem da família e tudo o mais, entendido bem claro que isso e possível através da aquisição de múltiplos e custosos objetos. Também discutem os problemas das mulheres que estudam, e insidiosamente dão a entender que seus felizes lares e sua vida emotiva foram prejudicados pelo trabalho exterior. Inclusive nesses casos, parece que o perigo pode ser evitado através do aumento de aquisições.
Ao contrapor a mulher que trabalha com a mulher dona-de-casa e vice-versa, deixam ambas com sentimento de culpa, conflitos e frustrações. Além disso, quando uma mulher trabalha e faz as tarefas domésticas, tais sensações se agigantam. Estas mulheres estão perpetuamente carcomidas por um conflito de interesses que não conseguem resolver nunca.
Mas este mal-estar e esta sensação de derrota são extremamente vantajosas aos especuladores, uma vez que forçam as mulheres a novas compras, com a pretensão de superar sua ansiedade e insegurança. Muitas vezes, para recuperar rapidamente a fé em si mesmas, correm a comprar um vestido novo ou qualquer produto de beleza milagroso.
Resumindo, primeiro o sistema capitalista degrada e oprime massas de mulheres, depois explora o descontentamento e o medo para fomentar suas vendas e benefícios. Porém, este abuso inexorável sobre as mulheres não pode ser superado com uma guerra entre os sexos, e sim com a luta de classes.
Portanto, nossa missão é a de esclarecer que a fonte desses males é o sistema capitalista, juntamente com a máquina propagandística que faz as mulheres acreditarem que o caminho que leva ao sucesso e ao amor passa pelo consumo de variados produtos. Encarar superficialmente e aceitar os modelos capitalistas em todos os campos - desde a política até os cosméticos - significa perpetuar esse desordenado sistema, baseado na, exploração e, portanto, fazer das mulheres vítimas.
Este artigo foi escrito há quinze anos, e é interessante e gratificante, ver como neste período de tempo inclusive o campo da moda foi sacudido por uma nova rebelião que alterou velhos esquemas estéticos e criou outros novos. Muitas mulheres jovens abandonaram o uso de cosméticos e da mis-en-plis. Usam seus cabelos da forma que lhes parece mais conveniente. Os joelhos, que eram considerados: como a, “parte feia” da mulher, foram descobertos implacavelmente com a minissaia, e assim sucessivamente.
Ao invés dos Reis da Moda manejarem as mulheres, pelo menos durante certo tempo, ocorreu o inverso. Os figurinistas seguiam os gostos das jovens descuidadas e desarrumadas, adaptando-os de forma a conseguir produtos igualmente custosos. Consequentemente, o preço passou a se converter mais claramente em símbolo de “beleza”, isto é, de distinção de classe; e, portanto, se uma mulher quer pertencer ao “grande mundo”, como chamam aos ricos, o pouco e muito de vestidos que possua devem ser clara e visivelmente caros.
Notas de rodapé:
(1) Referência a um poema de Rudyard Kipling. (retornar ao texto)
(2) Alusão à concentração e à centralização da riqueza em mãos das sessenta famílias mais poderosas dos Estados Unidos. N. da T. (retornar ao texto)
Inclusão | 17/12/2013 |