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Primeira Edição: em 1933 num folheto com o título “Le marxisme est-il périmé?: réponse à M. Joseph Caillaux”
Fonte: Crítica Marxista, n.38, p.135-145, 2014.
Tradução: Maria Leonor Loureiro.
Transcrição: COLOCARNOME
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Camaradas,
A teoria marxista é conhecida há muito tempo. Em 1918, celebramos o centenário de nascimento de Karl Marx, nascido em 1818. Lembro-me tanto mais que escrevi o artigo sobre o centenário de Marx na Santé onde tinha, como colega de prisão, o Sr. Caillaux, o autor da tirada na moda: “O marxismo está ultrapassado”.
E como da Santé eu não podia assinar um artigo durante a guerra, assinei-o como “o Homem livre!”.
Este ano, comemoramos o cinquentenário da morte de Karl Marx, falecido em 14 de março de 1883.
O marxismo não é uma teoria abstrata. É a álgebra da revolução. É a ciência do proletariado, classe verdadeiramente revolucionária, como disse Marx, e como vemos a cada dia na vida.
Não é de espantar que aqueles que têm algo a conservar, e que, por definição, são conservadores, aqueles que querem manter o regime existente, combatam a teoria marxista visto que Karl Marx diz ao capitalista: “Irmão, é preciso morrer!” [risos], E como o regime atual faria antes desaparecer toda a humanidade do que consentir ele mesmo em desaparecer, não se passa um ano sem que haja literatos, eruditos publicistas, acadêmicos ou outros que se exercitam a refutar Marx.
Tornou-se até especialidade na Alemanha, onde há toda uma categoria de pessoas denominadas “Marxvernichter”, que quer dizer “assassinos de Marx”, e onde todos os anos recomeça o mesmo assassinato. É assim que existe sobre o marxismo toda uma literatura que, por sua extensão, não digo por seu valor, ultrapassará em breve tudo o que se escreveu sobre Shakespeare, Goethe ou Kant - os três homens sobre os quais mais se escreveu.
Os ataques contra Marx não nos espantam. Marx nunca foi tão atual, as ideias marxistas nunca estiveram tão vivas quanto hoje. Farei esta exposição do marxismo sem paixão, objetivamente, porque Marx o merece, tendo sido um pensador objetivo. Há duas coisas em Marx: seu método e suas teorias. Primeiro, analisemos se o método está “ultrapassado”.
O método de Marx é, antes de tudo, o método materialista. Marx era inimigo do verbalismo, mesmo do verbalismo supostamente revolucionário. Era contra todos os que, como dizia o espirituoso Alexandre Herzen referindo-se a seu amigo Bakunin, erram “ao tomar o segundo mês de gravidez pelo nono mês”. Resultado: aborto involuntário! Ele era contra os emigrados que, depois do fracasso da Revolução de 1848, queriam o mais cedo possível recomeçar a revolução. Para que a revolução triunfe, são necessárias as condições materiais para assegurar-lhe a vitória. Ele era adversário daqueles que, sob pretexto de ir depressa, para descer do sexto andar saltam no vazio em vez de usar a escada. Evidentemente, é um método para ir depressa. Chega-se mais cedo, mas em que estado!
Marx aplicava o método materialista. Estudava antes de tudo a realidade, as condições materiais da vida social. Era ao mesmo tempo dialético. Isso quer dizer que ele reconhecia que é preciso procurar em cada regime os elementos destrutivos desse regime, que se desenvolvem em seu próprio interior, assim como os elementos construtivos do novo regime. Pode-se dizer que todo regime existente contém em suas entranhas o novo regime, como a mãe grávida do filho.
E se Marx e seus seguidores dão ao socialismo o qualificativo de “científico”, é porque encontraram na sociedade capitalista, no regime econômico existente, tanto os elementos destrutivos desse regime quanto os elementos construtivos do novo regime.
O método marxista baseia-se na ideia da evolução levando à revolução. Ora, a ideia de evolução está na base de todas as ciências e de todas as concepções modernas, com a diferença de que os evolucionistas à la Spencer detêm a lei da evolução no limiar do regime atual: tudo evolui, exceto o capitalismo. A lei da evolução deve respeitosamente afastar-se do Banco da França e dos outros bancos; ali, ela perde sua autoridade; cessa de ser aplicável: tudo evolui, exceto a propriedade e o modo de produção capitalistas. Marx, ao contrário, com uma lógica implacável, dizia
“Não! Se tudo muda, se tudo se transforma, não há razão para que o capitalismo e seu modo de produção permaneçam no estágio que alcançaram; não há razão para que a evolução histórica pare no estágio capitalista”.
Será que é preciso voltar ao dogma da invariabilidade das espécies, da estagnação de tudo o que existe, à velha geologia, à velha astronomia? A astronomia moderna, a geologia moderna demonstram que os cometas e os planetas se desenvolveram gradualmente e que a terra passou por diversos estágios.
Marx concorda com a teoria moderna da evolução que não exclui a passagem rápida da evolução à revolução: a teoria da evolução atualmente admite, com de Vriès, as passagens bruscas, “os saltos” na marcha regular das coisas.
Marx jamais opõe evolução a revolução. Assim, a criança que se desenvolve no ventre da mãe vem ao mundo com dilaceramentos sangrentos. Jaurès procurou em vão persuadir a burguesia de que se podia ir para Marrocos por via de “penetração pacífica”. Apesar de sua boa vontade, seu poder de persuasão e honestidade, não pôde fazer triunfar essa ideia de “penetração pacífica”. Vocês sabem que ainda estamos em guerra no Marrocos. [Aplausos]
Ora, segundo o método marxista, segundo a dialética de Marx, não se deve opor evolução a revolução.
Será que essas ideias estão ultrapassadas? Será que é preciso voltar ao verbalismo idealista? Francis Bacon, um dos fundadores da filosofia moderna, disse que há duas fontes de verdade: há o método das abelhas, tributárias da matéria circundante, das plantas e das flores das quais extraem seu mel; e há o método das aranhas, que tiram tudo de sua própria substância. Os idealistas “têm uma aranha na cabeça”, ou seja, tiram tudo de sua cabeça, o que os leva a tomar palavras por realidades.
Em nossa época, abusa-se muito das palavras grandiloquentes. Durante a guerra, revelou-se toda a bagagem idealista. Disseram-nos a cada dia que aqueles que partiam para o front iam lutar pela “justiça”, pelo “direito”, pela “civilização”. Continua-se a abusar de palavras bombásticas idealistas esvaziadas de sentido na sociedade atual. Esse abuso perdura de tal forma que, ainda ontem, havia na sala Wagram uma reunião dos pequenos e médios proprietários, organizada pela reação. Em nome de quais princípios se levantaram contra as reivindicações socialistas e democráticas? É em nome da igualdade diante do imposto, é em nome dos direitos humanos que os ricos pedem para pagar tanto quanto os pobres, Rothschild tanto quanto Rappoport! [Risos e aplausos.]
Com efeito, em nome dos direitos do homem e do cidadão, é preciso que o pobre pague tanto quanto o rico. É esta igualdade que se propõe. E isso são coisas vivas de todos os dias, de hoje, de ontem, de anteontem. Então, vocês vão censurar Marx por ele não ter confiado nas palavras das quais se abusou tanto, por ele ter olhado a realidade de frente? Ferdinand Lassalle disse: “dizer o que existe é já um fato revolucionário” porque a realidade trabalha para nós, porque ela contém elementos explosivos, porque a história contém dinamite, forças verdadeiramente revolucionárias que fazem explodir os velhos regimes “ultrapassados”.
Então, do ponto de vista do método, o marxismo não pode ser considerado “ultrapassado”. O método procede das ideias mais modernas: movimento, transformação, evolução, revolução.
Marx tinha horror do vazio, do abstrato, das palavras que podem se aplicar a tudo e não explicam nada, grandiloquentes palavras que se procura explorar para esconder pequenas coisas, ou mesmo coisas abomináveis.
A base social da teoria marxista é a luta de classes. Marx não se contentou, como os sociólogos burgueses, com esta banalidade que consiste em constatar que a sociedade se compõe de indivíduos e não de batatas. [Risos.] Disse: Não, não são os indivíduos o que é preciso estudar na sociedade, nem suas necessidades; o que é preciso estudar são as classes. Quando vocês olham alguém na rua e perguntam quem é, se lhes responderem “é um homem”, vocês dirão: “é uma piada de mau gosto”, e não terão nenhuma ideia de quem encontraram. Mas se lhes disserem “é um homem sem trabalho”, é um desempregado, então isso se torna claro, vocês estão informados; se lhes disserem “é Ford, ou Citroen [risos], sabem imediatamente com quem estão lidando”. [Aplausos]
Ainda se nega a existência de classes. O Temps, em seus artigos de fundo - sem fundo -, diz: “Vós nos falais de classes, mas isso está ultrapassado, a Revolução Francesa passou por aqui, ela suprimiu as classes; todos os homens são iguais: Félix Faure pôde tornar-se presidente da República; nada vos impede de também o serdes; nada está inscrito no Código para proibi-lo, portanto as classes estão suprimidas”.
O Temps esquece até as classes das estradas de ferro [risos].(1) Esquece também de que em Paris existem até bairros de classe e que, por exemplo, naquele onde eu moro e que se chama por ironia bairro da Saúde [Santé], a mortalidade é várias vezes maior do que nos bairros das classes ricas. Há até mesmo enterros de classe, e é assim que prometemos ao regime capitalista um enterro de primeira classe. [Aplausos.]
Diante dos acontecimentos ocorridos desde a guerra, é uma piada macabra dizer que não existe luta de classes.
Vê-se em cada país uma classe operária organizada; vê-se também surgir o fascismo. Se aprofundamos as coisas, o que isso significa? É a luta de classes no seu mais alto grau. As classes dominantes aprenderam alguma coisa com Marx, e sobretudo com a prática da luta de classe pela classe operária revolucionária.
Enquanto os governos eram os policiais, os guardiães da paz social, os cães de guarda da propriedade e do regime, contentavam-se com encarregar o Estado burguês da defesa de classe. Mas agora, quando, pela evolução dos espíritos, pelas crises permanentes, vê-se que o Estado pode ser ameaçado pela pressão das massas, ou ser posto na impossibilidade de aplicar rigorosamente sua repressão contra as novas forças que se levantam, então as classes dominantes, atraindo os inconscientes das classes médias ou da classe operária, proferem palavras de ordem supostamente anticapitalistas, gritam contra os capitalistas, contra os banqueiros - acrescentando “judeus” - e se organizam de maneira grosseiramente demagógica. É a defesa de classe, é a estratégia de classe; são hoje forças novas de repressão terrorista que se juntaram às forças regulares do Estado capitalista. É a luta de classes sob sua forma mais violenta. Será que se pode agora negar a luta de classes? Será que se podem negar as reivindicações de classe?
Marx constata esse fato histórico. Ele não é, aliás, o primeiro a constatá-lo. Guizot, o grande historiador contemporâneo de Marx, explicou o desenvolvimento da monarquia francesa pela luta de classes. Foi o monarca que se apoiou na classe burguesa para diminuir a influência da nobreza.
Tentem compreender a história moderna e explicar, sem a ideia de luta de classes, o que acontece hoje na Inglaterra, na Rússia, na França, na Itália: não conseguirão. É o fator indispensável de compreensão da história.
Até nossos adversários começam a falar de classes. As palavras “classe”, “regime capitalista” eram outrora banidas como absurdas, tal como diziam os economistas e teóricos burgueses. Eles as consideravam um exagero dos socialistas. Agora, todo mundo fala de regime capitalista ou de capitalismo, e os fascistas são obrigados a se declarar partido anticapitalista.
Passemos agora à economia política marxista.
Marx não começava seu tratado de economia política por banalidades como “todo mundo, para se alimentar, se vestir etc., precisa produzir”. Não. Marx começa definindo a mercadoria, a sociedade capitalista, explicando a lei do valor das mercadorias, porque a riqueza de nosso regime se compõe não de bens destinados a satisfazer nossas necessidades, mas de mercadorias, ou seja, bens destinados a enriquecer uma classe determinada. Marx examina, portanto, quais são as leis que determinam o valor dessas mercadorias. É o trabalho. Nisso, ele concorda com os grandes economistas clássicos. Mas Marx observa que não é apenas o trabalho que determina o valor das mercadorias. Se vocês se aventurarem a transportar nas costas um saco de farinha de Marselha a Paris, sem usar a estrada de ferro, seu trabalho será inútil e não acrescentará nada ao valor da farinha. Para que o trabalho determine o valor de um produto, é necessário que seja realizado em condições técnicas normais. A teoria do valor conduz à teoria da mais-valia pela qual Marx demonstra que o lucro capitalista se compõe de trabalho não pago pelo capitalista, da exploração da “mercadoria” que se chama “força de trabalho”.
Marx, em sua análise do regime capitalista, formulou a teoria da concentração capitalista, da expropriação e do desaparecimento gradual das classes médias.
Estarão essas ideias ultrapassadas? Caillaux pode contestar a concentração capitalista? Os trustes não são formas modernas da economia capitalista? E todas essas forças capitalistas não são outras tantas confirmações da lei da concentração
capitalista? O país mais capitalista do mundo, os Estados Unidos, não é dominado por magnatas do capitalismo, como dizia Marx? Por aqueles chamados “os reis”: reis do petróleo, das estradas de ferro, do automóvel? Há até mesmo os reis do porco ou do bife em Chicago. São verdadeiros monopólios de todas as riquezas materiais. São os grandes senhores que dominam aquele imenso país.
Na França, ainda há uma massa de pequenos proprietários. Mas quando se examinam as coisas de perto, vê-se que há, por exemplo, seis grandes bancos que dominam todos os mercados e que dominam até o Estado. Não se pode, portanto, em nossa época de bilionários, de grandes bancos, de grandes lojas, de grande comércio, contestar a lei da concentração capitalista.
O reformista Bernstein quis demonstrar que as classes médias existem. Juntou todas as cadernetas de poupança de todas as empregadas domésticas para dizer que ali existem ainda pequenos capitalistas. Mas Marx nunca afirmou que o fato de possuir mil ou dez mil francos é ser capitalista! Para ser capitalista, segundo a definição de Marx, é preciso empregar os instrumentos de produção para explorar o trabalho dos outros e poder viver sem trabalhar. Não é o caso de uma empregada doméstica.
Creio que Caillaux não leu Marx, embora declare o marxismo ultrapassado. O que está ultrapassado é esse método que consiste em refutar um grande pensador sem o ler. Bernstein conhecia Marx, destacava o argumento das sociedades por ações dizendo: “não há concentração capitalista visto que há tantos e tantos milhões de acionistas”. Só se esquecia de nos explicar o mecanismo das sociedades anônimas, onde aquele que possui a maior quantidade de ações é o verdadeiro dono da sociedade anônima, ao passo que os outros são apenas figurantes. [Aplausos.]
Em toda a parte é a mesma coisa. E quando ocorre uma crise, quando todos os pequenos “capitalistas” são varridos, não resta senão aquele que possui a maior quantidade; e se às vezes lhe falta dinheiro, o Estado capitalista vem socorrê-lo como vimos recentemente. [Aplausos.]
Será que na nossa época, especialmente desde a guerra, o desaparecimento das classes médias é discutível? Nós o constatamos em todos os países. Os partidos radicais ou democráticos na Inglaterra, na França, na Alemanha são os representantes, os encarregados de negócios das classes médias. Se essas classes fossem prósperas, dominariam todas as outras, ao passo que vemos o Partido Liberal inglês, com Lloyd George, reduzido à impotência. Na Alemanha, os democratas desapareceram. Veem-se apenas dois blocos frente a frente: o bloco burguês reacionário de um lado, e o bloco revolucionário do proletariado do outro. Na França, as eleições de maio de 1932 colocaram as esquerdas em maioria total? Elas capitulam sem combate diante da reação burguesa. É sempre o muro de dinheiro, são sempre as grandes potências capitalistas que têm a última palavra nas formações ministeriais.
Publicaram-se lado a lado o retrato de Daladier e o de Mussolini para mostrar sua semelhança. Mas esses Mussolinis da democracia, quando os socialistas lhespropuseram, não o programa socialista, e sim o mínimo do programa radical, esses homens não puderam aceitá-lo. Daladier queixou-se, quase chorou, e diante do muro de dinheiro ergueu-se um muro de lamentações. [Aplausos.]
Marx falou da anarquia da produção capitalista. Ela não é demonstrada pelo café do Brasil jogado ao mar ou pelo trigo com o qual aqueceram as locomotivas? No Brasil jogam-se centenas de milhares de quintais de café no oceano. Foi mesmo preciso gastar muito dinheiro para isso e não se deve reconhecer como verdadeira a análise de Marx que demonstrava que os capitalistas estão condenados à anarquia porque produzem apenas para o lucro, para um mercado indeterminado? Demonstrem a extensão da clientela mundial! Disse-se que os capitalistas eram bastante inteligentes para poder, com seus cientistas, seus publicistas, seus peritos, determinar o volume do mercado mundial. Mas será que se pôde fazê-lo? Será que a maior crise dos últimos anos não se produziu justamente nos países dos trustes? Foi exatamente na América, país dos trustes colossais, que a crise foi mais colossal.
Isso prova que o capitalismo não pode sair da anarquia. Ele produz a abundância. Mas diante dele, há 30 milhões de desempregados, número dado pela Sociedade das Nações, que ainda não é comunista [risos]. Com suas famílias, esse número representa uma população de, no mínimo, 120 milhões. O desemprego não é o produto do capitalismo? Esse fenômeno foi demonstrado com admirável precisão por Marx quando traçava o quadro dessas imensas riquezas criadas pela técnica moderna diante de um exército de reserva de sem-trabalho rebentando de fome ao lado de lojas apinhadas de mercadorias [aplausos]. Por acaso essa teoria da crise do capitalismo é uma teoria ultrapassada? É preciso ter má-fé ou ser ignorante como um acadêmico para afirmá-lo. [Risos e aplausos.]
Um grande número de americanos descobriu na América a tecnocracia. Eles demonstraram, com inúmeros dados estatísticos, as maravilhas da técnica. Pode-se fazer trabalhar uma fábrica durante vinte e quatro horas sem um único operário e aumentar 4 mil vezes a produtividade de certos trabalhos. Mas Marx, precisamente, citava com frequência a tirada de Aristóteles - o maior pensador da Antiguidade - o qual, para justificar a escravidão, dizia: “Se se tivessem inventado máquinas de tecer e de fazer certos trabalhos, ter-se-ia podido dispensar a escravidão”. Marx gostava de citar essa tirada para mostrar que nós realizamos a ideia genial de Aristóteles. Temos verdadeiras maravilhas de produtividade; temos máquinas de fazer tudo, temos máquinas admiráveis, é uma herança capitalista que não rejeitamos. Marx elogiou mesmo a missão histórica realizada pela burguesia, que fez surgir cidades gigantes e criou a produção mecânica moderna. Ele escreveu isso em 1847. Se tivesse visto os milagres atuais da produção, o que ele teria dito? Mas nós constatamos que essas maravilhas técnicas, essas admiráveis máquinas, em vez de criar a felicidade social e individual servem apenas a uma categoria de privilegiados e se erguem contra os trabalhadores. Cada nova máquina representa uma nova hecatombe de trabalhadores, milhares de trabalhadores jogados na rua, sem trabalho. [Aplausos.]
A racionalização capitalista é o racionamento do proletariado. Quanto mais a sociedade capitalista é racionalizada, menos vocês têm meios de existência. É a confirmação da dialética de K. Marx que demonstrou que toda sociedade perece por suas próprias contradições. Ele dedicou a vida ao estudo das contradições inerentes ao regime capitalista, dos abusos que o regime engendra fatalmente. E não basta destruir esses abusos, como dizem os ignorantes, é a própria fonte desses abusos que se trata de destruir: o regime capitalista!
Marx demonstrou que todas essas contradições sociais são inerentes ao modo de produção capitalista, ao fato de que os meios de produção são monopolizados por uma oligarquia, concentrados nas mãos de uma minoria que enriquece ao passo que a maioria, a classe operária, não pode viver a não ser vendendo sua força de trabalho a esses proprietários dos meios de produção.
Foi isso que Marx constatou. Será que não é verdade? Há outros meios de combater a crise sem destruir as causas mesmas da crise? Ora, o que dizem os tecnocratas? Eles querem manter o regime capitalista, portanto, as causas mesmas da crise, a própria base, a própria fonte das contradições do regime, e ao mesmo tempo pretendem querer suprimir suas consequências. Mas o que ocorrerá se os tecnocratas se tornarem os senhores? Será a economia organizada ou coordenada, mas ela será subordinada aos interesses capitalistas. À frente da sociedade, e, no lugar dos capitalistas, serão os grandes engenheiros, os grandes técnicos que dominarão, mas sempre em vista da exploração, porque, a partir do momento em que vocês deixam os proletários em seu estado, em sua situação de homens privados de instrumentos de trabalho, eles serão fatalmente escravos, quer seja de Ford ou de seus engenheiros. Nada terá mudado. Em vez da plutocracia, será a tecnocracia.
Aliás, Saint-Simon precedeu os tecnocratas numa famosa parábola que lhe valeu até mesmo ações judiciais. Ele disse: os reis, os pais dos reis, os generais, os ministros, tudo isso pode desaparecer, a sociedade não desaparecerá. Mas os técnicos é outra questão. Ele reconheceu o valor dos engenheiros, dos arquitetos, dos médicos. Não é novo. É, repito, a América descoberta na América pelos americanos. Mas em vez de partirem de uma premissa exata e verem a razão profunda dessa anarquia capitalista, dessa contradição entre o progresso técnico e a miséria social, os “tecnocratas” tapam os ouvidos e fecham os olhos para poderem conservar o regime de exploração do homem pelo homem.
Passo agora ao último capítulo: a política marxista.
Marx, baseando-se na análise da sociedade capitalista, não se dirige a todas as boas vontades, a todos os interesses pretensamente gerais. Como ele baseia sua sociologia na existência de classes opostas umas às outras, tendo interesses antagônicos, compreendeu que entre todas as classes a única revolucionária é a do proletariado. É lógico. Não tendo nada a conservar, ela não tem interesse em ser conservadora. Não tem senão sua força de trabalho. É, portanto, uma classe revolucionária. Ela tem a perder apenas suas correntes e tem tudo a ganhar, diz Marx no fim de seu Manifesto. Como querem vocês que os capitalistas sejam revolucionários? Vocês conheceram capitalistas pedindo jornadas curtas e altos salários? [Risos.] A classe capitalista não declarará nunca que quer suprimir sua propriedade. Pode haver raras exceções confirmando a regra, mas uma classe nunca se suicidou.
Marx compreendeu isso, ao passo que os utopistas como Charles Fourier procuravam persuadir a burguesia a ser inteligente e organizar a harmonia, a cooperação sociais. Outros, como Robert Owen, que sacrificou milhões pela reforma social, enviavam sinceramente e de boa-fé cartas, súplicas ao congresso onde os monarcas estavam reunidos, para tomar medidas contrarrevolucionárias. Ele procurava persuadir esses monarcas de que adotando seu projeto poder-se- -ia economizar uma revolução. Procurava persuadir os lobos a não comerem as ovelhas. Naturalmente, zombavam dele e suas súplicas permaneceram sem efeito.
Marx não era contra a ação política. Não opunha o sindicalismo, a ação econômica da classe operária à sua ação política. Compreendia bem o papel do Estado que definia assim: o Estado é um conselho de administração das classes dominantes, reunido para oprimir as classes exploradas, as classes despossuídas. Acrescentava: é preciso destruir essa força, demos o poder ao proletariado - é a chamada ditadura do proletariado, demos o poder de Estado ao proletariado, a fim de suprimir as desigualdades, ou melhor, tirar das oligarquias o monopólio dos meios de produção. De acordo com ele, é preciso suprimir a dominação das classes possuidoras, expropriar os proprietários. E por que meios, senão pela revolução?
É de Marx que data a expressão “cretinismo parlamentar”. Marx, porém, não era contra a ação parlamentar. Mas chamava de “cretinismo parlamentar” a ação daqueles que acreditavam poder realizar assim a transformação social. Agora, o cretinismo parlamentar fez-se acompanhar do cretinismo ministerialista.
Acredita-se que com bons ministros é possível transformar a sociedade. Marx negava-o. E um dos maiores crimes da social-democracia alemã é ter acreditado que com a ajuda do “cretinismo parlamentar” e da participação no Estado burguês seria possível mudar o regime social. Ora, vocês sabem em que estado se encontra atualmente a Alemanha de Hitler. [Aplausos.]
Será que isso não é atual? Será que a ideia da conquista do poder pela força revolucionária é uma ideia ultrapassada? Jamais um povo, jamais uma classe obtém sua libertação de joelhos. É preciso se pôr de pé, lutar, derramar seu sangue para se chegar à emancipação [aplausos]. Não é apoiando-se somente em milhões de votos que se pode economizar uma revolução. Em 1904, em Amsterdã, Bebel erguia-se contra a participação ministerial que os reformistas apoiavam e pedia que declarassem a classe operária “partido de revolução”. Mas quando se tratava de definir a revolução, era outra questão. Ele dizia no mesmo congresso: “Nós aumentamos nossos votos por milhões; quando tivermos a maioria, a burguesia ficará afogada, será uma ilhota num oceano”. Vemos hoje “a ilhota” na pessoa de Hitler e seus sicários. [Aplausos.]
Marx jamais usou, em toda a sua obra, a fraseologia revolucionária. A revolução em Marx é como um fogo subterrâneo que está latente sob suas teorias. Ele examinou os fatores revolucionários sem procurar frases revolucionárias. Essa é a especialidade de algumas categorias de pessoas. Não é a de Marx, que se preocupou apenas em constatar os fatos, o que basta para tirar deles as conclusões lógicas: organizar a classe operária com esta consciência de que ela é uma classe revolucionária, de que ela não é uma classe para negociar, mas uma classe para combater, como dizia Jules Guesde. Então, diga-se de passagem, não se aceita virar ministro de Estado, ou seja, membro do conselho de administração das classes dominantes. Como! Vocês querem entrar nesse conselho de administração para assegurar os negócios correntes da burguesia? Como, para dar a vocês outro exemplo da colaboração de classes, como, digo eu, Blum pode declarar em seus discursos e artigos que nós não temos nenhum interesse na falência do regime burguês? Entretanto, o próprio Mirabeau, esse revolucionário burguês saído da nobreza, compreendera que a falência da nobreza era uma falência necessária para o advento da burguesia. E nós não compreenderíamos que o fracasso do capitalismo possa servir o proletariado! Nosso dever, nossa “missão” histórica não é, segundo Marx, salvar o capitalismo da falência - aliás, inevitável -, mas organizar e desenvolver a consciência de classe do proletariado.
Sim, haverá sofrimentos; mas será que com a guerra que se prepara não haverá mais sofrimentos? Não nos ameaçam com uma guerra de exterminação? Os reformistas tanto quanto os revolucionários não desaparecerão na tormenta? Podemos ter confiança nas lengalengas dos pacifistas de Genebra? Será que tudo isso não faliu?
Marx previu-o declarando que o capitalismo está na base de todas as guerras modernas, e Lênin, por sua vez, demonstrou que em período imperialista as guerras são inevitáveis. Temos apenas de constatar os fatos que acontecem à nossa frente. Vemos a impotência da Sociedade das Nações. Apesar da confiança que fora depositada no início na Sociedade das Nações, ela não pôde impedir a guerra no Oriente; e se amanhã a Alemanha, confiando nos processos químicos tão desenvolvidos ali, quiser ocupar o corredor polonês e fazer surgir uma guerra, será que a Sociedade das Nações poderá impedi-la?
Marx ergueu sua economia contra a economia clássica da burguesia. Qual era o princípio diretor, fundamental, da economia burguesa? Era: “laissez faire, laissez passer” [deixe fazer, deixe passar]! Mas será que ainda existe alguém no mundo que possa aceitar esse princípio e admitir que se diga: deixe fazer a guerra, deixe passar a miséria? O individualismo não faliu?
Há a teoria das elites, adotada pelo Sr. Caillaux, o autor da tirada “O marxismo está ultrapassado”. As elites são naturalmente o Sr. Caillaux e seus amigos. Quanto a nós, dizemos: há outra elite, é a classe operária, que começa a pensar, a se organizar, a tornar-se uma força mundial. Já temos o exemplo da URSS, e eu pergunto a meus contraditores qual foi o sociólogo ou o estadista ou o historiador que previu o advento do proletariado e o papel histórico que ele desempenha neste momento.
Marx e Engels previram esse papel histórico do proletariado, e era tanto mais difícil quanto em 1847 o proletariado existia tão somente como fato social, mas ainda não como organização consciente de seu objetivo histórico: a supressão do capitalismo. Marx e Engels viram apenas os primórdios da classe operária, mas graças à sua análise genial, ao seu método materialista dialético previram o papel histórico do proletariado.
Podem-se criticar as dificuldades de um país que representa a sexta parte do globo e é boicotado por todos os outros. Mas existe lá um fato incontestável, o proletariado conquistou o poder, exerce-o bem e edifica vitoriosamente o socialismo. [Aplausos.]
Será que o papel histórico do proletariado está ultrapassado? Não, o marxismo não está ultrapassado. Ele está vivo, e viverá em toda a parte! [Vivos aplausos.]
Notas de rodapé:
(1) Não somente os trens da rede ferroviária, mas até o metrô de Paris, até uma data recente, tinha duas classes [Nota do editor, JQM]. (retornar ao texto)
Inclusão | 01/11/2019 |