Nota do transcritor
O texto critica implicitamente um artigo no Boletim da Federação da Jura do 20 de março 1872, no qual estava dito que a organização da Internacional era secundária ao espirito revolucionário. A Emancipación publicou um texto de teor parecido (À Nuestros Hermanos del Jura, 4 Maio 1872), facto que levou os editores do MECW a atribuir A Organização ao Paul Lafargue. O estilo não parece corresponder, e o Nobre França, co-editor do Pensamento Social atribuiu o texto ao Antero Quental.
O Socialismo, pela vastidão do seu programma, que abraça amplamente todas as questões sociaes, tem forçosamente de ter alguma cousa de vago (não nos principies, já se vè, mas na pratica) alguma cousa de não immediatamente realisavel.
Não é isto uma fraqueza: é, pelo contrario, uma grande força. As transformações sérias e fecundas das sociedades não se fazem d’um dia para o outro, mas lentamente, methodicamente. As grandes revoluções são apenas series de evoluções. Ora, é exactamente por um movimento de evolução que deve proceder o socialismo, e só assim será fecundo.
As idéas, independentes do tempo e do espaço, affirmam-se completamente e d’uma vez. Mas a pratica, escrava das circumstancias de logar e tempo, tem de proceder gradualmente, por tentativas, apalpando o terreno, cumprindo em cada dia a tarefa limitada d’esse dia. Assim pois, se o credo socialista é um e indivisível, a pratica do socialismo é múltipla, e não só susceptivel de divisão, mas obrigada á divisão. Phylosophicamente, procurámos, affirmâmos e proclamâmos o que é justo. Praticamente, esforçâmo-nos para realisar aquella somma de justiça que desde já é possível realisar-se.
Qual é pois o socialismo do momento actual? Qual é, no momento actual, o trabalho que as circumstancias, o estado do espirito e a necessidade nos estão indicando?
É, sobre tudo, o trabalho de organisação das forças operarias, a organisação material e moral d’esse grande exercito do proletariado, que a idéa socialista suscitou para uma campanha pacifica e civilisadora, para a regeneração do velho mundo economico e politico.
Depois d’um primeiro periodo de elaboração de doutrinas, o socialismo entrou evidentemente no seu segundo periodo, o da organisação. Sem ella, as doutrinas, que são muito, que são tudo para a consciência, nada são para a pratica, porque não podem passar do mundo do espirito para o mundo das realidades.
Para que o proletariado affirme os seus direitos e os possa realisar, é necessario que o proletariado constitua na sociedade um todo orgânico, um corpo vivo, compacto, cujos membros estejam entre si ligados harmonicamente; não uma massa inorgânica, fluctuante, uma aggregação inconsistente de partes sem unidade. Compenetremo-nos bem d’isso: é necessário que os trabalhadores deixem a final de ser as massas, para serem definitivamente o povo, na grande e completa accepção d’esta palavra. Sociedade quer dizer organismo, isto é, distribuição de funeções e unidade de movimentos: e como hade a plebe, conservando se desorganisada, lograr substituir, apesar da superioridade da sua idéa, essa sociedade velha que, apesar da inferioridade ou antes annulação da sua idéa, conserva ainda uma organisação tal ou qual ? Ê impossível.
Ora os typos da organisação dos trabalhadores estão creados; estão creados os moldes onde as massas plebeas devem receber a fórma nova e transformarem-se definitivamente em verdadeiro povo e verdadeira democracia.
Esses typos de organisação são:
- As sociedades de resistência dos vários officios;
- As sociedades cooperativas de consumo;
- As sociedades de credito mutuo.
Pelas primeiras resiste o trabalho ao capital, até que se liberte do seu jugo e se constitua como unica força productora; pelas segundas, evita a exploração mercantil, até fazer desapparecer o intermedio parasita entre o productor e o consumidor: pelas terceiras, universalisando-se o credito e tornando-se gratuito, sopprime-se a renda dos capitaes, annula-se o poder brutal do dinheiro, e torna-se possivel, fácil e simples a equaçãó de todos os valores.
De cada um d’estes typos de organisação fallaremos mais detidamente, do que elles já hoje são, e do futuro que teem diante de si. Por agora limitámo-nos a apontar aos trabalhadores portugezes este caminho, que é o do socialismo do momento actual, do periodo da organisação.