Voto de Congratulações pelo 29º Aniversário da Revolução Soviética[N1]

Luiz Carlos Prestes

07 de Novembro de 1946


Primeira Edição: Anais do Senado Federal, vol. 2, 7-11-46, pp. 53-62. 33a Sessão, em 7 de novembro de 1946.
Fonte: Luiz Carlos Prestes; O Constituinte, O Senador (1946-1948), Edições do Senado Federal, 2003.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro 2007.
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SR. PRESIDENTE - Está finda a leitura do expediente. Tem a palavra o Sr. Senador Carlos Prestes, orador inscrito.

SR. CARLOS PRESTES - Sr. Presidente, solicitei a palavra para encaminhar à Mesa a fim de que o submeta à consideração do Senado, nos termos do nosso Regimento, um requerimento relativo à data de hoje.

Diz o nosso Regimento, em seu artigo 91, parágrafo primeiro:

"Não serão permitidos votos de aplauso, regozijo, louvor, congratulações ou semelhantes, salvo em virtude de atos públicos ou acontecimentos, uns e outros de alta significação nacional ou internacional, mediante parecer da Comissão de Constituição e Justiça, etc."

Sr. Presidente, a data de hoje constitui um desses acontecimentos. O mundo inteiro comemora justamente um dos maiores eventos do século. Estou certo, por isso, de que o Senado, em sua sabedoria, concordará com o voto constante do requerimento, que passo a ler.

Requerimento Nº 10, DE 1946

"Requeremos conste da ata de nossos trabalhos de hoje um voto de congratulações com o Governo e o povo soviético pela passagem do 29º aniversário da sua data nacional, comemorativa da Revolução de Outubro de 1917.

E que desse voto seja dado conhecimento à Embaixada da URSS.

Sala das Sessões, 7 de novembro de 1946. - Luiz Carlos Prestes — Vergniaud Wanderley Mathias Olympio — Aberto Glasser — Pereira Pinto — Álvaro Maia e Waldemar Pedrosa."

O requerimento, Sr. Presidente, foi por mim formulado sem qualquer preocupação ideológica ou política, visando somente traduzir os sentimentos do proletariado brasileiro, de uma parte do nosso povo que admira e quer os povos da União Soviética, nossos grandes aliados na guerra contra o nazismo. Além dessa característica de pertencer à historia de uma nação que lutou ao nosso lado pela libertação de todos os povos, a data de hoje tem uma expressão particular para o proletariado e para os que lutam pelo progresso da humanidade, no que o vocábulo humanidade significa de mais amplo, de mais profundo.

Felizmente, Sr. Presidente, posso hoje no Senado da República, nesta alta tribuna da democracia em nossa terra, fazer declarações dessa natureza, pelo menos em nome dos que me deram o seu voto, dos que estão, hoje, em festa para comemorar o aniversário da grande revolução proletária.

Manifesto-me aos Srs. Senadores em condições bem distintas daquelas, de há seis anos atrás, quando era eu arrancado do cárcere por uma turma de policiais e levado ao tribunal da reação. A ditadura que, então, infelicitava o País, tentava alcançar de mim, à custa de toda sorte de torturas físicas e morais, o repúdio às idéias pelas quais me venho batendo há muitos anos. Por isso, escolheu justamente a data de 7 de novembro que assinala o aniversário da grande revolução proletária para, depois de quatro e meio anos de prisão, pretender condenar-me a mais algumas dezenas de anos sobre a condenação anterior, que já era de 16 anos.

No entanto, Sr. Presidente, não adotando nenhuma atitude sobrenatural, mas procurando simplesmente continuar seguindo as lições dos nossos antepassados, a minha atitude, no tribunal, nesse meio-dia de 7 de novembro de 1940, foi a de previamente congratular-me com meus julgadores e com o povo, por estar, naquela data, frente a um tribunal de reação. Hoje, Sr. Presidente, como disse, é da tribuna do Senado, a que fui trazido pelo voto de uma das partes mais cultas do nosso eleitorado e de nosso povo, que venho manifestar pela mesma data o júbilo de quantos sentem a necessidade de se modificar a sociedade humana, de sairmos da situação de sofrimento, de opressão, de exploração do homem pelo homem para uma sociedade melhor. Para os que conhecem a miséria dos povos, a crise da vida das grandes massas trabalhadoras alimenta, em seu coração, o desejo de uma sociedade melhor, em que o número de explorados e de oprimidos seja pelo menos menor e na qual se vislumbre perspectivas de progresso e de justiça social, a data que se comemora é considerada — e o correr dos anos o dirá — uma das maiores, senão a maior do século XX.

Foi a 7 de novembro de 1917 que chegou ao poder pela primeira vez na história da humanidade o proletariado. A classe oprimida e perseguida pela sociedade capitalista conseguiu quebrar a reação, arrancando do poder as classes caducas, incapazes de resolver os problemas populares mais elementares, e que dirigiam e mantinham o País num estado de atraso, ignorância e miséria crescentes.

Essa, sem dúvida, o grande significado de 7 de novembro para o povo russo, para os povos que viviam no império dos tzares. O povo russo e tantos outros, inteiramente oprimidos pelo governo da época, sem direito de praticar sua religião, eram, como sempre acontece, jogados uns contra os outros, tal como ainda vemos na Índia, onde o imperialismo inglês atira hindus contra muçulmanos, e vice-versa, e na Palestina, onde judeus e árabes são atiçados para lutas sangrentas, em benefício daquele que explora ambos os povos.

Era o que se passava na Rússia dos tzares até 7 de novembro de 1917.

Sr. Presidente, a revolução proletária de 17 de novembro é de novo tipo, e, incontestavelmente, de repercussão mundial. Interessa a todos os povos, e, particularmente, ao proletariado de todo o mundo. A ela se poderia comparar a grande Revolução Francesa, a luta do século XVIII, da burguesia, que liquidou o feudalismo e abriu perspectivas para o desenvolvimento econômico capitalista da nação francesa.

Sabemos todos da repercussão universal que teve a Revolução Francesa no século XVIII e no decorrer de todo o século XIX. Os patriotas declaravam-se possuidores, mesmo naquela época, de duas pátrias. Todos os homens progressistas, todos os patriotas sinceros, além da própria pátria em que nasceram, admiravam e seguiam, com atenção, o desdobrar da luta do povo francês contra o regime feudal em que muitos deles vegetavam.

Só à Revolução Francesa poderemos, em parte, talvez, comparar o eco produzido pela revolução proletária do século XX, iniciada a 7 de novembro de 1917.

O proletariado do mundo inteiro está ciente de que na Rússia, depois da carnificina da Primeira Guerra Mundial, nasceu, realmente, um novo mundo.

Ao analisar os acontecimentos, ao comparar as duas revoluções, ao estudar mais profundamente a significação da grande revolução proletária do século XX, devemos concordar em que esta é bem diferente de todas as outras grandes revoluções, que, ao contrário, nada mais fizeram senão substituir uns grupos de exploradores por outros; passaram, por exemplo, do regime escravagista para o feudal.

Mesmo em nossa pátria, sabemos o que foi a abolição da escravatura sem a reforma agrária, sem a entrega de terras às grandes massas negras. Negros escravos passaram a servos da gleba.

As lutas contra a servidão feudal levaram à revolução burguesa. Dela, porém, originou-se um regime em que novos grupos passaram a explorar as grandes massas trabalhadoras.

A revolução soviética do proletariado do século XX é, ao contrário, revolução bem diferente, porque levou à liquidação total, completa, absoluta de toda exploração do homem pelo homem.

Esta é a significação maior da revolução socialista, de grande importância para o proletariado e para todos aqueles que desejam, de fato, uma sociedade diferente da em que estamos vivendo, isto é, em que impera a exploração do homem pelo homem.

Já os grandes socialistas franceses Saint-Simon e Fourier, no século XIX, se deixaram levar pela ilusão — principalmente Saint-Simon — de que a Revolução Francesa traria uma sociedade nova, que seria de justiça social. Infelizmente, a Revolução Francesa trouxe o capitalismo com todos os seus males. Isto não quer dizer que desconhecemos os seus lados positivos.

O capitalismo, no século XVIII e princípios do século XIX, incontestavelmente, foi a grande arma que permitiu o progresso da humanidade, mas por meio ainda da exploração do homem pelo homem, da sociedade dividida em classes, isto é, da grande maioria que trabalha e tudo produz para a minoria, senhora dos meios de produção e que vive à custa dessa maioria.

A revolução proletária do século XX, como disse, ao contrário das outras, extinguiu a exploração do homem pelo homem, e a sociedade dividida em classes, substituindo-a por outra em que só existe de fato uma classe que reúne em suas mãos todos os meios de produção.

A revolução de outubro de 1917 deu o primeiro passo na liquidação completa de todas as classes para que ninguém pudesse viver da exploração do trabalho alheio. Além disso, criou a sociedade socialista em que hoje já vive boa parte da humanidade.

Eis por que se voltam para a União Soviética todos os que se sentem oprimidos na sociedade atual, todos os que sentem a exploração capitalista, todos os que desejam uma humanidade realmente livre da opressão e da exploração.

Sr. Presidente, para os povos coloniais e semicoloniais, além deste significado mais amplo, tem a revolução proletária de 1917 uma das maiores importâncias políticas.

Na Rússia tzarista viviam povos escravizados pelas classes dominantes.

Com a revolução proletária, esses povos conseguiram sua independência nacional e puderam desenvolver sua cultura, usar seus idiomas proibidos e praticar suas religiões perseguidas, porque, como o Senado sabe, a religião do estado tzarista era a religião ortodoxa.

Ao contrário do que afirmam os maníacos caluniadores do comunismo, foi justamente a revolução de 7 de novembro que trouxe para os povos da grande Rússia liberdade de consciência.

Os católicos da Polônia, assim como os maometanos e os judeus, ficaram livres da opressão e cada qual pôde praticar sua religião.

Enfim, Sr. Presidente, todos os que desejam o progresso da humanidade, todos os que sentem que vivemos numa época pré-histórica da humanidade — porque a época em que vivemos de exploração do homem pelo homem não deixa de estar aquém da história — sabem que, como no dizer de Engels, com a revolução de outubro demos considerável passo à frente, iniciando uma época nova, um mundo novo para a humanidade inteira.

Sr. Presidente, vamos encontrar justamente os exemplos de emulação socialista, de real liberdade da pessoa humana, nesta sociedade nova, livre da exploração do homem pelo homem. É claro, compreensível, que nós, que vivemos no mundo capitalista, tenhamos, de início, dificuldade para entender como seja possível o progresso, o trabalho, sem o incentivo do lucro, como tantos dizem.

No entanto, é na sociedade socialista, precisamente onde não existe o incentivo imediato do lucro, que se fazem sentir os maiores exemplos de atividade no trabalho, desejo de progresso e luta pelo desenvolvimento econômico da pátria.

Aliás, ainda agora, em plena campanha que nosso partido teve ocasião de fazer, na busca de recursos indispensáveis à criação em nossa terra de uma imprensa livre, sentimos o quanto a emulação socialista, a luta por um ideal é capaz de mobilizar grandes massas. Operários, camponeses, as pessoas mais pobres deram as mais comovedoras demonstrações de compreensão pela existência de uma imprensa realmente popular, e desfizeram-se muitas vezes, para conseguir tal objetivo, de recursos indispensáveis à sua subsistência.

Trouxe, Sr. Presidente, este exemplo prático para exibi-lo aos olhos do nosso povo. É compreensível e visível assim para todos os brasileiros o valor da emulação socialista na grande pátria do proletariado.

Analisando as circunstâncias imediatas da revolução russa, acompanhando a evolução do progresso social, devemos, preliminarmente, assinalar a divisão dos grandes latifúndios da aristocracia russa, que, pelos primeiros decretos assinados por Lenine, em 1917, eram distribuídos pelo povo.

Abriram-se, assim, perspectivas econômicas para o progresso efetivo do país, dando margem à libertação completa dos povos oprimidos e à prática da verdadeira democracia.

A nação soviética, em seguida, foi atacada pela reação mundial, pelos traidores nacionais, que tudo fizeram para derrubar o comunismo e conseguir a volta a uma sociedade reacionária, com a elevação novamente ao poder de uma classe que demonstrara incapacidade para resolver os problemas mais urgentes do povo russo.

Foi a necessidade da defesa do Estado soviético, do novo estado que surgia com a Revolução Socialista, que determinou, sem dúvida, um governo de força. O comunismo, ao ser inaugurado, na União Soviética, com o primeiro passo da revolução de 1917, foi de tal maneira atacado por seus adversários e agentes dos inimigos exteriores que, para se defender, teve, sem dúvida, de criar um governo forte, acusado, até hoje, de ser a "mais violenta ditadura". Como, porém, defender uma pátria atacada por 14 nações, como o foi a grande pátria socialista no início, justamente, de uma nova era, quando o povo se libertava de uma opressão secular — sem um governo capaz, realmente, de mobilizar todas as forças da nação e conseguir os recursos indispensáveis para proteger a novel sociedade?

Imediatamente após a vitória sobre os adversários, o grande dirigente da nação soviética, o intérprete máximo do marxismo, o grande cientista continuador da obra teórica de Marx e de Engels — refiro-me ao grande tático da revolução que foi Lenine —, soube compreender imediatamente a necessidade de uma nova política econômica (NEP), abrindo perspectiva para o livre desenvolvimento da economia nacional.

A economia russa sofrerá terrivelmente com a guerra imperialista e com o ataque de quatorze nações ao jovem Estado soviético, baixando consideravelmente do nível apresentado em 1913 e 1914. Com a nova política econômica foi possível desenvolver a economia nacional e chegar ao ano de 1929, já sob a hegemonia e direção do proletariado, marchando para a liquidação definitiva das classes, para o fim da exploração do homem pelo homem. Foi assim que os povos unidos sob o governo soviético chegaram ao ano fatídico de 1929, fatídico para todos os povos, porque o capitalismo que já conseguira sair da grande crise de 1914-1918 e da depressão conseqüente, alcançando um surto relativo, entrara novamente em crise, que, aliás, abalou todo o mundo. Essa crise geral do capitalismo, que teve início em 1929, ainda hoje faz sentir suas conseqüências no mundo inteiro, particularmente em nossa terra.

Foi nessa época, Sr. Presidente, que a sociedade socialista, com o governo entregue realmente ao proletariado, soube prever e compreender o desdobrar dos acontecimentos, para levar os povos soviéticos a um esforço gigantesco pela industrialização do país, a fim de evitar mal maior, que seria a brutalidade da dominação da pátria pela relação imperialista no que tinha de mais cruel, manifestada, poucos anos depois, na Alemanha nazista.

Em 1929, a União Soviética lançava-se à construção dos planos qüinqüenais de industrialização do país. Sem dúvida, Sr. Presidente, o processo de industrialização da Rússia não foi fácil. Foram anos rudes e difíceis aqueles para o povo soviético. Mas Stalin sabia que contava com a confiança de seus concidadãos, para dizer-lhes, como o fez em 1928, que, se dentro de 10 anos não possuísse o país uma indústria à altura das melhores e maiores do mundo, seria esmagado pela reação imperialista.

Stalin parecia adivinhar, Sr. Presidente, o ataque nazista de 1941.

Sem dúvida, a construção do socialismo foi rude. Dela tive a sorte de participar, de alguma forma, e pude, então, acompanhar de perto e conhecer a luta e o sofrimento — mas sofrimento consciente e patriota — do povo russo, que sabia estar forjando armas para defender a pátria e evitar o grande mal, que seria o retrocesso, o predomínio da reação, a colonização completa do país.

Foi por meio da realização dos planos qüinqüenais que a União Soviética passou rapidamente de um dos países mais atrasados da Europa ao grande país socialista, armado e em condições de prestar ao mundo o grande serviço que prestou, na luta contra o nazismo.

Lamento, Sr. Presidente, que o Senado tenha de ouvir por tanto tempo minhas palavras, mas o assunto é tão interessante, por demais importante para o nosso povo e, em particular, para o proletariado, que me permito ler algumas palavras de Lenine a respeito do que era a Rússia tzarista de 1913, para que assim se possa verificar o que foi o avanço, e as conseqüências dessa nova sociedade, que conseguiu liquidar a exploração do homem pelo homem, de modo a transformar essa Rússia miserável, derrotada pelo Japão de 1904, naquela época bem diferente do Japão de 1939 e 1941, que teve a audácia de atacar os Estados Unidos, essa Rússia que fora derrotada pelos exércitos do kaiser na guerra de 1918, essa Rússia governada por uma classe decadente que explorava o povo, que era incapaz de resolver seus problemas mais imediatos, na grande nação dos dias de hoje.

Sr. Presidente, lendo as palavras de Lenine daquela época, dos anos de 1913 e 1914, devemos meditar sobre a nossa própria situação, sobre o quanto são próximas as realidades do Brasil de hoje com a Rússia de 1913 e 1914.

Aproveito algumas páginas do relatório de Molotov do 18º Congresso do Partido Comunista da URSS, lidas em 14 de março de 1939, antes da guerra.

Dizia ele:

"Recordai o que já escrevia Lenine, em 1913, em artigo publicado no Pravda de então, intitulado: 'Como aumentar o volume de consumo por habitante na Rússia'. Fustigando os plumitivos mercenários da imprensa burguesa, dizia Lenine:

A Rússia continua sendo um país incrivelmente, inauditamente atrasado, miserável e semi-selvagem, dispondo quanto a meios modernos de produção quatro vezes menos que a Inglaterra, cinco vezes menos que a Alemanha, dez vezes menos que a América do Norte."

Assinalando esse fato, Lenine fulminava os capitalistas e senhores de terra que se encontravam no poder, na Rússia, porque "com sua opressão condenam cinco sextas partes da população à miséria, e todo o país ao estancamento e à decomposição".

Lenine retornou repetidamente a essa questão. Naquele mesmo ano de 1913, em artigo intitulado "O ferro no lar camponês", comparava a Rússia daquela época com a Hungria. Citava fatos comprobatórios sobre a economia da Hungria, onde também se encontravam no poder, da mesma maneira que na Rússia, os senhores de terras, reacionários. Lenine estabeleceu então o seguinte: entre 2,8 milhões de explorações camponeses da Hungria, são de 2,5 milhões os em que "predominam, indiscutivelmente, os arados de madeira, os rastilhos com dentes de madeira, e, na quase metade das explorações, os carros com eixo de madeira".

São os nossos carros de boi. (Continuando a ler):

"Lenine acrescentava:

'A miséria, o caráter primitivo e o abandono da enorme maioria de nossas explorações camponesas são incomparavelmente maiores ainda que na Hungria'.

E assim era em realidade.

A que nível se encontrava então a indústria na Rússia?

A média da produção de energia elétrica era, por habitante, em 1913, 17 vezes menor do que nos Estados Unidos da América e cinco vezes menor do que na Alemanha.

A fundição de ferro, por habitante, era, em 1913, 11 vezes menos do que nos Estados Unidos da América, oito vezes menor do que na Inglaterra, oito vezes menor do que na França.

A fundição de aço, por habitante, era, em 1913, 11 vezes menor do que nos Estados Unidos da América, oito vezes menor do que na Alemanha, seis vezes menor do que na Inglaterra e quatro vezes menor do que na França.

A extração do carvão de pedra e linhito (calculado em carvão de pedra), por habitante, era, em 1913, em nosso País, 26 vezes menor do que na América do Norte, 31 vezes menor do que na Inglaterra, 15 vezes menor do que na Alemanha e 5 vezes menor do que na França.

Este era o baixo nível em que se encontrava a Rússia antes da revolução. Os senhores da terra e capitalistas no poder mantinham encadeadas, valendo-se do czarismo, as poderosas forças de nosso povo, sem permitir-lhe campo de ação.

Merece atenção especial o fato de que a Rússia, então, não só não alcançava os países capitalistas mais desenvolvidos, como pelo contrário se atrasava cada vez mais quanto à uma série de ramos industriais mais importantes.

Eis aqui algumas cifras sobre a fundição de ferro durante 1900 e 1913.

Em 1900, a média da fundição de ferro, por habitantes, na Rússia czarista, foi oito vezes inferior à dos Estados Unidos da América, e, em 1913, já 11 vezes. Em comparação com a Alemanha, a fundição de ferro na Rússia, em 1900, era seis vezes inferior, aproximadamente, e, em 1913, já oito vezes. Em comparação com a França, em 1900, era inferior em três vezes, e, em 1913, já inferior em quatro vezes."

Cito estes números, Sr. Presidente, porque é o que se passa em nossa pátria e podemos chamar — e já tenho insistido — de atraso progressivo. Em vez de avançar, nossa economia fica cada vez mais para trás em comparação com a daqueles povos que avançam e progridem.

(Continuando a leitura):

"O mesmo sucedia em relação ao aço.

Compreende-se porque Lenine falou então, com alarme e indignação, no primeiro dos artigos acima mencionados do 'atraso progressivo da Rússia', de que 'nos atrasamos cada vez mais'.

Eis aqui porque, já em vésperas da Revolução de Outubro, quando a Rússia ficou completamente arruinada pela guerra imperialista, no artigo 'A catástrofe que nos ameaça e como combatê-la', Lenine apresentou o problema em toda a sua magnitude.

A guerra provocou uma crise tão enorme, pôs em tal tensão as forças materiais e morais do povo, assestou golpes tão sérios a toda a organização social contemporânea, que a humanidade se encontra ante a alternativa de perecer ou entregar seus destinos em mãos da classe mais revolucionária, para passar mais rápida e radicalmente a um método de produção superior.

Em virtude de uma série de razões históricas, um maior atraso da Rússia, as dificuldades peculiares da guerra para ela, a extrema putrefação do tzarismo, a grande vitalidade das tradições do ano de 1905, a Revolução estalou na Rússia, antes que era outros países. A revolução fez com que, em poucos meses, a Rússia alcançasse, por seu regime político, os países avançados.

Mas, isto é pouco. A guerra é inexorável e coloca o problema com implacável agudeza: 'perecer ou alcançar e sobre-passar os países avançados também no sentido econômico.'

Lenine apresentou o problema de forma decisiva:

'parecer ou alcançar e ultrapassar os países avançados também no sentido econômico.''

Como vedes, o problema apresentado pelos bolcheviques não era pequeno, nem fácil, mas os bolcheviques não se deixaram dominar pelas dificuldades. Uma vez no poder, o Partido bolchevique empenhou-se na solução desse problema com o maior entusiasmo. Até agora já se fez não pouco. Em lugar do atraso ignominioso com relação aos demais países, que tínhamos antes da Revolução, a União Soviética eleva com êxito, ano após ano, o nível do incremento de sua indústria ao nível dos países capitalistas mais desenvolvidos. A Revolução bolchevique salvou a Rússia de seu vergonhoso atraso frente a outros países. Elevou nossa indústria a um alto nível. Mas o problema ainda não está resolvido. Devemos reconhecer que também agora continuamos atrás, no sentido econômico, mas não queremos, nem vamos conformar-nos com isso."

Quer dizer, Sr. Presidente, que a vontade de realmente vencer, a firme vontade de alcançar a indústria básica para a defesa da pátria socialista, foi o grande estímulo, a grande força que levou os povos soviéticos a sacrifícios de toda a ordem na construção dos planos qüinqüenais.

A verdade é que em treze anos — quatro anos do primeiro plano qüinqüenal, cinco anos do segundo e quatro anos do terceiro — a Rússia, de 1929 a 1941, conseguiu tornar-se uma das maiores potências industriais do mundo com a força de que dispunha, conseguindo, realmente, ser a força principal no esmagamento da besta-fera nazista e na vitória dos povos amantes da paz e da democracia no mundo inteiro.

Nesse sentido, desejo simplesmente ler algumas palavras de Stalin no seu discurso aos eleitores, em fevereiro deste ano, no qual mostra o que foi esse progresso:

"De que possibilidades materiais dispunha nosso País nas vésperas da segunda guerra mundial?

Para ajudar a responder a esta perguntar terei de trazer aqui um breve informe sobre as atividades do Partido Comunista na esfera da preparação de nosso País para a defesa ativa.

Se tomarmos os dados de 1940 — véspera da segunda guerra mundial — e os compararmos com os relativos a 1913 — véspera da primeira guerra mundial — teremos obtido o seguinte quadro: No decurso de 1913, em nosso País, foram produzidas 4.220.000 toneladas de ferro e 4.230.000 toneladas de aço; extraídas 29.000.000 de toneladas de carvão e 9.000.000 de toneladas de petróleo; foram colhidas 21.200.000 toneladas de cereais e 740.000 toneladas de algodão bruto. Estas as possibilidades materiais de nosso País ao entrar na primeira guerra mundial. Esta a base econômica da velha Rússia, que podia ser utilizada para sustentar a guerra.

No que se refere a 1940, produziram-se em nosso País 15 milhões de toneladas de ferro, isto é, quase quatro vezes mais que em 1913; 18.300.000 toneladas de aço, ou seja, quatro vezes e meia mais que em 1913; extraíram-se 166 milhões de toneladas de carvão, ou seja, cinco vezes e meia mais que em 1913; 31.000.000 de toneladas de petróleo, ou seja, 3 vezes e meia mais que em 1913; foram colhidas 38.300.000 toneladas de cereais, ou seja, dezessete milhões de toneladas mais que em 1913; e 2.700.000 de algodão bruto, isto é, três vezes e meia mais que em 1913.

Estas as possibilidades materiais do nosso País ao entrar na Segunda Guerra Mundial. Esta é a base econômica da União Soviética que podia ser utilizada para sustentar a guerra.

Como se vê, a diferença é colossal. Tal crescimento sem precedentes da produção não pode ser considerado como um crescimento simples e comum do País, do atraso ao progresso. Trata-se de um salto com a ajuda do qual nossa pátria se transformou de país atrasado em país avançado, de país agrário em país industrial. Esta transformação histórica foi realizada no decurso de três planos qüinqüenais iniciados em 1928, a partir do primeiro ano de aplicação do primeiro plano qüinqüenal. Até aquela data, tivemos que nos ocupar da restauração da indústria destruída e cuidar das feridas causadas pela primeira guerra mundial e pela guerra civil."

A verdade é, Senhores, que a União Soviética é hoje o maior esteio mundial na luta pela paz.

A reconstrução na Rússia faz-se rapidamente pela reconversão industrial. Ao contrário do que se passa nos países capitalistas, ela é ali feita sem maiores sofrimentos para o povo. Inversamente ao que acontece em outros países, a União Soviética, por sua nova forma social de produção, realiza a reconversão e sem baixa do nível da produção, coisa que se não dá nem mesmo nos Estados Unidos, onde o número dos sem trabalho, nos dias que correm é, segundo documentos oficiais, de mais de três milhões e onde a produção industrial baixou consideravelmente, indo a níveis muito inferiores àqueles de durante a guerra.

E ocorre então que, aquela parte mais reacionária do capital financeiro, frente à crise, impotente para resolver seus problemas, busca-lhes a solução em novas guerras, nas lutas pela opressão, cada vez maior, de todas as nações e pela exploração crescente dos povos mais atrasados.

A União Soviética, justamente pela sua forma socialista de vida, não necessita de mercados para sua produção, e ainda menos de uma saída guerreira para operar a reconversão, que se faz, aliás, pacificamente, e com a garantia de nível de vida crescente para a grande massa de sua população, como já disse.

A União Soviética, ao contrário daqueles países mais reacionários e imperialistas que procuram predominar sobre as outras nações, como é o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, constitui por uma razão objetiva — não por sentimentalismo — o esteio máximo da paz. Ela luta pela paz, deseja a paz, quer a paz, porque a paz é o progresso do país, e é realmente a cura indispensável a todas aquelas terríveis feridas deixadas pela guerra, onde dezesseis milhões de seres humanos foram sacrificados na luta contra o nazismo. A União Soviética sofreu o que nenhum povo sofreu, nem mesmo o povo inglês, ou o dos Estados Unidos na luta contra o nazismo.

O que a União Soviética deseja, portanto, é paz para desenvolvimento da sociedade socialista, ao contrário dos elementos reacionários do capital financeiro, que se mostraram impotentes para resolver o problema interno, incapazes de fazerem a reconversão industrial, sem o sacrifício ainda maior das massas trabalhadoras, isto é, daqueles que se imolaram durante a guerra, dos que foram soldados e ao voltarem para a pátria não encontraram nem trabalho nem pão para comer. Por isso, esses senhores querem a guerra, porque só na guerra vêem a resolução de seus problemas.

A União Soviética luta energicamente pela paz, pela harmonia de todos os povos, pela democracia do mundo inteiro, pelo progresso social, e por uma sociedade nova, em que o indivíduo esteja livre da exploração do homem pelo homem.

Sr. Presidente, é por isso que vemos a grande importância que têm para nosso povo, para o progresso de nossa pátria, as relações diplomáticas, comerciais e culturais, com o grande povo soviético.

Em abril do ano passado, o Governo de então restabeleceu, ou melhor, estabeleceu, relações com a União Soviética. Foi, sem dúvida, ato de grande importância histórica. Posteriormente, essas relações foram levadas realmente à prática, foram trocados embaixadores; mas, infelizmente, as relações entre o Brasil e a União Soviética, até os dias de hoje, são dificultadas. O Brasil é país onde o embaixador de uma nação amiga, onde um povo com o qual temos relações diplomáticas é insultado (embaixadores e nação) pelos jornais do Governo, conforme se vê freqüentemente em artigos da A Noite, da A Manhã e outros. O rádio do Governo, até há poucas semanas atrás, sob a direção do Senhor Fontenelle, fazia campanha sistemática contra a União Soviética, contra o embaixador soviético na nossa pátria. Entretanto, Sr. Presidente, para um patriota que não quer senão o progresso da sua pátria, basta uma análise perfunctória das relações com a grande nação soviética para compreender a importância delas.

Sr. Ivo d'Aquino - V. Exa. permite um aparte?

SR. CARLOS PRESTES - Com todo o prazer.

Sr. Ivo d'Aquino V. Exa. declarou agora que as embaixadas das nações estrangeiras e os embaixadores devem ser respeitados, nas nações onde são sediadas.

SR. CARLOS PRESTES - Pelo Governo.

Sr. Ivo d'Aquino — V. Exa. falou no Governo e em todos os órgãos que pertencem ao Governo.

SR. CARLOS PRESTES - Pelo menos por princípio.

Sr. Ivo d'Aquino — Quero que fique bem acentuada a opinião de V. Exa. porque essa opinião não se deve referir apenas a determinado Embaixador ou Embaixada e sim a todas as que aqui são acreditadas ou sediadas.

SR. CARLOS PRESTES - Referi-me aos jornais e ao rádio do Governo porque vivemos numa democracia e julgo que um jornal como, por exemplo, o Brasil Portugal, qualquer que seja a crítica de sua parte, ela é inócua.

Sr. Ivo d'Aquino — Concordo com a opinião de V. Exa. Por isso mesmo, quero acentuar que todos os representantes das nações estrangeiras no Brasil têm que ser respeitados pelos órgãos da opinião pública.

SR. CARLOS PRESTES - O que diz um jornal como Brasil "Portugal não tem importância, nem significação alguma. Os insultos de sua parte são, às vezes, os melhores elogios. Eu mesmo já tive a honra de ser insultado por esse jornal e agradeci, porque deles não desejo elogios. Acho estranho, isto sim, que um governo, que tem relações diplomáticas com determinado país, admita que seus jornais, que são jornais do governo, veiculem insultos a ele dirigidos. Graças à democracia de que hoje desfrutamos em nossa pátria, essas atividade que até há uma semana era exercita contra a União Soviética foi eliminada ultimamente. O governo tem impedido, realmente, que se continue a prática do Sr. Fontenelle, o qual foi afastado da direção do rádio pelas brutalidades que cometeu, por meio das nossas estações radiofônicas. Felizmente, já ali não está, pois não podíamos compreender que o deixassem num cargo desses. É caso de nos congratularmos com o governo, por medida tão sábia quanto esta. Mas, além do governo, existem forças que procuram dificultar a tarefa de aproximação das duas nações. Ora, basta-nos analisar e compreender o mapa mundial para verificar que dois países tão distintos, de produções tão diferentes, podem se completar. O nosso café, por exemplo, poderia ser consumido na sua quase totalidade pela União Soviética, pois é um povo que cresce, de contínuo e consideravelmente. Mas não só o nosso café, como os nossos óleos vegetais, que são uma grande riqueza da nossa economia; as compras de maquinaria agrícola em condições mais vantajosas do que as que fazemos em certos países imperialistas, onde nos pedem preços cada vez mais altos, em desproporção flagrante com o que pagam pela nossa própria produção.

Chamo a atenção para estes fatos a fim de mostrar como qualquer brasileiro pode estimular as nossas relações com a União Soviética. Muitos dos nossos produtos são comprados por meio de outros países, tais como o café, que ela adquire nos Estados Unidos, que o recebe de nosso País.

Os couros, por exemplo, são adquiridos por meio do Uruguai, porque é esse país que mantém relações comerciais com a União Soviética, ao passo que, no Brasil, ainda não existem essas relações. Mas, além disso, é evidente a importância das relações culturais com todos aqueles que desejam o progresso da humanidade e a livre discussão de todos os problemas, aqueles que não temem a verdade e querem conhecer a realidade.

Nada melhor do que estabelecer, aproximar, estimular essas relações culturais, para que tenhamos a verdade a respeito do que se passa na União Soviética, e sabermos qual a resultante dessa grandiosa experiência que está realizando o povo soviético, na construção de uma sociedade nova, livre, sem dúvida, da exploração do homem pelo homem. São de importância máxima essas relações culturais; no entanto, ainda são dificultadas pelos que temem fantasmas, pelos que, receando a verdade, preferem as mentiras, as calúnias, as infâmias de um sistema de propaganda organizado contra a União Soviética, contra o proletariado mundial, por aqueles que querem defender o status quo da exploração crescente do homem pelo homem, contra uma sociedade nova, em que essa exploração esteja realmente eliminada, e tenha, de fato, desaparecido.

E a resistência é criada pelos elementos mais reacionários do imperialismo, com as barreiras opostas por aqueles que não compreendem a importância das relações comerciais, culturais e diplomáticas entre o Brasil e a Rússia, e que vêm assim dificultando um intercâmbio que, no entanto, seria de importância notável.

Todos nós, que conhecemos algo dessa grande experiência e que desejamos o progresso do Brasil, devemos procurar o caminho mais fácil e menos doloroso para essa evolução social. O mundo avança. Já vivemos na escravidão, já estivemos sujeitos ao feudalismo, hoje vivemos no capitalismo. Mas, a transição do capitalismo para o socialismo é inevitável. Essa marcha inexorável não depende de Marx nem de Engels, não depende dos comunistas nem da vontade de cada um de seus elementos. A marcha para o socialismo é uma fatalidade histórica; mas, nela, podemos encontrar o caminho menos penoso, ou o mais suave, o qual poderá ser por nós conhecido, por meio de documentos da grande experiência dos povos soviéticos, daqueles que já conseguiram, realmente, tornar livre o proletariado e que permitiram criar a primeira sociedade sem classes, no mundo atual.

Eram estas, Sr. Presidente, as palavras que me senti no dever de pronunciar no dia de hoje, primeira grande data de 7 de novembro, depois de minha eleição para esta Casa. Era uma satisfação, que me achei na obrigação de dar ao meu eleitorado, ao proletariado brasileiro, a todos aqueles que, em nossa pátria, tem grande, sincera, profunda admiração pela União Soviética e pelo seu grande povo, que, na última guerra, nos ajudou, realmente, a libertar a humanidade do nazismo, do mais brutal sistema de exploração e opressão dos povos, havido até hoje no mundo.

Estou certo de que o Senado há de perdoar a extensão deste discurso bem como as longas citações que me acreditei no dever de fazer e, em sua sabedoria, procurará traduzir os sentimentos dos brasileiros, congratulando-se com os povos soviéticos e o seu governo, pela passagem da grande data de hoje, que, sendo uma efeméride mundial, representa, sem dúvida, a data nacional máxima da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.


Notas:

[N1] Discurso pronunciado na 33a Sessão do Senado Federal. (Não foi revisto pelo orador.) (retornar ao texto)

Inclusão 28/10/2007