Princípios da Filosofia Marxista

Agar Peñaranda


Primeira Edição: Obras de Agar Peñaranda, La Paz, Setembro de 1988, Editorial Brigada Revolucionaria de Mujeres.

Fonte: Obras de Agar Peñaranda

Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez, Dezembro de 2020.

HTML: Fernando Araújo.

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I. A FILOSOFIA

CONCEITO DE FILOSOFIA.- DISCIPLINAS FILOSÓFICAS.- PROBLEMAS DA FILOSOFIA.- DIREÇÕES FUNDAMENTAIS.
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A FILOSOFIA.- CONCEITO.- Para compreender o marxismo é necessário conhecer as suas bases filosóficas, visto que o marxismo é uma doutrina, harmoniosamente constituída, por três partes: filosofia, economia política e doutrina social.

A filosofia marxista, ou seja, a teoria geral que serve de fundamento ao marxismo é chamada de materialismo dialético, que aplicada à interpretação da história e da sociedade leva o nome de materialismo histórico.

Sendo o marxismo um sistema filosófico, é uma concepção do mundo e da vida, a concepção do mundo da classe trabalhadora, na qual fundamenta a sua acção revolucionária.

Para situar a filosofia marxista dentro da especulação filosófica geral, começaremos dando uma noção do que é entendido por filosofia. Desde os tempos antigos, o termo filosofia no seu sentido de "amor à sabedoria" já foi usado polos pitagóricos. Este conceito, muito vago para nós, adequava-se à filosofia da época que continha todo o conhecimento humano. Se buscarmos uma definição específica de filosofia, encontramos uma diferente em cada sistema filosófico, pois, na verdade, todo sistema filosófico é uma resposta a uma pergunta e essa resposta depende do conjunto de perspectivas que o filósofo leva em conta e que orienta a sua posição teórica. Por outro lado, a filosofia não é algo definitivamente acabado, algo feito para sempre, mas algo que devém e se forma no decorrer da sua própria história. A filosofia nada mais é do que aquilo que devém. Mas em todas as concepções filosóficas, encontramos características essenciais comuns que as identificam como pensamento filosófico. Estas características essenciais são: 1.- Um caráter de conhecimento universal total e 2.- Um caráter racional cognitivo. A filosofia tem um caráter de universalidade porque, ao contrário das ciências particulares, que consideram apenas parcelas definidas da realidade como o seu próprio objecto de estudo (exemplo: a quantidade de estudos matemáticos, a biologia os fenómenos da vida, a sociologia as formas de associação humana, etc.), a filosofia é orientada para a universalidade, para a totalidade das cousas, para uma interpretação geral do universo. A filosofia tem um caráter racional porque é uma atitude intelectual, voltada para o conhecimento teórico.

Além disso, a filosofia, no decorrer da sua história, inclinou-se às vezes preferencialmente à reflexão sobre a consciência e os seus valores (Sócrates, os estóicos, etc.) ou, antes, no exterior a ela, o mundo objectivo (Aristóteles, Descartes, etc.) ou seja, às vezes tem preferências por ser uma concepção do espírito ou por ser uma concepção do universo.

Com esses dados podemos obter uma ideia, uma representação geral do que é filosofia: podemos dizer que é uma disciplina racional, universal, é uma concepção do eu e uma concepção do universo. É, então, saber sobre as cousas, concepção de mundo e de vida e também modo de vida.

As religiões também são concepções de mundo, mas a religião, ao contrário da filosofia, que é o conhecimento racional, baseia-se apenas no sentimento, na fé. As religiões não buscam a libertação do homem pelo conhecimento da natureza, mas sua conformidade com o que é dado. Elas colocam a esperança humana além da vida terrena e adormecem a rebelião contra a justiça estabelecida. Está, portanto, a serviço do privilégio e da opressão, que nela encontram o seu melhor aliado.

DISCIPLINAS FILOSÓFICAS.- Segundo Hessen, os principais problemas filosóficos emergem das características essenciais da filosofia e, consequentemente, das diferentes disciplinas filosóficas. A filosofia como reflexo do espírito sobre si mesmo, dá origem a dous ramos, dependendo de como a reflexão se refere ao seu comportamento teórico, caso em que temos a Teoria da Ciência (dividida em Lógica e Teoria do Conhecimento) ou o seu comportamento prático, em cujo caso dá origem à Teoria dos Valores (axiologia).

A reflexão sobre o universo dá origem a uma teoria da concepção do universo

PROBLEMAS FILOSÓFICOS.- Os problemas que correspondem a cada uma das disciplinas são: o problema gnoseológico, cuja solução é o objeto da Teoria da Ciência; o problema axiológico ou dos valores, objeto da Axiologia, e o problema metafísico, que se refere à concepção do Universo.

ORIENTAÇÕES FILOSÓFICAS FUNDAMENTAIS.- Na história da filosofia se opuseram duas concepções filosóficas antagónicas que respondem ao problema das relações entre o espírito e a matéria, entre o ser e o pensar. O problema é colocado da seguinte forma: Qual é o principal? Espírito ou matéria? Natureza ou consciência? a origem das cousas é espiritual, ideal ou material? A resposta a esta pergunta determina a posição filosófica e a visão geral do mundo e da vida. Se respondermos ao problema das relações entre ser e pensar, entre existência e consciência, reconhecendo a primazia do primeiro de ambos os termos, o ser, a posição é denominada MATERIALISTA; se ao segundo termo é dada primazia no pensamento, a posição é chamada IDEALISTA. Quanto à posição idealista, é possível distinguir o idealismo filosófico, que já sabemos que explica o universo pola primazia dos princípios ideais, o idealismo gnoseológico pode ser diferenciado do idealismo metafísico. O idealismo gnoseológico consiste em afirmar a prioridade do sujeito sobre o objecto no processo de conhecimento; o idealismo metafísico torna o sujeito o próprio absoluto.

Os idealistas consideram que o espírito é anterior à natureza e é independente dela. Duma forma ou doutra, como a religião, admitem a criação do mundo, negam a perenidade da matéria e afirmam que a natureza tem origem no tempo. Consequentemente, negam a existência objectiva da natureza e as suas leis.

Os materialistas, ao contrário, explicam o mundo polo próprio mundo, sem recorrer a forças sobrenaturais externas a ele. Ao reconhecer a existência objectiva da natureza, independente da consciência dos homens, assumem uma postura realista e, consequentemente, afirmam a validade das leis a que estão sujeitos todos os fenômenos e processos naturais e sociais.

O materialismo é monista(1), pois reconhece um princípio material; o idealismo é dualista(2) se reconhece a existência de dous princípios, um material e o outro ideal, ou também pode reconhecer a existência única dum princípio espiritual, seja uma ideia, espírito ou Deus.

Enquanto o materialismo é a expressão teórica das forças progressistas e avançadas da sociedade e, portanto, buscam o desenvolvimento social e científico, o idealismo é a ideologia das classes interessadas em manter a ordem social vigente.

Enquanto o materialismo consistente é ateísta, a concepção idealista apóia duma forma ou doutra a religião que é, como sabemos, um instrumento regressivo de escravização das massas. Por outro lado, mesmo quando pretende sinceramente remediar os males sociais, buscará a causa e o remédio em idéias ou princípios puramente espirituais e morais e não no regime económico e na estrutura de classes da sociedade. O materialismo, alheio à religião, baseia-se e confia na ciência e, conhecendo as leis sociais, actua com base na estrutura da sociedade.

O IDEALISMO DE HOJE.- O idealismo filosófico contemporâneo encontra a sua expressão mais pronunciada nas tendências "irracionalistas" que representam o que há de mais notável no pensamento burguês. Nascido na Alemanha, o irracionalismo reflecte na sua evolução a trajectória da sociedade burguesa e as luitas de classes que nela se desenvolvem, desde a sua ascensão e culminação até o seu atual estágio de expiração. Preparou-se ideologicamente para o fascismo, é a expressão teórica da crise de decomposição sofrida polo sistema capitalista e como tal se opõe abertamente ao materialismo e ao método diálectico. Declarou a derrota da razão e nega a validade das leis e das conclusões da ciência.

II. MATERIALISMO

O MATERIALISMO, CONCEITO.- A MATÉRIA.- FORMAS DA MATÉRIA.- O MOVIMENTO E AS SUAS FORMAS.- ESPAÇO E TEMPO.

MATERIALISMO, CONCEITO.- A definição de materialismo depende da concepção que se tem da matéria; conseqüentemente, varia de acordo com ela.

Materialismo é geralmente entendido como a concepção que apenas reconhece a existência de matéria, corpos ou objetos determinados polo espaço e polo tempo. O materialismo, dum modo geral, rejeita tanto o dualismo que admite matéria e espírito como princípios, quanto o monismo espiritualista que reduz tudo ao princípio espiritual.

Para o monismo espiritualista, a existência absoluta é o espiritual e o material, o corpo extenso é uma realidade subordinada, não só do ponto de vista da existência do ser, mas também do ponto de vista do valor. Para o monismo materialista, por outro lado, a existência absoluta é a matéria ─ entendida com as suas propriedades como matéria, energía ─ e a realidade subordinada é espírito.

O facto dum valor ou julgamento moral estar implícito na concepção da primazia da matéria torna o materialismo uma concepção do mundo e não apenas uma posição filosófica. É uma atitude perante a vida. Em geral, podem ser afirmados como princípios essenciais da concepção materialista:

  1. - Tudo o que existe e acontece no mundo não é o resultado de poderes sobrenaturais, mas se explica como o resultado da composição das forças naturais.
  2. - Todo estado ou fenômeno é a consequência exacta da distribuição e conjunção dos factores imediatamente precedentes. Além disso, nenhuma nova força ou factor surge ou surgiu no universo. Este princípio é a expressão exacta do materialismo mecanicista ou determinista; baseia-se na aplicação rigorosa do princípio da causalidade.
  3. - Tudo quando existe no universo é da mesma natureza que a matéria.
  4. -Tudo o que acontece no universo está sujeito a leis.

A MATÉRIA.- Dissemos que o conceito de materialismo varia de acordo com o conceito de matéria. Os avanços da filosofia e das ciências naturais vêm modificando esse conceito. Hoje a matéria não é a substância inerte homogénea, indivisível, imutável como era definida na antiguidade; as descobertas da física moderna destruíram essa imagem de tal forma que a energia manteve a sua propriedade característica. Daí surgiram novos argumentos idealistas, segundo os quais o átomo está longe de possuir as propriedades clássicas da matéria, isto é, que a matéria se desmaterializa, se aniquila e que, por outro lado, a energia tem características espirituais em vez de materiais. Além disso, os físicos idealistas expressam que a aplicação das partículas atómicas é muito diferente do que poderia ser uma explicação em termos materiais, é bastante reduzida a símbolos e fórmulas, de forma que a mente seria a arquitecta do mundo material. Mas, ao contrário, a ciência moderna confirma as teses materialistas, uma vez que as partículas do átomo são materiais, têm uma realidade objectiva e passam por processos de transformação. Portanto, a energia não existe independentemente da matéria, é um atributo dela. Por outro lado, a ciência confirmou a natureza da perenidade e da inesgotabilidade da matéria. A matéria é então definida, de acordo com os termos de Lenine, como "realidade objetiva, independente da nossa consciência".

FORMAS DA MATÉRIA.- A matéria assume a forma de objectos infinitamente diversos que se distinguem por seu maior ou menor grau de complexidade. As formas mais simples de matéria conhecidas são as partículas elementares do átomo, como prótons, elétrons, neutrons, etc .; formas mais complexas são átomos e moléculas. Maior grau de complexidade apresentam os corpos celestes. Mais complexos ou superiores são os seres orgânicos e a sua forma mais elevada, o homem e, finalmente, as sociedades humanas em todos os seus aspectos.

O MOVIMENTO E SUAS FORMAS.- Tudo o que existe na natureza e na sociedade está em constante mudança, nunca há matéria sem movimento. O movimento é mais do que um simples atributo da matéria, é a sua maneira peculiar de existir. As cousas são o que são em virtude do seu próprio movimento.

À grande diversidade de formas da matéria correspondem também as diversas formas de movimento, do simples deslocamento ao pensamento humano. Indicamos as formas fundamentais de movimento assinalando o seguinte:

  1. Formas mecânicas de movimento, ou deslocamento do lugar das cousas em relação a outras cousas.
  2. As formas de movimento físico, exemplo: processo eletromagnético, fenômenos térmicos, movimentos nucleares, etc.
  3. Formas químicas do movimento, aquelas estudadas polas ciências químicas.
  4. Movimento dos corpos orgânicos (nascimento, crescimento, etc.).
  5. Formas sociais de movimento (processos históricos, transformações sociais, etc.)

Cada uma das formas de movimento corresponde a um grupo definido de objectos para os quais essa forma de movimento constitui o seu modo de existência, por exemplo, a vida constitui o movimento próprio dos corpos organizados. Assim como a matéria é inesgotável, o movimento também, e mesmo o repouso e o equilíbrio temporários são uma forma de mudança.

ESPAÇO E TEMPO. - O espaço e o tempo são formas e realidades objectivas da matéria em movimento, uma vez que os processos materiais ocorrem em diferentes pontos do espaço e também em diferentes momentos do tempo. Portanto, não são simples formas mentais que o pensamento empresta à realidade. Assim como a matéria não pode existir fora do espaço e do tempo, também não podem existir independentemente da matéria.

III. HISTÓRIA DO MATERIALISMO

O MATERIALISMO NA ANTIQUIDADE. ─ O MATERIALISMO NA ERA MODERNA. ─ SÉCULOS XVII E XVIII. ─ O MATERIALISMO MECÂNICO. ─ O MATERIALISMO ALEMÃO. ─ FEUERBACH.

O MATERIALISMO NA ANTIQUIDADE. - O materialismo é uma postura filosófica que sempre esteve ligada à ciência e evoluiu conforme o seu desenvolvimento.

Nos séculos IV e V a. de J.C., quando o pensamento racional surgiu na Grécia antiga, formou-se uma corrente materialista com as primeiras interpretações físicas do universo, em que notáveis ​​pensadores como Tales, Anaxímenes, Anaximandro e principalmente Heráclito, cujo pensamento materialista continha traços dialécticos. Sublinharam a mudança e o movimento nas cousas e destacaram as relações que as ligavam. Buscaram num elemento das características materiais (água, fogo, terra, ar) a origem do universo, ou seja, tentaram explicar o próprio mundo e as mudanças cósmicas polo movimento e transformação incessante das cousas.

Negaram a intervenção dos deuses no mundo e atribuíram às divindades também origem material.

Heráclito formulou pola primeira vez a doutrina do devir eterno e se opôs à tese da unidade e permanência do ser, com base no princípio da identidade, a teoria da evolução pola oposição dos opostos. Segundo Heráclito, as mudanças do princípio original, do fogo, dão origem à evolução cíclica da natureza. A lei universal é a luita e a transição das cousas para os seus opostos. O mundo não foi criado por um princípio divino, mas sempre existiu e existirá eternamente.

Mais tarde os filósofos da escola chamada materialista, Leucipo e Demócrito, explicavam a constituição do universo pola existência de átomos que eram corpúsculos indivisíveis, infinitos em número, de diferentes pesos, dimensões e formas que caem no vácuo e que se encontram e formam vários compostos. Esses pensadores, como pode ser visto, já tentaram explicar a estrutura da matéria. Também levantaram o problema da conexão causal dos fenômenos naturais, antecipando assim as teses determinísticas. Ao contrário de Heráclito, Demócrito explicava o movimento de maneira mecânica, como um simples deslocamento.

Epicuro, discípulo de Demócrito, desenvolveu as concepções de seu mestre e concebeu um mundo sem finalidade, no qual só imperam as causas mecânicas e no qual a alma humana também tem um caráter material. Explicou as combinações de átomos por um movimento de declínio ou desvio que determina o encontro dos átomos e a formação de diferentes corpos.

No século I de J. C., Lucrécio, poeta latino, retoma a concepção de Epicuro. Numa época de declínio do mundo romano e de miséria, ensina que a infelicidade humana é causada polo terror da morte e dos castigos dos deuses. No poema "De rerum natura", recolhe o progresso da ciência da sua época e expõe o seu pensamento materialista. De acordo com Lucrécio; no espaço infinito tudo nasce, vive e morre conforme com as leis do movimento perpétuo. O mundo é real e o seu conhecimento é uma acção do mundo sobre o homem. As ideias têm a sua origem na sensação. Como todos os antigos materialistas, excluiu a ideia dum princípio divino que criou o universo.

O materialismo antigo antecipou teorias que a ciência confirmou mais tarde, mas que naquela época não podiam ter importância real porque careciam duma base científica experimental.

A IDADE MODERNA.- A filosofia na Idade Média foi submetida à teologia e tratou do fundamento conceitual do dogma católico. A discussão sobre os universais ou conceitos gerais durou dous séculos.

Na era moderna, por volta do século XV, os novos rumos sociais determinados polas descobertas geográficas, o desenvolvimento das forças produtivas, do comércio, dos meios de troca, da tecnologia, criam uma nova mentalidade favorável à classe burguesa em subida. Desde aquela época em que o progresso das ciências constituem disciplinas autônomas da filosofia, as concepções materialistas estão intimamente ligadas ao desenvolvimento científico.

Nos tempos modernos, encontramos representantes da tendência materialista entre os empiristas ingleses e dentro do racionalismo francês.

Na Inglaterra, Bacon é o precursor da ciência experimental com seu novo método. A ciência da natureza é a verdadeira ciência. As sensações elaboradas pola razão são a origem do conhecimento. Outro representante do materialismo inglês é Thomas Hobbes, cuja concepção possui características mecanicistas. Ele estabeleceu a incompatibilidade da religião com o conhecimento científico. Locke defendeu, como todos os empiristas, a origem empírica das ideias e do conhecimento.

Na França, a filosofia de Descartes possui definitivamente aspectos materialistas, que podem ser considerados uma das fontes mais importantes do materialismo dos séculos XVII e XVIII. Descartes, cuja dúvida metódica é apenas o caminho para chegar à verdade, nunca duvidou realmente da realidade do mundo exterior. Ele estabeleceu a objetividade da matéria e desenvolveu uma concepção mecânica da natureza explicada polas leis do movimento. De acordo com Descartes, a matéria é composta de partículas indivisíveis que se distinguem polo seu volume e forma e preenchem completamente o espaço. O atributo da matéria é a extensão e o seu movimento consiste num deslocamento. Descartes compara o organismo animal a uma máquina, estendendo esse conceito ao organismo humano. O materialismo do século XVII é acima de tudo mecanicista porque naquela época, entre todas as ciências, apenas a mecânica e apenas a dos corpos sólidos tinha atingido um alto grau de desenvolvimento. A química estava no seu tempo flogístico, a biologia estava nos seus primórdios e também se explicava por causas exclusivamente mecânicas.

O mecanicismo reduz todos os factos a processos puramente mecânicos e, portanto, elimina o dinamismo do ser e nega a finalidade dos processos e ocorrências. O mecanicismo pode se limitar à explicação do físico ou ser uma tendência também referida ao biológico, psíquico e até espiritual. Dum modo geral, é aplicado o "mecanismo" a doutrinas filosóficas que explicam o conjunto de fenómenos no mundo e na vida pola lei universal de causa e efeito. O mecanicismo tem sido a consequência lógica e inevitável da ciência, o seu postulado final que aparece como uma concepção que reduziu toda mudança ao movimento e este ao espaço. Foi o coroamento da tendência racionalista que culminou, no século XIX, com a eliminação do tempo, da liberdade e da indeterminação. No sistema mecânico, a realidade é interpretada como algo definitivamente dado, onde a história e toda possibilidade de irreversibilidade são suprimidas, é a afirmação dum ser idêntico que se repete indefinidamente num mundo em que nada de novo se produz. A sua consequência lógica é uma atitude contemplativa, visto que no universo mecânico regido pola fatalidade da relação de causa e efeito, não há campo para a acção do homem no mundo ou na sociedade.

MATERIALISMO NO SÉCULO XVIII. - No início do século XVIII toda a actividade social, trabalho, indústria, comércio, está sujeita ao poder real e os seus componentes. Mas esse sistema cria uma crise; O atraso da França em relação a outros países como Holanda e Inglaterra é notável; a miséria assume características agudas e ocorre a falência financeira. Essas circunstâncias determinam uma certa liberação da economia e a sua entrega à iniciativa privada. O comércio colonial foi criado, as indústrias têxteis e metalúrgicas alcançaram grande desenvolvimento e o capital privado aumentou. Essa revolução foi a base duma nova ideologia apoiada por filósofos que também eram homens de luita que se uniram na obra da enciclopédia, um esforço monumental em que se estabelece a nova orientação da posição materialista. Foi uma posição contestada que preparou ideologicamente o terreno para a revolução burguesa. Os materialistas franceses falaram abertamente contra a concepção feudal e religiosa do mundo, particularmente contra a religião católica, e tomaram partido contra o absolutismo e a servidão. Essa orientação filosófica teve grande influência no pensamento da época, conduziu o movimento iluminista e teve como principais representantes La Mettrie, Diderot, Helvetius, Holbach. As suas fontes teóricas foram as teorias de Descartes, o materialismo inglês do século XVII e a física de Newton.

O materialismo do iluminismo postula o estudo do homem e da sociedade e a pesquisa científica contra o ideal metafísico e a teologia, sendo portanto antiteológico e antimetafísico. Foi a corrente mais avançada do pensamento filosófico na Europa, a sua posição materialista e antifeudal é organicamente baseada na visão de mundo combativamente anti-religiosa. Expôs a função reacionária da Igreja, como baluarte ideológico do regime absolutista e como instrumento de opressão do povo. Os seus representantes mais proeminentes, como Diderot, anteciparam as ideias dialécticas. Uma das suas contribuições mais importantes é a confiança do homem em si mesmo como o amo do mundo, a sua definição de movimento, espaço e tempo como modos de existência da matéria e a sua concepção da consciência como uma função de matéria altamente organizada. Além disso, o materialismo francês do século XVIII, como o materialismo anterior, ainda mantém características essencialmente mecanicistas.

O MATERIALISMO DA FEUERBACH.- Após a morte de Hegel, seus partidários se dividiram numa direita ortodoxa e uma esquerda de acordo com as suas preferências políticas e, sobretudo, de acordo com a sua preferência maior ou menor polo método dialéctico e polo conteúdo doutrinário do sistema hegeliano. A direita adoptou principalmente o conteúdo; a esquerda, o método.

LUDWING FEUERBACH.- Filósofo alemão, juntou-se à esquerda hegeliana da qual foi a princípio o representante mais destacado. A doutrina de Hegel desapareceu em Feuerbach no que diz respeito a soluções e método. Diante da tese da produção do mundo polo espírito, afirma que este nada mais é do que uma manifestação da natureza, que é a realidade primária. A inversão da tese hegeliana, realizada em Marx de forma radical, não nos impede de reconhecer o valor do espírito como última manifestação suprema da natureza, mas o espírito nasce do homem como ser natural. O homem difere dos animais por ser capaz de pensar em seres infinitos, mas isso não prova a existência desses seres infinitos. O homem cria os seus deuses à sua imagem e semelhança, de acordo com as suas necessidades, esperanças e anseios, as formas de divindade em cada ambiente cultural revelam o ser autêntico daquele ambiente. A redução da tecnologia à antropologia é a condição fundamental para a compreensão da história e do homem.

A concepção de Feuerbach é um naturalismo que não anula o espiritual. A crítica da religião leva ao ateísmo, que é o estado em que o homem atinge a consciência da sua limitação, mas também o conhecimento de seu poder.

Quanto ao cristianismo, Feuerbach assimila o seu conteúdo espiritual; o seu ateísmo é repleto de idealismo ético e de culto à humanidade.

A crítica essencial do materialismo de Feuerbach está contida numa das teses de Marx sobre essa filosofia: "O defeito fundamental de todo o materialismo anterior, inclusive o de Feuerbach", diz Marx, "é apenas conceber o objeto, a realidade, a sensorialidade, sob a forma do objeto, de forma contemplativa, mas não como atividade sensorial humana, como práctica, não de forma subjetiva”.(3)

IV. O MATERIALISMO DIALÉTICO

CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS. ─ ANTECEDENTES TEÓRICOS. ─ FILOSOFIA MARXISTA.

CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS.- Produzida pela queda do regime feudal e triunfo do capitalismo, ocorreu um aumento sem precedentes das forças produtivas, que determinou também o desenvolvimento da ciência e da tecnologia; mas a nova sociedade trouxe consigo novas contradições de intensidade incomparável, das quais a mais profunda ─ a luita entre o proletariado e a burguesia começou no alvorecer do regime burguês. Assim, a partir da terceira e quarta décadas do século XIX, ocorreram as acções de massa em países onde a burguesia havia amadurecido com mais vigor, como a insurreição dos trabalhadores de Lyon na França, o movimento cartista na Inglaterra, os levantes dos tecelões da Silésia na Alemanha, etc., do que levados a cabo sem um programa claro de luita, exigiam uma teoria revolucionária que orientasse as suas batalhas e definisse os seus objectivos. Essa teoria foi formulada por Marx e Engels e surge como o resultado necessário do desenvolvimento económico da sociedade capitalista e da luita de classes dentro dela. O marxismo foi a expressão da urgência histórica de interpretar a essência do sistema capitalista de produção, de descobrir as leis do seu desenvolvimento e de explicar o mecanismo de exploração proletária pola burguesia. O marxismo, portanto, surge como uma produção histórica inevitável, razão pola qual Leão Trotski define o marxismo como "a realização consciente do processo histórico inconsciente, isto é, da tendência elementar e instintiva do proletariado, para a reconstrução da humanidade nos princípios comunistas."(4)

ANTECEDENTES TEÓRICOS.- Por outro lado, a filosofia marxista é fruto do desenvolvimento anterior do pensamento filosófico e científico da humanidade. Seus antecedentes imediatos são a filosofia alemã (a esquerda hegeliana, representada principalmente por Feuerbach), a economia liberal inglesa do século XVIII (Smith, Ricardo) e o materialismo francês (em particular o socialismo utópico de Saint Simon, Fourier e Owen). Os socialistas franceses haviam feito a crítica às contradições das sociedades burguesas: a miséria das classes trabalhadoras e a acumulação de riqueza pola burguesia. Por sua vez, os economistas ingleses lançaram as bases para a teoria do valor-trabalho.

Quanto à filosofia alemã, o marxismo procede filosoficamente do hegelianismo, pois fez do método dialético de Hegel o fundamento de uma reversão radical da tese do primado do espírito. O que é valioso em Hegel para Marx é, como para todos os hegelianos da esquerda, o método e não o conteúdo que se refere ao autodesenvolvimento do espírito absoluto como uma explicação idealista do universo.

FILOSOFIA MARXISTA. O espírito não determina, segundo Marx, o processo histórico e com ele as relações económicas, mas antes estas são o factor determinante real, a estrutura fundamental em torno da qual as objetividades da cultura são superestruturas dependentes. Esta ideia fundamental se desenvolve no materialismo dialético e no materialismo histórico reunido sob o nome de marxismo, que constitui uma superação do materialismo mecanicista e uma oposição à interpretação idealista do mundo.

O primário é, portanto, para Marx, a natureza, o secundário, o espírito; mas a natureza não é concebida num sentido simplesmente materialista e determinista; a natureza é também o conteúdo sobre o qual o método dialético é aplicado. A natureza é, no fundo, não a supressão da liberdade, mas a condição da liberdade. A liberdade se realiza na natureza quando o homem aparece nela como sujeito da história.

O materialismo dialético interpreta e descobre as leis da natureza, da sociedade e do pensamento. A sua aplicação à interpretação da história fornece uma imagem coerente do percurso histórico e ao mesmo tempo permite uma crítica do que existe, uma vez que o que existe ─ actualmente a sociedade capitalista ─ é a última e expirada etapa do percurso histórico, o momento inevitável da transição para a sociedade socialista. De acordo com o princípio do primado do ser, a história é determinada polas formas de produção; a economia como factor básico da sociedade produz, por sua vez, formas de cultura. Essas formas que até Marx eram consideradas puras produções do espírito são apenas manifestações das relações de produção, superestrutura da actividade económica. Mas a superestrutura não é de forma alguma o resultado da ligação mecânica sempre directa e imediata das ideias com a economia. A economia como fator determinante produz superestruturas que podem adquirir relativa independência que chegam mesmo, com o advento da sociedade comunista, à completa autonomia. Este é o salto para a liberdade final no longo desenvolvimento duma série de negações e superações necessárias que se manifestam ao longo da história humana.

Das formas primitivas de produção ao capitalismo moderno, a história é a luita incessante entre os oprimidos e os opressores. Esta luita, que terminou, no capitalismo moderno, numa oposição entre expropriadores e expropriados, entre a burguesia e os proletários, deve necessariamente terminar numa revolução violenta que leva o proletariado ao poder. Mas esta etapa ainda não é o salto para a liberdade. O Estado, que nas mãos das classes dirigentes da burguesia, neste caso, é apenas um instrumento de opressão, deve tornar-se nas mãos do proletariado o instrumento de libertação, um meio para a supressão das classes e, finalmente, do próprio Estado. O triunfo do proletariado não é, portanto, a etapa final, mas uma transição para a etapa da libertação definitiva. O proletariado no poder é a negação da burguesia, a antítese que, quando negada, por sua vez é superada na sociedade sem classes. Somente quando a sociedade sem classes irrompe na área histórica através da ditadura do proletariado, a economia deixa de ser o fator determinante real para se tornar uma superestrutura. Assim, com a sociedade comunista, chega-se ao ponto que Hegel atribuiu ao Estado e que para o marxismo é o triunfo da liberdade objectiva e da libertação do determinismo da natureza e da história, determinismo que se manifestou até agora, no interior da sociedade dividida em classes, polo apego do homem à cousa, pola negação do homem, polo determinismo do natural e do económico, isto é, pola sua alienação. Por isso, o marxismo não nega, mas exalta a importância da actividade prática em que se encontra a solução de todas as contradições racionais, todas as formas dessa relação são também formas de actividade e, portanto, podem ser transformadas e destruídas.

O marxismo aparece como o padrão de acção, superando assim as contradições que uma simples reversão do hegelianismo implicaria. É também uma concepção humanista segundo a qual o primado do económico sobre o político dá lugar a um primado do político sobre o económico, o que significa o triunfo da actividade livre do homem sobre a necessidade material, ou seja, é uma consciência. do poder do homem e um culto à sua acção. Consequentemente, o marxismo rejeita qualquer teoria que negue a possibilidade de modificar o dado, de fazer do objectivo um material de actividade. Superando o advento do materialismo naturalista, concebe o determinismo da natureza e da história não como leis que actuam sobre a matéria inerte e passiva, mas como um determinismo dialéctico que reconhece na matéria a hierarquia do espírito. É uma posição historicista que encoraja a esperança no processo humano e a fé no poder da acção humana, opondo ao progresso humano e rejeitando radicalmente todo conformismo, pessimismo e estagnação. O marxismo como concepção total do mundo e como método de interpretação da realidade, abrange todos os seus aspectos. É na história das ideias a expressão máxima da cultura ocidental. Formulado na segunda metade do século XIX, teve o significado duma revolução ideológica formidável; desde então, gravita de forma decisiva em todo o pensamento contemporâneo.

V. A DIALÉCTICA

A DIALÉCTICA, O CONCEITO. ANTECEDENTES, HERACLITO. A DIALÉCTICA IDEALISTA DE HEGEL. O DEVIR. LÓGICA E DIALÉCTICA.

A DIALÉTICA. A dialética era originalmente a arte de provar uma tese, esclarecendo os conceitos e distinguindo-os com rigor. Esse sentido da dialética é especificado em Sócrates e especialmente em Platão, que o torna a disciplina suprema do processo intelectual, por meio do qual é possível chegar ao conceito de definições sucessivas. Na Idade Média, a diactica é confundida com a lógica.

É em Heráclito que a dialética encontra realmente o seu antecedente mais remoto e ilustre. O conceito primordial de Heráclito é que tudo muda, tudo flui permanentemente; Não existe um ser único, rígido e imutável como Parménides imaginava, mas sim uma fluência eterna, em perpétuo movimento interpretado como a passagem duma afirmação a uma negação que é, como em Hegel mais tarde, ao mesmo tempo como uma nova e mais fecunda afirmação.

Na Idade Moderna, o filósofo alemão Hegel retoma e desenvolve a concepção dialéctica de Heráclito e faz da contradição o método para se chegar à verdade. No sistema idealista de Hegel, a dialéctica é o resultado duma identidade anterior entre razão e realidade, identidade que faz do método dialéctico o modo próprio em que a realidade se desdobra. Os momentos dialécticos da tese, antítese e síntese, são assim os momentos do desdobramento do que é em si até chegar, através de ser no outro, ao ser em si. Somente através do processo dialéctico de ser e pensar o concreto pode ser absorvido pola razão e com ela constituir o mesmo e único ser.

O DEVIR. Como se vê, o conceito de devir é indissociável da concepção dialéctica, pois a dialéctica é um “ritmo de pensamento que reproduz o ritmo da realidade que devém”.

Devir se opõe a ser e é um dos temas eternos da filosofia. Talvez o pensamento filosófico tenha surgido do espanto produzido pola mudança e do esforço do pensamento para reduzir a multiplicidade mutável dos fenómenos a uma unidade racional. É desde Parménides, e em maior medida desde Platão, aquele pensamento que nega a mudança que pesará na concepção racionalista, para a qual a imobilidade é uma realidade mais autêntica do que o devir e, por isso mesmo, este último precisa abraçar o primeiro para ter algum realidade ou, polo menos, continuamente referir-se a ela. Diante de Heráclito que afirmava que tudo flui, como o próprio princípio de todas as cousas e que atribui à realidade mais elevada aquilo que muda, que só o movimento é vida e a imobilidade morte, o pensamento racionalista, desde os eleatas, afirma que diante do movimento contínuo que a experiência nos mostra, é preciso buscar o que resta depois desse fluxo, a verdadeira realidade.

Em Aristóteles, o devir é um autêntico devir qualitativo, isto é, a passagem dum ser a outro, enquanto o movimento é um simples deslocamento. Este filósofo também reconhece o movimento quantitativo (aumento ou diminuição) e o movimento translacional.

Assim, o pensamento filosófico clássico sobre o devir é a passagem dum ser a um não-ser e dum não-ser a um ser, que, levado às suas últimas consequências, será, segundo Hegel, o ser puro e o puro nada. Portanto, só o devir é um ser ou, noutras palavras, o ser nada mais é do que uma obstrução do devir, assim como o devir não é senão uma mobilização ou uma manifestação do ser. Deste modo, conclui-se que a imobilidade é apenas uma parada no devir e a essência é apenas um momento da existência. A noção de devir não é, portanto, permanente na filosofia e é a noção central na filosofia de Hegel, bem como na de Marx.

LÓGICA E DIALÉTICA. Conseqüentemente, temos que a lógica do devir é a dialéctica. Esta, como a lógica formal, estuda as leis do pensamento, de modo que são necessárias as diferenças. A lógica lida com o pensamento como tal; a dialéctica trata do desenvolvimento, das ligações, transições, contradições dos conceitos que refletem os nexos, penetrações e contradições dos fenómenos do mundo objectivo.

A lógica formal, ao estudar as estruturas das formas de pensamento, abstrai da sua origem e desenvolvimento. Pega os julgamentos, pensamentos e raciocínios já formados, limitando-se a diferenciá-los do ponto de vista da sua forma, da sua estrutura. Para torná-las parte de certas leis baseadas no princípio da unidade e imutabilidade do ser, essas leis são os princípios da identidade, da contradição e do terceiro excluído. As leis do pensamento enunciadas pola lógica formal reflectem as relações mais elementares entre as cousas e certos aspectos dos fenómenos da realidade: o da sua relativa estabilidade e constância. Portanto, é também um método de conhecimento. Mas é a dialética que, rompendo os estreitos horizontes da lógica formal, contém o germe duma ampla concepção do mundo.

A lógica dialética formal dispensa todo desenvolvimento; Como já dissemos, a lógica dialética, tem como conteúdo justamente o estudo, daquelas ligações, transições e contradições que reflectem as da realidade, a dialética não se limita a enumerar as diferentes formas de movimento discursivo, estabelecendo a subordinação entre elas e evidenciando como é mostrado ao longo do processo de conhecimento.

Enquanto as leis da lógica formal reproduzem as relações mais elementares das cousas ─ o repouso, a estabilidade ─ as leis da dialética reflectem as relações essenciais, abordando os fenómenos do ponto de vista do seu desenvolvimento que inclui repouso e estabilidade relativa.

Assim como a inércia é um caso particular de movimento, o pensamento que a lógica ocupa é um caso particular do pensamento dialético.

VI. AS LEIS DA DIALÉTICA

A TEORIA DIALÉCTICA DO DESENVOLVIMENTO. A LEI DA CONTRADIÇÃO. CONTRADIÇÕES INTERNAS E EXTERNAS.

A TEORIA DIALÉCTICA DO DESENVOLVIMENTO. A lei fundamental da dialéctica considera que a matéria, a natureza, está num estado de perpétua mudança e desenvolvimento. A materialidade do mundo e as suas mudanças formam uma unidade inseparável. "O mundo é matéria em movimento", disse Lenine. Cousas e fenómenos só podem ser compreendidos considerando-os num processo de nascimento e devir.

Estudar as cousas dialecticamente é estudá-las no seu passado e no seu devir, como uma transição entre o que foi e o que será, por exemplo: a sociedade não pode ser considerada estática, mas em constante desenvolvimento.

Tudo muda constantemente, tudo o que existe tem uma história. O céu e a terra têm uma história, a vida seguiu um processo de evolução, as sociedades humanas e o pensamento humano têm uma história. Do mesmo modo, todas as formas de cultura seguiram um processo de desenvolvimento: a ciência, a arte, a religião, a filosofia.

A teoria dialéctica da mudança concebe a realidade como a substituição do velho polo novo, a morte daquilo e o nascimento daqueloutro; descobre as contradições internas de objectos mutáveis ​​e encontra a força motriz do devir no aprofundamento e solução dessas contradições.

A LEI DA CONTRADIÇÃO. Heráclito de Éfeso já havia dito que a contradição é a mãe de tudo o que acontece. Hegel repete: a contradição é o que o faz avançar.

UNIDADE E LUITA DE CONTRÁRIOS. O marxismo desenvolveu essa concepção com base no princípio dialéctico da unidade e da luita dos opostos. Essa lei preside as relações recíprocas entre conteúdo e forma, essência e fenômeno, acaso e necessidade, etc., que são categorias da dialéctica, ou seja, os seus conceitos mais gerais.

A importância da lei da contradição revela-se no facto de revelar a fonte e o motor do desenvolvimento. O seu aspecto mais discutido sempre foi a tese das contradições internas dos objectos, fenómenos ou processos. Pois bem, o pensamento dialético afirma que TODA COUSA SE CONTÉM E CONTÉM O SEU OPOSTO: dentro dela coexistem forças opostas, antagonismos que luitam para que as cousas não mudem devido a uma força que actua dum só lado, ao contrário, tudo muda pola acção de duas forças em direções opostas.

Engels diz: "(objetos naturais e fenómenos) sempre carregam contradições internas implícitas, uma vez que todos eles têm o seu lado positivo e o seu lado negativo, o seu passado e o seu futuro, o seu lado expiratório e o seu lado do desenvolvimento:... a luita entre esses dous lados opostos, a luita entre o velho e o novo, entre o que está morrendo e o que nasce, entre o que expira e se desenvolve, forma o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, o conteúdo interno da transformação das mudanças quantitativas e qualitativas ”.

O progresso da ciência confirma cada vez mais a veracidade das teses dialécticas. Isso é particularmente corroborado polas descobertas da física nuclear moderna.

CONTRADIÇÕES INTERNAS E EXTERNAS. É preciso distinguir, do ponto de vista da dialéctica, contradições internas e contradições externas. As externas ocorrem entre diferentes processos e objectos, as internas estão implícitas na própria essência dos objectos e processos e envolvem a existência de tendências e aspectos opostos num mesmo objecto. Mas a questão não é simplesmente que existem oposições dentro dum objeto, senão de saber quais são os vínculos que essas oposições mantêm entre si, que não se reduzem a simples oposição ou antagonismo. A contradição interna deve ser entendida como a interdependência entre os lados opostos do objecto, em virtude da qual eles se opõem e se condicionam ao mesmo tempo que se excluem e se negam num aspecto. No quadro do todo que é o objecto ou processo, um aspecto da contradição não pode existir sem o outro, mas ao mesmo tempo, em vista do seu caráter contraditório, eles se negam. Essa mútua INTERDEPENDÊNCIA E EXCLUSÃO é necessária, a característica fundamental da contradição interna. Portanto, podemos ver isso em qualquer exemplo de fenómenos ou conceitos opostos; é assim para o positivo e o negativo, para o mau e o bom, etc.

Podemos, portanto, concluir que todo fenômeno ou processo tem implícito o contraditório, interno, ao mesmo tempo que é uma unidade de opostos. Por outro lado, deve-se notar que a contradição pode não aparecer repentinamente, pode surgir primeiro como DIFERENÇA, depois como ANTAGONISMO e, por fim, como CONTRADIÇÃO. É o caso das classes sociais em conflito, cuja presença é ao começo quase sempre diferença.

As contradições se resolvem na luita, não se reconciliam, mas antes são superadas. Isso implica a destruição do antigo e o nascimento do novo, o que significa uma transformação qualitativa do fenómeno. O que foi indicado sobre o desenvolvimento por meio do nascimento das contradições internas dos objectos nos permite chegar a uma conclusão fundamental sobre o carácter do movimento de desenvolvimento. O devir é movimento próprio, é autodesenvolvimento. Isso não quer dizer que a natureza ou a sociedade progridam por si mesmas, sem a acção do homem; o conceito de automovimento expressa serem os objetos ou fenómenos implícitos a força motriz do seu desenvolvimento.

Outro princípio importante é que a natureza se desenvolveu das formas inferiores para as superiores de acordo com as suas próprias leis. Na sociedade, o devir ocorre num sentido progressivo.

CONTRADIÇÕES EXTERNAS. Cada objeto está ligado a uma infinidade de objectos diferentes e numa relação interdependente com eles, daí a necessidade de levar também em consideração as contradições externas dos fenómenos. Por exemplo, seria absurdo descartar o papel que corresponde às contradições entre a sociedade e a natureza, o que é uma contradição muito importante para o desenvolvimento social. Este é um caso de contradição externa.

As contradições internas e externas também estão ligadas entre si, mas enquanto as primeiras têm um caráter secundário, as últimas são essenciais.

A luita dos opostos se manifesta de maneira específica nas esferas do mundo objectivo, tanto no campo da natureza quanto na sociedade e no pensamento.

VII. LEI DA NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO

CONCEITO. A LEI DA NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO

CONCEITO. O materialismo dialético afirma que o processo do devir vai do simples ao complexo, do inferior ao superior. Este aspecto do processo de desenvolvimento é expresso na lei da negação da negação. Ao estudar as demais leis da dialéctica vimos que o desenvolvimento inclui como aspecto necessário e sujeito às leis a NEGAÇÃO. A mudança qualitativa, ou seja, da qualidade do objeto, implica a negação da velha qualidade, a luita dos opostos culmina com o triunfo dum deles, o que significa a negação do outro. A negação surge do próprio desenvolvimento à medida que o um se desenvolve e os elementos, tendências e forças aparecem se excluindo mutuamente dentro dos fenômenos e objetos. A negação é um aspecto IMANENTE(5), isto é, internamente necessário, de desenvolvimento. A luita dos opostos é uma luita de negação contra o que afirma, e defende o que existe, culmina na destruição dum dos termos ou aspectos opostos e o triunfo do outro, ou seja, termina na negação do que existia até então.

A negação é essencial para o devir porque sem ela todo o processo pararia, estagnaria, mas a negação não pode ser entendida num sentido absoluto, que não contém nada de positivo. Quando o proletariado destrói o sistema capitalista, deve afirmar um novo regime social, mas preservando tudo o que era valioso na sociedade capitalista. Portanto, essa negação dialéctica não é qualquer negação, mas uma premissa, uma condição de desenvolvimento. É um NÃO que inclui um SIM. Consequentemente, uma posição de ceticismo pessimista, de simples negação do que existe, não pode ser chamada de negação dialéctica.

Pola sua condição de desenvolvimento, a negação expressa a continuidade desse processo de desenvolvimento. O novo não surge do nada, mas do antigo, e a conexão entre os dous é que o novo preserva o que há de positivo no antigo. O velho não é simplesmente jogado fora, mas é SUPERADO. O conceito de superação significa negação e conservação. Por exemplo, a cultura socialista, ao ultrapassar a cultura capitalista, será construída a partir desta e com os elementos valiosos adquiridos pola humanidade no seu curso histórico.

A análise do papel que a negação desempenha nos permite afirmar que a realidade se desdobra num sentido progressivo, ascendente, é um processo em espiral. Com efeito, se a negação dialéctica não se reduz a mera destruição do antigo, mas a supera preservando tudo o que é positivo, é evidente que cada nova fase conterá muito mais possibilidades de desenvolvimento do que a anterior. Portanto, a nova fase não repete a anterior, mas é uma nova e específica que se eleva acima da antiga e dela se vale. Também não é uma destruição total, porque assim a mudança não seria um processo de desenvolvimento, mas um recomeço eterno. A fase superior sintetiza, assimila e reelabora tudo o que há de positivo nas duas primeiras, ao mesmo tempo em que os seus elementos desactualizados desaparecem; desta forma, o desenvolvimento segue a linha ascendente. Podemos indicar, por exemplo, o desenvolvimento da vida orgânica.

Até agora, polo que foi dito, parecia que a lei deveria ser simplesmente chamada de "lei da negação", mas é chamada de LEI DE NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO porque o que é apresentado como negação muda com o tempo e se torna uma nova realidade que é, por sua vez, negada, e essa cadeia de negações do mundo objecto continua infinitamente. Mas não se deve esquecer que o desenvolvimento pola negação deriva da natureza contraditória da acção da lei da unidade e da luita dos opostos.

Em suma, o desenvolvimento passa primeiro por uma fase de afirmação, isto é, de existência, depois pola da sua negação e, por fim, pola negação da sua negação. É o que na terminologia hegeliana constitui a tríade dialéctica, em que a tese se sucede e a antítese superada pola síntese.

A lei da negação da negação é, portanto, a lei cuja acção determina a continuidade da relação entre o que é negado e o que se nega. Não é uma negação total que rejeita todos os desenvolvimentos anteriores, mas sim mantém e preserva tudo o que é positivo dos anteriores, reproduzindo numa escala mais alta as características valiosas das fases iniciais.

VIII. LEI DA PASSAGEM DAS ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS PARA QUALITATIVAS E LEI DO PROCESSO DE SALTO.

CONCEITO. QUANTIDADE E QUALIDADE. RELAÇÕES. O SALTO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO.

CONCEITO. Quantidade e qualidade, relacionamentos. Sabemos que o desenvolvimento se realiza pola luita de forças opostas, o problema de como se realiza essa transformação responde à lei da transformação da quantidade em qualidade.

A lei de trânsito das mudanças quantitativas em qualitativas explica por meio de quais processos os objetos sofrem mudanças de qualidade e se transformam em outros, como, junto com a forma de evolução harmônica e gradual das mudanças quantitativas imperceptíveis, há também uma interrupção das graduais, o salto dum antigo estado qualitativo para um novo. Vimos que a lei da unidade e da luita dos contrários indica a força motriz do desenvolvimento. A lei da negação explica o processo gradual de desenvolvimento duma acumulação quase imperceptível de mudanças quantitativas que, ao atingir uma determinada fase, levam à transformação do objecto.

A concepção do desenvolvimento como um processo quantitativo já era conhecida na antiguidade, mas somente o progresso da ciência moderna tornou possível a observação e compreensão das mudanças qualitativas e, consequentemente, a confirmação da concepção dialéctica do desenvolvimento. Para compreender a lei da transformação das mudanças quantitativas em qualitativas, é necessário especificar o significado das categorias: "QUANTIDADE" E "QUALIDADE". Qualidade é entendida como o conjunto de características essenciais do objecto que o define como uma cousa ou outra. A qualidade como categoria do ser responde à questão de como algo se constitui. É a linha divisória que distingue um objecto dos outros, limite interno ou linha divisória que expressa o carácter peculiar e específico dos objectos.

A quantidade também determina o objecto polo grau de desenvolvimento das suas propriedades, como magnitude, volume, velocidade, temperatura, etc.

A quantidade se opõe à qualidade, mas essa oposição às vezes é reduzida à preeminência da quantidade sobre a qualidade. Na antiguidade, Demócrito já considerava que as combinações e relações quantitativas dos átomos produzem diferenças qualitativas, ou seja, as diferenças entre alguns corpos e outros.

Levando em consideração o conceito de qualidade, pode-se entender que o objecto deixa de ser o que é quando perde essa qualidade; consequentemente, a qualidade se expressa e se identifica com o próprio objecto. A quantidade é um tributo mais externo e, à primeira vista, indiferente à determinação qualitativa do objeto, pois, embora mude quantitativamente, permanece, até certo limite, o mesmo objecto que era.

Além disso, observando as mudanças quantitativas podemos perceber o seu significado no processo de desenvolvimento. Quando se diz que a variação da quantidade não muda o objeto, não estamos levando em consideração o limite dessa variação da quantidade, pois chega um momento em que, continuando a mudar um fator quantitativo, essa mudança não é mais indiferente à qualidade do objecto.

A esse respeito, Hegel diz: “Quando ocorre uma mudança quantitativa, parece-nos o princípio perfeitamente invisível, mas por trás dessa mudança há também algo diferente escondido, e essa mudança quantitativa aparentemente invisível é apresentada como a astúcia pola qual a mudança desliza à mudança qualitativa ".

Assim, as mudanças quantitativas têm um limite além do qual não são mais indiferentes ao objecto. Exemplos clássicos são como a mudança gradual de temperatura, atingindo um determinado limite, transforma a qualidade dum corpo líquido em sólido, deste último em gasoso. A física moderna mostra que uma quantidade de urânio é necessária para produzir a desintegração do átomo; uma quantidade menor não causa a explosão. O aumento no número de certas células e a sua relação no cérebro produziu uma mudança na qualidade, uma diferença entre a mente humana e a dos animais. Alguns gases, pola simples adição quantitativa dos seus elementos componentes, mudam a sua natureza para se tornarem cristais; Na arte militar, a disciplina, sob certas condições, é o factor determinante na derrota de forças numericamente superiores. Muitos homens não conseguem mover uma pedra, outros vêm sucessivamente e nem o conseguem, mas a força adicional duma velha débil que colabora na tarefa, combinada com a de outras pessoas, pode mover a pedra. Abundam os exemplos na biologia, química, mecânica, ciências sociais, etc., em todos eles a mudança quantitativa, até certo limite, não afecta o objecto, mas, após esse limite, a mudança quantitativa determina a variação qualitativa.

Pelo que foi dito, temos que os aspectos qualitativos e quantitativos estão intimamente relacionados; mudanças num causam mudanças no outro. A relação entre quantidade e qualidade não é unilateral, pois não apenas as mudanças quantitativas são trocadas polas qualitativas, mas vice-versa. Qualquer processo de transição do primeiro para o segundo implica ao mesmo tempo o do segundo para o primeiro.

Essas relações recíprocas de qualidade e quantidade são expressas no conceito de MEDIDA. Isso significa que o objecto, como determinado qualitativamente, não pode existir ligado a qualquer quantidade, mas a uma certa quantidade que pode oscilar dentro de certos limites; isso é chamado de medida. Portanto, a medida é o limite da existência dum objeto; a sua violação o destrói.

O SALTO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO. Enquanto os aspectos quantitativos e qualitativos dos objectos estão relacionados a diferentes formas de movimento. As mudanças quantitativas são a forma EVOLUCIONÁRIA de desenvolvimento, as mudanças qualitativas são a sua forma REVOLUCIONÁRIA. Conseqüentemente, o desenvolvimento é a unidade de mudança evolutiva e revolucionária. Enquanto os primeiros modificam os objectos gradualmente, os revolucionários interrompem esse desenvolvimento e mudam o objeto abruptamente. Toda mudança revolucionária implica um salto, uma interrupção gradual da marcha, a mutação violenta duma qualidade noutra e, consequentemente, dum objecto a outro. Então, as mudanças qualitativas sempre ocorrem na forma de saltos.

Do ponto de vista evolutivo, mantido pola ciência até o século passado, o desenvolvimento é apenas gradual; É sob esse ponto de vista que fundamenta a posição REFORMISTA. A posição confirmada pola ciência moderna é revolucionária.

O conceito de salto, essencial para a compreensão do desenvolvimento, é a expressão duma fase desse processo sujeito à lei, em que as mudanças quantitativas graduais fazem crises e as mudanças qualitativas aparecem. O momento do salto chega para acabar com o evolucionário. O desenvolvimento apresenta-se assim da seguinte forma: as mudanças quantitativas preparam o salto, é a interrupção da mudança gradual que cria as condições para as mudanças qualitativas subsequentes.

Assim, o desenvolvimento da natureza e da sociedade se apresenta como uma linha em que as mudanças graduais são interrompidas por saltos, pola violenta transição do velho para o novo, pola formação de novos estados qualitativos. Assim, são exemplos de verdadeiros saltos o aparecimento da vida na matéria inorgânica e da consciência na vida. A constituição de qualquer nova forma socioeconômica dentro da sociedade humana também representa um salto. A revolução inglesa, a revolução americana, a revolução francesa, a revolução de 1848, a revolução proletária de 1917 e muitas outras, são verdadeiros saltos, pois constituem uma "mudança estrutural do sistema". Revoluções na sociedade são equivalentes a saltos na natureza.

Em suma, a lei de passagem das mudanças graduais se acumulando imperceptivelmente, chegam, em certa fase, a modificar qualitativamente os objectos, a trocar uma qualidade antiga por uma nova, por meio dum salto.

IX. A TEORIA DO CONHECIMENTO NO MATERIALISMO DIALÉTICO

TEORIA DO CONHECIMENTO. CONCEITO. A ACÇÃO BASE DO CONHECIMENTO. O PROBLEMA DA REALIDADE DO MUNDO OBJECTIVO.

TEORIA DO CONHECIMENTO. A teoria do conhecimento ou gnoseologia é a explicação e reflexão filosófica sobre o conhecimento humano. É a teoria das possibilidades, o escopo, os limites das nossas faculdades cognitivas. O conhecimento é a relação entre o sujeito que conhece e o objecto conhecido.

TEORIA DO CONHECIMENTO EM MARX. A teoria marxista do conhecimento expressa-se nas "TESES SOBRE FEUERBACH" de Marx quando afirma: "O defeito capital de todo materialismo, anterior, inclusive o de Feuerbach, é que o objecto, a realidade, a sensibilidade, só apreendem sob forma de objecto de contemplação, mas não como atividade ou prática humana sensível, não subjetivamente(6), e acrescenta:“Os filósofos só interpretaram o mundo de várias maneiras, mas a tarefa real é mudá-lo”.(7)

Isso significa que não podemos apreender ou conhecer um objecto externo simplesmente como um objecto, nós o apreendemos para agir sobre ele. O materialismo do século XVIII concebeu a matéria tanto como causa quanto objecto de sensação e imaginou a mente como completamente passiva à sensação: concebeu-a como um pedaço de cera recebido do mundo exterior, na forma de sensações, impressões gravadas nele por objectos.

Para Marx, não há conhecimento que seja puramente contemplação do mundo; O ser humano é como uma mola em espiral que espera o momento de se desenrolar em acção ao primeiro toque dum estímulo externo, pois o verdadeiro propósito não é saber o estímulo, mas mudá-lo. O conhecimento não é um fim em si mesmo; sabemos agir. Consequentemente, o conhecimento está intimamente relacionado à acção, cujo propósito é modificar o conhecido. Assim como o gato não conhece simplesmente o rato, o labrador não conhece simplesmente o trigo.

O conhecimento é apenas um incidente na cadeia de eventos que terminam em acção. O conhecimento puro, desinteressado e contemplativo não existe. A actividade cognitiva do homem pretende dotá-lo dum conhecimento da natureza que lhe permita transformá-lo na prática, submetendo as suas forças às necessidades e exigências da natureza humana. Desse modo, a acção do homem transforma o meio sobre o qual ele atuou e também muda o agente dessa transformação. Nem a natureza humana nem o mundo são estáticos; um agente em perpétua mudança conhece um ambiente em evolução constante e, polo conhecimento que tem dele, dá-lhe o impulso para uma nova mudança.

A materia é conhecida para ser mudada. Se o conhecimento é o acto preliminar da acção, a matéria é a sua oportunidade.


Notas de rodapé:

(1) Monismo. As doutrinas filosóficas que negam a existência de realidades opostas irredutíveis e afirmam que tudo pode ser reduzido a uma unidade, a um único absoluto, são chamadas de monistas. Opõem-se ao dualismo e ao pluralismo. (retornar ao texto)

(2) Dualismo. Doutrina que afirma a existência de dous princípios irredutíveis que explicam o universo. (retornar ao texto)

(3) Veja-se o texto da tese n.º 1 das Teses sobre Feuerbach. Também é de maior importância a leitura do texto redigido por Marx e Engels da Ideologia Alemã, nomeadamente a [2. Crítica do materialismo contemplativo e inconsequente de Feuerbach]. (retornar ao texto)

(4) Citação de "Em defesa do marxismo", principalmente do capítulo intitulado: De um Arranhão, ao Perigo de Gangrena, parágrafo 3 que, na tradução fornecida polo MIA em portugués diz, literalmente: «Agora, os oposicionistas perguntam ironicamente aos representantes da maioria: "desde quando vocês se tomaram especialistas em questões de filosofia?" Aqui, a ironia está completamente fora do lugar. O socialismo científico é a expressão consciente do processo histórico inconsciente; quer dizer, a tendência elementar e instintiva do proletariado para reconstruir a sociedade sobre princípios comunistas. Estas tendências orgânicas na psicologia dos operários vêm à tona, com extrema rapidez, na época de crises e guerras. A discussão revelou por detrás de todo o problema um conflito no interior do partido, entre uma tendência pequeno-burguesa e uma tendência proletária. A tendência pequeno-burguesa revela sua confusão no esforço em reduzir o programa do partido ao estreito limite das questões "concretas". A tendência proletária, ao contrário, procura correlacionar todas as questões parciais numa unidade teórica. O que está em causa atualmente não é o quanto cada membro da maioria aplica conscientemente o método dialético. O importante é o fato de que a maioria em seu conjunto se orienta para um posicionamento proletário sobre os problemas, e precisamente por isso tende a assimilar a dialética, que é a "álgebra da revolução". Os oposicionistas — segundo me informam — recebem com gargalhadas a simples menção da palavra "dialética". Em vão. Este método sem valor não ajudará. A dialética do processo histórico castigou cruelmente mais de uma vez, quem zombou dela». (retornar ao texto)

(5) IMANENTE, o que reside Num ser e tem o seu termo nele; opõe-se à transcendência. (retornar ao texto)

(6) Tese 1. (retornar ao texto)

(7) Tese 11. (retornar ao texto)

Inclusão: 02/03/2021