MIA > Biblioteca > Marx/Engels > Anti-Dürhing > Novidades
"Segundo o ponto de vista do Senhor Marx, o salário representa apenas a remuneração do tempo de trabalho que o operário emprega realmente para tornar possível a sua existência. Basta, para isso, um pequeno número de horas: todo o resto da jornada de trabalho, quase sempre muito prolongada, fornece um excedente em que está contido o que o nosso autor chama "mais-valia" ou, para falar em linguagem comum, o lucro do capital. Abstração feita do tempo de trabalho que, numa fase qualquer de produção, já está contido nos instrumentos de trabalho e nas matérias-primas, este excedente da jornada de trabalho é a Parte do empreiteiro capitalista. A prolongação da jornada de trabalho é, em conseqüência, pura exploração em proveito do capitalista..."
Assim, segundo o Senhor Dühring, a mais-valia não passa do que comumente se chama rendimento ou lucro do capital. Vejamos o que diz Marx. À página 195 de O Capital, mais-valia é explicado pelas palavras postas entre parênteses em seguida a estas:"juros, lucro, renda". À página 210, Marx dá um exemplo em que aparece uma soma de mais-valia de 71 shillings sob as diversas formas em que ela é repartida: dízimo, taxas locais e impostos, 21 shillings; renda territorial, 28 shillings; lucros e juros do fazendeiro, 22 shillings; mais-valia total: 71 shillings. À página 52, Marx declara que uma das maiores lacunas que se notam em Ricardo é"nunca ter estudado a mais-valia como tal, isto é, independentemente de suas formas particulares, tais como o lucro, a renda territorial etc."; é de ter, por essa razão, confundido as leis da taxa de lucro."Demonstrarei mais adiante, - diz Marx - no livro II da presente obra, que, segundo as circunstâncias, a mesma taxa de mais-valia pode exprimir-se nas mais diversas taxas de lucro e que taxas diferentes de mais-valia podem, inversamente, exprimir-se na mesma taxa de lucro". À página 587, lê-se ainda:"O capitalista que produz a mais-valia, isto é, que subtrai diretamente aos operários uma certa quantidade de trabalho não pago, que ele realiza em mercadorias, é o primeiro a apropriar-se dessa mais-valia, mas não é o seu último proprietário.
"Ele é obrigado a reparti-la, em seguida, com capitalistas que exercem outras funções no conjunto da produção social, tais como o proprietário territorial etc. A mais-valia divide-se, portanto, em várias Partes, que se destinam a diversas categorias de pessoas e se revestem, cada uma, de uma forma especial, independentes umas das outras, tais como lucro, juros, ganho comercial, renda territorial etc. No livro III, trataremos dessas formas modificadas da mais-valia". E assim em muitas outras passagens.
Ninguém se exprimiria com maior clareza. Em todas as ocasiões, Marx aproveita todas as oportunidades para insistir que não se deve absolutamente confundir sua mais-valia com o lucro ou o ganho do capital; que este último, pelo contrário, é uma forma secundária e quase sempre uma simples fração da mais-valia. Quando o Sr. Dühring pretende, portanto, que a mais-valia de Marx é, para falar a linguagem comum, o lucro do capital", que se pode concluir, em face disso, uma vez que todo o livro de Marx gira em torno da mais-valia? Só há duas hipóteses: ou ele não sabe o que diz e, nesse caso, é de uma impudência sem igual pretendendo fulminar uma obra cujo conteúdo essencial ignora; ou conhece esse conteúdo e comete voluntariamente uma falsificação.
Mais adiante, o Senhor Dühring escreve:"O ódio venenoso com que o Senhor Marx cultiva essa idéia de conceber a exploração é bastante compreensível. Mas, pode-se sentir uma cólera ainda mais violenta e reconhecer, mais plenamente ainda, o caráter de exploração essencial à forma econômica fundada sobre o trabalho assalariado, sem admitir a tendência teórica que se exprime na doutrina marxista da mais-valia".
Segundo o Senhor Dühring, o sentido bem intencionado, mas teoricamente errado de Marx, desperta nele um ódio venenoso contra a exploração; sua paixão, moral em si, reveste, como conseqüência de sua falsa,"tendência teórica", uma expressão imoral, manifestando-se em ódio ignóbil e torpemente venenoso, ao passo que a"ciência definitiva e rigorosa" do Senhor Dühring se exprime por uma paixão moral maravilhosamente nobre, por uma cólera moralmente superior em sua forma e, além disso, quantitativamente superior àquele ódio venenoso, por ser uma"cólera mais poderosa". Mas deixemos o Senhor Dühring deleitar-se na sua própria contemplação e vejamos onde tem suas raízes verdadeiras essa cólera potente.
"Uma pergunta se nos depara - continua ele: - Como os patrões em concorrência conseguem valorizar constantemente o produto pleno do trabalho e, desse modo, o sobre-produto, elevando-o muito acima das despesas normais de fabricação, conforme indica a proporção a que já nos referimos entre o excesso de produção e as horas de trabalho? Não se achará resposta a essa pergunta na doutrina de Marx, pela simples razão de que nessa doutrina não há lugar para tal pergunta. O caráter de luxo que reveste a produção fundada sobre o trabalho assalariado não é sequer abordado seriamente e a organização social, com seu caráter vampiresco, não é, de maneira alguma, reconhecida como fundamento derradeiro da escravatura branca. Pelo contrário, é preciso, segundo Marx, que o elemento político e social seja sempre explicado pelo elemento econômico".
Vimos, porém, pelas passagens acima citadas, que Marx não pretende absolutamente que o sobre-produto seja, em todas as circunstâncias, vendido, na média dos casos, ao seu pleno e justo valor pelo capitalista industrial, que dele se apropria em primeiro lugar, como supõe o Senhor Dühring. Marx diz expressamente que o lucro comercial também constitui uma Parte da mais-valia, e em tais circunstâncias isto só é possível se o fabricante vender seu produto ao negociante, abaixo de seu valor, cedendo-lhe, assim, uma Parte de seu espólio. Feita como aí está, a pergunta na verdade, não pode nem mesmo ser encontrada em Marx. Feita em termos racionais, ei-la: Como a mais-valia se transforma em suas formas e modalidades: lucro. juros, ganho do comerciante, renda territorial etc.? E esta questão Marx promete, sem dúvida, resolvê-la no livro II de O Capital. Mas se o Senhor Dühring não podia esperar pacientemente pelo aparecimento do segundo volume de O Capital, poderia ter examinado, com mais cuidado, o primeiro volume. Neste, poderia ver, afora as passagens já citadas, à página 323, por exemplo, que, segundo Marx, as leis imanentes da produção capitalista agem no movimento exterior dos capitais como as leis imperativas da concorrência, que é a forma sob a qual se revelam à consciência do capitalista individual como os seus motivos propulsores; que, por conseguinte, uma análise científica da concorrência não é possível senão quando se discerne a natureza íntima do capital, do mesmo modo que o movimento aparente dos corpos celestes só é perceptível aos que conhecem o seu movimento real, imperceptível aos sentidos. Sobre isto, Marx mostra, por exemplo, como uma lei determinada e concreta, a lei do valor, se manifesta num caso determinado no campo da concorrência e ali exerce sua força propulsora. Bastava isto para fazer compreender ao Senhor Dühring que a concorrência representa papel capital na repartição da mais-valia e com um pouco de reflexões, estas indicações dadas no primeiro volume seriam, com efeito, suficientes para fazer reconhecer, pelo menos em suas linhas gerais, o caminho que segue a mais-valia para transformar-se em suas diferentes formas ou modalidades.
Mas, para o Senhor Dühring, é justamente a concorrência o empecilho absoluto que se ergue ante a compreensão do problema. Ele não chega a perceber como patrões concorrentes podem constantemente elevar tão acima do custo natural de produção o produto integral do trabalho, nele incluído, portanto, o sobre-produto. Mais uma vez"tornamos a encontrar aqui o seu conhecido"rigor" de investigação que, na realidade, é simples negligência.
Para Marx, o sobre-produto, como tal, não entra absolutamente nos gastos da fabricação: é a Parte do produto que não custa nada ao capitalista, Se os patrões concorrentes quisessem vender o sobre-produto ao preço de suas despesas naturais de fabricação, nada mais teriam a fazer senão dá-lo de presente. Mas não nos retardemos nestes "detalhes micrológicos". Não estariam os patrões concorrentes valorizando diariamente o produto do trabalho acima do custo natural de produção? Segundo o Senhor Dühring, os gastos naturais de fabricação consistem"no dispêndio de trabalho ou de força e esta pode, em última análise, medir-se pelo dispêndio em alimentos", uma vez que na sociedade atual eles consistem no dispêndio real de matérias-primas, instrumentos de trabalho e em salários realmente invertidos, pondo-se à Parte a"tributação", isto é. o lucro ou sobrecarga imposta ao produto tendo uma espada na mão. Ora, todos sabem que na sociedade em que vivemos os patrões concorrentes não vendem suas mercadorias de acordo com o valor das despesas naturais de fabricação: mas que, de fato, lhes acrescentam uma sobrecarga que é o lucro, e, com efeito, de ordinário o obtêm. A pergunta, com que o Sr. Dühring julgava de um sopro, jogar por terra todo o edifício da teoria de Marx, tal como fez Josué nos tempos bíblicos, com as muralhas de Jerico, essa pergunta pode ser feita também no que se refere à teoria econômica do Sr. Dühring. Vejamos a resposta que ele dá:
"A propriedade do capital - diz ele - nada significa praticamente e não pode ser realizada em valor se nela não estiver encerrada, ao mesmo tempo, o poder indireto sobre a matéria humana. O produto deste poder é o lucro do capital e a grandeza desse lucro dependerá, portanto, da extensão e da intensidade do exercício de poder... o lucro do capital é uma instituição política e social, cuja ação é mais poderosa que a da concorrência. Os patrões, nesse terreno, atuam como classe e cada um, em particular, mantém sua posição. A cada modalidade dominante de economia corresponde, necessariamente, uma taxa determinada de lucro do capital."
Infelizmente continuamos a não saber como os patrões concorrentes conseguem vender constantemente o produto do trabalho por quantia superior aos gastos naturais de fabricação! Não é possível que o Senhor Dühring faça tão pouco caso do seu público a ponto de querer enganá-lo com a frase: o lucro do capital está acima da concorrência como, em seu tempo, o rei da Prússia, estava acima da lei. A manobra graças à qual o rei da Prússia se havia entronizado sobre a lei é bastante conhecida; a manobra, por meio da qual o lucro do capital consegue entronizar-se por cima da concorrência e ser mais forte do que ela, é justamente o que o Sr. Dühring devia fazer-nos conhecer e o que ele se recusou obstinadamente a explicar-nos.
Não é bastante dizer-se que os patrões nesse terreno, agem com a classe e que cada um deles sustenta a sua posição. Ele não quererá, portanto, fazer-nos crer, sob sua palavra, que basta que uma coletividade aja como classe para que cada indivíduo mantenha sua posição. Os membros das corporações da Idade Média, os nobres franceses, em 1789, agiram, como se sabe, resolutamente, como classe, mas, longe de manter sua posição, foram levados à morte, sem possibilidade de resistir.
Também o exército prussiano, em Jena, atuando como um conjunto longe de garantir as suas posições, teve ,de abandonar o campo e, embora parcialmente, teve também de capitular. Não nos poderemos contentar, igualmente, com a certeza de que em cada regime dominante de economia o lucro do capital é, até certo ponto, uma necessidade; o que justamente se procura esclarecer é a razão pela qual se verifica esse fenômeno. Não avançamos ainda nenhum passo quando o Senhor Dühring nos faz esta comunicação:"O império do capital surgiu relacionado ao domínio sobre a terra. Uma Parte dos trabalhadores agrícolas (servos), emigrando para as cidades, transformaram-se em operários industriais e acabaram por converter-se em material fabril. Após a renda territorial, o lucro do capital constituiu-se como uma segunda forma da renda possessória". Embora façamos abstração do que esta afirmação tem de historicamente inexato, ela não deixa de ser uma simples afirmação e contenta-se em assegurar, por várias vezes, o que justamente deve ser explicado e demonstrado. Não podemos, portanto, chegar senão a uma única conclusão: a de que o Senhor Dühring é incapaz de responder à sua própria pergunta: Como os comerciantes concorrentes conseguem vender constantemente o produto do trabalho por quantia superior às despesas naturais de fabricação? É incapaz, pois, de explicar a origem do lucro. Só lhe resta decretar, numa palavra, que o lucro do capital é o produto da"violência", o que, aliás, se ajusta perfeitamente ao artigo 2 da Constituição Social de Dühring:"a violência distribui". É muito bonito de dizer; mas então,"outra pergunta nos acode": a violência distribui... o quê? É preciso que haja alguma coisa a distribuir, sem o que, até a mais onipotente das violências, com a maior boa vontade do mundo, nada poderia distribuir.
O lucro que os patrões concorrentes embolsam é algo bastante sólido e palpável. A violência pode"arrebatá-lo", mas não"produzi-lo". E o Senhor Dühring, que se recusa obstinadamente a explicar-nos"como" a violência arrebata o lucro do capitalista, responde com um silêncio de túmulo quando se lhe pergunta: Donde ela o tira? A quem nada possui, o rei declara livre de tributos. Onde não há nada são inúteis todas as violências. Do nada nada vem e muito menos o lucro. Se a propriedade do capital não significa praticamente nada e não pode transformar-se em valor, caso não se verifique, ao mesmo tempo, um constrangimento exercido sobre a matéria humana, uma primeira pergunta nos acode: como a riqueza do capital conseguiu adquirir esse poder de constrangimento? (questão que não resolvem de modo algum as poucas afirmações históricas citadas linhas atrás); e logo uma segunda: Como se transformou esse poder em exploração do capital, isto é, em lucro? E uma terceira: de onde sai esse lucro?
Podemos examinar a doutrina econômica de Dühring sob o aspecto que quisermos e não avançaremos sequer um passo. Para o Sr. Dühring todos os fenômenos condenáveis, o lucro, a renda territorial, os salários de fome, a servidão dos trabalhadores, se reduzem a uma expressão apenas: a violência, sempre a violência. E a"poderosa cólera" do Sr. Dühring, como nada consegue explicar, volta-se contra a violência. Vimos, em primeiro lugar, que invocar a violência é uma escapatória torpe que nos faz passar do terreno econômico para o terreno político e é incapaz de explicar um único fato econômico; em segundo lugar, ela não explica a origem da própria violência e isto muito prudentemente, pois, do contrário, chegaria a concluir forçosamente que todos os privilégios sociais e toda violência política têm sua fonte nas condições econômicas, no regime de produção e de troca encontrado em cada sociedade.
Experimentemos, no entanto, arrancar ainda alguns esclarecimentos sobre o lucro, esse"profundo e inexorável fundamentador" da economia, Talvez o consigamos nas suas explicações sobre o salário, à página 158:
"O salário do trabalho é o preço da manutenção da força de trabalho e, primeiramente, aparece como base da renda territorial e do lucro do capital. Para compreendermos claramente as condições que imperam nesta matéria, examinemos historicamente a renda territorial e o lucro do capital sem salário, isto é, as condições de trabalho nos regimes de escravidão, ou de vassalagem... O fato de que o escravo, o servo ou o trabalhador assalariado tenham de ser alimentados, concorre apenas para que se estabeleça uma distinção quanto ao modo de determinar o custo de produção. De qualquer forma, porém, o produto líquido obtido pela exploração da força de trabalho constitui a renda do patrão... Vê-se, pois, que... a oposição essencial em virtude da qual se tem, de um lado, uma forma qualquer da "renda possessória", e de outro, o trabalho assalariado sem direito de posse, não pode ser focalizada exclusivamente num destes termos, mas nos dois ao mesmo tempo". Mas a renda possessória não é, como verificamos à página 188, senão uma expressão que designa, ao mesmo tempo, renda territorial e lucro do capital. Lê-se ainda à página 174:"O que caracteriza o lucro do capital é a apropriação duma - Parte essencial do produto da força de trabalho. Sem a correlação do trabalho, sujeito, direta ou indiretamente, a uma ou outra forma, o lucro do capital é inconcebível". E à pág. 174:"O salário nunca é mais do que o pagamento que deve, de um modo geral, assegurar ao trabalhador a sua manutenção e a possibilidade de perpetuar a sua espécie". E, por fim, à página 195:"O que é destinado à renda possessória está necessariamente perdido para o salário e, inversamente, a Parte do rendimento geral (!), que se destina ao trabalho, está fatalmente perdida para a renda possessória".
O Sr. Dühring é uma verdadeira caixa de surpresas. Na teoria do valor e nos capítulos que se seguem até, e inclusive, a teoria da concorrência, ou seja da página 1 à página 155, os preços das mercadorias ou valores se dividiam em: 1o., custo natural ou valor da produção (a saber, despesas com matérias-primas, instrumentos de trabalho e salário); 2o., sobrecarga ou valor de distribuição, tributo que a classe monopolista impõe de espada na mão. Essa sobrecarga, conforme já vimos, em nada pode alterar a distribuição da riqueza, porquanto dá com uma das mãos o que toma com a outra e que, além disso, pelo que o Sr. Dühring nos informa da sua origem e conteúdo, nasce do nada e, portanto, consiste também de nada.
Nos dois capítulos seguintes, que tratam das espécies de renda, ou seja da página 158 à página 217, não se cuida mais de tal sobrecarga. Em vez disso, o valor de todo produto do trabalho, de toda mercadoria, divide-se, agora, em dois elementos: 1o., os gatos de produção, nos quais também esta contido o salário pago; e 2o., o"produto líquido obtido pelo desgaste da força de trabalho", que constitui a renda do patrão. Esse produto líquido tem uma fisionomia bastante conhecida que nenhuma tatuagem nem nenhuma arte de disfarce podem esconder."Para compreender com perfeita clareza as condições que reinam nessa matéria", compare o leitor os trechos do Senhor Dühring que acabamos de citar, com os trechos anteriormente citados de Marx a respeito do sobre-trabalho, do sobre-produto e da mais-valia, e logo descobrirá que, à sua maneira, o Senhor Dühring, copia diretamente, aqui, O Capital.
É o sobre-trabalho, sob uma forma qualquer, seja a da escravidão, da servidão ou do trabalho assalariado, que o Senhor Dühring reconhece ter sido a fonte das rendas de todas as classes dominantes até o dia de hoje: esse trecho é tomado à passagem de O Capital (pág. 277) por nós citada já várias vezes:"O capitalista não inventou a mais-valia" etc. O"produto líquido" que constitui a"renda do patrão", outra coisa não é senão o excedente do produto do trabalho sobre o salário que, apesar de seu disfarce em"pagamento", deve, de um modo geral, segundo ainda o Senhor Dühring, assegurar ao trabalhador o seu sustento e a possibilidade de perpetuar a espécie. Como poderia operar-se a"apropriação da Parte essencial do produto da força de trabalho" a não ser porque, como em Marx, o capitalista subtrai ao trabalhador mais trabalho do que lhe é necessário para reproduzir os meios de existência consumidos por este último, isto é, porque o capitalista força o operário a trabalhar mais tempo do que lhe é necessário para substituir o valor do salário pago? Como seria possível a não ser por meio do prolongamento da jornada de trabalho além do tempo necessário para reproduzir os meios de subsistência do trabalhador? É a isso que Marx denomina de sobre-trabalho e é isso, igualmente, que se oculta no Senhor Dühring sob a expressão de"desgaste da força de trabalho". O"produto líquido", que retorna ao patrão, nada mais é do que o sobre-produto e a mais-valia de Marx. A não ser pela inexatidão de sua formulação em que a"renda possessória" de Dühring difere da mais-valia marxista? De resto, o Sr. Dühring tomou a expressão"renda possessória" (Besitzrent) a Rodbertus, que já reunia a renda territorial e a renda do capital ou lucro do capital sob a expressão comum de renda, de maneira que o Senhor Dühring não teve senão que acrescentar a palavra"possessória" (8). E, para que nenhuma duvida subsista sobre o plágio, o Sr. Dühring resume a seu modo as leis relativas às variações de grandeza do preço da força de trabalho e da mais-valia, expostas por Marx no capítulo XV de O Capital, dizendo que o que cabe à renda possessória está perdido para o salário e vice-versa, reduzindo, pois, as leis concretas e tão substanciais de Marx a uma tautologia vazia, porquanto não é preciso dizer que, de uma quantidade de água dividida em duas Partes, uma não pode crescer sem que a outra diminua. O Senhor Dühring chegou, assim, a apropriar-se das idéias de Marx de tal maneira que faz desaparecer inteiramente o"caráter científico rigoroso, no sentido das disciplinas exatas", que se encontra, certamente, na exposição de Marx.
Não podemos, portanto, deixar de admitir que a extraordinária algazarra feita contra O Capital, na História Crítica, e a poeira que ela faz redemoinhar em torno da famosa questão surgida a propósito da mais-valia, e que teria sido melhor o Senhor Dühring não levantar, uma vez que ele próprio não a pode resolver; não podemos deixar de admitir - dizíamos - que tudo isso não passa de um estratagema de guerra, de uma hábil manobra para esconder o plágio grosseiro de Marx cometido pelo Senhor Dühring no Curso de Economia. O Senhor Dühring tinha, com efeito, todas as razões do mundo para prevenir os seus leitores contra o estudo dessa"barafunda que se chama O Capital, do Senhor Marx", contra os"produtos bastardos da fantasia histórica e lógica, as idéias confusas, as manias hegelianas etc.". A Vênus da qual esse fiel mentor procura desviar a juventude alemã, ele a tinha ido buscar nas terras de Marx e a tinha posto, em surdina, em lugar seguro, para seu próprio prazer. Cumprimentemo-lo por esse produto líquido obtido, utilizando a força de trabalho de Marx, e pela luz particular que a sua anexação da mais-valia marxista, sob o nome de renda possessória, lança sobre os motivos da sua falsa e obstinada afirmação, aliás repetida em duas edições, de que Marx entendia por mais-valia somente o lucro ou o ganho do capital.
E assim somos levados a elaborar o quadro dos resultados a que chega o Senhor Dühring, da maneira seguinte, com os termos do próprio Senhor Dühring, segundo o ponto de vista do Senhor Dühring: o salário representa apenas a remuneração do tempo de trabalho durante o qual o operário trabalha realmente para tornar possível a sua própria existência. Basta, para isso, um pequeno número de horas; todo o resto da jornada de trabalho, quase sempre muito prolongada, fornece um excedente em que está contida o que o nosso autor chama"renda possessória..." Abstração feita do tempo de trabalho já contido, numa fase qualquer da produção, nos instrumentos de trabalho e nas matérias primas relativas, este excedente da jornada de trabalho é, por conseguinte, um puro ganho do capitalista arrancado à exploração. O ódio venenoso com que o Senhor Dühring"cultiva esta idéia a respeito do fenômeno da exploração é bastante compreensível"... Mas o que não se compreende nitidamente são os meios pelos quais ele pretende alcançar a sua "cólera poderosa".
Inclusão | 30/10/2002 |