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Livro Primeiro: O processo de produção do capital
Quarta Seção: A produção da mais-valia relativa
Décimo terceiro capítulo. Maquinaria e grande indústria
10. Grande indústria e agricultura
A revolução que a grande indústria provoca na agricultura e nas relações sociais dos seus agentes de produção só pode ser exposta mais tarde. Aqui basta uma curta referência a alguns resultados antecipados. Se o uso da maquinaria na agricultura está em grande parte livre das desvantagens físicas que exerce sobre o operário fabril(1*), actua aqui ainda mais intensamente e sem reacção sobre a «supra-numerarização» dos operários como mais tarde se verá em detalhe. Nos condados de Cambridge e Suffolk, p. ex., estendeu-se muito nos últimos vinte anos a área de terra cultivada, enquanto a população rural, no mesmo período, diminui não só relativa, mas absolutamente. Nos Estados Unidos da América do Norte, por enquanto, as máquinas agrícolas só virtualmente substituiram operários, i. é, permitem ao produtor o cultivo de uma superfície maior, mas não expulsam realmente os operários empregues. Na Inglaterra e País de Gales, o número de pessoas que participava na fabricação de máquinas agrícolas, em 1861, ascendia a 1034, enquanto o número de operários agrícolas ocupados nas máquinas a vapor e de trabalho ascendia apenas a 1205.
É na esfera da agricultura que a grande indústria opera do modo mais revolucionário na medida em que aniquila o bastião da velha sociedade, o «camponês», e o substitui pelo assalariado. As oposições e necessidades de revolucionamentos sociais do campo ficam, assim, equiparadas às da cidade. Para o lugar do funcionamento mais rotineiro e mais irracional entra a aplicação consciente, tecnológica, da ciência. O rompimento do laço familiar originário de agricultura e manufactura, que enlaçava a figura infantilmente desenvolvida de ambas, é consumado pelo modo de produção capitalista. Ele cria, porém, simultaneamente os pressupostos materiais de uma nova síntese, superior, da união de agricultura e indústria na base das suas figuras opostamente elaboradas. Com a preponderância sempre crescente da população urbana que aglomera em grandes centros, a produção capitalista, por um lado, concentra a força motriz histórica da sociedade e, por outro lado, perturba a troca material entre homem e terra, i. é, o retorno ao solo das componentes deste consumidas pelo homem na forma de alimentos e de vestuário, portanto a eterna condição natural de duradoura fertilidade do solo. Com isto ela destrói, simultaneamente, a saúde física do operário urbano e a vida espiritual do operário rural(2*). Mas simultaneamente pela destruição das circunstâncias, surgidas de modo meramente natural, daquela troca material, ela força-a a estabelecer-se sistematicamente como lei reguladora da produção social e numa forma adequada ao pleno desenvolvimento humano. Na agricultura tal como na manufactura, a transformação capitalista do processo de produção aparece, simultaneamente, como martirológio dos produtores; o meio de trabalho, como meio de subjugação, de exploração e de pauperização do operário; a combinação social dos processos de trabalho, como repressão organizada da sua vitalidade, liberdade e autonomia individuais. A dispersão dos operários rurais por maiores superfícies quebra, simultaneamente, a sua força de resistência, enquanto a concentração fortalece a dos operários urbanos. Tal como na indústria urbana, também na agricultura moderna a subida da força produtiva e o maior fazer fluir do trabalho têm como preço a dizimação e definhamento da própria força de trabalho. E todo o progresso da agricultura capitalista é não só um progresso na arte de roubar o operário como simultaneamente na arte de roubar o solo; cada progresso na subida da sua fertilidade por um dado prazo de tempo é, simultaneamente, um progresso na ruína das fontes duradoras desta fertilidade. Quanto mais um país, como os Estados Unidos da América do Norte, p. ex., parte da grande indústria como plano recuado do seu desenvolvimento, tanto mais rápido é este processo de destruição(3*). A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e combinação do processo social de produção minando, simultaneamente, as fontes manantes de toda a riqueza: a terra e o operário.
Notas de rodapé:
(1*) Uma exposição pormenorizada da maquinaria aplicada na agricultura inglesa encontra-se em Die landwirthschaftlichen Geräthe und Maschinen Englands, do Dr. W. Hamm. 2.ª ed., 1856. No seu esboço sobre o curso do desenvolvimento da agricultura inglesa, o senhor Hamm segue demasiado incriticamente o senhor Leonce de Lavergne. {À 4.ª ed. — Agora naturalmente antiquada. — F. E.} (retornar ao texto)
(2*) «Vocês dividem o povo em dois campos hostis: rústicos canhestros e anões efeminados. Oh céus! Uma nação dividida entre interesses agrícolas e comerciais a chamar-se a si própria sã; mais, intitulando-se a si própria esclarecida e civilizada não apenas apesar, mas em consequência desta divisão monstruosa e antina- tural.» (David Urquhart, 1. c., p. 119.) Esta passagem mostra simultaneamente a força e a fraqueza de uma espécie de crítica que sabe julgar e condenar o presente, mas não compreendê-lo. (retornar ao texto)
(3*) Cf. Liebig, Die Chemie in ihrer Anwendung auf Agrikultur und Physiologie, 7.ª edição, 1862, e especialmente também no primeiro volume a «Introdução às leis naturais da lavoura». O desenvolvimento do lado negativo da agricultura moderna, do ponto de vista científico-natural, é um dos méritos imortais de Liebig. Também os seus aperçus(4*) históricos de história da agricultura, apesar de não sem erros grosseiros, contêm rasgos luminosos. Resta lamentar que ele arrisque à toa expressões como a seguinte: «Por uma pulverização levada mais longe e um lavrar mais frequente promove-se o arejamento no interior das partes porosas da terra e aumenta-se e renova-se a superfície das partes da terra sobre as quais o ar deve actuar, mas compreende-se facilmente que o sobrendimento do campo não pode ser proporcional ao trabalho aplicado no campo, mas que aumenta numa relação muito mais pequena». «Esta lei», acrescenta Liebig, «foi enunciada pela primeira vez por J. St. Mill nos seus Princ. of Pol. Econ., v. I, p. 17, do seguinte modo: “Que o produto da terra aumenta caeteris paribus(5*) numa razão decrescente do aumento dos trabalhadores empregues”» (o senhor Mill repete até a lei da escola de Ricardo numa fórmula falsa, pois, uma vez que o decréscimo dos trabalhadores empregues (the decrease of the labourers employed) manteve constantemente o passo com o progresso da agricultura, a lei descoberta para e na Inglaterra não encontra, pelo menos na Inglaterra, qualquer aplicação), «“é a lei universal da indústria agrícola” — e de um modo bastante notável pois o fundamento dela lhe permanecia desconhecido.» (Liebig, 1. c., vol. I, p. 143 e nota.) Abstraindo do significado erróneo da palavra «trabalho», pela qual Liebig entende algo de diferente do que a economia política entende, é em qualquer caso «bastante notável» que ele faça do senhor J. St. Mill o primeiro anunciador de uma teoria que James Anderson, no tempo de A. Smith, pela primeira vez publicou e em diversos escritos até ao começo do século XIX repetiu; que Malthus — aliás um mestre do plágio (toda a sua teoria da população é um plágio desavergonhado) — em 1815 anexou; que West ao mesmo tempo e independentemente de Anderson desenvolveu; que Ricardo em 1817 pôs em conexão com a teoria geral do valor e que a partir daí deu a volta ao mundo com o nome de Ricardo; que em 1820 foi vulgarizada por James Mill (pai de J. St. Mill); e que, finalmente, foi também repetida pelo senhor J. St. Mill, entre outros, como um dogma de escola tomado já lugar comum. É indesmetível que J. St. Mill deve a sua, em todo o caso, «notável» autoridade, quase só a semelhantes quiproquós. (retornar ao texto)
(4*) Em francês no texto: bosquejos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(5*) Em latim no texto: em iguais circunstâncias. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Inclusão | 21/11/2013 |