Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano

Carlos Marighella


Capitulos 10 a 13


10. Segurança da Guerrilha 
capa

A guerrilha urbana vive em constante perigo da possibilidade de ser descoberta ou denunciada. O primeiro problema de segurança é ter certeza de que estamos bem escondidos e bem seguros, e de que há métodos seguros de manter-se fora do alcance da polícia.

O pior inimigo da guerrilha e o maior perigo que corremos é a infiltração em nossa organização de um espião ou um informante.

O espião apreendido dentro de nossa organização será castigado com a morte. O mesmo vai para o que deserta e informa a polícia. 

Uma boa segurança é a certeza de que o inimigo não tem espiões ou agentes infiltrados em nosso meio e não pode receber informação de nossos por meios distantes ou indiretos. A maneira fundamental para assegurarmos isto é de ser rigorosos e cautelosos no recrutamento.

Nem é permitido alguém conhecer todos e tudo. Cada pessoa somente deve saber o que se relaciona com seu trabalho. Esta rega é o ponto fundamental no ABC da segurança da guerrilha urbana.

A batalha a qual estamos enfrentando o inimigo é árdua e dificultosa porque é uma luta das massas. Cada classe luta numa batalha de vida ou morte quando as classes são antagônicas.

O inimigo quer nos aniquilar e luta para encontrar-nos e destruir-nos, assim que nossa grande arma consiste em esconder-nos dele e atacá-lo de surpresa.

O perigo para guerrilha urbana que ele possa revelar-se por meio da imprudência ou por meio da falta de classe vigilante. Não se admite que a guerrilha urbana dê seu próprio ou outro endereço clandestino ao inimigo ou que fale muito. Anotações nas margens dos jornais, documentos perdidos, cartões de chamadas, cartas ou notas, todas estas são pistas para a polícia.

Endereços e livros de telefones devem ser destruídos e não se deve escrever ou guardar papéis; é necessário evitar manter arquivos de nomes legais ou ilegais, informação biográfica, mapas e planos. Os pontos de contato não se deve escrever, mas simplesmente memorizá-los.

O guerrilheiro que viola estas regras deve ser advertido pelo primeiro que se der conta, e se continuar, deve-se deixar de trabalhar com ele.

A necessidade da guerrilha de mover-se constantemente e a relativa proximidade da polícia, dadas as circunstâncias de uma rede policial estratégica que esta ao redor da cidade, forças que adotam métodos variáveis de segurança dependendo dos movimentos do inimigo.

Por esta razão é necessário manter um serviço de notícias diário perto do que o inimigo parece fazer, onde está a rede da polícia operando e em que lugares eles vigiam. A leitura diária das notícias policiais nos jornais é uma grande função de informação nesses casos. 

A lição mais importante de segurança, sob nenhuma circunstância, permitir o mais remoto indício de relaxamento com a manutenção das medidas de segurança e regulamentos dentro da organização. 

A segurança da guerrilha deve ser mantida também e principalmente em casos de prisão. O guerrilheiro preso não pode revelar nada à polícia que possa prejudicar à organização. Não pode dizer nada que de pistas, como conseqüência, as prisões de outros camaradas, a descoberta de endereços e lugares de esconderijo, a perda de armas e munições.

11. Os Sete Pecados da Guerrilha Urbana 

Assim como a guerrilha urbana aplica suas técnicas revolucionárias com rigorosidade e precisão, obedece às regras de segurança, ela ainda está vulnerável aos erros. Não há uma guerrilha urbana perfeita. O que se pode fazer é manter seu esforço em diminuir sua margem de erro porque não é perfeita.

Um dos métodos que podemos utilizar para diminuir a margem de erro é conhecer os sete pecados da guerrilha urbana e tratar de evitá-los.

O primeiro pecado da guerrilha urbana é a pouca experiência. A guerrilha urbana, cega por seu pecado, pensa que o inimigo é estúpido, não considera sua inteligência, crendo que tudo é fácil e, como resultado, deixa pistas que podem causar seu desastre.

Por sua pouca experiência, a guerrilha urbana pode sobrestimar as forças do inimigo, crendo que eles são mais fortes que ela. Deixando-se enganar por sua presunção, a guerrilha urbana então se intimida, fica insegura e indecisa, paralisada e falta de audácia.

O segundo pecado da guerrilha urbana é vangloriar-se de suas ações completadas e espalhá-lo aos quatro ventos. 

O terceiro pecado da guerrilha urbana é vaidade. A guerrilha urbana que padece deste pecado trata de resolver seus problemas da revolução com ações nas cidade, mas sem preocupar-se com os princípios e sobrevivência da guerrilha em zonas rurais. 

Cegada por seu triunfo, ela começa a organizar ações que considera decisivas e que colocam em jogo todas as forças e recursos da organização. Já que não podemos interromper a luta guerrilheira nas cidades enquanto que a guerra rural não tenha estourado, nós sempre corremos o erro fatal de permitir que o inimigo nos ataque com golpes decisivos.

O quarto pecado da guerrilha urbana é de exagerar sua força e tentar fazer projetos que lhe faltam forças e, ainda, não tem a infra-estrutura requerida.

O quinto pecado do guerrilheiro urbano é a ação precipitada. O guerrilheiro urbano que comete este pecado perde a paciência, sofre um ataque de nervos, não espera por nada, e se joga impetuosamente na ação, sofrendo perdas inapreciáveis.

O sexto pecado do guerrilheiro urbano é atacar o inimigo quando eles estão mais enfurecidos.

O sétimo pecado do guerrilheiro urbano é o de não planejar as coisas e atuar improvisadamente.

12. Apoio Popular 

Um dos problemas principais do guerrilheiro é sua identificação com as causas populares para ganhar o apoio popular.

Quando as ações governamentais se tornam corruptas e ineptas, o guerrilheiro urbano, não deve hesitar em demostrar que ele se opõe ao governo e ganhar a simpatia das massas. O presente governo, por exemplo, impõe pesadas cargas financeiras à população na forma de impostos. É responsabilidade do guerrilheiro urbano então atacar o sistema de pagamento de impostos e de obstruir sua atividade financeira, tirando todo o peso da atividade revolucionária contra ela.

O guerrilheiro urbano luta não somente por transtornar o sistema de coleta de impostos; o braço da violência revolucionária também tem que estar dirigido contra os órgãos do governo que levantam os preços e aqueles que os dirigem, como também contra os mais ricos capitalistas nacionais e estrangeiros e os donos de propriedades importantes; em resumo, todos aqueles que acumulam fortunas com o alto custo de vida, salário de fome, preços e aluguéis excessivos. 

Monopólios estrangeiros, tais como a refrigeração e outras instalações norte-americanas que monopolizam o mercado e a manufatura de suprimentos de comida gerais, tem que ser sistematicamente atacados pelo guerrilheiro urbano. 

A rebelião do guerrilheiro urbano e sua persistência na intervenção de questões políticas é a melhor forma de assegurar o apoio popular na causa que defendemos. Repetimos e insistimos em repetir: é a melhor forma de assegurar o apoio popular. Tão pronto uma porção razoável da população começa a levar a sério a ação do guerrilheiro urbano, seu êxito é garantido.

O governo não tem alternativa exceto intensificar sua repressão. A rede da polícia, as buscas em casas, a prisão de pessoas inocentes e de suspeitos, ou fechar as ruas, e fazer a cidade insuportável. A ditadura militar embarca na perseguição política. Os assassinatos políticos e o terror policial se fazem rotina.

A pesar de tudo isto, a polícia sistematicamente perde. As forças armadas, a marinha e a força aérea são mobilizadas para executar as funções policiais rotineiras. Ainda assim não encontram uma forma de deter as operações da guerrilha, nem tampouco de acabar com a organização revolucionária com seus grupos fragmentados que se movem e operam através do território nacional contagiosa e persistentemente.

A pessoas se recusam a colaborar com as autoridades, e o sentimento geral é o de que o governo é injusto, incapaz de resolver problemas, e recorre somente a liquidação de seus oponentes.

A situação política no país é transformada numa situação militar na qual os militares aparentam ser mais e mais responsáveis pelos erros e a violência, enquanto que os problemas das vidas das pessoas se fazem verdadeiramente catastróficas.

Quando vêem que os militares e a ditadura estão a ponto do abismo, e temendo as conseqüências de uma guerra civil que já esta a caminho, os pacificadores (que sempre se encontram dentro de as classes governantes), e os oportunistas de ala direita, amigos da luta sem violência, se unem e começam a circular rumores detrás "das cortinas", pedindo ao carrasco eleições, "redemocratização", reformas constitucionais, e outras bobagens desenhadas para confundir as massas e fazê-las parar a rebelião revolucionária nas cidades e nas áreas rurais do país. 

Mas, observando os revolucionários, as pessoas agora entendem que seria uma farsa elas votarem em eleições que tem como único objetivo, garantir a continuação da ditadura militar e cobrir os crimes do estado.

Atacando de coração esta falsa eleição e a chamada "solução política" tão apeladora aos oportunistas, o guerrilheiro urbano tem que se fazer mais agressivo e violento, girando em torno da sabotagem, do terrorismo, das expropriações, dos assaltos, dos seqüestros, das execuções, etc.

Isto contestaria qualquer tentativa de enganar às massas com a abertura de um Congresso e a reorganização dos partidos políticos--partidos do governo e os de oposição que permitira--quando todo o tempo o parlamento e os chamados partidos políticos funcionam graças a uma licença da ditadura militar num verdadeiro espetáculo de marionetes e cachorros numa corda.   

O papel do guerrilheiro urbano, para poder ganhar o apoio das pessoas, é o de continuar lutando, mantendo em mente os interesses das massas e a intensificação de uma situação desastrosa no qual o governo tem que atuar. Estas são as circunstâncias, desastrosas para a ditadura, que permitirão aos revolucionários abrir a guerrilha rural no meio de uma expansão incontrolável da rebelião urbana.

O guerrilheiro urbano está envolvido na ação revolucionária a favor do povo e busca nela a participação das massas numa luta contra a ditadura militar e para a libertação do país. Começando com a cidade e com o apoio do povo, a guerrilha rural se desenrola rapidamente, estabelecendo sua infra-estrutura cuidadosamente enquanto que a área urbana continua sua rebelião.

13. Guerrilha Urbana, Escola para Selecionar o Guerrilheiro 

A revolução é um fenômeno social que depende dos homens, das armas e dos recursos. As armas e os recursos existem no país e podem ser tomados e usados, mas para fazer isto é necessário contar com homens. Sem eles, as armas e os recursos não tem nem uso nem valor.

Por sua parte, os homens tem que ter duas qualidades básicas e indispensáveis:

a. tem que ter uma motivação político-revolucionária;

b. tem que ter a necessária preparação técnica-revolucionária.

Os homens com a preparação político-revolucionária se encontram entre os vastos contingentes dos inimigos da ditadura militar e do domínio do imperialismo dos EUA.

Os homens que estão melhor treinados, mais experientes, e dedicados à guerrilha urbana, constituem a base para a guerra revolucionária, e por tanto, da revolução brasileira. Desta base é que surge o núcleo do exército revolucionário de libertação nacional, levantando-se da guerra revolucionária. 

Este é o núcleo central, não de burocratas e oportunistas escondidos na estrutura organizacional, não de conferenciantes vazios, de escritores de resoluções que permanecem no papel, senão de homens que lutam. Os homens que desde o principio tem a determinação e tem estado prontos para qualquer coisa, que pessoalmente participam nas ações revolucionárias, que não tem dúvidas e nem enganam.

Este é o núcleo doutrinado e disciplinado com uma estratégia de longo alcance e uma visão tática consistente com a aplicação da teoria Marxista, dos desenvolvimentos do Leninismo e CastroGuevaristas, aplicados às condições específicas da situação revolucionária. Este é o núcleo que dirigirá a rebelião à fase de guerra de guerrilha.

Dela surgiram os homens e mulheres com o desenvolvimento político-militar, um indivisível, cujo trabalho será o dos líderes futuros depois do triunfo da revolução, na construção de uma nova sociedade Brasileira.

Desde agora, os homens e mulheres escolhidos para a guerra de guerrilha urbana são trabalhadores; camponeses a quem a cidade atraiu por seu potencial de trabalho e quem regressarão à área rural completamente doutrinados e tecnicamente preparados; estudantes, intelectuais e sacerdotes. Este é o material com o qual estamos construindo-- começando a guerra de guerrilhas--a aliança armada de trabalhadores e camponeses, com estudantes, intelectuais e sacerdotes.

Os trabalhadores tem conhecimento infinito da esfera industrial e são os melhores nos trabalhos revolucionários urbanos. O trabalhador guerrilheiro urbano participa na luta mediante a construção de armas, sabotando e preparando sabotadores e dinamiteiros, e pessoalmente participando em ações envolvendo armas de mão, ou organizando greves e paradas parciais com a violência em massa característica em fábricas, centros de trabalho e outros lugares de trabalho.

Os camponeses tem uma intuição extraordinária de conhecimento da terra, juízo no confronto do inimigo, e a indispensável habilidade de comunicar com as massas humildes. 

O guerrilheiro camponês esta participando já em nossa luta e é quem chega ao núcleo da guerrilha, estabelece pontos de apoio nas áreas rurais, encontra lugares para esconder indivíduos, armas, munições, suprimentos, organiza a colheita de grãos utilizados na guerra de guerrilhas, escolhe os pontos de transporte, pontos de criação de gado, e as fontes de suprimentos de carnes, treina os guias que ensinam ao guerrilheiro urbano as estradas, e cria um sistema de informação na área rural. 

Os estudantes se destacam por ser politicamente cruéis e rudes e por tanto rompem todas as regras. Quando são integrados na guerrilha urbana, como esta ocorrendo agora em grande escala, ensinam um talento especial para a violência revolucionária e pronto adquirem um alto nível de destreza político-técnico-militar. 

Os estudantes tem bastante tempo livre em suas mãos porque são sistematicamente separados, suspendidos e expulsos da escola pela ditadura e assim começam a usar seu tempo vantajosamente a favor de a revolução.

Os intelectuais constituem a vanguarda da resistência aos atos arbitrários, às injustiças sociais e à inumanidade terrível da ditadura. Eles expandem a chamada revolucionária e tem uma grande influência na população. O guerrilheiro urbano intelectual é o aderente ás moderno da revolução brasileira.

Os homens da igreja, isto é, aqueles ministros ou sacerdotes de várias hierarquias e denominações, representam um setor que tem habilidade especial para comunicar-se com o povo, particularmente os trabalhadores, camponeses, e a mulher brasileira. O sacerdote que é um guerrilheiro urbano é um ingrediente poderoso na guerra revolucionária brasileira, e constituem uma arma poderosa contra o poder militar e o imperialismo norte-americano.

Com respeito à mulher brasileira, sua participação na guerra revolucionária, em particular na guerrilha urbana, tem sido distinguido por seu espírito lutador e tenacidade sem limite, não é somente por sorte que tantas mulheres tem sido acusadas de participação nas ações de guerrilha contra bancos, centros militares, etc., e que tantas estão em prisões enquanto que tantas outras ainda são procuradas pela polícia. 

Como uma escola para escolher o guerrilheiro, a guerra de guerrilha urbana prepara e coloca ao mesmo nível de responsabilidade e eficiência a homens e mulheres que compartilham os mesmos perigos de lutar, buscar suprimentos, servir como mensageiros ou corredores, ou motoristas, ou navegantes, ou pilotos de aviões, obtendo informação secreta, e ajudando com a propaganda ou o trabalho de doutrinação.

Carlos Marighella 
Junho 1969


Inclusão 10/01/2005