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Fonte: http://planeta.clix.pt/tadorno16.htm Jornal "Folha de São Paulo", domingo, 24 de agosto de 1997. As cartas reproduzidas pertencem ao Arquivo Herbert Marcuse de Frankfurt. Foram cedidas pela revista "praga" (Ed. Hucitec, tel. 011/530-4532), que as publicará, com outras mais, em seu número 3
Tradução: Isabel Maria Loureiro.
HTML: Fernando Araújo.
Resposta a carta de Adorno na qual justifica a Marcuse a razão de ter chamado a polícia quando estudantes ameaçaram, em 69, invadir o prédio do instituto em que dava aulas. A resposta de Marcuse é uma defesa da rebelião estudantil.
Londres, 4 de junho de 1969
Caro Teddy
Ainda mais urgente que antes sinto a necessidade de falar francamente. Ergo:
Tua carta não dá a mais leve indicação que permita diagnosticar as razões da hostilidade dos estudantes contra o Instituto. Falas sobre os "interesses do Instituto", exortando enfaticamente: "nosso velho Instituto, Herbert". Não, Teddy. Não foi nosso velho Instituto que os estudantes invadiram. Sabes tão bem quanto eu que há uma diferença essencial entre o trabalho do Instituto nos anos 30 e seu trabalho na Alemanha de hoje. Esta diferença qualitativa não provém do desenvolvimento da própria teoria: as "subvenções" que mencionas incidentalmente são realmente tão incidentais? Sabes que concordamos na recusa de qualquer politização imediata da teoria. Mas a nossa (velha) teoria tem um conteúdo político interno, uma dinâmica política interna que hoje, mais do que nunca, exige uma posição política concreta. Isto não significa dar "conselhos práticos", como me atribuis na tua entrevista ao "Spiegel". Nunca fiz isso. Como tu, considero irresponsável aconselhar do alto da escrivaninha a ação àqueles que estão dispostos, com plena consciência, a fazerem quebrar-se a cabeça pela sua causa. Mas, no meu modo de ver, isso significa que, para continuar a ser nosso "velho Instituto", devemos hoje escrever e agir diferentemente dos anos 30. Até mesmo a incólume teoria não está imune à realidade. Tão falso quanto negar a diferença entre ambas (como tu com razão censuras aos estudantes) é manter abstratamente a diferença na sua antiga configuração, quando a realidade na qual teoria e prática se incluem (ou se distanciam) se modifica.
De fato, não se deve "caluniar abstratamente" a polícia. É evidente que em determinadas situações eu também chamaria a polícia. Em relação à Universidade (e só em relação a ela) assim o formulei recentemente: "if there is a real threat of physical injury to persons, and of the destruction of material and facilities serving the educational function of the university". Por outro lado, acredito e repito que, em determinadas situações, a ocupação de prédios e a interrupção de aulas são atos legítimos de protesto político. Exemplo: na Universidade da Califórnia, após a inimaginável e brutal repressão da manifestação de maio em Berkeley.
Talvez o mais importante: não posso descobrir em mim a "frieza em cada um de nós" perante a terrível conjuntura; se for "auto-engano", já deve ter penetrado tanto na carne e no sangue que não é mais frieza. Da mesma forma, não é pelo menos possível que justamente a constatação da frieza seja auto-engano e "defense mechanism"? E, de qualquer modo, parece-me desumano que não se deva protestar contra o inferno do imperialismo sem ao mesmo tempo acusar aqueles que, desesperados, se defendem por todos os meios contra esse inferno. Como princípio metódico, transforma-se imediatamente em justificação e desculpa do agressor.
Passemos ao "fascismo de esquerda": não esqueci evidentemente que há "contradictiones" dialéticas -mas também não esqueci que nem todas as "contradictiones" são dialéticas-, muitas são simplesmente falsas. A esquerda (autêntica) não pode, "em virtude de suas antinomias imanentes", transformar-se na direita, sem mudar essencialmente sua base social e seu objetivo. No movimento estudantil nada indica uma mudança desse tipo.
Escreves, para introduzir teu conceito de "frieza", que, por nosso lado, também suportamos o assassinato dos judeus sem passar à prática, "simplesmente porque nos era vedada". Sim; e hoje, precisamente, ela não nos é vedada. A diferença entre as duas situações é a que existe entre fascismo e democracia burguesa. Esta nos dá também liberdades e direitos. Mas na medida em que a democracia burguesa (em virtude de suas antinomias imanentes) se fecha à transformação qualitativa, e isso por meio do próprio processo democrático-parlamentar, a oposição extraparlamentar torna-se a única forma de "contestation": "civil disobedience", ação direta. E as formas dessa ação não seguem mais o esquema tradicional. Nessas formas, há muitas coisas que condeno assim como tu, mas me conformo com elas e defendo-as contra seus adversários, porque precisamente a defesa e a manutenção do status quo e seu custo em vidas humanas são muito mais elevados. Aqui se encontra sem dúvida a mais profunda divergência entre nós. É para mim simplesmente impossível falar dos "chineses no Reno" enquanto os americanos estiverem no Reno.
É certo que tudo isso requer "conversas infindáveis". Não compreendo porque só Zermatt seria o "melhor lugar" para tal. Um lugar de mais fácil acesso para todos os participantes parece-me no campo do possível. De 16 de agosto a 11 de setembro estaremos na Suíça; de 4 de julho a 14 de agosto na casa de Madame Bravais Turenne, 06 Cabris, França.
Afetuosamente teu
Inclusão | 21/11/2018 |