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Na segunda metade do século XIX, as consequências da revolução industrial dos países da Europa e da América do Norte começaram a fazer-se sentir na Ásia e na África.
Ao roubo directo próprio do período de acumulação primitiva sucedeu-se a exploração dos países coloniais e dependentes como mercados de manufacturas e fontes de matérias-primas, cuja necessidade se fazia sentir cada vez mais pelos países capitalistas para a sua indústria em desenvolvimento. Nesta época todo o mundo estava ligado pelos tentáculos do capitalismo porque começava a formar-se pouco a pouco o mercado mundial.
As potências coloniais travaram lutas para consolidar e estender o seu controlo directo sobre os territórios coloniais que tinham conquistado. O controlo foi estabelecido e novos territórios foram tomados recorrendo-se a violentos conflitos económicos e militares.
Nos países que já eram possessões coloniais das potências europeias, os governadores estrangeiros tinham o monopólio do poder político que exerciam de muitas maneiras. A burguesia industrial dos países colonialistas começava agora a usar novos métodos para aprofundar a exploração das colónias através de uma administração colonial de sua própria criação. A Inglaterra, que, nesta altura, com boas razões, se proclamava a oficina do mundo e tinha a mais poderosa esquadra de todas as potências coloniais, foi o primeiro país a usar estes novos métodos numa escala verdadeiramente larga. Nas suas possessões coloniais tais como a Australiana Nova Zelândia e a África do Sul, onde a condições climáticas eram especialmente atractivas para os Europeus e a população local fora quase varrida ou expulsa das terras férteis, encorajou a colonização em larga escala. Desta altura, datam as grandes fazendas de cereais, de gado bovino, que forneceria lã à indústria europeia. Muitos foram os métodos utilizados para encorajar os trabalhadores rurais a emigrar para estes países, de modo a que os proprietários capitalistas ali instalados tivessem disponível uma grande quantidade de mão-de-obra.
Utilizando um instrumento específico, a Companhia das Índias Orientais, que, embora privada do monopólio comercial desde 1813, ainda mantinha a sua importância como órgão de administração colonial, a Inglaterra estabeleceu pouco a pouco o controlo sobre todo o vasto sub-continente.
Os poucos principados rajás e sultões que eram ainda independentes e tentaram resistir ao domínio da Companhia foram sujeitos a pressões militares. E mesmo os mais poderosos de entre eles não se revelaram capazes de oferecer resistência eficaz à Companhia, que nessa altura tinha consolidado já as suas posições, controlava vastos territórios e estava bem equipada de armas modernas. Os povos da Índia não renunciaram à sua luta desigual contra os colonialistas mas ainda não havia uma classe capaz de fornecer a necessária chefia e organização.
Acresce ainda que a maior parte dos rajás, nababos e sultões contentavam-se com poder continuar a explorar feudalmente a população local nos seus principados, que eram «autónomos». Nos territórios administrados pelos ingleses os nobres proprietários de terras tornaram-se desde logo aliados e leais defensores das autoridades estrangeiras.
Onde quer que encontrassem povos que tentassem defender a sua independência, os ingleses utilizavam a força bruta. Em 1817, depois de desencadear a guerra contra os principados Maratha, a Companhia anexou os domínios do peshwa Baji Rao que tentou resistir-lhes e demitiu-o. Protegidos ingleses foram instalados nos tronos dos principados Maratha de Gwalior e Nagpur. Outros principados Maratha cujos territórios foram desmembrados pelos Ingleses tornaram-se Principados «autónomos», que reconheciam a soberania da Companhia e obedientemente cumpriam as instruções do Residente Britânico instalado na corte do soberano local.
No Punjab, os Sikhs continuaram fiéis ao seu tradicional amor à liberdade e defenderam lealmente a sua independência. O talentoso estadista e comandante de origem nobre, Ranjit Singh (1780-1839), conseguiu estender o seu domínio a outros sirdars vizinhos, consolidando o poder central nos seus domínios e organizando um exército eficiente. Não tendo privado os camponeses do seu direito de estabelecerem comunas nem sobrecarregado o povo com impostos injustos, Singh garantiu um vasto apoio popular. Ranjit Singh declarou-se marajá e conseguiu alargar consideravelmente as fronteiras do Estado sikh, (Kaahmir, Multaç e Pedhawar foram anexados). O Estado sikh foi praticamente o último principado independente da Índia. Os ingleses não estavam dispostos a tolerar esta situação depois de terem derrotado Sind e já aspiravam a espalhar o seu domínio não só sobre o Punjab mas também ao vizinho Afeganistão. A principal atracção do Afeganistão estava no facto de que abria o caminho à penetração na Ásia Central e à consolidação da influência inglesa na Pérsia. Depois da morte de Ranjit Singh a Companhia explorou a discórdia que surgiu com a sucessão dinástica e a rivalidade entre os nobres Sikh. Em duas sangrentas guerras (1845-1846 e 1848-1849), que custaram muitas vidas, as tropas britânicas conseguiram derrotar os Sikhs. Então o Punjab foi anexado e tornou-se uma nova província da Índia Britânica. Os Ingleses fixaram fortes guarnições na área, constituídas sobretudo por forças britânicas. Mas tiveram o cuidado de não tocar nos privilégios dos Sirdars, que se passaram para o seu lado, e de início viram-se obrigados a restringir a exploração do campesinato local e a entrar em negociações com as comunas camponesas tradicionais.
Depois de completar a conquista da Índia, à qual foram também anexados o Assam e outras províncias do norte de Burma (depois da guerra de 1824), a burguesia inglesa começou a introduzir novos métodos de uma política colonial mais ampla. Organizaram-se plantações de algodão, juta e chá, utilizando trabalho não especializado. Ora a venda de mercadorias britânicas na Índia e a exportação de matérias-primas exigia melhores comunicações e facilidades de transporte, e mais portos. Nos meados do século XIX empresários ingleses abriram as primeiras fábricas têxteis em Calcutá e Bombaim onde camponeses e artesãos empobrecidos forneciam uma larga fonte de trabalho barato. Também apareceram fábricas têxteis pertencentes a indianos.
A importação de produtos manufacturados e o desenvolvimento de manufacturas na própria Índia aceleraram o empobrecimento e a mina dos artesãos locais. As comunas camponesas começaram a perder a sua antiga auto-suficiência como unidades económicas individuais. A deslocação do trabalho camponês para a indústria e a expansão no mercado local de mercadorias inglesas provocou importantes alterações na política de impostos sobre a terra.
No entanto, a gradual estratificação do campesinato e a compra da terra, foram seguidas pela introdução de padrões económicos capitalistas mas só em pequena escala. As altíssimas rendas semi-feudais, que condenavam os camponeses à pobreza e à ruína, fazendo deles pouco mais do que pobres e escravos por dívidas, continuavam a ser o padrão predominante na agricultura. Os elevados impostos exigidos pelos colonialistas pela terra e pelo fornecimento de água, o imposto de consumo e os impostos directos, serviram para agravar ainda mais a situação dos camponeses. O descontentamento das grandes massas de camponeses, especialmente nas áreas onde a exploração colonial era praticada desde há muito, cresceu rapidamente. Mas a oposição não vinha só dos camponeses. Começou a crescer também entre certos sectores da nobreza e vários príncipes, agora que a Inglaterra, depois de conquistar toda a Índia, considerava supérfluo manter principados autónomos, cujas autoridades costumavam exigir aos seus camponeses impostos em géneros, acumular grandes riquezas e sustentar magníficos palácios e haréns.
No tempo do governo geral local, Lord Dalhousie, que dedicou muita da sua energia à criação das condições necessárias para introduzir estes novos tipos de exploração, alguns principados (como Oudh, Satara e Jhansi) foram abolidos como entidades autónomas e tornados território britânico. A penetração de capital europeu em regiões onde as economias feudal ou semi-feudal ainda dominavam, acarretou a ruína e a pobreza para mais largos sectores da população.
Em meados do século XIX, uma penetração cada vez maior do capital europeu nos ainda independentes estados orientais, trouxe-lhes também o empobrecimento dos artesãos locais devido ao declínio do comércio externo independente e a uma deterioração da posição dos operários. As potências europeias tomaram posições na Turquia e no Irão por meio de tratados unilaterais ou «capitulações» e asseguraram aos seus súbditos a imunidade às leis locais assim como privilégios comerciais e económicos. Entretanto, os chefes locais e os sultões, ou xás, em combinação com os escalões mais altos da burocracia e das ordens religiosas, intensificaram a exploração dos trabalhadores.
Depois de o Império Otomano e a Pérsia terem perdido alguns dos seus territórios vassalos e de o movimento de libertação dos povos eslavos oprimidos se ter tornado muito mais forte e de se fazerem sentir tendências separatistas entre os nobres mais poderosos e os chefes tribais, os representantes mais esclarecidos das classes dominantes começavam a compreender a urgente necessidade de várias reformas. Contudo, as tentativas para introduzir essas reformas, que se destinavam a assegurar a consolidação das monarquias feudais e não a modificarem os princípios básicos de relações económicas feudais, não podiam deter o domínio crescente das potências estrangeiras e dar ao Império a possibilidade de ultrapassar a profunda crise da economia feudal.
Depois de várias tentativas mal sucedidas de introduzir reformas militares e administrativas por parte de Selim III e do talentoso estadista Bairakdar Paxá de Widdin, o Império Otomano perdeu gradualmente os territórios subjugados, em consequência ou de anexação pela potências europeias ou de luta de libertação dos povos não-turcos.
A luta dos gregos e dos povos eslavos da península dos Balcãs foi utilizada pelas grandes potências europeias para promover os seus próprios interesses naquela área. Houve renhida rivalidade pela partilha de esferas de influência entre a Rússia, a Inglaterra, a França e a Áustria. As potências europeias estavam unidas nos seus esforços para impedir o avanço da Rússia em direcção ao Bósforo e a sua crescente influência entre os Sérvios, os Búlgaros e outros povos eslavos, mas lutavam uns com os outros pelo domínio daquela região. O Egipto ia tornar-se a arena da amarga rivalidade entre a Inglaterra e a França.
Sob o governo de Mohmmed Ali, continuando embora a fazer parte do Império Otomano, o Egipto empreendeu o seu desenvolvimento por uma via independente. Confiando no apoio do povo egípcio, que se opunha ao domínio turco, Mohammed Ali introduziu algumas reformas administrativas e militares. Encorajou o desenvolvimento das colheitas industriais (sobretudo a do algodão), a construção de fábricas, e, para equipar melhor o exército, mandou construir fábricas de munições e estaleiros. A Inglaterra e a França tentaram aproveitar este enfraquecimento da dependência do Egipto em relação à Turquia e o desenvolvimento de relações com potências estrangeiras, para tentar controlar o país.
A política de Mohammed Ali, que protegia os interesses dos proprietários egípcios, que tinham interesses na produção de artigos, e da burguesia nascente, era, apesar disso, de tipo progressista, porque desempenhou um papel importante no caminho do Egipto para a independência. Entretanto, Mohammed Ali não só se recusou a apoiar a luta de libertação de outros povos oprimidos do Império Otomano como ainda enviou tropas para ajudar os Turcos a esmagarem o movimento de libertação árabe e a exercer cruéis represálias contra os gregos durante a Guerra de Independência grega em 1824-1827. O motivo que levou Mohammed Ali a seguir esta política era a esperança de estender as fronteiras do seu próprio estado e de levar os sultões turcos a reconhecerem a independência do Egipto.
A derrota da Turquia na guerra com a Rússia (1824-1829) e as lutas de libertação dos Sérvios e dos Gregos enfraqueceram duramente o Império Otomano. O Tratado de Adrianópolis subtraiu ao domínio turco, territórios no Cáucaso e no Delta do Danúbio e além disso obrigou a Turquia a reconhecer a independência da Sérvia e da Grécia e a pagar uma grande indemnização de guerra.
O exército otomano foi derrotado mais uma vez na guerra com Mohammed Ali, que começou pouco depois do tratado de Adrianópolis ter sido concluído. Tropas egípcias ocuparam a Síria, a Palestina e a Silícia e marcharam para Anatólia, ameaçando a Sublime Porta. A Rússia foi a única das grandes potências que concordou em vir em auxílio do Sultão quando ele o solicitou às potências europeias. A França, esperando aumentar a sua própria influência, apoiou Mohammed Ali. Entretanto a Inglaterra, receando que a influência francesa fosse consolidada se o chefe egípcio conseguisse derrotar os Turcos, decidiu opôr-se a este avanço fazendo interferir o Império Austro-Húngaro. Quando a esquadra russa entrou no Bósforo e as forças, russas desembarcaram perto de Istambul, as potências ocidentais, grandemente alarmadas, conseguiram convencer a Turquia e o Egipto a assinar um compromisso, pelo qual Mohammed Ali reconhecia o governo nominal do Sultão e retirava as suas tropas, enquanto o sultão por seu lado concordava que as partes ocidentais da Síria, da Palestina e da Silícia fossem administradas pelo Egipto. As tropas russas voltaram a ser chamadas, mas pelo tratado de Unkiar-Iskelessi a Rússia fez à Turquia uma promessa de ajuda militar em caso de voltarem a rebentar as hostilidades e o Sultão concordou em fechar os Dardanelos a todos os navios estrangeiros excepto os da Rússia em caso de guerra.
Os membros mais esclarecidos da nobreza turca tinham consciência da urgência de reformas para salvar o império periclitante. O sultão Mahmud II aboliu o sistema feudal e dissolveu o corpo de janízaros. Tendo falecido num momento crítico, precisamente quando a guerra com Mohammed Ali tinha voltado a rebentar, quando este último exigiu que fossem reconhecidos os seus direitos hereditários a todos os territórios que governava, guerra em que as potências europeias iam decerto intervir, o seu sucessor Abdul-Mejid I anunciou a promulgação de uma nova série de reformas. O decreto de 1839 foi elaborado pelo ministro dos negócios estrangeiros, que fora educado na Europa, Mustafa Rechid, e prometia fazer aprovar uma lei que garantisse a segurança da vida, propriedade e honra de todos os cidadãos do Sultão qualquer que fosse a sua religião, uma justa distribuição dos impostos, a abolição do sistema de herdades e reorganização do recrutamento para o exército.
O período que começou com este decreto é conhecido na história da Turquia como o período do tanzimat (transformação, reformas) e dura aproximadamente três décadas. As reformas introduzidas neste período eram sem dúvida reformas de cúpula, que pouco fizeram para ameaçar os interesses das classes dominantes. A promessa de segurança de vida, da propriedade, da honra e a abolição da discriminação contra os povos não-turcos seriam reformas no papel. Sectores influentes da nobreza opuseram-se às reformas e mesmo aqueles que as apoiavam viam-nas como pouco mais do que um meio de este Império feudal multinacional consolidar o seu poder, e não tinham intenção de pôr em causa a estrutura da sociedade feudal. Estas limitadas reformas que eram frequentemente derrogadas e logo reintroduzidas, nada fizeram para conter a luta dos povos não-turcos oprimidos ou para impedir a penetração das potências estrangeiras no comércio e na economia do país.
Na Conferência de Londres de 1840 as potências ocidentais conseguiram que a questão da passagem pelo Bósforo fosse sujeita a controlo internacional, anulando assim o tratado de Unkiar-Iskelessi. A cada vez mais forte penetração económica das potências estrangeiras e dos seus artigos manufacturados tornaram a crise deste império feudal ainda mais aguda, porque as condições necessárias para o aparecimento do capitalismo local ainda não estavam realizadas.
Entretanto, os conflitos entre as várias potências europeias na sua luta pela influência no império em geral e em várias partes dele, tornaram-se cada vez mais agudas. A Inglaterra e a França tinham tomado parte activa na guerra russo-turca de 1853-1866, marchando uma força expedicionária para a Crimeia. O Tratado de Paris de 1856 tirou à Rússia muitas das suas antigas possessões territoriais e o direito de manter uma esquadra militar no mar Negro e a facilidade de manter fortificações militares nas suas costas. A Conferência de Londres decretou que as potências europeias eram responsáveis pela «integridade e independência do Império Otomano».
Contudo, embora a Turquia estivesse formalmente entre os vencedores da Guerra da Crimeia, a dependência dos seus «aliados» — a França e a Inglaterra — que tinha aumentado durante o período da guerra, continuou ainda a crescer. O gradual enfraquecimento e declínio do império determinaram a sua inevitável transformação num apêndice das potências europeias desenvolvidas.
As reformas introduzidas pelo Grão-Vizir da Pérsia, Emir Nasir-al-Mulk foram de carácter ainda mais limitado. Na Pérsia, o sector da classe dominante que estava disposto a realizar algumas reformas era ainda mais restrito do que na Turquia. Aqui, mais uma vez, tentativas de consolidar o poder central e de reorganizar a burocracia administrativa foram conduzidas num fundo de amarga rivalidade entre as potências europeias pelo controlo da influência na Pérsia. E o fundo da cena foi dominado pela rivalidade entre a Rússia e a Inglaterra.
Além da crescente penetração de artigos manufacturados estrangeiros que levou a desastrosas consequências para a economia em geral, e em particular para a economia natural das áreas rurais do país, as contradições internas aumentaram como resultado da política de confiscar as terras aos camponeses, seguida pelos nobres e pelos partidários do Xá e por causa da crescente luta separatista entre os Khans das tribos maiores. As potências coloniais, em particular a Rússia e a Inglaterra, exploravam os feudos tribais para atingirem os seus fins.
Assim se pode ver que nas regiões da Ásia e do Norte de África a condição cada vez pior das massas estava pouco a pouco a levar a uma situação em que a resistência popular era inevitável. Esta resistência foi dirigida contra formas cruéis de exploração feudal e contra o poder ilimitado de hierarquias e burocracias feudais, e contra os colonialistas estrangeiros. A actividade dos estrangeiros que agravou a crise do sistema feudal favorecia a conservação de certas práticas feudais, travando o processo da evolução social necessária para acabar com a sociedade feudal.
Os movimentos populares que surgiram neste período e que seguiram todos eles, tácticas de luta armada tinham muito em comum, porque vinham todos eles de desenvolvimentos semelhantes ocorridos em todos os países coloniais e dependentes. Contudo, condições locais específicas determinavam diferenças várias dentro deste enquadramento geral.
Nos países que haviam sido transformados em colónias de potências europeias, a resistência popular dirigiu-se primeiro e sobretudo contra os invasores estrangeiros, em quem as massas viam os principais exploradores e a principal fonte do seu sofrimento e opressão. Por vezes, nestas situações, sectores da nobreza local que ainda não se haviam tornado aliados e sequazes dos colonialistas também tomavam parte nos movimentos de resistência.
Nos países que conservavam uma independência formal (China, Pérsia e Império Otomano) a resistência popular centrou-se na nobreza feudal no poder. Em algumas ocasiões, os líderes destes movimentos de resistência, que eram chefiados por camponeses e pobres das cidades, viram nos Europeus um elemento que podiam utilizar na sua luta contra os padrões feudais de exploração do seu país.
Como a maior parte dos movimentos populares nesta fase do desenvolvimento histórico, ainda antes do aparecimento de classes capazes de organizar uma efectiva oposição ao feudalismo, estas revoltas na Ásia e na África tinham um carácter religioso ou sectário, que reflectia as velhas aspirações do campesinato a um «nivelamento» das distinções sociais e de propriedade, e uma idealização da comuna tradicional. Isto verificou-se tanto na revolta T’ai P’ing na China como na revolta Babista da Pérsia.
O único grupo organizado da Índia naquele período era o das tropas Sepoi. Os soldados indianos e os oficiais mais novos representavam a atitude anti-britânica das massas de camponeses e de outros sectores da população com quem tinham muito em comum. Além disso, em meados do século XIX, a sua própria condição tornou-se muito mais difícil do que antes. As autoridades britânicas depois de completarem a conquista do país, ignoravam praticamente as necessidades e os desejos das suas tropas indianas, cujos Salários e pensões foram logo cortados. Estas tropas foram, além disso, submetidas à discriminação racial, a humilhações e maus tratos às mãos de arrogantes chefes ingleses. Os sepoi eram finalmente os militares com menor propensão a deixar-se conduzir pela Inglaterra para o Afeganistão, a China, e a Pérsia.
A revolta dos Sepoi em Meerut marcou o início de uma revolta nacional em larga escala que deu expressão à amarga indignação do povo pelo modo como os ingleses o tratavam. Em 10 de Maio de 1875, o destacamento Sepoi de Meerut, com o apoio dos habitantes locais, pegaram em armas e libertaram alguns soldados que tinham sido presos na véspera por insubordinação. Depois de matarem os oficiais da guarnição britânica, os regimentos Sepoi marcharam para a velha capital do seu país, Deli. Pelo caminho juntou-se-lhes um grande número de camponeses. As forças britânicas conseguiram defender a guarnição de Meerut mas estiveram cercados durante bastante tempo por camponeses revoltosos das aldeias vizinhas.
Ao chegarem a Deli, ajudados por destacamentos indianos locais e pelos habitantes locais, o exército revoltoso não teve dificuldade em tomar a cidade e limpá-la da pequena guarnição inglesa.
O último representante do Grande Mogol que era pouco mais que um impotente peão a soldo dos ingleses, o velho Bahadur Chafa II, foi proclamado chefe de toda a Índia. Ao restaurarem o Império dos Grandes Mogols os soldados revoltosos e o povo como que simbolizavam a abolição do domínio estrangeiro e a sua independência reconquistada. Ora depois da captura de Deli começaram a estalar revoltas em várias outras cidades ao longo dos vales do Ganges e do Yumna na Índia Central, onde os governos locais, recentemente privados dos seus domínios e privilégios, iam tomar parte activa na luta. Em Cawnpore o filho do último pechwa Maratha. Nana Sahib, a quem o governador Daíhouisie tinha excluído da sucessão, desempenhou um papel importante na preparação e condução da revolta.
Em 4 de Julho dois regimentos Sepoi, em colaboração com Nana Sahib, apoderaram-se do arsenal e da prisão de Cawnpore e libertaram os prisioneiros. Os restantes destacamentos Sepoi da área e os habitantes locais acorreram imediatamente em seu auxílio. Formaram-se bandos de camponeses e artesãos armados e Nana Sahib declarou-se pechwa, reconhecendo o Grande Mogol como seu suserano. No fim de um mês, os oficiais britânicos cercados foram obrigados a render-se. No principado de Thansi, que fora anexado por Daíhouisie, os Sepoi também se revoltaram e parte deles foi juntar-se aos defensores de Deli. Em Oudh, que tinha sofrido um destino semelhante ao de Yhansi, começaram a fazer-se preparativos para uma revolta logo a seguir à anexação. Um dos líderes mais activos desta revolta foi Ahmed Ohah, poderoso proprietário a quem os ingleses tinham tirado as terras.
Os seus discursos inflamados, com exortações religiosas, denunciavam os baixos motivos que estavam subjacentes às políticas dos colonialistas e mobilizavam vastos sectores de massas para a luta. Foram os camponeses que primeiro se revoltaram em Oudh na região de Lucknow. Os destacamentos Sepoi que foram enviados a esmagar esta revolta passaram-se para o lado dos camponeses. Os destacamentos Sepoi estacionados em Lucknow revoltaram-se quase na mesma altura e com o apoio dos habitantes da cidade conseguiram tomar a cidade. A dinastia Oudh que fora deposta pelos Ingleses declarou-se mais uma vez no Poder. Entretanto, na residência fortificada do governador local e na área vizinha, os Ingleses conseguiram aguentar-se.
Os êxitos alcançados por esta revolta, conhecida por Motim Indiano, e abolição do domínio colonial em algumas áreas entre Deli e Calcutá semearam o pânico entre as autoridades britânicas, que nos principais locais da revolta dispunham apenas de pequenas forças. Os Ingleses de resto não se sentiam muito seguros das suas posições no Sul, nem da lealdade de vários dos seus protegidos entre a nobreza local. Apesar de cruéis medidas de precaução, os Ingleses receavam ainda uma revolta na própria capital colonial — Calcutá.
No entanto, os pontos fracos da revolta em breve se revelariam. A falta de centralização e de objectivos claros tornaram as acções dos revoltosos de Sepoi muito menos eficientes do que o podiam ter sido. Com raras excepções não haviam de aparecer verdadeiros líderes saídos das fileiras de camponeses e artesãos que tinham tomado parte activa na luta, embora lutassem nas batalhas contra os Ingleses seguindo obedientemente os nobres, sacerdotes e mullahs locais então no Poder. Além disso, os nobres que se opunham activamente ao domínio britânico foram incapazes de chegar a um acordo entre si e de organizar uma luta de união.
Acresce ainda que a aliança entre os colonialistas e alguns chefes locais em muitas regiões seria fatal para o futuro da revolta, porque nesta altura já os Ingleses tinham acumulado uma grande experiência da utilização das lutas nacionais religiosas e da falta de unidade da Índia para conseguirem os seus fins.
No Punjab, por exemplo, os Ingleses conseguiram o apoio dos sirdars que se tinham posto do seu lado não só para esmagarem revoltas coloniais locais mas também para utilizar as tropas dos nobres Silm e dominar o motim noutros sítios. Os Ingleses conseguiram mandar um exército de quarenta mil homens para esmagar a revolta no seu centro principal para tomar Deli.
Este exército cercou a antiga capital, que resistiu quatro meses, graças à heroicidade das tropas revoltosas e aos habitantes da cidade. Regimentos Sepoi e unidades Whahhabitas chefiadas por um oficial Sepoi vieram em seu auxílio de outras partes do país. Às massas populares coube um papel importante na defesa da cidade. Instituiu-se um conselho revolucionário, formado por representantes dos vários regimentos Sepoi, e um com um comandante-chefe eleito. O Conselho promulgou um conjunto de medidas que promoviam os interesses do povo e eram destinadas a manter a ordem e a organização da cidade cercada. Os impostos do sal foram abolidos e os ricos mercadores foram obrigados a pagar pesados impostos. O açambarcamento de víveres ficou sujeito a pesadas sanções. O Conselho exigiu que o imperador Baradur II tomasse medidas para melhorar as condições dos camponeses e acabasse com a corrupção do sistema de cobrança de impostos. Contudo, as divergências entre várias facções da nobreza e os seus representantes no Conselho e as massas populares vieram logo à superfície e ameaçaram a unidade da cidade. Muitos dos nobres começaram então a manifestar a sua relutância em resistir mais tempo contra os Ingleses. Quando em Setembro de 1857, estes receberam novos reforços com artilharia de cerco, estavam prontos para lançarem um assalto à cidade que só caiu após demoradas batalhas. Os Ingleses celebraram a sua vitória com cruéis represálias. Muitos habitantes deixaram Deli na peugada que ficara das tropas revoltosas.
Bahadur Chah II mais tarde rendeu-se aos ingleses depois de lhe prometerem que a sua vida e a dos seus filhos seriam poupadas. Porém, pouco depois, um oficial britânico ordenava que matassem os príncipes e mais tarde Bahadur Chah morreu no exílio.
Depois de pôr cerco a Deli com um exército vindo do Punjab, o alto comando inglês varreu os centros de revolta no vale dos Ganges com tropas enviadas de Calcutá. Os Ingleses tomaram Allajabad e Benares e depois Cawnpore em Julho de 1857 apesar da decidida resistência da população local. Os restos do exército de Nana Sahib continuaram a resistir aos Ingleses mesmo depois de terem sido obrigados a retirar das posições que ocupavam. No Outono daquele ano, apesar de enérgicos esforços da parte do novo chefe de Cawnpore instalado pelos Ingleses, tropas Sepoi de Gwalior e alguns dos destacamentos, que tinham chegado até lá depois de Deli cair às mãos dos Ingleses, reuniram-se para apoiar Nana Sahib. Embora a resistência popular continuasse nesta região, entretanto eram mandadas para Oudh tropas britânicas. Em Novembro de 1875, os Ingleses conseguiram ir até Lucknow e libertar a guarnição cercada e os ingleses que lá se tinham refugiado. Contudo, não conseguiram retomar o controlo da cidade e retiraram-se para Cawnpore.
Só depois de trazerem novos reforços da Pérsia e de desviarem tropas que iam de Singapura para a China é que os Ingleses conseguiram exercer uma maior pressão sobre as forças de Nana Sahib e contra a Índia Central de Oudh. Na Primavera de 1858, um exército de setenta mil homens estava reunido para operações nesta área. Em Março tropas inglesas cercaram Lucknow, a capital de Oudh.
Entretanto, em Oudh o conflito entre as massas populares e os representantes da nobreza envolvidos na campanha estava a destruir o movimento de resistência. Em Janeiro de 1858 houve mesmo escaramuças armadas entre algumas das unidades comandadas por Ahmed Xá e as que eram comandadas por certos nobres. Daqui o enfraquecimento da resistência dos revoltosos perante o soberbamente equipado exército britânico. Em 14 de Março, Lucknow caiu e seria cenário de brutais represálias e de saques que duraram mais de duas semanas.
Apesar de tudo, Ahmed Xá conseguiu conservar intacta uma parte considerável do seu exército. Não abandonou a luta que, depois da tomada de Lucknow, continuou sobretudo na forma de actividades de guerrilha contra as tropas britânicas numericamente superiores. Na Índia Central salientou-se, nesta época, um talentoso líder de guerrilha. A Tani (rainha hindu) de Yhansi ia inspirar os resistentes com a sua tremenda coragem na luta. Quando a capital de Yhansi foi tomada pelos Ingleses em Abril de 1858, esta conseguiu fugir para lugar seguro. Depois de se juntar às forças de Tantia Topi, morreu mais tarde num recontro com as tropas colonialistas.
A actividade de guerrilha continuou, mas os resistentes encontravam-se numa posição cada vez mais difícil. Pouco a pouco, os nobres leais aos ingleses começaram a dar-lhe um apoio mais activo e cada vez maior número de nobres que tinham tomado parte na revolta decidiram passar-se para o lado dos Ingleses. As intrigas britânicas eram feitas todas neste sentido. O Acto da Índia de 1858 dissolveu a Companhia das Índias Orientais, pôs a Índia sob o controlo directo da Coroa Inglesa e garantiu a imunidade dos domínios dos príncipes e nobres. Numa proclamação real, a Rainha Vitória decretou solenemente que os direitos, honra e dignidade dos príncipes nativos seriam escrupulosamente respeitados.
Então muitos príncipes locais ajudaram activamente os Ingleses a esmagar a resistência popular. Foi, aliás, um deles que conseguiu capturar Ahmed Xá, vendendo-o aos Ingleses por cinquenta mil rupias. Intrigas semelhantes levaram à captura e à denúncia de Tantia Topi aos Ingleses.
As autoridades inglesas exerceram cruéis represálias contra os destacamentos de guerrilha. Entretanto, eram obrigados a tomar certas medidas para atenuar as profundas contradições do sistema agrário. A lei de 1859 que estabeleceu rendas fixas para as terras serviu para impedir as práticas arbitrárias dos proprietários. Também reconheceu o direito hereditário do rendeiro às parcelas que trabalhasse durante mais de treze anos.
Esta grande revolta popular, conhecida como o Motim Indiano, foi finalmente derrotada. Não havia ainda na Índia uma classe capaz de assegurar uma chefia eficiente. A nobreza, de que um sector tinha feito uma última tentativa para pôr fim ao domínio britânico, era agora para todos os efeitos aliada dos Ingleses. Não se haviam reunido na Índia dos meados do século XIX as condições necessárias para garantir a unidade organizada para uma luta generalizada. Contudo, a revolta falhada de 1857- 1859, não foi um esforço inteiramente vão. Apontou as grandes possibilidades de resistência das massas e foi uma fonte de inspiração para os patriotas indianos. A experiência adquirida pelas massas de camponeses que tinham tomado parte no motim revelar-se-ia extremamente valiosa em fases subsequentes do movimento de resistência popular.
As causas das revoltas populares na Pérsia em meados do século XIX foram as mesmas que estiveram subjacentes aos movimentos ocorridos noutros países asiáticos. A penetração europeia deste país ainda independente serviu para minar a ordem feudal.
As medidas arbitrárias e a exploração feudal das autoridades locais trouxe às massas provações particularmente cruéis, num período em que as economias naturais tradicionais estavam em declínio. Por isso, na Pérsia, como na China, a revolta popular, foi dirigida primeiro e sobretudo contra os proprietários locais e seus abusos. Nesta luta havia também os inevitáveis elementos sectários religiosos. As características religiosas comuns aos movimentos populares numa dada fase de desenvolvimento histórico assumiriam relevo particular nos países muçulmanos, onde a religião oficial do Estado era muitas vezes a base do direito civil e criminal.
As revoltas babistas estiveram ligadas a um movimento sectário, que apareceu pela primeira vez no início do século XIX, o da seita Xiita. Os adeptos desta seita acreditavam no iminente aparecimento do imã Mahadi que anunciara uma era de justiça na Terra. Antes da vinda deste novo Messias, esperava-se o aparecimento de um mensageiro que anunciaria a vontade do Messias e representaria um Bab (ou portão) através do qual seria enviada ao povo a nova revelação divina.
Em 1884, um dos seguidores do culto, Mirza’Ali Mohammed declarou ser o Bab e começou a propagar a sua doutrina que representava uma continuação dos preceitos Xiita. Os seus discípulos e seguidores vieram a ser conhecidos por babis. A doutrina do Bab, segundo a qual o reino de justiça seria estabelecido na Terra, e a sua denúncia das injustiças e da opressão feita pelos chefes religiosos e temporais, encontrou aceitação entre os artesãos, os camponeses e os escalões mais baixos da hierarquia religiosa. De início, o Bab esperava mesmo converter o Xá e membros do seu séquito. No entanto, as autoridades começaram logo a perseguir os babis e finalmente capturaram e prenderam o próprio Bab. Enquanto esteve na prisão, o Bab declarou ser o imã Mahadi. Manteve íntimo contacto com os seus devotos e o seu livro intitulado Bahain (Revelação) tentava sistematizar e dar bases religiosas e filosóficas à sua doutrina.
O Bab afirmava que havia leis religiosas enunciadas nos livros dos profetas, que correspondiam às necessidades de cada era da história humana. Os Livros de Moisés, os Evangelhos e o Corão haviam correspondido às necessidades de uma época específica. Afirmava também que nesta altura o Corão já estava antiquado e que tinha chegado a hora de os homens adoptarem uma nova religião e novos escritos sagrados, que o Bab apresentava sob forma do seu Bahain.
De acordo com os ensinamentos do Bab, o reino de justiça seria estabelecido em todo o Mundo mas primeiro apareceria nas cinco principais províncias da Pérsia. Todos os que não aceitassem o ensinamento de Bab e todos os estrangeiros, seriam banidos da Terra e as suas propriedades seriam confiscadas e distribuídas entre os babis. No reino dos babis seria proclamado o princípio da igualdade universal e homens e mulheres teriam direitos iguais. Embora a doutrina do Bab exprimisse as velhas aspirações antifeudais das massas populares, reflectia ainda mais os interesses da classe mercantil à qual pertencia o próprio Bab. Não foi por acaso que, juntamente com as suas promessas de manter a inviolabilidade pessoal de propriedade e de domicílio, havia ainda a promessa de abolir a censura da correspondência comercial, de tornar obrigatório o pagamento de dívidas, de reconhecer o juro sobre empréstimos e o direito de os mercadores viajarem para além das fronteiras do «reino babista» para realizarem as suas actividades comerciais.
Entretanto, muitos adeptos do Bab, sobretudo camponeses e artesãos, introduziram na sua doutrina as suas próprias ideias sobre a igualdade. Muitos discípulos do Bab foram mais longe do que o seu mestre em exprimir as esperanças do povo. Por exemplo, o mullah Mohammed-Ali de Barfurush, que era ele próprio de origem camponesa, ensinava que no reino babista «todas as pessoas de elevada posição teriam uma posição baixa, enquanto todos os que tivessem posição baixa chegariam a uma posição elevada» e que não haveria impostos nem prestação de serviços obrigatórios para os camponeses.
Numa reunião babista em 1848 na aldeia de Badesht, entre mais de trezentos representantes de várias regiões, como resultado da considerável influência exercida por Mohammed-Ali, de Barfurush, e da pregadora Kurrat Ulygain estas novas ideias foram oficialmente adoptadas pelo movimento, e subsequentemente divulgadas pelos vários babis quando regressaram à sua terra natal.
À morte de Mohammed Xá no Outono do mesmo ano seguiu-se a inevitável disputa sobre a sucessão e a redistribuição de alguns importantes cargos oficiais. Muitos babis pensaram que chegava o momento propício para começar a luta armada. Na província de Mazanderan cerca de setecentos babis de Barfurush acamparam a quinze milhas da cidade e começaram a construir uma fortaleza. Em breve mais de dois mil camponeses e artesãos de várias aldeias e cidades se lhes reuniram. Sob a chefia de Mohammed Ali tentaram dar começo ao estabelecimento do «reino da justiça». Toda a propriedade foi declarada comunal e todos foram obrigados a trabalhar de acordo com princípios comunais.
Os revoltosos receberam auxílio considerável dos camponeses que lhes deram alimentos, gado e alimento para o gado. As tentativas das autoridades locais para esmagarem este núcleo do «reino babista» falharam: destacamentos das tropas do Xá mandadas da capital foram vencidos. Este êxito em Mazanderan inspirou os babis doutras regiões a seguirem-lhe o exemplo e em algumas cidades fizeram-se preparativos para uma luta armada.
No início de 1849, novas unidades de tropas governamentais aproximaram-se de Sheikh-Tebersi, onde cercaram os revoltosos, cortando-lhe os fornecimentos. Apesar de desesperada escassez de alimentação e de munições, os babis aguentaram com valentia até Maio contra um exército de sete mil homens do Xá. Em Maio, os que restavam dos defensores da cidade renderam-se depois de lhe terem prometido que as suas vidas seriam poupadas. Contudo, foram todos mortos selvaticamente.
A derrota dos babis em Sheikh-Tebersi não impediu os babis doutras regiões de continuarem a preparar uma revolta em Yazd. que as tropas do governo, aliás, não demoraram a esmagar. Porém, alguns destes babis conseguiram fugir às represálias tomadas e, chefiados por Said Yahya, dirigiram-se para o Sul de Yazd, a Nevriz. Aqui, em Junho de 1850, estalou outra revolta que teve grande apoio dos camponeses locais. Mas, mais uma vez, as autoridades locais, armadas como estavam de artilharia, conseguiram capturar rapidamente Nevriz e submeter os revoltosos. Entretanto, como resposta às cruéis represálias tomadas contra os babis, pouco tempo depois iniciava-se uma nova e mais poderosa vaga de revoltas.
Em Zanjan (Azerbejão Persa), os babis arranjaram muitos adeptos e em cerca de 1849 já tinham adquirido uma influência considerável nas cidades. A prisão de um babi em Maio de 1850 foi pois suficiente para provocar a insurreição. Não tardou que a maior parte da cidade* ficasse nas mãos dos babis. Comandados por Mohammed-Ali, de Zanjan, o ferreiro Kazem e o padeiro Abdullah, os babis começaram a preparar-se para aguentar o cerco. O primeiro ataque das forças do Xá foi repelido. Todos os habitantes, incluindo mulheres e jovens, tomaram parte na defesa da cidade.
No início de Julho de 1850, as autoridades decidiram que Bab fosse executado, esperando assim impedir que a revolta se espalhasse pelo país. No entanto, esta medida não conseguiu os resultados almejados. Os babis em Zanjan ofereceram forte resistência até quase ao fim de 1850 e só foram derrotados quando foram atacados por um exército de trinta mil homens apoiado por força de artilharia. Não houve piedade nem para as crianças nem para os velhos que estavam entre os defensores da cidade.
Entretanto, antes de Zanjan se render estalou outra revolta entre os camponeses de Neyriz e nos distritos vizinhos. Levados até ao desespero por uma dura exploração, estes abandonaram as suas aldeias e retiraram-se para as montanhas onde se fortificaram. Os camponeses opuseram uma resistência pertinaz às forças governamentais, utilizando a guerrilha para lhes apanhar as espingardas e os canhões.
Finalmente, as forças do Xá cercaram os insurretos e com a ajuda de tribos montanhesas conseguiram desalojá-los quase homem a homem. Seguiu-se uma repressão muito cruel. Os prisioneiros foram queimados vivos, torturados e até usados como balas de canhão.
Pelos fins de 1850, as autoridades conseguiram dominar todos os centros de revolta. Os redutos isolados continuaram a resistir mas nos fins de 1852 foram rapidamente eliminados.
Um atentado falhado contra a vida do Xá Nasr ed-Din em Agosto de 1850, deu como resultado a execução de 28 babis na capital, acusados de conspiração com este acto terrorista. Depois, e através de toda a Pérsia, os adeptos dos babis sofreram cruéis perseguições e a morte. O fracasso da revolta dos babistas mostrou que o movimento antifeudal ainda não tinha saído do estado de isolamento e de espontaneismo de artesãos, camponeses e pequenos comerciantes. Aqui, como no resto da Ásia, as classes capazes de liderar e organizar um movimento antifeudal ainda não tinham aparecido.
Na realidade, os ensinamentos místicos e religiosos dos babis, nos quais os camponeses e os pobres da cidade tentaram inculcar as suas ideias de liberdade e de igualdade estava mal preparado para promover a unidade de tantos movimentos, e para coordenar as várias forças antifeudais do país. Mais tarde, esta doutrina que consistia em abandonar as ideias que alarmavam as classes possuidoras degenerou naquilo a que se chamou o bahaísmo. Um discípulo de Bab, que propôs uma reforma do pensamento do seu mestre, Baha’ullah, e seus sequazes, os bahaís voltaram as costas aos princípios antifeudais contidos no bahain. O bahaísmo estava por isso mal equipado para provocar a adesão das massas e começou-se a tornar cada vez mais pequeno até ser a ideologia adoptada pelos mercadores em serviço na capital estrangeira.
As revoltas babistas não só alarmaram as classes dominantes como convenceram alguns sectores mais progressistas da urgente necessidade de reformas. O grão-vizir Mirza Taki Khan (Nasir al-Mulk) tornou-se o porta-voz destes sectores. Embora as bases para muitas reformas fossem mais fracas do que na Turquia, os esforços de Nasir al-Mulk (a sua luta contra as arbitrariedades dos khans, a sua campanha para a consolidação do poder central e promover a organização de umas forças armadas, e a introdução dos primeiros núcleos de educação) estavam destinadas a ter curta vida. Depois de esmagar os babis, o reaccionário Xá Nasr el-Din demitiu e fez executar o seu grão- vizir.
A penetração na Pérsia das forças ocidentais com as suas cruéis rivalidades, e que não encontrou resistência eficaz, havia de reduzir o país em pouco tempo a um estado semicolonial.
Na China, o descontentamento provocado pela exploração feudal num quadro de crise económica cada vez mais aguda explodiu em numerosas revoltas populares. Embora os tumultos camponeses que estalaram em várias partes do Império fossem por vezes suficientemente sérias para causar às autoridades centrais muitas preocupações e só pudessem ter sido esmagadas depois de uma longa e amarga luta, foram sobretudo revoltas espontâneas e isoladas. Estes motins, agora tradicionais, eram frequentemente organizados por sociedades secretas e várias seitas religiosas.
Tais movimentos reflectiam as aspirações das massas à libertação da opressão feudal e a esperança ingénua dos camponeses de que a igualdade fosse possível, e as antigas comunas, idealizadas como pertencendo a uma Idade de Ouro, pudessem ser restauradas. Ao mesmo tempo, a luta tomou a forma de oposição à dinastia manchuriana Ch’ing, que o povo considerava ser a principal fonte dos seus males. Estas ideias apareceram nos ensinamentos de Hung Hsin-ch’uan (1814-1864), professor de aldeia de origem camponesa que fundou uma seita conhecida por «Sociedade do Divino Governante em Kwangtung no Sul da China».
Nesta nova doutrina, que Hung começou a divulgar em 1837, havia alguns elementos do cristianismo, embora numa interpretação pouco usual. Os ideais de igualdade e a criação dum «Reino Celeste» na Terra, a luta contra o mal e os maus, interpretados neste caso como representantes das autoridades feudais e a libertação do povo, eram os pontos principais da doutrina de Hung Hsiu-ch’uan, que pretendia ser irmão mais novo de Cristo.
As consequências das Guerras do Ópio e a força da «abertura» da China, e os tratados unilaterais que a China foi obrigada a assinar com as potências europeias minaram ainda mais a sociedade feudal e acarretaram piores condições de vida para o povo. A inundação de artigos europeus minou as artes locais e trouxe o empobrecimento aos artesãos nativos; a importação do ópio esgotou a prata do país e começou a desvalorizar muito a moeda de cobre. Pelo Tratado de Nanking, a China foi obrigada a pagar uma enorme indemnização de guerra. A dinastia Ch’ing começou a cobrar novos impostos e serviços, o que piorou muito as condições de vida dos trabalhadores. Na realidade, não eram só os camponeses que estavam tão empobrecidos que tiveram de abandonar as suas terras; os artesãos estavam arruinados, e não conseguiam encontrar mercado para os seus artigos, os comerciantes e mesmo certos sectores da classe dos shensi foram atingidos pelos novos impostos. Isto acontecia sobretudo no Sul, onde houve um afluxo particularmente elevado de mercadorias estrangeiras depois de cinco portos terem sido abertos a comerciantes estrangeiros. Assim, não foram só os trabalhadores que se juntaram à seita de Hung Hsiu-ch’uan. Aderiram também comerciantes de Shensi.
Um dos novos membros desta seita, filho de mineiro, que ia tornar-se um notável líder dos camponeses, Yang Hsiu-ch’uan reuniu uma força camponesa para lutar contra a nobreza local. Não levaria muito tempo a tornar-se um dos chefes mais importantes da seita e os seus homens iam fornecer a primeira célula dum exército rebelde. Nas montanhas da província de Kwangsi, que eram difíceis de penetrar para as tropas governamentais e ficavam longe dos grandes centros administrativos, milhares de adeptos da «Sociedade do Divino Governante» tinham-se reunido no fim dos anos quarenta. Em 1850 começaram a luta armada contra os governantes manchus em nome da «igualdade para os pobres à custa dos ricos».
O fanático fundador da seita que em transes profundos compôs hinos religiosos e revolucionários, nos quais sublinhava os objectivos do movimento e os métodos a seguir para os atingir — apelou para todos os seus seguidores para que queimassem as suas casas e propriedades e, juntamente com as suas famílias, se juntassem aos revoltosos.
As autoridades locais não tinham poder para esmagar a revolta. A chegada de tropas de outras províncias e a nomeação do primeiro-ministro do Império para o posto de comandante-chefe, revelaram-se inúteis. Em onze de Janeiro de 1851, no aniversário de Hun Hsin-ch’ uan, foi proclamada a criação dum «reino divino da grande prosperidade» (T’ai-P’ing Tien-kuo) com a devida pompa e cerimonial. A partir dessa altura todos os participantes do movimento, que se estava a espalhar rapidamente, passaram a ser conhecidos por Tai- P’ings (Os Mais Prósperos). O chefe da seita, Hsiu-ch’uan adoptou o título de Tien Wang (Rei Divino).
Em Setembro de 1851, os T’ai P’ings tomaram a capital da província Kwangsi. Hunan. Todos os oficiais poderosos da cidade foram mortos, e o tesouro da cidade e os víveres foram confiscados e tornados propriedade comunal dos T’ai-P’ings. Durante os seis meses em que o exército T’ai-P’ing controlou Hunan deram-se os primeiros passos para estabelecer um «Reino Celeste». Os três conselheiros mais próximos de Hung Hsiu-ch’uan receberam título de wang e estabeleceram um governo. O papel mais importante no governo era desempenhado por Yang Hsiu-ch’ing, o «Wang Oriental», era ele que chefiava o governo e actuava como comandante-chefe das forças T’ai-P’ing, que no final de 1815 contavam mais de cinquenta mil homens.
Depois de romperem as linhas das tropas governamentais enviadas para os esmagar e seguindo um astucioso estratagema inventado por Yang Hsiu-ch’ing, na Primavera de 1852, o exército T’ai-P’ing começou uma marcha vitoriosa para norte. Durante esta marcha, o exército foi engrossado por numerosos grupos de camponeses revoltosos, que tinham lutado contra os proprietários locais, e por muitos habitantes das aldeias e cidades que atravessaram.
Em Dezembro, o exército chegou ao rio Yangtze. Com armas capturadas ao inimigo, incluindo canhões, o exército T’ai-P’ing conseguiu em pouco tempo tomar o grupo fortificado de três cidades conhecidas por Wuhan (Wuchang, Hankow e Hanyang), o maior centro político e económico do Yangtze.
Depois desta retumbante vitória, a popularidade e a influência dos T’ai-P’ings espalhou-se ainda mais rapidamente, e novos reforços se juntaram ao exército aos milhares. A unidade básica do exército T’ai-P’ing consistia em cinco homens, quatro soldados e o seu chefe. Cinco destes grupos formavam um pelotão; quatro pelotões, uma companhia e cinco companhias um regimento; os regimentos por sua vez constituíam corpos e exércitos. Uma rigorosa disciplina era imposta e foi elaborado um código de disciplina militar. Os soldados rebeldes elaboravam as suas tácticas próprias e alguns comandantes talentosos que iam emergir das suas fileiras souberam usar bem as velhas tradições da arte militar chinesa.
O amplo apoio dado a este exército pelo povo foi um factor muito importante nos seus êxitos. Os T’ai-P’ings costumavam mandar os seus porta-vozes à frente do exército principal a explicar os objectivos dos revoltosos e a apelar para o povo para derrubar a dinastia Ch’ing, para pôr fim à pesada exploração dos proprietários e destruir os governantes e funcionários administrativos cruéis. Nas regiões ocupadas pelo exército T’ai-P’ing, a velha ordem foi destruída: as chancelarias de Estado foram abolidas, assim como os registos de dívidas e de impostos. A propriedade dos ricos e os alimentos capturados em armazéns oficiais foram partilhados numa base comunal. Os artigos de luxo e as mobílias de valor eram destruídas, as pérolas pisadas debaixo dos pés para «destruir tudo o que distinguia os pobres dos ricos».
Depois da captura de Wuhan, o exército T’ai-P’ing, que nesta altura tinha meio milhão de homens, partiu pelo vale do Yangtze. Uma enorme esquadra de juncos carregados de comida e munições acompanhava o exército, que foi engrossado pelo caminho por novos voluntários e em breve contava um milhão de homens.
Na Primavera de 1853, os T’ai-P’ings tomaram a velha capital do Sul da China, Nanking. O seu nome foi mudado para Taiching (Cidade Divina) e foi feita capital do Estado T’ai-P’ing. Não tardou que, os T’ai-P’ings controlassem uma grande parte da China do Sul e do Centro. A organização do novo Estado foi elaborada pelos líderes T’ai-P’ing numa lei intitulada «Sistema de Propriedade da Terra na Dinastia Divina». Era uma tentativa de pôr em prática os ingénuos sonhos utópicos dos revoltosos, orientada no sentido da abolição da opressão e da exploração e com o fim de introduzir a igualdade universal. A lei proclamava: «Toda a terra do mundo será cultivada pelo trabalho comum de todos... Todos os habitantes deste mundo têm de gozar todos juntos uma parte igual da grande felicidade que nos for dada pelo nosso Divino Pai, o Senhor Deus, os campos serão cultivados por todos nós, o alimento será tomado em conjunto e a roupa distribuída igualmente, o dinheiro será gasto pelos homens em comunidade, para não haver desigualdades em nenhum lugar e para que todos sejam vestidos e alimentados». A propriedade individual foi abolida e a terra dividida segundo o número de bocas a alimentar em cada família. As mulheres tinham os mesmos direitos que os homens no Estado T’ai-P’ing. e também receberam parcelas de terra com extensão semelhante. A comuna camponesa formava a unidade económica, militar e política básica. Era recrutado um soldado em cada família e os comandantes das unidades militares também possuíam autoridade civil sobre a área onde os seus homens estacionavam.
Depois das colheitas, cada comuna, composta por vinte e cinco famílias, era obrigada a entregar a sua colheita aos celeiros do Estado com excepção da quantidade necessária para se alimentarem. Os T’ai-P’ings eram proibidos por lei de terem terras ou terem haveres pessoais. Fizeram-se tentativas para introduzir estes princípios tanto nas cidades como nas aldeias. Os artesãos unir-se-iam em grupo segundo a profissão, entregariam ao Estado o que tivessem produzido e em troca receberiam do Estado a quantidade de alimentos de que as suas famílias precisassem.
Na prática foi impossível pôr esta lei em prática. As tarefas militares dos T’ai-P’ings tornaram impossível dividir a terra e confiscar as terras dos últimos proprietários. Entretanto, a grande maioria dos rendeiros deixou de pagar renda pelas suas terras e de prestar os antigos serviços a que muitas vezes eram obrigados pelos antigos senhores.
Algumas medidas progressistas foram introduzidas na área controlada pelo T’ai-P’ing, tanto na esfera da educação e da medicina como em relação à abolição de práticas sociais reaccionárias e padrões de relações familiares.
Esta campanha revolucionária do campesinato infligiu um pesado golpe aos imperadores Ch’ing. As tropas governamentais foram incapazes de minar as posições T’ai-P’ing nas regiões que tinham ocupado. Entretanto, o poder do Império Manchu continuou intacto no Norte, embora como resultado dos êxitos T’ai-P’ing se desse um renascimento das actividades das antigas sociedades secretas em alguns distritos e em grandes cidades tanto no Norte como no Sul, e este desenvolvimento fosse acompanhado por revoltas armadas e actividades de guerrilha camponesa. Uma luta com este objectivo foi organizada pela sociedade secreta «Tríade» ao Sul do Yangtze, enquanto em Setembro de 1853 rebentou uma revolta em Xangai sob a chefia da secreta «Sociedade dos Punhais». Esta cidade esteve nas mãos dos revoltosos até Fevereiro de 1855, e fizeram-se tentativas para estabelecer contacto com a «Divina Capital». Um movimento camponês armado chefiado pela sociedade Nien-Iang teve bastante apoio do Norte. As minorias nacionais em várias partes do país também se ergueram contra os governantes Ch’ing.
Se se tivessem juntado à campanha T’ai-P’ing, estes movimentos populares podiam ter derrubado os manchus. Contudo, o estreito sectarismo dos T’ai-P’ings impedia-os de se aliarem com qualquer organização que não seguisse a sua doutrina.
Depois de consolidarem o seu poder sobre Nanking, os T’ai-P’ings não aproveitaram a oportunidade para mandar tropas imediatamente para o Norte para tomar a capital e estabelecer o seu próprio Estado. Em muitos outros centros que tinham tomado anteriormente (tais como Wuhan) o seu controlo esteve longe de ser firme. Na verdade, depois de Nanking, o seu avanço praticamente parou. Isto deu aos nobres e aos proprietários a oportunidade de consolidarem as suas posições e de reunirem forças para enfrentarem a ameaça T’ai-P’ing. O exército contra-revolucionário reunido pelos nobres feudais das províncias centrais chefiado pelo poderoso proprietário de Hunan Tseng Kuo-fan contava cerca de cinquenta mil homens. Os bravos de Hunan, como este exército era chamado, lutou contra o exército T’ai-P’ing com mais eficiência do que as tropas governamentais.
Só em Maio de 1853 é que alguns corpos T’ai-P’ing se dirigiram finalmente para Norte. Depois de vencerem tenaz resistência das tropas manchus em Outubro, aproximaram-se de Tientsin. Embora de início parecesse que o capital estava em perigo, o exército T’ai-P’ing nesta altura encontrou-se numa posição crítica. Esgotado pela longa marcha e não estando habituado ao rigoroso clima do Norte, alcançaram Tientsin, com grandes baixas. Nesta altura estava também isolado das suas bases de abastecimento e o esperado apoio dos camponeses do Norte não chegou. Os ideiais T’ai-P’ing que tinham tido tão bom acolhimento no Sul não tiveram o mesmo impacto no Norte, onde o dialecto do Sul mal era entendido. Nem os T’ai-P’ings fizeram qualquer tentativa para unir as suas forças às dos revoltosos chefiados pelas sociedades secretas.
As forças governamentais atacavam o exército T’ai-P’ing de todos os lados causando-lhe pesadas baixas. Reforços de Nanking, que não foram mandados antes de Maio de 1854, falharam o encontro com as outras forças T’ai-P’ing e foram derrotados em Shantung. Vendo-se cercado, o exército T’ai-P’ing lutou corajosamente e até ao último homem numa campanha desesperada que durou dois anos inteiros.
Entretanto, uma tentativa para organizar uma expedição ao ocidente e estabelecer o seu domínio nos restantes grandes centros também levou a grandes perdas. Nos anos 1853-1856, Wuhan ia mudar de dono por várias vezes. O exército T’ai-P’ing conseguiu repelir os «bravos de Hunan» de Tseng Kuo-fan, mas Tseng continuou a reunir mais homens para o seu exército contra-revolucionário e continuou a ser uma séria ameaça à causa T’ai-P’ing.
Em 1856 parecia que se tinha atingido um empate; a revolta T’ai-P’ing já não estava em posição de pensar em derrubar a dinastia Ch’ing e conquistar todo o país, e a Monarquia não podia ter- rotar o «reino» T’ai-P’ing que incluía vastos territórios habitados por dezenas de milhões. No entanto, a discórdia dentro do próprio movimento T’ai-P’ing fez o jogo das forças contra-revolucionárias que aliás tiveram a ajuda de potências estrangeiras.
Durante o primeiro período da guerra camponesa as potências estrangeiras esperaram para ver para que lado caíriam as coisas. Calculavam que seria possível arrancar a uma fraca dinastia Ch’ing novas concessões a acrescentar àquelas que já tinham conseguido através dos originados acordos unilaterais. Tentaram estabelecer contactos com o «Reino Divino» garantindo aos T’ai-P’ings o seu apoio na revolta contra os senhores feudais e utilizando para os seus próprios fins as ilusões T’ai-P’ing de que os europeus eram seus «irmãos em Cristo».
Logo em 1854, as potências europeias estavam a exigir direitos comerciais ilimitados ao governo de Pequim e a admissão de embaixadores estrangeiros na capital e outras concessões.
Contudo, só depois da conclusão da guerra da Crimeia a Inglaterra e a França estavam em condições de explorar um pretexto insignificante para empreender uma declarada intervenção militar. A chamada Segunda Guerra do Ópio tinha acabado noutra séria derrota para os Manchus. Os tratados de Tientsin, assinados não só com os verdadeiros inimigos, a Inglaterra e a França mas também com os Estados Unidos, que não tinham tomado parte na guerra, representavam outro passo em direcção à escravização da China pelas potências coloniais.
Os novos tratados de 1858 davam à Inglaterra e à França o direito de comerciar em alguns portos, livre-trânsito pelo Yangtze, e garantiam aos seus súbditos o direito de viajarem como quisessem para qualquer parte do país. A China também concordou com uma diminuição dos preços das tarifas e com o pagamento de outra indemnização de guerra. A Inglaterra e a França obtiveram ainda autorização para mandar os seus embaixadores à capital. No futuro, todos estes privilégios foram dados a todas as outras potências estrangeiras.
Num esforço para obter ainda mais concessões, a Inglaterra e a França instigaram outro conflito mandando uma força expedicionária a Pequim. O imperador e o seu séquito fugiram aterrorizados da cidade. As forças europeias saquearam a cidade barbaramente e queimaram a residência de verão do imperador com os seus famosos palácios e os preciosos tesouros artísticos da China e de outro países asiáticos. O irmão do imperador Hung, abriu as portas da capital ao inimigo. Em vinte e quatro de Outubro de 1860 foi assinada a Convenção de Pequim que abriu o porto de Tientsin ao comércio estrangeiro e lhe conferiu nova série de privilégios.
Depois de conseguirem as concessões desejadas, os estrangeiros estavam interessados em dominar a revolta T’ai-P’ing. Os direitos comerciais recentemente adquiridos e a autorização de navegar por todo o Yangtze só podiam ser utilizados se a Monarquia Ch’ing controlasse toda a China Central. Nesta altura, os europeus já tinham compreendido que os líderes T’ai-P’ing tencionavam defender a independência da sua terra e não se mostravam inclinados a fazer concessões às potências estrangeiras. Além disso, os T’ai-P’ings já não tinham ilusões de que os europeus fossem os seus «irmãos em Cristo».
As potências europeias viram-se assim obrigadas a tomar parte activa no movimento para esmagar a revolta T’ai-P’ing. Forças organizadas pelos Ingleses e Franceses, equipadas com as mais modernas espingardas e artilharia, iam desempenhar um papel importante nas hostilidades que então se seguiram.
Entretanto, vários acontecimentos dentro do Estado T’ai-P’ing também contribuíram para a derrota final da Revolta.
Na China daquela época, onde ainda não existiam padrões capitalistas de economia, um movimento camponês sem uma classe progressista que o guiasse não estava preparado para introduzir uma ordem burguesa. Por outro lado, as reformas agrárias T’ai-P’ing não eram adequadas ao estabelecimento do estado utópico de prosperidade universal com que sonhavam os camponeses. A desigualdade baseada na propriedade ia aparecer nas fileiras do próprio campesinato. Quanto aos comerciantes e aos proprietários que se tinham juntado aos revoltosos na esperança de destronarem os Manchus, começavam a protestar cada vez mais contra a lei T’ai-P’ing que pretendia introduzir completa igualdade. Mesmo os chefes da revolta começaram pouco a pouco a fugir destes princípios igualitários e a mostrar atitudes burocráticas estreitas. Como é lógico, fizeram-se sentir contradições de classe entre os seguidores mais próximos de Hung Hsiu-ch’uan. Wei Chang-hou, descendente de uma linhagem de proprietários, organizou uma conspiração contra Yang Hsiuch’ing, defensor dos interesses dos camponeses, que punham firmemente em prática o programa antifeudal contido na Lei da Terra. Wei Chang-hou conseguiu ainda convencer o terceiro Wang, Shih Ta-kai, a juntar-se à conspiração e em Setembro de 1856 atacaram de surpresa a residência de Yang Hsiu-ch’ing. Mataram-no, assim como à sua família e milhares dos seus companheiros revolucionários.
A acção de Wei Chang-hou contra os veteranos da revolta T’ai-P’ing deu origem a amarga indignação no exército. Em Novembro foi demitido do seu posto e executado, mas a luta entre os líderes e as facções revolucionárias do movimento continuou. Shih Ta-kai deixou Nanking com uma grande parte do exército e travou uma campanha independente contra as tropas governamentais. Depois da morte de Yang Hsiu-ch’ing, que tinha comandado os T’ai-P’ings com tanto talento e decisão, deixou de existir um comando unificado. Os reveses militares às mãos das forças contra-revolucionárias a soldo dos nobres e proprietários tornaram-se cada vez mais frequentes. No final de 1856, os T’ai-P’ings tinham abandonado Wuchang e Hanyang.
Depois do assassínio de Yang Hsiu-ching a corrupção dos chefes T’ai-P’ing aumentou rapidamente e surgiu uma nova classe proprietária de príncipes Wang. Enquanto antes só havia quatro Wangs (quando o Estado T’ai-P’ing Tien-Kuo tinha sido proclamado), incluindo o próprio Hung Hsiu-ch’uan, nesta altura havia mais de duzentos. E estes já não prestavam atenção ao bem-estar do povo, embora muitos deles fossem de origem camponesa. Os Wangs reuniram riquezas consideráveis. Reintroduziram a prestação de trabalho e serviço compulsivo para a população do «Reino Celeste». Todos estes desenvolvimentos trouxeram inevitavelmente uma amarga desilusão ao campesinato.
Contudo, a luta dos camponeses contra a ordem feudal e a sua personificação — o domínio manchu — não tinha chegado ao fim. Um novo e talentoso líder camponês apareceria em cena, o comandante Li Tzu-ch’eng. O Estado T’ai-P’ing devia-lhe bem sucedidas manobras de defesa e algumas ofensivas no período final da luta. Em 1860, este conseguiu infligir uma derrota às forças contra-revolucionárias e salvou Nanking. Daí, os seus destacamentos marcharam para Xangai. E tendo embora capturado algumas cidades, pelo caminho, Li Tzu-ch’eng não conseguiu capturar a cidade. No período de 1860 a 1862, as tropas de Li Tzu-ch’eng alcançaram algumas grandes vitórias mas já não estavam em posição de salvar o Estado T’ai-P’ing.
Em 1862, várias potências estrangeiras começaram a tomar parte activa nas hostilidades contra os T’ai-P’ings. Consideravam a criação dos destacamentos «voluntários», mercenários contratados, como inadequada nas circunstâncias e começaram a empregar as suas forças regulares na região, e a mandar aos destacamentos imperiais grandes fornecimentos e a fornecer ao governo manchu armas modernas, munições e peritos militares.
A interferência das potências estrangeiras veio facilitar a tarefa de esmagar as guerras camponesas e de pôr fim ao Estado T’ai-P’ing. Entre 1861 e 1865, as tropas governamentais conseguiram capturar os pontos vitais do Estado T’ai-P’ing. Na Primavera de 1865, Nanking foi cercada e isolada do campo que a cercava. Chefiados por Tzuch’eng os habitantes cercados defenderam heroicamente a sua cidade num estado de desvantagem. Hung Hsiu-ch’uan acabou por suicidar-se e em 19 de Julho as muralhas de Nanking caíram sob uma explosão. As tropas contra-revolucionárias entraram à força na cidade e exerceram cruéis represálias sobre os sobreviventes. Centenas de milhares de soldados e civis foram massacrados, e Li Tzu-ch’eng foi morto com selvática crueldade. Várias unidades T’ai-P’ing espalhadas pelo campo continuaram a lutar. Grupos de guerrilheiros camponeses continuaram activos em várias regiões e nos anos seguintes a Monarquia Ch’ing não conseguiu reprimir as perturbações camponesas do Norte. No entanto, a grande guerra camponesa estava nesta altura claramente perdida.
Porém, esta grande vaga de ardor revolucionário teve resultados perduráveis. Antes de mais, deu às massas populares uma experiência útil para revoltas posteriores. Simultaneamente, os próprios representantes da camada superior da hierarquia feudal que tinham tomado parte activa no processo de esmagamento do movimento camponês, começavam a compreender que era vital fazer algumas mudanças nos padrões socioeconómicos existentes, para poderem preservar e consolidar o seu poder.
Em meados do século XIX, a estrutura socioeconómica do Japão mostrava um exemplo clássico de uma sociedade feudal.
Mais de oitenta por cento da população do Japão era constituída por camponeses, que produziram não só o seu próprio alimento e vestuário mas também instrumentos agrícolas primitivos. A terra pertencia a nobres_ poderosos, e, embora os camponeses tivessem o direito hereditário de possuir pequenas parcelas, eram obrigados a prestar um grande número de serviços e a pagar numerosos impostos. Mais de metade das suas colheitas destinavam-se a pagar a renda da terra, que era avaliada segundo complicados critérios e dependia sobretudo dos caprichos do pessoal administrativo dos nobres. Cada senhor exigia os serviços que quisesse. A dinastia feudal dos choguns Tokugawa, que governava o país desde meados do século XVII, começou a promulgar um complexo sistema de leis e regulamentos num esforço para consolidar as relações socioeconómicas estabelecidas e para eliminar a possibilidade de qualquer futura alteração.
Uma cruel exploração dos camponeses e uma sucessão de más colheitas devida a frequentes calamidades naturais levaram a períodos de fome e ao empobrecimento dos camponeses. Os camponeses cada vez mais endividados caíram em pouco tempo nas garras dos usurários que, pouco a pouco, se apoderaram das suas terras, apesar da legislação oficial (proibir transacções que envolvessem transferência de terras).
Assim, os comerciantes e os usurários começaram a desempenhar um papel cada vez mais importante na vida da aldeia, minando as bases das relações feudais e acelerando a ruína da grande massa do campesinato.
A abjecta pobreza da maioria dos camponeses e a crescente dependência dos governantes feudais dos seus credores comerciantes tinha levado, no fim do século XVIII e no início do século XIX, a contradições de classe extremamente agudas. Revoltas camponesas estalaram cada vez com mais frequência e o símbolo do movimento dos camponeses — paus com molhos de palha de arroz atados — tornou-se vulgar em todo o país. Os camponeses pegaram em armas para expulsar os cobradores de impostos e para se oporem ao despotismo e ao domínio arbitrário dos nobres proprietários, comerciantes e rendeiros. Muitos samurai, empobrecidos, também se juntaram a esta luta. Só nos cem anos, de 1704 a 1803, registaram-se mais de duzentos e cinquenta e quatro grandes rebeliões (três vezes mais do que no século precedente). Aumentou a agitação entre os sectores descontentes dos pobres das cidades, os artesãos e os pequenos comerciantes. Embora não houvesse uma ligação organizada entre os dois grupos, o próprio facto de estes dois movimentos aparecerem ao mesmo tempo criou uma séria ameaça à ordem estabelecida. Os pobres das cidades opuseram-se à administração arbitrária vigente nas grandes empresas comerciais, que funcionavam no interesse dos nobres poderosos. Apesar de o facto das revoltas camponesas serem bastante isoladas em diferentes partes do país e os nobres conseguirem em geral esmagá-las a sua frequência fez estremecer seriamente a estrutura socioeconómica do Japão Tokugawa, e isto sucedia cada vez mais à medida que o tempo passava.
A primeira metade do século XIX foi marcada por uma vaga sem precedentes de revoltas camponesas. Mais de noventa e nove revoltas em larga escala foram registadas apenas em dez anos (1833-1842), o que era mais do que o total de revoltas de todo o século XVII. As revoltas dos pobres das cidades também se tornaram mais frequentes e alastrariam. Em 1837, a revolta conjunta do povo da cidade de Osaka e dos camponeses das aldeias vizinhas repercutiu-se por todo o país. Os revoltosos queimaram as casas dos ricos, entraram nos celeiros de arroz e distribuíram-no pelo povo.
Processos económicos profundos que se estavam a verificar no país minaram a superestrutura política, a ditadura dos poderosos proprietários nobres chefiados pela dinastia feudal dos suseranos Tokugawa.
Era esta a situação do Japão quando os países capitalistas começaram a pressionar o Governo japonês.
Em Junho de 1853, uma flotilha de quatro navios de guerra americanos aparelhados com eficiente artilharia e sob o comando do comodoro Perry aproximou-se das costas do Japão um representante do Governo japonês exigiu que os navios se retirassem dos estreitos de Úraga, propondo que se dirigissem a Nagasáki, porto que estava aberto aos estrangeiros e lá tentasse contactar oficialmente com as autoridades japonesas.
Mas Perry não deu atenção a esta ordem, declarando que tinha sido nomeado para entregar uma mensagem do presidente ao imperador naquele preciso local com as cerimónias da ordem. No decurso das negociações que se seguiram, Perry fez saber que não hesitaria em desembarcar os seus soldados para cumprir a missão que lhe fora confiada.
Os fortes japoneses daquela área estavam mal equipados, dispondo apenas de algumas dúzias de canhões de pequeno calibre cada um com dez a quinze projécteis. Para deter os invasores estrangeiros foram construídas baterias falsas feitas de ramos. Mas os Americanos aperceberam-se logo do subterfúgio. Uma vaga projectou-se sobre uma destas «baterias» e o «canhão» de madeira começou a flutuar. O Governo japonês não estava preparado para defender as suas costas.
O comando americano, compreendendo que as autoridades japonesas não podiam defender-se, levou então os seus navios até à baía de Tóquio, perto da capital do Chogunato. Os japoneses não tiveram outra alternativa que não fosse aceitar as exigências dos enviados americanos. Com uma escolta de trezentos oficiais e soldados e com as bocas dos canhões apontados para a costa, Perry entregou a missiva do presidente americano aos oficiais japoneses. O presidente propunha nesta missiva que o Governo japonês abandonasse a sua política isolacionista, fizesse um acordo comercial com os Estados Unidos e permitisse que os Americanos aceitassem o estabelecimento de Bases para a sua frota em território japonês. Perry declarou que se estas propostas não fossem aceites, os Estados Unidos mandariam uma esquadra muito mais poderosa. E exigiu que lhe fosse dada uma resposta em Abril ou Maio do ano seguinte.
Perry concedeu aos Japoneses todo este tempo para pensarem nas propostas porque entretanto tinha de partir para a China, onde a revolta T’ai-P’ing ameaçava as concessões que os Estados Unidos tinham com tanta dificuldade arrancado a Pequim.
Ora os Americanos decidiram apoiar o regime reaccionário Ch’ing, pedindo em troca algumas novas concessões. Foi para esmagar a revolução antifeudal e na esperança de explorar a situação para penetrar ainda mais na China, que Perry deixou o Japão logo que foi possível.
Entretanto, o Governo do Chogunato estava mergulhado em pânico. À medida que se aproximava a data da chegada de Perry, as diferenças de opinião nos altos círculos tornaram-se cada vez mais profundas. Contudo, a fraqueza militar do Japão era tão evidente que a maioria pronunciou-se a favor da aceitação das propostas americanas.
Em Fevereiro de 1854 a flotilha americana, que agora era constituída por nove navios e por um total de dois mil marinheiros e saldados, voltou a aparecer na Baía de Tóquio. Desta vez os Americanos portaram-se de maneira ainda mais arrogante. Disparavam constantemente os canhões para assustar os Japoneses. Perry, ameaçando abrir as hostilidades, exigiu que os Japoneses assinassem um tratado unilateral semelhante ao que os Estados Unidos tinham concluído com a China em 1844. E com a cidade ao alcance dos canhões americanos prontos para a destruir, o Governo japonês não teve outro remédio senão concordar com a conclusão de um tratado.
Segundo o tratado, os Japoneses eram obrigados a abrir os portos de Chimoda e Hakodate aos navios americanos, a pôr Chimoda sob controlo americano, a conceder aos americanos o direito de comprar combustíveis e alimentos no Japão e a aceitar qualquer tipo de moeda estrangeira na circulação interna. Este tratado imposto ao Japão abria o caminho para a penetração do capital americano de outros mercados. A arrogante táctica de Perry teve um caloroso acolhimento nos E.U.A. e o Governo deu-lhe uma recompensa de vinte mil dólares.
A este tratado com os E.U.A. seguiram-se outros semelhantes, impostos ao Japão pela Inglaterra em 1854, pela Holanda em 1857, pela França em 1858 e depois por vários outros países. Em Fevereiro de 1855, as negociações entre o Japão e a Rússia que tinham durado dois anos completaram-se finalmente e foi elaborado o primeiro tratado russo-japonês, que dava aos navios russos o direito de entrarem nos portos de Chimoda, Hakodate e Nagasaki.
Estes tratados injustos impostos ao Japão, agravaram as posições da ordem feudal mais críticas do que nunca. A invasão do mercado nacional por produtos estrangeiros infligiu um pesado golpe à indústria japonesa. Por outro lado, o facto de terem sido assinados os vários tratados serviu para provocar uma oposição mais activa ao Chogunato. Os nobres proprietários, sectores dos samurai empobrecidos, os cortesãos do séquito do imperador em Kyoto e mesmo parte da burguesia intimidada pela competição dos comerciantes estrangeiros criticaram muito os tratados e a política seguida pelo Chogunato. E todos estes grupos de oposição começaram a pressionar a corte imperial para que voltasse à sua tradicional política conservadora.
O Governo do Chogunato cumpriu conscienciosamente as várias cláusulas dos tratados concluídos com as potências estrangeiras mas ao mesmo tempo fez um plano secreto para desafiar os estrangeiros. Esperava o Governo, deste modo, minar a posição da corte imperial, que, tentando obter apoio entre o povo por meio das suas palavras de ordem, se opunha inconciliavelmente à penetração e influência estrangeira. Assim, foram assassinados alguns ingleses e vários edifícios pertencentes a estrangeiros foram incendiados. Em resposta, as potências ocidentais bombardearam as cidades costeiras matando dúzias de pessoas inocentes.
Em 1863, o criminoso bombardeamento de Kagoxima, centro do principado de Satsuma, pela esquadra britânica e o bombardeamento de Chimonoseki em 1864 por esquadras combinadas de Ingleses, Franceses, Americanos e Holandeses, e várias outras medidas repressivas por parte das potências capitalistas da Europa e da América provocaram nas massas um ódio maior do que antes. Por todo o país ouviram-se vozes pedindo que os Japoneses se unissem para expulsarem os estrangeiros. As tropas dos príncipes de Satsuma e Mori (Choxo) ameaçaram revoltar-se contra o Chogunato se não fossem tomadas medidas para expulsar os estrangeiros do solo japonês.
O Chogunato então enviou tropas contra os príncipes insubordinados e ao mesmo tempo recusou-se a permitir que os Ingleses e Franceses mandassem unidades militares para o país para defenderem as suas residências. Os preços das tarifas sobre artigos importados foram reduzidos para apenas cinco por cento. Ora estes acontecimentos serviam para tornar a situação no Japão ainda mais explosiva.
Os diplomatas das potências imperialistas começaram a interferir activamente nas questões internas do país: a França apoiou o Chogunato (fornecendo armas às suas tropas e financiando a sua campanha contra os príncipes), enquanto a Inglaterra apoiou a oposição anti-Chogunato contando com o subsequente enfraquecimento do poder centralizado.
Entretanto, as guerras dos camponeses no interior alastrava com rapidez umas atrás das outras numa sucessão sem fim. Cento e trinta mil camponeses tomaram parte nas revoltas só na província de Ki. Em 1866-1867 houve revoltas por todo o Japão Central. As forças da oposição iam ganhando terreno nas cidades, onde nesta altura a jovem inteligência japonesa tinha começado a familiarizar-se com ideias progressistas dos pensadores democráticos europeus. Pouco apouco, a oposição burguesa, que, a acrescentar aos factores acima tencionados, se opunha a que o país fosse aberto aos produtos industriais europeus, aderiu à luta contra o Chogunato, tal como muitos samurai empobrecidos.
A força unificadora nesta luta foram os clãs feudais do Sul e Sudoeste do Japão que comerciavam activamente com as potências estrangeiras. Alguns dos seus chefes mais notáveis eram jovens samurai. Várias casas bancárias e o séquito do imperador deram um apoio firme a uma aliança de príncipes do Sudoeste (Satsuma, Sho e Tosa). Muitos destacamentos de soldados semimercenários semivoluntários e outros constituídos por samurai empobrecidos, artesãos, camponeses e pobres das cidades em breve se juntaram às tropas dos príncipes. Sectores da nobreza que se tinham dedicado ao comércio e à indústria assumiram então um papel de relevo. Oficialmente o objectivo da revolta era restaurar os direitos do imperador que tinham sido usurpados pelo Chogunato. Em 1867, estava no trono um rapaz de quinze anos de nome Mutsuhito, e era o melhor instrumento nas mãos da aliança antiChogunato.
Em Outubro de 1867, a aliança exigiu ao Chogun Keiki que devolvesse ao imperador todos os seus antigos poderes. O Chogun, compreendendo a gravidade da situação, concordou em retirar-se mas, logo depois, fortaleceu-se no seu castelo de Osaka e começou a fazer preparativos para as inevitáveis hostilidades. O Chogun ainda era o principal proprietário do país e dispunha de enormes propriedades. Dispunha também de numerosas forças armadas treinadas pelos Franceses. Foi com elas que partiu nesse ano ao encontro do inimigo, mas sofreu uma derrota decisiva na batalha de Fuchimi. A guerra continuou nos anos 1868 e 1869, mas a vantagem estava do lado da coligação anti-Chogunato.
O papel de maior relevo no novo Governo foi desempenhado por representantes do clã Satsuma Okubo e Kibo. Tentaram unificar o país e europeizá-lo, primeiro e sobretudo no campo das armas e da tecnologia. Esta política não satisfez os interesses dos camponeses que exigiam que fossem abolidos os padrões feudais na agricultura e que a terra lhes fosse entregue.
A resistência camponesa não acabou com o derrube do Chogunato. No período de 1868 a 1878, amplas revoltas camponesas estalaram, algumas das quais chegaram a envolver duzentos e cinquenta mil pessoas.
Uma burguesia e os proprietários uniram-se num ataque contra o campesinato, esmagando todas as revoltas em banhos de sangue.
Os acontecimentos de 1867-1868 são referidos na história japonesa como restauração Meiji, sendo Meiji (que significa «governo esclarecido») o nome oficial do reinado do imperador Mutsuhito.
Inclusão | 30/10/2016 |