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Primeira Edição: Carta de Londres para o jornal italiano Volontá de Ancona, depois da morte da sufragista Emily Davidson (Junho de 1913). Tradução provável de Neno Vasco, extraída do jornal A Aurora do Porto, 31/8/1913.
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/biblioteca/biblioteca-errico-malatesta/as-sufragistas/
HTML: Fernando Araújo.
Fui aos funerais de Emily Davison, «morta pela causa das mulheres», como diziam os estandartes fúnebres — e voltei triste e comovido.
A causa das mulheres! Por ela julgava combater a pobre mártir que, deixando as comodidades duma posição privilegiada, sacrificando os estudos e exercícios prediletos, toda se consagrava à luta pela conquista do voto para as mulheres. Tinha sempre persistido durante anos, sempre cheia de audácia e de iniciativa, na guerrilha que as sufragistas fazem a fim de chamar a atenção do público para a sua reclamação e forçar o parlamento a atendê-las; fora repetidamente presa, fizera a greve da fome, fora submetida à tortura da alimentação forçada e uma vez tinha-se ferido gravemente numa obstinada tentativa de suicídio, realizada porque pensou «que era necessária uma grande tragédia para salvar da tortura as suas companheiras de prisão»; por fim deixou a vida num audaz ato de propaganda, recomendando, no momento de morrer, às suas companheiras que perserverassem na luta.
E como Emily Davison, crêem combater pela causa da mulher todas aquelas heróicas raparigas, todas aquelas mulheres generosas, jovens e velhas, que se expõem impertérritas ao riso dos tolos, aos dichotes e projéteis da canalha doirada, encorajada e amparada pela polícia, às perseguições e aos tormentos que lhes são infligidos por governantes hipócritas e vis, que não ousam deixá-las morrer de fome, mas que as torturam até lhes pôr a vida em perigo e arruinar-lhes a saúde para sempre.
Julgam combater pela causa das mulheres, porque, na opinião delas, a conquista do voto havia de libertar as escravas da oficina que entisicam por salários miseráveis, as mães dolorosas que não podem alimentar os filhos, as esposas oprimidas que sofrem as violências do macho brutal, as desgraçadas que se prostituem dando-se aos transeuntes por um pedaço de pão ou unindo-se matrimonialmente sem amor ao homem que as pode manter — e de dar a todas independência económica e dignidade de pessoa livre.
E em vez disso abrem caminho às politicantes que estão à espreita para lhes aproveitar os sacrifícios e intrujar as eleitoras como «simples homens».
Ó triste tragédia humana! As mulheres entram na história… entram nela pela mesma via tortuosa, cheia de ilusões e de armadilhas, que os homens estão percorrendo.
Nós não podemos estar com elas. A sua reivindicação, à qual nada têm que opor, a não ser a força brutal, os partidos autoritários de todas as espécies, não pode resistir à crítica dos anarquistas.
Elas esperam a emancipação do seu sexo do exercício do direito do voto, quando o mesmo direito tem sido e é palpavelmente impotente para emancipar o sexo que já o possui.
Elas proclamam que as mulheres não devem obediência às leis feitas pelos homens — e depois querem o direito de fazer, juntamente com os homens, leis que naturalmente hão-de ser impostas mesmo aos que não tiverem concorrido para as fazer.
Mas se o que as sufragistas querem, isto é, o direito de contribuir para a eleição dos legisladores, é coisa certamente inútil e má, já o movimento que elas sustentam é um belo exemplo de vontade e de sacrifício e prova como amiúde o método tem mais importância do que o fim.
Por terem recorrido à ação direta e aos meios ilegais, as sufragistas conseguiram em pouco tempo fazer do voto feminino uma questão palpitante que já nenhum governo inglês poderá ignorar e que em breve terá de ser resolvida em favor delas: elas conseguiram pôr o governo dum poderoso império na mais ridícula das posturas, arrancaram a máscara de hipocrisia aos liberais e aos laboristas parlamentares, escarneceram e calcaram as leis, mostraram como se pode, a serviço de uma ideia, violar o direito de propriedade sem se expor à suspeita de sórdidos motivos. Embora não sendo revolucionárias no sentido integral da palavra, prestam à causa da revolução um assinalado serviço, pois dão aos operários um exemplo de audácia que não se perderá.
Certamente, é doloroso ver tanto entusiasmo, tanta tenacidade, tanta atividade desperdiçada por uma causa tão má como a do direito ao voto, quando se pensa que essas energias fariam dar um passo imenso à causa da emancipação humana se fossem levadas para o meio das trabalhadoras a fim de as animar e amparar na luta direta contra a exploração e contra a opressão. Mas como censurar-lhes esse erro, a elas que só agora entram na vida pública, quando no mesmo erro cai ainda a grande maioria dos homens, os quais há mais de um século que experimentam a inanimidade do sufrágio, universal ou restrito?
Critiquemos pois a ilusão destas mulheres para procurar induzi-las a batalhar por melhor causa, ou para que, em todo caso, possam recordar-se e emendar-se no dia inevitável das desilusões e das traições.
Mas honremos a sua dedicação e a sua coragem, e aprendamos delas a fé, que é feita de vontade segura e de esperança ardente, a fé sem a qual não se podem alcançar as grandes vitórias.