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A burguesia e o proletariado são as únicas classes puras da sociedade. Isto é: somente a existência e a evolução dessas classes repousam exclusivamente na evolução do processo moderno de produção, e não se pode representar um plano de organização da sociedade em seu conjunto a não ser a partir de suas condições de existência. O caráter incerto ou estéril que a atitude das outras classes (pequeno-burgueses, camponeses) tem para a evolução repousa no fato de que sua existência não está fundada, exclusivamente, na sua situação no processo de produção capitalista, mas que está vinculada indissoluvelmente aos vestígios da sociedade dividida em estamentos. Não buscam promover, portanto, a evolução capitalista ou fazer-se superar a si mesmas. Mas, em geral, buscam fazê-la retrogradar ou, pelo menos, impedi-la de chegar a seu pleno florescimento. O interesse de classe de que são portadoras só se orienta em função de sintomas de evolução, e não da própria evolução, e pois em função de manifestações parciais da sociedade e não do conjunto da estrutura da sociedade.
Essa questão da consciência pode aparecer nas maneiras de fixar o objetivo e de agir, como, por exemplo, entre a pequena-burguesia que, vivendo, ao menos, parcialmente, na grande cidade capitalista, submetida diretamente às influências do capitalismo em todas as manifestações exteriores da vida, não pode, em absoluto, desviar-se, inteiramente indiferente, do fato da luta de classes entre a burguesia e o proletariado. Mas a pequena-burguesia, como "classe de transição onde os interesses das duas classes simultaneamente se ocultam", passa a sentir-se "acima da oposição das classes em geral" [24] Em conseqüência do que procura os meios não de suprimir os dois extremos, capital e salário, mas de atenuar sua oposição e de transformá-la em harmonia" [25] Desviar-se-á, em sua ação, de todas as decisões cruciais da sociedade e deverá, necessária e alternativamente, lutar, e sempre inconscientemente, por uma ou outra das direções da luta de classes. Seus próprios objetivos, que existem exclusivamente na sua consciência, tomam, necessariamente, formas sempre mais vazias, sempre mais destacadas da ação social, puramente "ideológicas". A pequena-burguesia só pode desempenhar, durante certo tempo, um papel histórico ativo no caso de os objetivos por ela assinalados coincidirem com os reais interesses econômicos de classe do capitalismo, como ocorreu, durante a Revolução Francesa, no momento da abolição dos estamentos. Cumprida essa missão, suas manifestações - que na maior parte permanecem as mesmas - adquirem uma existência cada vez mais ã margem da evolução real, cada vez mais caricatural (o Jacobinismo da Montanha em 1848-51). Mas essa ausência de vínculos com a sociedade como totalidade pode ter uma influência para trás sobre a estrutura interna, - sobre a capacidade de organização da classe. E isso se manifesta com mais clareza na evolução dos camponeses. "Os pequenos proprietários agrícolas", diz Marx, "formam uma enorme massa cujos membros vivem na mesma situação, mas sem entrar em múltiplos contatos uns com os outros. O seu modo de produção os isola uns dos outros, ao invés de criar entre eles um comércio recíproco... É assim que cada família de camponês... retira seus meios de existência mais da troca com a natureza do que com o comércio com a sociedade... Na medida em que milhões de famílias vivem nas condições econômicas de existência que separam seu modo de vida, seus interesses, sua cultura, dos das outras classes e os opõem como inimigos dessas classes, é que elas formam uma classe. E deixam de formá-la à proporção que Só existe entre os pequenos proprietários agrícolas um vínculo local no qual a identidade de seus interesses não engendra nenhuma comunidade, nenhuma ligação de plano nacional e nenhuma organização política".[26] Eis por que as comoções exteriores, como a guerra, a revolução na cidade, etc., são necessárias à unificação do movimento das massas e mesmo assim elas estão sem condições de organizar por si mesmas esse movimento com palavras-de-ordem próprias e de dai-lhe uma direção positiva conforme os seus próprios interesses. Daí que dependerá da situação das outras classes em luta do nível de consciência dos partidos que as dirigem, o sentido progressista (Revolução Francesa de 1789, Revolução Russa de 1917) ou reacionário (Império Napoleônico) que estes movimentos tomarem. Eis por que a "consciência de classe" dos camponeses se reveste de uma forma ideológica de conteúdo mais mutável que a das outras classes. E de fato é sempre uma forma de empréstimo. Eis por que os partidos que se baseiam parcial ou inteiramente nessa "consciência de classe jamais poderão ter uma atitude firme e segura (os socialistas-revolucionários russos em 1917-1918). Eis por que é possível conduzir as lutas camponesas sob bandeiras ideológicas opostas. Por exemplo, é bem característico, tanto para o anarquismo como teoria como para a "consciência de classe" dos camponeses, que alguns dos levantes contra-revolucionários de camponeses ricos e médios na Rússia tenham encontrado um vínculo ideológico com essa concepção da sociedade que tomaram como alvo. Assim, com relação a essas classes não se pode falar propriamente de consciência de classe (se é que se pode chamá-las de classes no rigoroso sentido marxista): uma plena consciência de sua situação conduzi-las-iam a descobrir a ausência de perspectiva de suas tentativas particularistas, em face da necessidade da evolução. Por conseguinte, consciência e Interesse se encontram em relação recíproca de oposição contraditória. E como se tem definido a consciência de classe como um problema de adjudicação relacionado aos interesses de classe, torna-se também filosoficamente compreensível a impossibilidade de sua evolução na realidade histórica imediatamente dada.
Também no que se refere à burguesia, a consciência de classe e o interesse de classe se encontram em uma relação de oposição, de contrariedade. Mas essa contrariedade não é contraditória, é dialética.
Assim é que se pode expressar, com brevidade, a diferença entre essas duas aposições: enquanto para as outras classes sua situação no processo de produção e os interesses daí decorrentes impedem necessariamente o nascimento de toda consciência de classe, para a burguesia esses 'momentos levam ao' desenvolvimento da consciência de classe, e unicamente esta vê pesar sobre si - desde o início e em razão de sua essência a maldição trágica que a condena, alcançando o ápice da sua desevolução, a entrar em contradição insolúvel com ela própria e, por conseguinte,, a suprimir-se a si mesma. Essa situação trágica da burguesia se reflete historicamente no fato de que ela ainda não bateu o seu predecessor, o feudalismo, quando já apareceu o novo inimigo, o proletariado. A forma política desse fenômeno está em que a luta contra a divisão estamentária da sociedade foi conduzida em nome de uma "liberdade" que, no momento da vitória, se converteu numa nova opressão. A contradição se manifesta, sociologicamente, no que a burguesia está obrigada a pôr em ação, teórica e praticamente, para fazer desaparecer da consciência social o fato da luta de classes, apesar 4a sua forma social parecer, pela primeira vez, a luta de classes em estado puro, e fixado, também historicamente pela primeira vez, essa luta de classes como um fato. Do ponto de vista ideológico, vemos o mesmo desacordo, quando o desenvolvimento da burguesia, por um lado, confere uma importância inteiramente nova â individualidade, e, por outro lado, suprime, pelas condições econômicas desse individualismo e pela reificação criada pela produção mercantil, toda individualidade. Todas essas contradições - cuja série não está de todo esgotada por esses exemplos, mas, ao contrário, poderia ser seguida até o infinito - não são mais que um reflexo das profundas contradições do próprio capitalismo, tais como se refletem na consciência da classe burguesa, de conformidade com sua situação no conjunto do processo da produção. Eis por que essas contradições aparecem na consciência de classe da burguesia como contradições dialéticas e não meramente como pura e simples incapacidade de compreender as contradições de sua própria ordem social. Porque, de uma parte, o capitalismo é a primeira organização da produção que tende [27] a penetrar economicamente de um lado a outro da sociedade, .de modo que a burguesia deveria, por conseguinte, estar habilitada a possuir, a partir desse ponto central, uma consciência (adjudicada) da totalidade do processo da produção. De outro lado, contudo, a posição que a classe dos capitalistas ocupa na produção, os interesses que determinam sua ação, fazem que seja, apesar de tudo, impossível dominar, mesmo teoricamente, sua própria organização da produção. Há nisso múltiplas razões. Em primeiro lugar, a produção não é, para o capitalismo, senão em aparência o ponto central da consciência de classe, o ponto de vista teórico da compreensão. Marx já ressaltava, a propósito de Ricardo, que este economista, a quem se acusa de só ter a vista voltada para a produção [28], define como objeto da economia exclusivamente a distribuição. E a análise minuciosa do processo concreto da realização do capital revela, para cada questão, que o interesse do capitalista deve necessariamente - visto que produz mercadorias e não bens - vincular-se a questões secundárias (do ponto de vista da produção); deve necessariamente - quando tomado no processo, para ele decisivo, da utilização - ter, no estudo dos fenômenos econômicos, uma perspectiva a partir da qual os fenômenos mais importantes podem tornar-se inapreensíveis.[29] A essa inadaptação acresce ainda o fato de que, nas relações interiores do próprio capital, o princípio individual e o princípio social - isto é, a função de capital como propriedade privada e sua função econômica objetiva - estão em insolúvel conflito. dialético. "O capital", diz o Manifesto Comunista, "não e uma força pessoal, é uma força social". Mas uma força social cujos movimentos são dirigidos pelos interesses individuais dos possuidores de capitais, que não possuem nenhuma visão de conjunto da função social e de sua atividade, e nem cuidam disso, de sorte que o princípio social, a função social do capital, só se cumpre por cima de suas cabeças, através de suas vontades, sem que eles próprios tenham consciência disso. Em razão desse conflito entre o princípio social e o princípio individual, é que Marx, com razão, já considerava as sociedades por ações como uma "supressão do modo de produção capitalista no próprio interior do modo de produção capitalista" . [30] Não obstante, considerado de um ponto de vista meramente econômico, o modo econômico da sociedade por ações, a este respeito, não se distingue a não ser acessoriamente da dos capitalistas individuais, do mesmo modo como a chamada supressão da anarquia da produção por parte dos cartéis, trustes, etc., só faz adiar o conflito sem suprimi-lo. De fato, essa situação é um dos mais decisivos momentos para a consciência de classe da burguesia: a burguesia, por certo, age como uma classe na evolução econômica objetiva da sociedade, mas ela não pode tornar-se consciente da evolução desse processo que ela própria realiza, a não ser como um mecanismo que lhe é exterior, submetido a leis objetivas e suportado por elas. O pensamento burguês considera sempre, e necessariamente, a vida econômica do ponto de vista do capitalismo individual, e daí resulta automaticamente [30a] essa oposição aguda entre o indivíduo e a todo-poderosa e impessoal "lei da natureza", que põe em movimento toda a sociedade. Daí decorre não só a rivalidade entre interesse de classe e interesse individual em caso de conflito (que, para dizer a verdade, raramente chega a ser, entre as classes dominantes, tão violento como entre a burguesia), mas a incapacidade elementar de assenhorear-se teórica e praticamente dos problemas que surgem necessariamente do desenvolvimento da produção capitalista. "Essa transformação repentina do sistema de crédito em sistema monetário converte O pavor teórico em um pânico prático, e os agentes da circulação tremem diante do mistério impenetrável de suas próprias relações", diz Marx.[31] E esse pavor não carece de fundamento, é mais que um simples desespero do capitalista individual diante do seu destino pessoal. Os fatos e as situações que provocam esse pavor fazem, de fato, penetrar na consciência da burguesia qual. quer coisa que ela absolutamente não está em condição de tornar consciente, embora não possa nem totalmente negá-la nem. enxotá-la como um fato bruto. "Porque o fundamento conhecível de tais fatos e de tais situações é que o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital". [32] Para falar a verdade, esse conhecimento, se viesse a ser consciente, significaria que a classe dos capitalistas se suprimiria a si própria.
Assim os limites objetivos da produção capitalista vêm a ser os limites da consciência de classe da burguesia. Mas como - em oposição às antigas formas de dominação "naturais e conservadoras", que deixavam intactas as formas de produção de largas camadas entre os oprimidos [33] e que, por conseguinte. tinham uma influência sobretudo tradicional e não revolucionária - o capitalismo é uma forma de produção revolucionante por excelência - essa necessidade de permanecer inconsciente s> devido aos limites econômicos objetivos do sistema se manifesta como uma contradição interna e dialética na consciência de classe . Por outras palavras, a consciência de classe da burguesia é dirigida forma/mente para uma tomada de consciência econômica. O grau supremo da inconsciência, a forma mais gritante da "falsa consciência", se expressa sempre na ilusão cada vez maior de que os fenômenos econômicos são conscientemente dominados. Essa contradição se expressa, do ponto de vista das relações entre a consciência e o conjunto das relações sociais, na oposição insuperável entre a ideologia e a situação econômica fundamental. A dialética dessa consciência de classe repousa na oposição insuperável entre o indivíduo (capitalista), o indivíduo segundo o esquema do capitalismo individual, e a evolução submetida às "leis naturais" necessárias, isto é, que escapam; por princípio, à consciência. Ela cria assim uma oposição inconciliável entre a teoria e a praxis, de maneira que não permite nenhuma dualidade estável e, ao contrário, tende constantemente a unificar os dois princípios discordantes, provocando de novo, incessantemente, uma oscilação entre uma "falsa" reunião e um dilaceramento catastrófico.
Essa contradição dialética interna na consciência de classe da burguesia é acrescida ainda do fato de que o limite objetivo da organização capitalista da produção não permanece no estado de mera negatividade, nem faz unicamente nascer, consoante as "leis naturais", crises incompreensíveis à consciência, mas se reveste de uma forma histórica própria, consciente e atuante: o proletariado. Já a maior parte dos deslocamentos "normais de perspectiva na visão da estrutura econômica da sociedade, que resultaram do ponto de vista dos capitalistas, tendiam a "obscurecer e mistificar a verdadeira origem da mais-valia". [34] Mas, enquanto no comportamento "normal" meramente teórico esse obscurecimento só se relaciona com a composição orgânica do capital, com a posição do empresário no processo da produção, com a função econômica da taxa de juro, etc., isto é, revela simplesmente a incapacidade de perceber, por trás dos fenômenos superficiais, as verdadeiras forças motrizes, desde que há passagem à prática ele passa a se referir ao fato central da sociedade capitalista: à luta de classes. Pois, na luta de classes, todas essas formas - habitualmente ocultas por trás da vida econômica de superfície, que exerce como que uma fascinação sobre os capitalistas e seus porta-vozes teóricos - se manifestam de tal modo que é impossível não as perceber. Foi em tal ponto, na fase ascendente do capitalismo, quando a luta de classes do proletariado só se expressava sob a forma de violentas explosões espontâneas que o fato da luta de classes foi reconhecido pelos próprios representantes ideológicos da classe ascendente como o fato fundamental da vida histórica (Marat e os historiadores posteriores como Mignet, etc.). Contudo, na medida em que esse princípio inconscientemente revolucionário da evolução capitalista se elevou, pela teoria e pela praxis do proletariado, à consciência social, a burguesia refugiou-se ideologicamente na defensiva consciente. A contradição dialética na "falsa" consciência da burguesia adquire mais acuidade; a "falsa" consciência se converte na falsidade da consciência. A contradição, que no começo só estava objetivamente presente, tornou-se também subjetiva: o problema teórico se transforma em comportamento moral que passa a influir de maneira decisiva sobre todas as tomadas de posição práticas da classe, no que tange a todas as situações e a todas as questões vitais.
Essa situação da burguesia determina a função da consciência de classe na sua luta pela dominação da sociedade. Como a dominação da burguesia se estende realmente a toda a sociedade, como visa efetivamente organizar toda a sociedade de conformidade com os seus interesses, e, em parte, teve êxito, ela deveria criar necessariamente tanto uma doutrina formando um todo da economia do Estado, da sociedade, etc. (o que pressupõe e implica já, em e por si, uma "visão do mundo") como desenvolver e tornar consciente nela a crença de sua própria vocação à dominação. O caráter dialético e trágico da situação de classe da burguesia reside em que não somente é do seu interesse, mas que lhe é inelutavelmente necessário adquirir, sobre cada questão particular, uma consciência tão clara quanto possível de seus interesses de classe, mas que isso lhe advém fatal se essa consciência clara se estende à questão que leva à totalidade. A razão disso está, antes de tudo, em que a dominação da burguesia não passa da dominação de uma minoria. Como essa dominação não é somente exercida por uma minoria, mas no interesse de uma minoria, uma condição inelutável da manutenção do regime burguês é que as outras classes se iludam, permanecendo com uma consciência de classe confusa. (Que se pense na doutrina do Estado como estando "acima" das oposições de classes, na justiça "imparcial", etc.) Conteúdo, é uma necessidade vital para a burguesia mascarar a essência da sociedade burguesa. Porque, quanto mais clara a visão se torna, e quanto mais as contradições internas insolúveis dessa organização se mostram em sua nudez, tanto mais os seus seguidores se colocam diante da seguinte opção: ou firmar-se conscientemente nessa compreensão crescente ou reprimir em Si próprios todos os instintos morais para poder aprovar, inclusive moralmente, a ordem social que eles aprovam em virtude dos seus interesses.
Sem querer superestimar a eficácia de tais fatores ideológicos, deve-se, contudo, constatar que a combatividade de uma classe é tanto maior quanto melhor consciência tenha, acreditando em sua própria vocação, de que um instinto mais indômito lhe permite penetrar todos os fenômenos, de conformidade com os seus interesses. Pois a história ideológica da burguesia não é mais, desde as primeiras etapas de sua evolução - pensamos na crítica da Economia clássica de Sismondi, na crítica alemã do direito natural, no jovem CarIyle, etc. - do que urna luta desesperada para não ver a verdadeira essência da sociedade criada por ela, para não tomar realmente consciência de sua situação de classe. Quando o Manifesto Comunista ressalta que a burguesia produz seus próprios coveiros, isso é justo não somente no plano econômico como também no plano ideológico. Toda a ciência burguesa do século XIX fez os maiores esforços no sentido de mascarar os fundamentos da sociedade burguesa. Tudo foi tentado nessa direção, desde as piores falsificações dos fatos até as "sublimes" teorias sobre a "essência" da história, do Estado, etc. Tudo em vão. O fim do século já trouxe seu julgamento na ciência mais avançada (e, por conseguinte, na consciência das camadas dirigentes do capitalismo).
Isso se manifesta com clareza na acolhida cada vez mais positiva que a idéia de organização consciente recebe na Consciência da burguesia. Inicialmente, uma concentração sempre maior se operou nas sociedades por ações, nos cartéis, nos trustes, etc. Essa concentração colocou a nu no plano organizacional, e de maneira cada vez mais clara, o caráter Social do capital, sem, contudo, abalar a realidade da anarquia da produção, mas, ao contrário, dando unicamente aos Capitalistas individuais, que se tornaram gigantescos, posições de monopólio relativo. Objetivamente ela tem valorizado, de modo bastante enérgico, o caráter social do capital, mas deixou completamente inconsciente para a classe dos capitalistas; ela tem mesmo, por essa aparência de supressão da anarquia da produção, desviado ainda mais a sua consciência de uma verdadeira atitude de reconhecimento da situação. As crises da guerra e do pós-guerra levaram ainda mais longe essa evolução: "a economia planificada" entrou na consciência da burguesia, pelo menos na dos seus elementos mais avançados. De início, evidentemente, nas camadas mais restritas, e assim mesmo mais como uma experiência histórica do que como um meio prático de sair do impasse da crise. Se, contudo, comparamos esse estado de consciência, no qual se procura um equilíbrio entre a "economia planificada" e os interesses de classe da burguesia, com o estado de consciência do capitalismo ascendente, que considerava todas as formas de organização social "como um atentado aos imprescindíveis direitos de propriedade, à liberdade, à 'genialidade' que determinam o capitalismo individual" [35] então salta aos olhos a capitulação da consciência de classe da burguesia diante da do proletariado. Ou seja: mesmo a parte da burguesia que aceita a economia planificada tem desta uma compreensão que não é a do proletariado: ela a entende, precisamente, como a última tentativa de salvação do capitalismo, levando a contradição interna ao seu ponto mais agudo. E mesmo assim ela abandona sua derradeira posição teórica. (E uma estranha réplica a este abandono, por parte de certas frações do proletariado, consiste em capitular por sua vez diante da burguesia nesse instante preciso em que ela se apropria dessa forma problemática de organização.) Assim é que toda a existência da classe burguesa e de sua expressão, a cultura, entrou em uma gravíssima crise. De um lado, a esterilidade sem limite de uma ideologia separada da vida, de uma tentativa mais ou menos consciente de falsificação; de outro, o deserto pavoroso de um cinismo que historicamente já se convenceu do nada interior de sua própria existência, e tão-somente defende sua existência bruta, seu interesse egoísta em estado bruto. Essa crise ideológica é um sinal iniludível de decadência. A classe já se encontra acuada na defensiva, e não luta mais a não ser unicamente pela sua existência (tão agressivos quanto possam ser seus meios de luta). Perdeu irremediavelmente a força de direção.
Notas:
[24] K. Marx, Le Dix-Huit Brumaire de Louis Bonaparte.(voltar ao texto)
[25] Ibid. (voltar ao texto)
[26] Ibid. (voltar ao texto)
[27] Trata-se simplesmente duma tendência. O grande mérito de Rosa Luxemburgo consiste em ter demonstrado que aí não há um fato ocasional' e passageiro, mas que o capitalismo só pode subsistir, economicamente, o bastante para que penetre a sociedade e a conduza unicamente ao capitalismo, sem ainda tê-la penetrado completamente. Essa contradição econômica intrínseca de uma sociedade puramente capitalista é,, seguramente, um dos fundamentos das contradições na consciência de classe da burguesia. (voltar ao texto)
[28] Contribution á la critique de réconomie politique. (voltar ao texto)
[29] Kapital, III, 1, 115, 297-298. 307, etc. Ocorre que os diversos grupos de capitalistas, como o capital industrial, o capital mercantil, etc.. tem aqui posições diferentes. Mas as diferenças não desempenham papel decisivo para o nosso problema. (voltar ao texto)
[30] Ibid., III, 1,425. (voltar ao texto)
[30a] Cf. o ensaio Rosa Luxemburgo, marxiste. (voltar ao texto)
[31] Contribution à Ia critique deláeconomie poliotique. (voltar ao texto)
[32] Kapital. III, 1,231 e 242. (voltar ao texto)
[33] Isso, por exemplo, também se relaciona com as formas primitivas -de entesouramento (cf. Kapital, 1,94) e certas formas de manifestação do capital mercantil (relativamente "pré-capitalista"). Cf. Kapital III. 1, 319. (voltar ao texto)
[34] KapitaI, III, 1, 146 e 132.366,369, 377, etc. (voltar ao texto)
[35] Kapital 1 321. (voltar ao texto)
Inclusão | 18/07/2003 |