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Primeira Edição: http://domenicolosurdopolemicalibertaricerca.blogspot.com/
Fonte: http://resistir.info/ -https://resistir.info/varios/losurdo_negacionismo_p.html
Tradução: José Barreiros
HTML: Fernando Araújo.
A condenação do judeicídio não se pode dissociar da condenação das infâmias coloniais do Terceiro Reich. Verdadeira e falsa crítica do negacionismo.
"Hitler nunca ordenou ou permitiu que se matasse uma pessoa por motivo da raça ou da religião": pode-se ler esta defesa da honra do Führer e do Terceiro Reich na mais recente intervenção de Robert Faurisson. Depois de ter criminalizado o processo iniciado com a revolução de Outubro e de ter procedido à reabilitação mais ou menos explícita de Mussolini, de Franco, dos "rapazes de Saló", o revisionismo histórico em raivoso ataque desde há decénios chega às suas lógicas conclusões.
Para compreender o absurdo da tomada de posição de Faurisson, basta pô-la em confronto com a descrição que da guerra conduzida pela Alemanha nazi na Europa oriental faz outro expoente de destaque do revisionismo histórico, que é David Irving. Apesar das suas reticências e piruetas, não consegue esconder o essencial: faz alusão aos "bárbaros massacres de judeus soviéticos" e reconhece que, embora "coberta de eufemismo subtis", "toda a actividade homicida dos nazis" era porém destinada a matar "sem distinções de classe social, de sexo ou de idade"; as próprias brigadas especiais só conseguiam levar a cabo a sua tarefa "sob os efeitos do álcool". Estas concessões porém são gravemente atenuadas pela tese de que Hitler não devia estar ao corrente do que se passava! Contudo, é o próprio Irving quem observa que o Führer considerava "excelente" e merecedora da mais ampla difusão a proclamação com que o general W. von Reichenau esclarecia aos seus soldados um ponto essencial: devia-se exigir "um duro mas justo tributo aos sub-humanos judeus". A desumanização das vítimas, degradadas a Untermenschen, abre as portas à "solução final". Se ridículos são os contorsionismos de Irving, é um verdadeiro insulto à verdade histórica e à memória das vítimas o que se pode ler nas palavras de Faurisson.
Como obstar ao desvio revisionista, mais ou menos radical, que se manifesta em sectores significativos da cultura ocidental? Façamos só mais uma pergunta: são apenas os judeus a ser insultados pela reabilitação mais ou menos explícita do fascismo e até do Terceiro Reich? Reflicta-se na declaração de Faurisson que citei no início: "Hitler nunca ordenou ou permitiu que se matasse uma pessoa por motivo da raça ou da religião". Já vimos a sorte reservada aos judeus no decorrer da guerra contra a União Soviética. Mas agora leiamos as disposições dadas pelo Führer nas vésperas da agressão contra a Polónia: impõe-se a "eliminação das forças vitais" do povo polaco; deve-se "proceder de modo brutal" sem se deixar tolher pela "compaixão"; "o direito está do lado do mais forte". Análogas ou talvez ainda mais drásticas são as directivas que presidem à operação Barbarroxa: uma vez capturados, é preciso eliminar imediatamente os comissários políticos, os quadros do Exército Vermelho, do Estado soviético e do Partido Comunista; no Oriente impõe-se uma "dureza" extrema e os oficiais e soldados alemães são chamados a "superar as suas reservas" e os seus escrúpulos morais. No âmbito do seu projecto de edificação de um grande império continental na Europa oriental, Hitler por um lado assimila os habitantes desta área aos peles-vermelhas: eles devem ser expropriados e dizimados de modo a consentir a expansão colonial da raça branca e ariana; por outro lado a população restante está destinada a prestar trabalho servil ao serviço da raça dos senhores. Mas para que povos de civilização antiga possam ser reduzidos à condição de peles-vermelhas (a expropriar e dizimar) e de negros (a escravizar), "todos os representantes da intelectualidade polaca" e russa sublinha o Führer "têm de ser aniquilados"; "isto pode parecer duro mas não deixa de ser uma lei da vida". Assim se explica a sorte reservada na Polónia ao clero católico, na URSS aos quadros comunistas, e em ambos os casos aos judeus, bem presentes nas camadas intelectuais e suspeitos de inspirar e alimentar o bolchevismo. Como se vê, o negacionismo de Faurisson é um insulto à memória dos judeus, sim, mas também dos polacos, dos russos, etc: estamos na presença de "raças" às quais a hitleriana "raça dos senhores" é chamada a impor, com modalidades diferentes, um destino trágico.
Não faltam porém as críticas vindas de certos ambientes a estas considerações. Argumentar deste modo, dizem eles, significaria proceder a uma intolerável multiplicação do número dos negacionismos. É a objecção clássica dos dogmáticos, que se recusam a reflectir sobre as categorias que eles utilizam: na formulação de regras gerais do discurso, vêem uma ameaça à sua pretensão de se comportarem como juízes soberanos e inapeláveis. Resta o facto de a denúncia em sentido único do negacionismo de Faurisson se mostrar ela mesma afectada de negacionismo. E é precisamente este último negacionismo que hoje em dia é mais difundido e mais perigoso.
Veja-se um historiador de sucesso na corte imperial de Washington, que escreve no Wall Street Journal e que dá pelo nome de Robert Conquest. Este, falando de Hitler, afirma peremptoriamente: "Embora odiasse o comunismo judaico, ele não odiava os comunistas". Toda a gente sabe que, desde o seu advento, o Terceiro Reich desencadeou uma sanguinária repressão contra os comunistas. E esta verdade não é desmentida de modo nenhum pelo pacto de não-agressão em vigor entre a Alemanha e a União Soviética de 1939 a 1941. Como recordei no meu último livro (Il linguaggio dell'Impero), quatro anos antes do pacto de não-agressão os sionistas já haviam estipulado em 1935 um acordo com vista à deslocação para a Palestina de um número consistente de judeus alemães com uma parte considerável dos seus bens; mas isto em nada diminui a ferocidade anti-semita do regime hitleriano. Por outro lado, para os nazis, judaísmo e bolchevismo tendem a ser a mesma coisa: não é por acaso que a revolução de Outubro é rotulada como o resultado da conspiração judaico-bolchevique. Mas o historiador da corte omite este capítulo de história, tal como ignora o facto de o furor anticomunista do nazismo estar intimamente ligado ao seu programa colonialista: os comunistas que estimulam a revolução das "raças inferiores" são identificados como o obstáculo principal ao projecto de construção na Europa de um grande império continental. Assim se compreendem as modalidades com que o Terceiro Reich conduz a agressão contra a União Soviética. Vamos reconstruí-la seguindo a pista do recente e corajoso livro de Geoffrey Roberts: "Nos fins de 1941 os alemães tinham capturado 3 milhões de prisioneiros soviéticos. Em Fevereiro de 1942 morreram 2 milhões destes prisioneiros, na sua maioria devido à inanição, às doenças e aos maus tratos. Além disso, os alemães procederam directamente à execução dos prisioneiros suspeitos de serem comunistas". Isto é, logo nos poucos meses iniciais da operação Barbarroxa, os nazis matam ou provocam a morte de mais de dois milhões de soviéticos, atingindo em primeiro lugar os comunistas. E mais: enquanto é obrigado a esconder-se para escapar à "solução final", um eminente intelectual alemão de origem judaica (Victor Klemperer) escreve uma nota de diário em que se deve reflectir. Estamos em Agosto de 1942 e a Zeiss-Ikon recorre ao trabalho forçado de operárias polacas, francesas, dinamarquesas, judias e russas; a situação destas últimas é particularmente dura: "Passam tanta fome que as camaradas judias intervêm em seu auxílio. É proibido; mas deixa-se cair uma fatia. Passado algum tempo a russa baixa-se e depois desaparece com o pão para a retrete". Portanto, segundo este testemunho, a condição das escravas russas (ou soviéticas) às vezes era até pior do que a das escravas judias. Mas Conquest passa de maneira desenvolta por cima da questão colonial. Assim, ele impede a compreensão do próprio judeicídio: comunistas e judeus, identificados com frequência, são atingidos por uma violência particular, porque estão rotulados como os principais responsáveis da revolta dos povos coloniais. Em Hitler e no seu principal ideólogo (Alfred Rosenberg) não se poupam os avisos contra a ameaça que o Untermensch, o sub-homem bolchevique, ou melhor: judaico-bolchevique representa para o predomínio da raça branca, aliás do Ocidente, aliás da raça ariana, numa palavra: do único mundo que representa a causa da civilização.
O historiador caro ao Wall Street Journal está empenhado em romper esta solidariedade (tão bem ilustrada por Klemperer) que as vítimas, em condições trágicas, foram capazes de estabelecer perante os seus carnífices. Estamos em presença de um negacionismo particularmente repugnante.
Quem sofre o insulto do negacionismo são as vítimas do colonialismo, e não só do hitleriano. Há uns anos, outro historiador aclamado na corte imperial de Washington, John Keegan, publicou um livro cujo conteúdo foi assim sintetizado no título do maior jornal italiano: "Índios maus e egoístas. Viva Custer". Com efeito, deparamos aqui com uma homenagem, pelo menos indirecta, a Custer, o general que na sua correspondência privada, fazendo-se eco dos humores amplamente difundidos na comunidade branca da época, se pronuncia por uma "guerra de extermínio". Ao rotular como "rico egoísta" o índio que pretendia monopolizar para si uma terra escassamente povoada e se opõe à expansão branca, Keegan não repara que retomou a teoria do "espaço vital", a teoria com base na qual Hitler legitimou a sua guerra de extermínio contra os "indígenas" da Europa oriental.
Percebe-se muito bem a indulgência da ideologia dominante em relação ao negacionismo que recalca os horrores da tradição colonial, desde os conquistadores da "descoberta" da América até ao Terceiro Reich. Em primeiro lugar chamar a atenção para este longo processo histórico significa de qualquer modo prestar homenagem à tradição revolucionária, dos jacobinos (que aboliram a escravatura nas colónias francesas) aos bolcheviques (que apelam aos povos das colónias para que despedacem as suas cadeias) e ao Exército Vermelho que em Estalinegrado destrói o sonho hitleriano de renovar na própria Europa as pompas sangrentas da tradição colonial.
Em segundo lugar é de notar que o negacionismo, umas vezes explícito outras implícito, da tragédia sofrida pelos ameríndios e pelos afro-americanos é um elemento constitutivo essencial do mito genealógico dos Estados Unidos, que só se podem autocelebrar como "a mais antiga democracia do mundo" na condição de se considerar implicitamente irrelevante a sorte reservada à massa dos que durante séculos foram excluídos, oprimidos ou aniquilados pelo povo dos senhores. Para além das personalidades comprometidas na primeira fila na luta política e portanto, compreensivelmente, pouco interessadas em pôr em causa o mito genealógico (e a ideologia da guerra) do país-guia do Ocidente e do Ocidente enquanto tal, o negacionismo caracteriza também a alta cultura dos Estados Unidos e da Europa. Reflicta-se na aura de santidade que nas duas margens do Atlântico rodeia a figura de Tocqueville. Este visita os Estados Unidos quando o presidente é Jackson, proprietário de escravos (à semelhança de quase todos os presidentes dos primeiros decénios de vida do novo país), protagonista da deportação dos Cherokee (morrem 25% logo no decorrer da viagem de deslocação) e campeão da luta total contra esses "cães selvagens" que são os índios: ele adora encarniçar-se até sobre os seus cadáveres, para obter lembranças que distribui entre amigos e conhecidos. Teria razão Tocqueville ao apontar como exemplo de "democracia" os Estados Unidos de Jackson, e em geral o país que foi dos últimos a abolir a escravatura no continente americano e que aliás reintroduz essa instituição no Texas arrebatado ao México através da guerra? É sintomático que esta questão elementar continue a ser iludida.
Em terceiro lugar, é bem difícil para o Ocidente e sobretudo para o seu país-guia regular as contas até ao fim com a tradição colonial, num momento em que Washington se arroga o direito de exportar com a força das armas a civilização a todos os recantos do mundo.
E enfim: livre das infâmias de que Hitler se mancha em prejuízo dos "índios" e dos "negros" da Europa oriental, o judeicídio é chamado a justificar não só a fundação de Israel, mas também a sua política de expansão colonial. O horror inesquecível sofrido pelos judeus no Terceiro Reich é utilizado para recalcar a opressão e a tragédia que, certamente em condições e com modalidades completamente diferentes, desde há decénios sofrem os palestinos. No século XIX, com Bernard Lazare, a grande cultura judaica de esquerda tentou promover a emancipação dos judeus, já não arrancando qualquer concessão colonial às grandes potências da época, mas inserindo num projecto revolucionário conjunto de orientação anti-colonialista e anti-imperialista a luta dos judeus e a dos outros povos oprimidos, a luta contra o anti-semitismo e contra o racismo colonial. Daí em Lazare a comparação entre os sofrimentos passados pelos judeus e os infligidos aos negros nas colónias africanas da Alemanha ou de outros países, aos árabes atacados pela expansão colonial da Itália ou aos irlandeses há séculos oprimidos pela Inglaterra. No século XX vimos Klemperer sublinhar a solidariedade entre escravas judias e escravas russas e soviéticas do Terceiro Reich. É esta grande tradição que agora se tenta isolar e fazer calar.
Neste contexto é conveniente reflectir na legislação já em vigor em países como a França, a Alemanha, a Áustria e que agora tende a alargar-se também à Itália e à União Europeia no seu conjunto. Contra esta eventualidade pronunciou-se um Apelo promovido por historiadores eminentes como Angelo d'Orsi, Enzo Traverso, etc, que obteve uma adesão em massa na comunidade dos historiadores e que também subscrevi: deve-se respeitar a liberdade de opinião e de expressão; a verdade histórica não é uma doutrina ou religião de Estado, a impor com o recurso à polícia e aos juízes. Não é de espantar que a estes argumentos se revelem surdos os ideólogos oficiais do Ocidente "democrático"; mais surpreendente é a falta de sensibilidade de que dão prova os ambientes de uma certa esquerda, os quais geralmente adoram gabar-se de ter rompido com o subestimar da "liberdade formal" que invalidava o "socialismo real". A legislação liberticida deve deixar-nos indiferentes porque atinge Irving, Faurisson e outras personagens do mesmo tipo? Pelo menos à esquerda a que acabei de aludir desejo lembrar a condenação formulada em 1925 por Gramsci da lei mussoliniana contra as lojas maçónicas: na realidade tinha em vista abrir caminho para a repressão do movimento operário. Nos nossos dias é preocupante a anticomunista caça às bruxas que caracteriza o clima político da Europa oriental
Mas à justa defesa da liberdade de opinião e de expressão, que está no centro do Apelo dos historiadores e que só pode garantir uma luta credível e eficaz contra o revisionismo histórico e o negacionismo, desejaria acrescentar mais um argumento. A chamada legislação anti-negacionista, já em vigor ou a promulgar, sanciona uma dupla e intolerável discriminação: Irving, que, embora de maneira parcial e retorcida reconheceu as infâmias antijudaicas do Terceiro Reich, passou um ano na prisão; os historiadores que escarnecem das vítimas soviéticas da barbárie nazi ou que desfiguram a guerra de extermínio contra os índios (assumida como modelo por Hitler), são os heróis da cena mass-mediática ocidental. A segunda e mais grave discriminação é a que se faz entre as vítimas: está garantida a memória de umas, mas não de outras. Assistimos aliás a um fenómeno em que vale a pena reflectir: enquanto se quer alargar a toda a União Europeia a legislação anti-negacionista, eis que na Estónia é removido o monumento que presta homenagem à memória dos soldados soviéticos. Ao que parece, não faltam sequer as tentativas de reabilitação ou de compreensão do Terceiro Reich. Há um episódio revelador do clima que se está a afirmar desde há uns anos. Em Abril de 2000 o então embaixador da Letónia na Noruega escreveu uma carta ao International Herald Tribune em que explicava assim o pedido de admissão à UE e à Nato: o país tinha intenções de reafirmar as "raízes europeias" e ocidentais e os "laços culturais nórdicos". É de estarrecer: assim ressurge um motivo caro em particular a Rosenberg e em geral ao Terceiro Reich, que conduziu a Leste a sua guerra colonial de escravização e de extermínio precisamente celebrando a superior civilização europeia e nórdica, em contraposição à barbárie asiática. E por outro lado, o Conquest que já conhecemos põe no centro do seu discurso a celebração da superioridade dos "anglo-celtas" em relação a todos os outros povos do mundo. É um motivo racial que, com uma ou outra variante, suscitaria o entusiasmo de Hitler. Uma conclusão se impõe: para ser eficaz, a luta contra o negacionismo tem de se travar até ao fim e sem reproduzir, mesmo involuntariamente que seja, novas discriminações. Trata-se porém de uma luta que não se pode conduzir seguindo na peugada dos responsáveis do desvio revisionista que desde há decénios ataca com raiva no Ocidente!
Bibliografia:
Robert Faurisson, Vittorie revisioniste, Effepi, Genova, 2007, p. 12;
Robert Conquest, Stalin Breaker of Nations (1991), Penguin Books, New York, 1992, p. 174;
Geoffrey Roberts Stalin’s Wars. From World War to Cold War, 1939-1953, Yale Universitry Press, New Haven and London, 2006, p. 85;
Victor Klemperer, Ich will Zeugnis ablegen bis zum letzten, Aufbau, Berlin, 1996 (quinta edizione), vol. II, p. 194;
Adolf Hitler, Reden und Proklamationen 1932-1945, a cura di Max Domarus, Süddeutscher Verlag, München, 1965 (ver sobretudo os discursos de 22 de Agosto de 1939, 28 de Setembro de 1940 e
30 de Março e 8 de Novembro de 1941);
Valdis Krastins, Latvia’s Past and Present, in «International Herald Tribune» del 7 aprile 2000, p. 7.
Quanto a textos não indicados aqui, remeto para o meu livro recém-publicado: "Il linguaggio dell'Impero. Lessico
dell'ideologia americana", Laterza, Roma-Bari.