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(O aparecimento do camarada Lénine é acolhido por clamorosos e prolongados aplausos e ovações de toda a sala. Todos se põem de pé e cantam a Internacional.) Camaradas! Na lista de oradores figuro como o relator principal, mas compreendereis que depois da minha longa doença não esteja em condições de apresentar um grande relatório. Não poderei fazer mais que uma introdução às questões mais importantes. O meu tema será muito limitado. O tema «Cinco anos da revolução russa e perspectivas da revolução mundial» é demasiado amplo e grande para que um só orador possa esgotá-lo num só discurso. Por isso tomo apenas uma pequena parte deste tema, a saber, a questão da «nova política económica». Tomo deliberadamente apenas esta pequena parte para vos familiarizar com esta questão extremamente importante agora, extremamente importante pelo menos para mim pois estou a trabalhar nela presentemente.
Falarei pois de como iniciámos a nova política económica e dos resultados que conseguimos com a ajuda desta política. Se me limitar a esta questão, talvez possa fazer um apanhado geral e dar uma ideia geral desta questão.
Para começar pela maneira como chegámos à nova política económica, devo referir-me a um artigo que escrevi em 1918(1*). No princípio de 1918, numa breve polémica, referi-me precisamente à questão de qual a posição que devemos adoptar em relação ao capitalismo de Estado. Escrevi então:
«O capitalismo de Estado seria um passo em frente face à situação actual (isto é, de então) na nossa República Soviética. Se, por exemplo, dentro de meio ano se estabelecesse no nosso país o capitalismo de Estado, isso seria um imenso êxito e a mais firme garantia de que, ao cabo de um ano, o socialismo se consolidaria definitivamente e se tornaria invencível.»(2*)
Isto foi dito, naturalmente, numa época em que éramos mais estúpidos do que hoje, mas não tão estúpidos que não soubéssemos analisar tais questões.
Assim, em 1918, eu defendi a opinião de que o capitalismo de Estado constituía um passo em frente em relação à situação económica de então da República Soviética. Isto soa de maneira muito estranha e talvez até absurda, porque a nossa república era já então uma república socialista; adoptávamos então diariamente com a maior precipitação - talvez com demasiada precipitação - diversas medidas económicas novas, que só podiam ser qualificadas de medidas socialistas. E, no entanto, eu pensava então que o capitalismo de Estado representava um passo em frente em comparação com a situação económica de então da República Soviética, e explicava mais adiante esta ideia enumerando simplesmente os elementos do regime económico da Rússia. Estes elementos eram, em minha opinião, os seguintes: «1) forma patriarcal, isto é, mais primitiva, da agricultura; 2) pequena produção mercantil (isto inclui também a maioria do campesinato que comercia com cereais); 3) capitalismo privado; 4) capitalismo de Estado, e 5) socialismo».(3*) Todos estes elementos económicos estavam representados na Rússia de então. Coloquei-me então a tarefa de explicar as relações existentes entre esses elementos e se não se deveria considerar algum dos elementos não socialistas, precisamente o capitalismo de Estado, superior ao socialismo. Repito: a todos parece muito estranho que um elemento não socialista seja considerado superior, colocado acima do socialismo numa república que se declara socialista. Mas a questão tornar-se-á compreensível se recordardes que nós não considerávamos, de modo nenhum, o regime económico da Rússia como algo homogéneo e altamente desenvolvido, mas tínhamos plena consciência de que, ao lado da forma socialista, tínhamos na Rússia a agricultura patriarcal, isto é, a forma mais primitiva de agricultura. Que papel podia desempenhar o capitalismo de Estado em semelhante situação?
Mais adiante eu perguntava a mim próprio: qual destes elementos é o predominante? É evidente que num ambiente pequeno-burguês predomina o elemento pequeno-burguês. Compreendi então que este elemento era o predominante; era impossível pensar doutro modo. A pergunta que então me fiz - tratava-se duma polémica especial, que não tem relação com o presente problema - foi: que atitude adoptamos em relação ao capitalismo de Estado? E respondia a mim próprio: o capitalismo de Estado, embora não sendo uma forma socialista, seria para nós e para a Rússia uma forma mais vantajosa do que a actual. Que significa isto? Isto significa que nós não sobrestimávamos nem as formas embrionárias, nem os princípios da economia socialista, apesar de termos realizado já a revolução social; pelo contrário, então reconhecíamos já de certo modo: sim, teria sido melhor se nós chegássemos primeiro ao capitalismo de Estado e depois ao socialismo.
Devo sublinhar especialmente esta parte, porque, supunho, só partindo dela é possível, em primeiro lugar, explicar o que representa a actual política económica e, em segundo lugar, retirar daí conclusões práticas muito importantes também para a Internacional Comunista. Não quero dizer que tivéssemos preparado de antemão o plano de recuo. Não tínhamos. Essas breves linhas polémicas não eram nessa altura de modo nenhum um plano de recuo. Aqui não há sequer uma palavra sobre um ponto tão importante como é, por exemplo, a liberdade de comércio, que tem uma importância fundamental para o capitalismo de Estado. No entanto, dava-se já a ideia geral, indefinida, do recuo. Considero que devemos prestar atenção a isto não só do ponto de vista dum país que foi e continua a ser muito atrasado quanto ao seu regime económico, mas também do ponto de vista da Internacional Comunista e dos países avançados da Europa Ocidental. Agora, por exemplo, ocupamo-nos da elaboração do programa. Pessoalmente penso que faríamos melhor se discutíssemos agora todos os programas apenas em geral, por assim dizer, em primeira leitura e os imprimíssemos, sem adoptar agora, nem este ano, uma decisão definitiva. Porquê? Antes de mais nada, naturalmente, porque não creio que os tenhamos estudado todos bem. E, além disso, porque quase não estudámos a questão da possibilidade de um recuo e da maneira de assegurar este recuo. E esta questão requer absolutamente que lhe prestemos atenção num momento em que se produzem mudanças tão radicais em todo o mundo, como são o derrubamento do capitalismo e a edificação do socialismo, com as suas enormes dificuldades. Não devemos saber apenas como actuar no momento em que passamos directamente à ofensiva e, além disso, saímos vencedores. Num período revolucionário, isso não apresenta tantas dificuldades nem é tão importante, pelo menos não é o mais decisivo. Durante a revolução há sempre momentos em que o inimigo perde a cabeça, e se o atacarmos num desses momentos, podemos vencer com facilidade. Mas isto ainda não quer dizer nada, porque o nosso inimigo, se possuir suficiente domínio de si, pode agrupar as suas forças a tempo, etc. Então pode facilmente provocar-nos para que o ataquemos e depois repelir-nos por muitos anos. Por isso penso que a ideia de que devemos preparar-nos para a possibilidade de um recuo tem extrema importância e não apenas do ponto de vista teórico. Também do ponto de vista prático todos os partidos que se preparam para passar num futuro próximo à ofensiva directa contra o capitalismo devem pensar agora também em como assegurar o recuo. Penso que se tivermos em conta esta lição, bem como todas as outras lições da experiência da nossa revolução, isto, longe de nos causar qualquer prejuízo, ser-nos-á provavelmente muito útil em muitos casos.
Depois de ter sublinhado que já em 1918 considerávamos o capitalismo de Estado como uma possível linha de recuo, passo aos resultados da nossa nova política económica. Repito: então era ainda uma ideia muito vaga, mas em 1921, depois de termos superado a etapa mais importante da guerra civil, e de a termos superado vitoriosamente, chocámos com uma grande crise política interna - suponho que a maior - da Rússia Soviética. Esta crise interna revelou o descontentamento não só duma parte considerável do campesinato, mas também dos operários. Foi a primeira vez, e espero que será a última na história da Rússia Soviética, que grandes massas do campesinato estavam contra nós, não conscientemente mas instintivamente, pelo seu estado de espírito. O que é que provocara esta situação original e, naturalmente, tão desagradável para nós? A causa foi que tínhamos avançado demasiado na nossa ofensiva económica, e não tínhamos assegurado uma base suficiente, que as massas sentiam aquilo que nós ainda não sabíamos então formular de maneira consciente, mas que em breve, algumas semanas depois, reconhecemos: que a passagem directa para formas puramente socialistas, para a distribuição puramente socialista, era superior às forças que tínhamos e que se não estivéssemos em condições de operar um recuo, para nos limitarmos a tarefas mais fáceis, nos ameaçava a morte. A crise começou, parece-me, em Fevereiro de 1921. Já na Primavera desse ano decidimos unanimemente - a este respeito não vi grandes divergências entre nós - passar à nova política económica. Agora, ano e meio depois, em fins de 1922, estamos já em condições de fazer algumas comparações. E que se passou? Como vivemos este período de mais de ano e meio? Que resultados obtivemos? Este recuo foi de alguma utilidade e salvou-nos realmente, ou o resultado é ainda indefinido? Esta é a questão principal que coloco a mim próprio e suponho que esta questão principal tem importância primordial também para todos os partidos comunistas, pois se a resposta fosse negativa, todos estaríamos irremediavelmente perdidos. Penso que todos nós podemos responder afirmativamente com a consciência tranquila a esta questão, e precisamente no sentido de que o ano e meio decorrido demonstra de maneira positiva e absoluta que passámos neste exame.
Tentarei agora demonstrá-lo. Para isso devo enumerar brevemente todas as partes integrantes da nossa economia.
Deter-me-ei, em primeiro lugar, no nosso sistema financeiro e no famoso rublo russo. Penso que se pode considerar famoso o rublo russo, quanto mais não seja porque a quantidade destes rublos ultrapassa agora um quatrilião. (Risos.) Isto é já alguma coisa. É um número astronómico. Estou certo de que nem todos os que se encontram aqui sabem mesmo o que este número significa. (Riso geral) Mas nós não consideramos, mesmo do ponto de vista da ciência económica, estes números demasiado importantes, pois os zeros podem ser cortados. (Risos). Já conseguimos alguma coisa nesta arte, que do ponto de vista económico também não tem qualquer importância, e estou certo de que no curso ulterior dos acontecimentos conseguiremos nesta arte muito mais ainda. O que é verdadeiramente importante é a questão da estabilização do rublo. Trabalhamos nesta questão, nela trabalham as nossas melhores forças e atribuímos a esta tarefa uma importância decisiva. Se conseguirmos estabilizar o rublo por um longo prazo, e depois para sempre, isso significa que ganhámos. Então todos estes números astronómicos - todos estes triliões e quatriliões - não significarão nada. Então poderemos assentar a nossa economia num terreno firme e continuar a desenvolvê-la num terreno firme. Penso que posso citar-vos factos bastante importantes e decisivos acerca desta questão. Em 1921 o período de estabilização do curso do rublo-papel durou menos de três meses. No presente ano, 1922, embora ainda não tenha terminado, este período dura há já mais de cinco meses. Suponho que isto basta. Claro que isto é insuficiente se quereis de nós uma prova científica de que no futuro resolveremos por completo este problema. Mas, em minha opinião, é em geral impossível demonstrar isto por completo. Os dados citados provam que desde o ano passado, em que começámos a nossa nova política económica, até ao dia de hoje, já aprendemos a marchar em frente. Se aprendermos isto, estou certo de que saberemos conseguir novos êxitos neste caminho, desde que não cometamos alguma estupidez particular. Mas o mais importante é o comércio, precisamente a circulação de mercadorias, imprescindível para nós. E se o conseguirmos levar a bom termo durante dois anos, apesar de nos encontrarmos em estado de guerra (pois como sabeis, há apenas algumas semanas que ocupámos Vladivostok), apesar de só agora podermos iniciar a nossa actividade económica de modo sistemático; se, a despeito de tudo isso, conseguimos que o período de estabilização do rublo-papel se eleve de três meses para cinco, penso que posso dizer que podemos estar satisfeitos com isto. Porque estamos sós. Não temos recebido nem recebemos qualquer empréstimo. Nenhum desses poderosos Estados capitalistas que organizam tão «brilhantemente» a sua economia capitalista e que ainda hoje não sabem para onde vão, nos ajudou. Com a Paz de Versalhes criaram um sistema financeiro no qual eles próprios não se entendem. Se esses grandes Estados capitalistas dirigem a sua economia dessa maneira, penso que nós, atrasados e incultos, podemos estar satisfeitos por termos alcançado o essencial: alcançámos as condições de estabilização do rublo. Isto é provado não por qualquer análise económica, mas pela prática, e eu considero que esta é mais importante que todas as discussões teóricas do mundo. A prática mostra que aqui conseguimos resultados decisivos: começámos a fazer avançar a economia na direcção da estabilização do rublo, o que é da maior importância para o comércio, para a livre circulação de mercadorias, para os camponeses e para a enorme . massa dos pequenos produtores.
Passo agora aos nossos objectivos sociais. O principal é, naturalmente, o campesinato. Em 1921 existia indubitavelmente um descontentamento duma grande parte do campesinato. Depois tivemos a fome. E isto significou para o campesinato a prova mais dura. E é perfeitamente natural que todo o estrangeiro começasse então a gritar: «Vede, aí tendes os resultados da economia socialista.» É inteiramente natural, claro está, que passassem em silêncio que a fome era, na realidade, um resultado monstruoso da guerra civil. Todos os latifundiários e capitalistas, que tinham começado uma ofensiva contra nós em 1918, apresentaram as coisas como se a fome fosse resultado da economia socialista. A fome foi, com efeito, uma grande e séria infelicidade, uma infelicidade tal que ameaçava destruir todo o nosso trabalho organizativo e revolucionário.
Assim, eu pergunto agora: depois dessa calamidade inaudita e inesperada, como estão as coisas agora, depois de termos introduzido a nova política económica, depois de termos concedido aos camponeses a liberdade de comércio? A resposta, clara e evidente para todos, é a seguinte: num ano, o campesinato não só venceu a fome como, além disso, pagou o imposto em espécie em tal quantidade que recebemos já centenas de milhões de puds, e além disso quase sem aplicar qualquer medida de coacção. As insurreições camponesas, que antes, até 1921, constituíam, por assim dizer, um fenómeno geral na Rússia, desapareceram quase por completo. O campesinato está satisfeito com a sua actual situação. Podemos afirmá-lo com toda a tranquilidade. Consideramos que estas provas têm maior importância do que qualquer prova estatística. Ninguém duvida de que o campesinato é no nosso país o facto decisivo. Este campesinato encontra-se agora numa situação tal que não devemos recear da sua parte qualquer movimento contra nós. Dizemo-lo com plena consciência e sem exagero. Isso está conseguido. O campesinato pode sentir descontentamento por um ou outro aspecto do trabalho do nosso poder, e pode queixar-se disso. Isto, naturalmente, é possível e inevitável, porque o nosso aparelho e a nossa economia estatal são ainda demasiado maus para poder evitá-lo, mas, em qualquer caso, está completamente excluído qualquer descontentamento sério em relação a nós da parte de todo o campesinato. Conseguimo-lo num só ano. E penso que isto é já muito.
Passo agora à indústria ligeira. Precisamente na indústria devemos estabelecer uma distinção entre a pesada e a ligeira, pois elas se encontram em situações diferentes. No que se refere à indústria ligeira, posso dizer tranquilamente: aqui observa-se um ascenso geral. Não entrarei em pormenores. Não cabe na minha tarefa citar dados estatísticos. Mas esta impressão geral baseia-se em factos e posso garantir que no fundamental não há nela nada de falso ou de inexacto. Temos um ascenso geral na indústria ligeira e, em relação com isso, certa melhoria da situação dos operários tanto em Petrogrado como em Moscovo. Nas outras regiões isso observa-se em menor grau, porque aí predomina a indústria pesada, e não se deve generalizar isso. Em todo o caso, repito, a indústria ligeira encontra-se num ascenso incontestável, e a melhoria da situação dos operários de Petrogrado e de Moscovo é indubitável. Na Primavera de 1921, em ambas estas cidades existia descontentamento entre os operários. Hoje isso não existe de modo nenhum. Nós, que seguimos dia a dia a situação e o estado de espírito dos operários, não erramos nesta questão.
A terceira questão refere-se à indústria pesada. Devo dizer que aqui a situação é ainda difícil. Em 1921-1922 iniciou-se uma certa viragem nessa situação. Podemos portanto confiar em que a situação melhorará num futuro próximo. Reunimos já em parte os meios necessários para isso. Num país capitalista, para melhorar a situação da indústria pesada seria necessário um empréstimo de centenas de milhões, sem os quais esse melhoramento seria impossível. A história económica dos países capitalistas demonstra que, nos países atrasados, só os empréstimos a longo prazo de centenas de milhões de dólares ou de rublos-ouro poderiam ser o meio para levantar a indústria pesada. Nós não tivemos esses empréstimos nem recebemos nada até agora. Aquilo que se escreve agora sobre as concessões, etc., não representa quase nada senão papel. Nos últimos tempos temos escrito muito sobre isso, principalmente sobre a concessão Urquhart(N314). Não obstante, a nossa política de concessões parece-me muito boa. Mas, apesar disso, não temos ainda uma concessão rendível. Peco-vos que não esqueçais isto. Assim, a situação da indústria pesada é uma questão verdadeiramente gravíssima para o nosso atrasado país, porque não podemos contar com empréstimos nos países ricos. Não obstante, observamos já uma notável melhoria e vemos, além disso, que a nossa actividade comercial nos proporcionou já algum capital. É verdade que por enquanto é muito modesto, pouco mais de vinte milhões de rublos-ouro. Mas, em todo o caso, temos já um começo: o nosso comércio dá-nos meios que podemos utilizar para levantar a indústria pesada. Em todo o caso, a nossa indústria pesada ainda se encontra actualmente numa situação muito difícil. Mas penso que o decisivo é a circunstância de que estamos já em condições de economizar alguma coisa. Fá-lo-emos também no futuro. Embora isso se faça frequentemente à custa da população, devemos apesar de tudo economizar agora. Trabalhamos agora na redução do nosso orçamento de Estado, na redução do nosso aparelho de Estado. Mais adiante direi ainda algumas palavras sobre o nosso aparelho de Estado. Em todo o caso, devemos reduzir o nosso aparelho de Estado, devemos economizar tanto quanto possível. Economizamos em tudo, até nas escolas. E deve ser assim, porque sabemos que sem salvar a indústria pesada, sem a restaurar, não poderemos construir qualquer indústria, e sem esta pereceremos completamente como país independente. Sabemo-lo bem.
A salvação da Rússia não está apenas numa boa colheita nas explorações camponesas - isto não basta - nem apenas na boa situação da indústria ligeira, que abastece o campesinato com artigos de consumo - isto também não basta; precisamos também duma indústria pesada. Mas para a pôr em boas condições serão necessários vários anos de trabalho.
A indústria pesada necessita de subsídios do Estado. Se os não encontrarmos pereceremos como Estado civilizado, para já não dizer como Estado socialista. Portanto, demos neste sentido um passo decisivo. Começámos a acumular os meios necessários para pôr de pé a indústria pesada. É verdade que a soma que conseguimos até agora mal passa de vinte milhões de rublos-ouro, mas em todo o caso essa soma existe e está destinada exclusivamente a levantar a nossa indústria pesada.
Creio que, como tinha prometido, vos expus brevemente em linhas gerais os principais elementos da nossa economia nacional, e penso que de tudo isso pode concluir-se que a nova política económica nos deu já vantagens. Hoje temos já provas de que, como Estado, estamos em condições de exercer o comércio, de conservar as nossas firmes posições na agricultura e na indústria e de caminhar em frente. Demonstrou-o a actividade prática. Penso que, de momento, isto é bastante para nós. Teremos de aprender ainda muito e compreendemos que precisamos ainda de aprender. Há cinco anos que detemos o poder, e além disso durante todos estes cinco anos encontrámo-nos em estado de guerra. Portanto, alcançámos êxitos.
Isto é compreensível, porque o campesinato estava a nosso favor. É difícil estar mais a nosso favor do que estava o campesinato. Ele compreendia que por trás dos brancos se encontravam os latifundiários, aos quais odeia mais que tudo no mundo. E por isso o campesinato apoiou-nos com todo o entusiasmo, com toda a lealdade. Não foi difícil conseguir que o campesinato nos defendesse dos brancos. Os camponeses, que antes odiavam a guerra, fizeram todo o possível pela guerra contra os brancos, pela guerra civil contra os latifundiários. No entanto, isso não era tudo porque aqui, em essência, se tratava apenas de saber se o poder ficaria nas mãos dos latifundiários ou nas mãos dos camponeses. Para nós isso não era bastante. Os camponeses compreendem que conquistámos o poder para os operários e que nos fixámos o objectivo de criar o regime socialista com a ajuda desse poder. Por isso o mais importante para nós era a preparação económica da economia socialista. Não pudemos prepará-la por via directa. Vimo-nos obrigados a fazê-lo de maneira indirecta. O capitalismo de Estado, tal como o implantámos no nosso país, é um capitalismo de Estado original. Não corresponde ao conceito habitual do capitalismo de Estado. Temos nas nossas mãos todas as alavancas de comando, temos nas nossas mãos a terra, ela pertence ao Estado. Isto é muito importante, ainda que os nossos inimigos apresentem as coisas como se isso não significasse nada.
Não é verdade. O facto de a terra pertencer ao Estado é extraordinariamente importante e tem também um grande significado prático no aspecto económico. Isto conseguimo-lo, e devo dizer que toda a nossa actividade ulterior deve desenvolver-se apenas dentro desse quadro. Já conseguimos que o nosso campesinato esteja satisfeito, e que a indústria se reanime e o comércio se reanime. Já disse que o nosso capitalismo de Estado difere do capitalismo de Estado compreendido literalmente, porque temos nas mãos do Estado proletário não só a terra, mas também todos os ramos mais importantes da indústria. Antes de mais nada demos de arrendamento apenas uma certa parte da indústria pequena e média, mas tudo o resto fica nas nossas mãos. No que se refere ao comércio, quero ainda sublinhar que procuramos fundar, e estamos já a fundar, sociedades mistas, isto é, sociedades nas quais uma parte do capital pertence a capitalistas privados, e além disso estrangeiros, e a outra parte a nós. Em primeiro lugar, deste modo aprendemos a comerciar, coisa de que necessitamos, e em segundo lugar temos sempre a possibilidade de liquidar estas sociedades, se assim o julgarmos necessário, de modo que, por assim dizer, não arriscamos nada. Em contrapartida, aprendemos com o capitalista privado e observamos como podemos levantar-nos e quais os erros que cometemos. Parece-me que posso limitar-me a isto.
Queria referir-me ainda a alguns pontos de pouca importância. É indubitável que temos cometido e cometeremos ainda uma grande quantidade de tolices. Ninguém pode julgá-las melhor nem vê-las mais claramente que eu. (Risos). Porque é que cometemos tolices? É compreensível: em primeiro lugar, somos um país atrasado, em segundo lugar, a instrução no nosso país é mínima, em terceiro lugar, não recebemos ajuda de fora. Nem um só dos Estados civilizados nos ajuda. Pelo contrário, todos eles trabalham contra nós. Em quarto lugar, por culpa do nosso aparelho de Estado. Herdámos o velho aparelho de Estado e esta foi a nossa infelicidade. Muito frequentemente o aparelho de Estado trabalha contra nós. Aconteceu que em 1917, depois de tornarmos o poder, o aparelho de Estado sabotou-nos. Então assustámo-nos muito e pedimos: «Por favor, voltai para nós.» E todos eles voltaram, e essa foi a nossa infelicidade. Hoje possuímos uma enorme massa de funcionários mas não temos forças com suficiente instrução para poder realmente dirigi-los. Na prática acontece com muita frequência que aqui, no topo, onde temos o poder de Estado, o aparelho funciona mais ou menos, ao mesmo tempo que na base são eles que dirigem à sua maneira, e dirigem de tal forma que muito frequentemente trabalham contra as nossas medidas. No topo temos não sei quantos, mas creio que, em todo o caso, apenas alguns milhares, no máximo algumas dezenas de milhares, dos nossos. Mas na base há centenas de milhares de velhos funcionários que herdámos do tsar e da sociedade burguesa e que trabalham contra nós, em parte conscientemente, em parte inconscientemente. É indubitável que aqui nada se conseguirá a curto prazo. Aqui teremos de trabalhar muitos anos para aperfeiçoar o aparelho, para o modificar e atrair novas forças. Estamos a fazê-lo a ritmo bastante rápido, talvez demasiado rápido. Fundámos escolas soviéticas e faculdades operárias, várias centenas de milhares de jovens estudam, talvez estudem demasiado depressa, mas, em todo o caso, o trabalho começou e creio que este trabalho dará os seus frutos. Se não trabalharmos demasiado precipitadamente, dentro de alguns anos teremos uma grande quantidade de jovens capazes de modificar radicalmente o nosso aparelho.
Disse que cometemos uma enorme quantidade de tolices, mas devo dizer também a este respeito alguma coisa dos nossos adversários. Se os nossos adversários nos censuram e dizem que o próprio Lénine reconhece que os bolcheviques cometeram uma enorme quantidade de tolices, quero responder a isto: sim, mas, sabem, as nossas tolices são dum género completamente diferente das vossas. Nós apenas começámos a aprender, mas estudamos de modo tão sistemático que estamos certos de obter bons resultados. Mas se os nossos adversários, isto é, os capitalistas e os heróis da II Internacional, sublinham as tolices cometidas por nós, permitir-me-ei citar aqui, a título de comparação, as palavras de um famoso escritor russo que eu modifiquei um pouco dando-lhes a seguinte forma: se os bolcheviques cometem tolices, o bolchevique diz: «Dois vezes dois são cinco»; mas se são os seus adversários, isto é, os capitalistas e os heróis da II Internacional, que cometem tolices, eles dizem: «Dois vezes dois são uma vela de estearina(N315).» Isto não é difícil de demonstrar. Tomai, por exemplo, o tratado concluído com Koltchak pela América, a Inglaterra, a França e o Japão. Eu pergunto-vos: existem no mundo potências mais cultas e mais poderosas? E qual foi o resultado? Prometeram ajuda a Koltchak sem calcular, sem reflectir, sem observar. Foi um fiasco que, em minha opinião, é mesmo difícil de compreender do ponto de vista da razão humana.
Ou outro exemplo ainda mais próximo e mais importante: a Paz de Versalhes. Eu pergunto-vos: que fizeram aqui as «grandes» potências «cobertas de glória»? Como poderão encontrar agora uma saída deste caos e deste absurdo? Creio que não exagero se repetir que as nossas tolices não são nada em comparação com as tolices que cometem em conjunto os Estados capitalistas, o mundo capitalista e a II Internacional. Por isso suponho que as perspectivas da revolução mundial - tema que terei de referir brevemente - são favoráveis. E penso que, se se verificar uma determinada condição, se tornarão ainda melhores. Queria dizer algumas palavras acerca destas condições.
Em 1921, no III Congresso, aprovámos uma resolução sobre a estrutura orgânica dos partidos comunistas e sobre os métodos e o conteúdo do seu trabalho(N316). A resolução é excelente, mas é quase inteiramente russa, isto é, tudo é tomado das condições russas. Este é o seu lado bom, mas também o mau. Mau, porque estou convencido de que quase nenhum estrangeiro poderá lê-la; eu reli esta resolução antes de dizer isto. Em primeiro lugar, é demasiado longa, conta 50 parágrafos ou mais. Habitualmente os estrangeiros não podem ler coisas assim. Segundo, mesmo que a leiam, nenhum dos estrangeiros a compreenderá, precisamente porque é demasiado russa. Não porque esteja escrita em russo - foi magnificamente traduzida para todas as línguas -, mas porque está inteiramente impregnada de espírito russo. E, terceiro, se por excepção algum estrangeiro a conseguir compreender, não poderá cumpri-la. Este é o seu terceiro defeito. Conversei com alguns delegados que vieram cá e espero poder conversar detidamente com grande número de delegados de diferentes países durante o congresso, embora não participe pessoalmente nele, pois infelizmente não me é possível. Tenho a impressão de que cometemos um grande erro com esta resolução, isto é, que nós próprios cortámos o caminho para o êxito futuro. Como já disse, a resolução está excelentemente redigida e eu subscrevo todos os seus 50 ou mais parágrafos. Mas não compreendemos como se deve levar a nossa experiência russa aos estrangeiros. Tudo quanto se diz na resolução permaneceu letra morta. E se não compreendermos isto não poderemos avançar. Penso que o mais importante para todos nós, tanto para os russos como para os camaradas estrangeiros, é que depois de cinco anos de revolução russa devemos estudar. Só agora conseguimos a possibilidade de estudar. Não sei quanto tempo durará essa possibilidade. Não sei durante quanto tempo nos concederão as potências capitalistas a possibilidade de estudar tranquilamente. Mas cada minuto livre da actividade militar, da guerra, devemos aproveitá-lo para estudar, começando pelo princípio.
Todo o partido e todas as camadas da Rússia o demonstram com a sua sede de saber. Esta inclinação para o estudo mostra que a nossa tarefa mais importante agora é estudar e estudar. Mas os camaradas estrangeiros também devem estudar, não no sentido em que nós estudamos - ler, escrever e compreender aquilo que se leu, que é o que ainda precisamos. Discute-se sobre se isto diz respeito à cultura proletária ou à cultura burguesa. Deixo esta questão em aberto. Em todo o caso, é indubitável que nós necessitamos, antes de mais nada, de aprender a ler, a escrever e a compreender o que lemos. Os estrangeiros não necessitam disso. Necessitam já de qualquer coisa de mais elevado: isto refere-se, em primeiro lugar, a que compreendam também aquilo que escrevemos acerca da estrutura orgânica dos partidos comunistas, e que os camaradas estrangeiros assinaram sem ler nem compreender. Esta deve tornar-se a sua primeira tarefa. É preciso levar esta resolução à prática. Mas isso não pode fazer-se da noite para o dia, é absolutamente impossível. A resolução é demasiado russa: reflecte a experiência russa, por isso os estrangeiros não a compreendem e não podem satisfazer-se com pendurá-la num canto como um ícone e adorá-la. Assim não se pode conseguir nada. Eles devem assimilar parte da experiência russa. Não sei como o farão. Pode ser que os fascistas em Itália, por exemplo, nos prestem um bom serviço explicando aos italianos que ainda não são bastante cultos e que o seu país ainda não está garantido contra os cem-negros. Talvez isso seja muito útil. Nós, os russos, devemos procurar também a forma de explicar aos estrangeiros os fundamentos desta resolução. Doutro modo eles serão absolutamente incapazes de cumprir esta resolução. Estou convencido de que, neste sentido, devemos dizer não só aos camaradas russos, mas também aos estrangeiros, que o mais importante no período que agora começa é o estudo. Nós estudamos em sentido geral. Mas eles devem estudar num sentido especial, para chegarem a compreender realmente a organização, a estrutura, o método e o conteúdo do trabalho revolucionário. Se isto for realizado, então estou convencido de que as perspectivas da revolução mundial serão não apenas boas, mas excelentes. (Aplausos clamorosos e prolongados. As exclamações «Viva o nosso camarada Lénine!» suscitam novas ovações clamorosas.)
Notas de rodapé:
(N313) O IV Congresso da Internacional Comunista realizou-se entre 5 de Novembro e 5 de Dezembro de 1922. O Congresso iniciou-se em Petrogrado. A partir de 9 de Novembro as sessões decorreram em Moscovo. Nos trabalhos do congresso participaram representantes de 58 partidos comunistas, do Partido Socialista Italiano, do Partido Operário Islandês e do Partido Popular Revolucionário Mongol, assim como da Internacional Comunista da Juventude, da Internacional Sindical, do Secretariado Feminino Internacional, da Organização dos Negros dos EUA, do Socorro Operário Internacional. O Congresso debateu o relatório do Comité Executivo da Internacional Comunista e as questões: cinco anos da revolução russa e as perspectivas da revolução mundial, a ofensiva do capital, o programa da Internacional Comunista, as tarefas dos comunistas nos sindicatos, a questão oriental, a questão agrária, e outras. Encabeçando o bureau da delegação do PCR(b) no Congresso, Lénine dirigiu todo o trabalho da delegação russa, participou activamente na elaboração das principais resoluções do congresso. O relatório Cinco Anos da Revolução Russa e as Perspectivas da Revolução Mundial tornou-se o principal acontecimento do Congresso. Esse relatório foi apresentado por Lénine em alemão na sessão da manhã de 13 de Novembro. O Congresso aprovou as teses sobre a frente operária única, sobre a táctica da Internacional Comunista, sobre as tarefas dos comunistas no movimento sindical, sobre a questão oriental, adoptou uma resolução sobre a revolução socialista na Rússia, sobre a Internacional Comunista da Juventude, e outras. (retornar ao texto)
(1*) Ver Obras Escolhidas de V. I. Lénine em Três Tomos, t. 2, pp. 592-613. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(2*) Ver Obras Escolhidas de V. I. Lénine em Três Tomos, t. 2, p. 599. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(3*) Ver Obras Escolhidas de V. I. Lénine em Três Tomos, t. 2, pp. 599-600. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(N314) Trata-se de negociações sobre a concessão para a prospecção e a exploração de minérios ao industrial e financeiro inglês Leslie Urquhart, que antes da Revolução de Outubro foi presidente da Sociedade Unificada Russo-Asiática e proprietário de grandes minas na Rússia. Em 9 de Setembro de 1922, o comissário do povo do comércio externo, L. B. Krássine, assinou o contrato preliminar de concessão com Urquhart. Segundo o contrato, Urquhart recebia na qualidade de concessão as antigas empresas da Sociedade Unificada Russo-Asiática nos Urales e na Sibéria por um prazo de 99 anos, tendo o governo soviético o direito, 40 anos depois da assinatura do contrato, de resgatar antes do prazo todas as empresas concedidas. Segundo as condições do contrato a parte soviética devia prestar ao concessionário assistência material para o restabelecimento do seu capital circulante e das próprias empresas num montante que se determinaria quando se aclarasse os danos causados ao concessionário nas empresas que lhe pertenciam pelas disposições do governo soviético. Tendo examinado o contrato assinado por Krássine, Lénine qualificou-o de evidentemente desvantajoso para o Estado soviético e pronunciou-se contra a sua ratificação. A reunião plenária de 5 de Outubro do CC do PCR(b) e a reunião de 6 de Outubro de 1922 do Conselho de Comissários do Povo adoptaram uma resolução sobre a rejeição do contrato com Urquhart. A concessão a Leslie Urquhart não foi outorgada. (retornar ao texto)
(N315) A expressão «dois vezes dois são uma vela de estearina» pertence a Pigássov, um dos personagens do romance de I. S. Turguenev, Rúdine, cujo traço característico era a misógenia. Negando a capacidade das mulheres para um pensamento lógico, rigoroso, Pigássov afirmava: «o homem pode, por exemplo, dizer que dois vezes dois não são quatro, mas cinco ou três e meio; mas a mulher dirá que dois vezes dois são uma vela de estearina». (retornar ao texto)
(N316) Lénine refere-se às teses «A edificação da organização dos partidos comunistas, os métodos e o conteúdo do trabalho», aprovadas pelo III Congresso da Internacional Comunista. (retornar ao texto)