A Doença Infantil do «Esquerdismo» no Comunismo

Vladimir Ilitch Lénine


Anexo


Enquanto as editoras do nosso país — que os imperialistas de todo o mundo saquearam para se vingarem da revolução proletária e continuam a saquear e a bloquear, apesar de todas as promessas feitas aos seus operários — enquanto as nossas editoras organizavam a publicação da minha brochura, receberam-se do estrangeiro materiais complementares. Sem pretender de modo nenhum que a minha brochura seja mais do que alguns rápidos apontamentos de um publicista, tratarei brevemente alguns pontos.

I
A CISÃO DOS COMUNISTAS ALEMÃES

A cisão dos comunistas na Alemanha é um facto. Os «esquerdas» ou «oposição de princípio» constituíram um «Partido Comunista Operário» à parte, diferente do «Partido Comunista». Na Itália, pelos vistos, as coisas caminham também para a cisão. Digo «pelos vistos» porque apenas disponho de dois novos números (n.° 7 e 8) do jornal de esquerda Il Soviet onde se discute abertamente a possibilidade e a necessidade de uma cisão e se fala também de um congresso da fracção dos «abstencionistas» (ou boicotistas, isto é, dos inimigos da participação no parlamento), fracção que até agora pertence ao Partido Socialista Italiano.

Pode recear-se que a cisão com os «esquerdas», antiparlamentares (em parte também antipolíticos, adversários do partido político e do trabalho nos sindicatos), se converta num fenómeno internacional, à semelhança da cisão com os «centristas» (ou kautskistas, longuetistas, «independentes», etc.). Que assim seja. No fim de contas, a cisão é melhor do que a confusão, que dificulta o crescimento ideológico, teórico e revolucionário, a maturação do partido, assim como o seu trabalho prático harmonioso, verdadeiramente organizado, que prepare verdadeiramente a ditadura do proletariado.

Que os «esquerdas» se ponham à prova na prática, à escala nacional e internacional, que tentem preparar (e depois realizar) a ditadura do proletariado sem um partido rigorosamente centralizado, dotado de uma disciplina férrea, sem saber dominar todos os terrenos, ramos e variedades do trabalho político e cultural. A experiência prática ensina-los-á rapidamente.

Há apenas que empregar todos os esforços para que a cisão com os «esquerdas» não dificulte, ou dificulte o menos possível, a fusão necessária num só partido, inevitável num futuro próximo, de todos os participantes no movimento operário que defendam sincera e honradamente o Poder Soviético e a ditadura do proletariado. Na Rússia foi uma felicidade particular para os bolcheviques o facto de terem tido 15 anos para lutar de maneira sistemática e até ao fim tanto contra os mencheviques (isto é, os oportunistas e os «centristas») como contra os «esquerdas», e muito antes da luta directa das massas pela ditadura do proletariado. Na Europa e na América tem agora de fazer-se este mesmo trabalho «em marchas forçadas». Algumas pessoas, sobretudo entre os fracassados pretendentes a chefes, podem (se carecem de disciplina proletária e de «honestidade para consigo próprios») obstinar-se durante longo tempo nos seus erros, mas as massas operárias, quando chegar o momento, fácil e rapidamente se unirão a si próprias e unirão todos os comunistas sinceros num só partido, capaz, de instaurar o regime soviético e a ditadura do proletariado(1).

II
OS COMUNISTAS E OS INDEPENDENTES NA ALEMANHA

Exprimi nesta brochura a opinião de que um compromisso entre os comunistas e a ala esquerda dos independentes é necessário e útil para o comunismo, mas que não será fácil realizá-lo. Os números dos jornais que recebi posteriormente confirmam ambas as coisas. No n° 32 do Bandeira Vermelha, do órgão do CC do Partido Comunista da Alemanha (Die Rote Fahne(2), Zentralorgan der Kommunistischen Partei Deutschlands, Spartakusbund(3), de 26.III.1920), é publicada uma «declaração» deste CC sobre o «putsch» (conspiração, aventura) militar de Kapp-Lüttwitz e sobre o «governo socialista». Esta declaração é absolutamente justa, tanto do ponto de vista da premissa fundamental como do ponto de vista da conclusão prática. A premissa fundamental reduz-se a que, no momento actual, não existe «base objectiva» para a ditadura do proletariado porque «a maioria dos operários urbanos» apoia os independentes. Conclusão: promessa de «oposição leal» (isto é, renúncia à preparação para o «derrubamento violento») ao governo «socialista se forem excluídos os partidos burgueses capitalistas».

A táctica é, sem dúvida, justa no fundamental. Mas se não é necessário determo-nos em pequenas imprecisões de formulação, é impossível, não obstante, silenciar o facto de que não se pode chamar «socialista» (numa declaração oficial do partido comunista) a um governo de sociais-traidores, que não se pode falar de exclusão dos «partidos burgueses capitalistas» quando os partidos de Scheidemann e dos senhores Kautsky-Crispien são democráticos pequeno-burgueses, que não se pode escrever coisas como o parágrafo 4.° da declaração, que diz:

«... Para continuar a conquistar as massas proletárias para o lado do comunismo, tem uma enorme importância, do ponto de vista do desenvolvimento da ditadura proletária, uma situação em que a liberdade política possa ser utilizada de forma ilimitada e em que a democracia burguesa não possa agir como ditadura do capital...»

Tal situação é impossível. Os chefes pequeno-burgueses, os Henderson (Scheidemann) e os Snowden (Crispien) alemães, não saem nem podem sair do quadro da democracia burguesa, que, por sua vez, não pode deixar de ser a ditadura do capital. Para atingir o resultado prático que o CC do partido comunista se havia proposto com absoluta justeza, não deviam de modo nenhum ter sido escritas estas coisas, erradas em princípio e politicamente prejudiciais. Para isso bastaria dizer (se se quer dar provas de cortesia parlamentar): enquanto a maioria dos operários urbanos seguir os independentes, nós, comunistas, não podemos impedir esses operários de se desembaraçarem das suas últimas ilusões democrático-filistinas (isto é, também «burguesas capitalistas») com a experiência do «seu» governo. Isto basta para fundamentar o compromisso, que é verdadeiramente necessário e que deve consistir em renunciar durante um certo tempo às tentativas de derrubamento violento de um governo no qual confia a maioria dos operários urbanos. E na agitação quotidiana de massas, não vinculada ao quadro da cortesia oficial, parlamentar, poderia, naturalmente, acrescentar-se: deixemos que miseráveis como os Scheidemann e os filisteus como os Kautsky-Crispien ponham a nu na prática até que ponto estão enganados e enganam os operários; o seu governo «limpo» fará com «mais limpeza que ninguém» o trabalho de «limpar» os estábulos de Augias do socialismo, do social-democratismo e demais variedades da social-traição.

A autêntica natureza dos chefes actuais do «Partido Social-Democrata Independente da Alemanha» (desses chefes dos quais se diz erradamente que já perderam toda a influência, e que de facto ainda são mais perigosos para o proletariado do que os sociais-democratas húngaros, que se denominavam comunistas e prometiam «apoiar» a ditadura do proletariado) manifestou-se uma vez mais durante a kornilovada alemã, isto é, durante o golpe dos senhores Kapp e Lüttwitz(4). Uma pequena mas eloquente ilustração é-nos dada pelos artigozinhos de Karl Kautsky «Horas Decisivas» (Entscheidende Stunden), no Freiheit(5) (Liberdade, órgão dos independentes), em 30.111.1920, e de Arthur Crispien «Sobre a Situação Política» (14.IV. 1920, ibid). Estes senhores não sabem em absoluto pensar e raciocinar como revolucionários. São democratas filisteus choramingas, mil vezes mais perigosos para o proletariado se se declaram partidários do Poder Soviético e da ditadura do proletariado, pois, de facto, cometerão inevitavelmente uma traição em cada momento difícil e perigoso... «sinceramente» convencidos de que ajudam o proletariado! Também os sociais-democratas húngaros, rebaptizados de comunistas, queriam «ajudar» o proletariado quando, por cobardia e pusilanimidade, consideraram desesperada a situação do Poder Soviético na Hungria e começaram a choramingar diante dos agentes dos capitalistas da Entente e dos carrascos da Entente.

III
TURATI E NA ITÁLIA

Os números do jornal italiano Il Soviet citados atrás confirmam plenamente o que eu disse nesta brochura acerca do erro do Partido Socialista Italiano, que tolera nas suas fileiras tais membros e até tal grupo de parlamentares. Confirma-o mais ainda uma testemunha alheia, o correspondente em Roma do jornal liberal burguês inglês The Manchester Guardian, que no número de 12.III.1920 publicou uma sua entrevista com Turati.

«... O signor Turati — escreve esse correspondente — supõe que o perigo revolucionário não é tão grande que possa suscitar receios infundados em Itália. Os maximalistas brincam com o fogo das teorias soviéticas unicamente para manter as massas despertas e excitadas. Estas teorias são, contudo, conceitos puramente lendários, programas imaturos, inúteis para utilização prática. Servem apenas para manter as classes trabalhadoras em estado de expectativa. Aqueles mesmos que as usam como engodo para ofuscar os olhos proletários vêem-se obrigados a travar uma luta quotidiana para conquistar algumas melhorias económicas, frequentemente insignificantes, a fim de atrasar o momento em que as classes operárias percam as ilusões e a fé nos seus mitos favoritos. Daí um longo período de greves de todas as amplitudes e por todos os motivos, incluindo as últimas greves nos serviços dos correios e nos caminhos-de-ferro, greves que tornam ainda mais difícil a já por si difícil situação do país. O país está irritado pelas dificuldades suscitadas pelo seu problema do Adriático, sente-se esmagado pela sua dívida externa e pela sua desmesurada emissão de papel-moeda e, contudo, o país está muito longe ainda de compreender a necessidade de assimilar a disciplina no trabalho, única capaz de restabelecer a ordem e a prosperidade...»

É claro como a luz do dia que o correspondente inglês deixou escapar uma verdade que provavelmente o próprio Turati e os seus defensores, cúmplices e inspiradores burgueses em Itália, ocultam e adornam. Esta verdade consiste em que as ideias e o trabalho político dos senhores Turati, Trèves, Modigliani, Dugoni e Cª são tal qual os desenha o correspondente inglês. Isto é autêntica social-traição. Como é eloquente a simples defesa da ordem e da disciplina para os operários que se encontram na escravidão assalariada, que trabalham para o lucro dos capitalistas! Como nos são familiares a nós, russos, todos esses discursos mencheviques! Como é valiosa a confissão de que as massas são a favor do Poder Soviético! Que estúpida e vulgarmente burguesa é a incompreensão do papel revolucionário das greves que crescem espontaneamente! Sim, sim, o correspondente inglês do jornal liberal burguês prestou um fraco serviço aos senhores Turati e Cª e confirmou de maneira excelente como são justas as exigências do camarada Bordiga e dos seus amigos do jornal Il Soviet, que exigem que o Partido Socialista Italiano, se quer ser de facto pela III Internacional, estigmatize e expulse das suas fileiras os senhores Turati e Cª e se torne um partido comunista tanto pelo nome como pelos seus actos.

IV
CONCLUSÕES ERRADAS DE PREMISSAS JUSTAS

Mas da sua justa crítica aos senhores Turati e Cª o camarada Bordiga e os seus amigos «esquerdas» tiram a errada conclusão de que é prejudicial em geral participar no parlamento. Os «esquerdas» italianos não podem apresentar nem sombra de argumentos sérios em defesa dessa concepção. Simplesmente desconhecem (ou procuram esquecer) os modelos internacionais de utilização verdadeiramente revolucionária e comunista dos parlamentos burgueses, indiscutivelmente proveitosa para preparar a revolução proletária. Simplesmente não imaginam a «nova» utilização do parlamentarismo e gritam, repetindo-se até ao infinito, contra a «antiga», não bolchevique.

Nisto consiste precisamente o seu erro básico. Não só no campo parlamentar, mas em todos os campos da actividade, o comunismo deve introduzir (e não será capaz de introduzir sem um trabalho prolongado, persistente e tenaz) algo de fundamentalmente novo, que rompa radicalmente com as tradições da II Internacional (conservando e desenvolvendo ao mesmo tempo tudo o que ela deu de bom).

Tomemos por exemplo o trabalho jornalístico. Os jornais, brochuras, proclamações, realizam um trabalho necessário de propaganda, agitação e organização. Nenhum movimento de massas em qualquer país, por pouco civilizado que seja, pode dispensar um aparelho jornalístico. E nenhuns gritos contra os «chefes», nenhumas promessas solenes de proteger a pureza das massas contra a influência dos chefes, podem evitar a necessidade de utilizar para esse trabalho pessoas procedentes do meio intelectual burguês, evitar a atmosfera e o ambiente democrático-burgueses, «de propriedade privada», em que se realiza esse trabalho sob o capitalismo. Mesmo dois anos e meio depois do derrubamento da burguesia, depois da conquista do poder político pelo proletariado, vemos à nossa volta essa atmosfera, esse ambiente de relações de propriedade privada, democrático-burguesas, com carácter de massas (camponeses, artesãos).

O parlamentarismo é uma forma de trabalho, o jornalismo outra. O conteúdo pode ser comunista em ambas e deve ser comunista, se os que trabalham num ou noutro domínio são verdadeiramente comunistas, verdadeiros membros do partido proletário, de massas. Mas numa e noutras — e em qualquer esfera de trabalho sob o capitalismo e na transição do capitalismo para o socialismo — é impossível eludir as dificuldades, as tarefas originais que o proletariado deve vencer e cumprir para utilizar para os seus próprios fins pessoas procedentes do meio burguês, para a vitória sobre os preconceitos e a influência intelectuais burgueses, para debilitar a resistência do ambiente pequeno-burguês (e posteriormente para o transformar por completo).

Não vimos nós em todos os países, antes da guerra de 1914-1918, uma abundância extraordinária de exemplos de anarquistas, sindicalistas e outros elementos muito «de esquerda» que fulminavam o parlamentarismo, escarneciam dos parlamentares socialistas burgueses vulgares, fustigavam o seu carreirismo, etc., etc., e faziam eles próprios a mesma carreira burguesa através do jornalismo, através do trabalho nos sindicatos? O exemplo dos senhores Jouhaux e Merrheim, para nos limitarmos à França, não serão típicos?

O infantilismo da «negação» da participação no parlamentarismo consiste precisamente em que com esse método tão «simples», «fácil» e pseudo-revolucionário pensam «resolver» a difícil tarefa de lutar contra as influências democrático-burguesas dentro do movimento operário e na realidade apenas fogem da sua própria sombra, apenas fecham os olhos perante a dificuldade, apenas se desembaraçam dela com palavras. É indubitável que o carreirismo mais desavergonhado, a utilização burguesa dos lugarzinhos parlamentares, a gritante adulteração reformista do trabalho parlamentar e a vulgar rotina pequeno-burguesa são traços característicos habituais e predominantes gerados pelo capitalismo em toda a parte e não apenas fora, mas também dentro, do movimento operário. Mas ele, o capitalismo, e o ambiente burguês por ele criado (e que mesmo depois do derrubamento da burguesia desaparece muito lentamente, pois o campesinato faz renascer incessantemente a burguesia) geram absolutamente em todos os domínios do trabalho e da vida essencialmente o mesmo carreirismo burguês, o chauvinismo nacional, a vulgaridade pequeno-burguesa, etc., com insignificantes variações de forma.

Parece-vos, meus caros boicotistas e antiparlamentaristas, que sois «terrivelmente revolucionários», mas na realidade ficastes assustados com as dificuldades relativamente pequenas da luta contra as influências burguesas dentro do movimento operário, enquanto a vossa vitória, isto é, o derrubamento da burguesia e a conquista do poder político pelo proletariado, criará estas mesmas dificuldades em proporções ainda maiores, incomensuravelmente maiores. Ficastes assustados como crianças com a pequena dificuldade que hoje se vos apresenta, sem compreender que amanhã e depois de amanhã tereis de qualquer modo de aprender, de aprender por completo, a vencer as mesmas dificuldades, em proporções incomensuravelmente mais consideráveis.

Sob o Poder Soviético penetrarão no vosso e no nosso partido proletário ainda mais pessoas procedentes da intelectualidade burguesa. Penetrarão também nos Sovietes, nos tribunais e na administração, pois é impossível construir o comunismo com outra coisa que não seja o material humano criado pelo capitalismo, pois é impossível expulsar e eliminar a intelectualidade burguesa, é preciso vencê-la, transformá-la, refundi-la, reeducá-la, do mesmo modo que é necessário reeducar em luta prolongada, na base da ditadura do proletariado, os próprios proletários, que não se desembaraçam dos seus preconceitos pequeno-burgueses de repente, por milagre, por obra e graça do espírito santo, por obra e graça de uma palavra de ordem, de uma resolução ou de um decreto, mas apenas numa luta de massas longa e difícil contra as influências pequeno-burguesas de massas. Sob o Poder Soviético, essas mesmas tarefas que o antiparlamentar afasta agora com um gesto de mão, com tanto orgulho, tanta altivez, tanta ligeireza e tanto infantilismo, essas mesmas tarefas renascerão dentro dos Sovietes, dentro da administração soviética, dentro dos «defensores» soviéticos (destruímos na Rússia, e fizemos bem em destruí-la, a advocacia burguesa, mas ela renasce entre nós sob a capa dos «defensores» «soviéticos»(6)). Entre os engenheiros soviéticos, entre os professores soviéticos, entre os operários privilegiados, isto é, os mais qualificados e mais bem colocados, nas fábricas soviéticas, vemos renascer de modo constante absolutamente todos os traços negativos próprios do parlamentarismo burguês, e só com uma luta reiterada, incansável, prolongada e tenaz do espírito de organização e disciplina proletárias vencemos — gradualmente — este mal.

Naturalmente, sob o domínio da burguesia é muito «difícil» vencer os costumes burgueses no nosso próprio partido, isto é, no partido operário: é «difícil» expulsar do partido os chefes parlamentares habituais, irremediavelmente corrompidos pelos preconceitos burgueses, é «difícil» submeter à disciplina proletária o número absolutamente necessário (em certa quantidade, ainda que seja muito limitada) de pessoas procedentes da burguesia, é «difícil» criar no parlamento burguês uma fracção comunista completamente digna da classe operária, é «difícil» conseguir que os parlamentares comunistas não se ocupem com as futilidade parlamentares burguesas, mas que se entreguem ao essencialíssimo trabalho de propaganda, agitação e organização nas massas. Não há dúvida de que tudo isso é «difícil», foi difícil na Rússia e é incomparavelmente mais difícil na Europa Ocidental e na América, onde é muito mais forte a burguesia, é mais forte a tradição democrático-burguesa, etc.

Mas todas estas «dificuldades» são verdadeiramente dificuldades pueris em comparação com as tarefas absolutamente do mesmo género que o proletariado terá de resolver inevitavelmente para a sua vitória, durante a revolução proletária e depois da tomada do poder pelo proletariado. Em comparação com estas tarefas verdadeiramente gigantescas, quando sob a ditadura do proletariado será necessário reeducar milhões de camponeses e de pequenos proprietários, centenas de milhares de empregados, de funcionários e de intelectuais burgueses, subordiná-los todos ao Estado proletário e à direcção proletária, vencer neles os hábitos e as tradições burguesas — em comparação com estas tarefas gigantescas, é de uma facilidade infantil criar sob o domínio da burguesia uma fracção verdadeiramente comunista do verdadeiro partido proletário no parlamento burguês.

Se os camaradas «esquerdas» e antiparlamentares não aprenderam a ultrapassar agora uma dificuldade mesmo tão pequena, pode-se dizer com segurança que ou não estarão em condições de realizar a ditadura de proletariado, não poderão subordinar e transformar em grande escala os intelectuais burgueses e as instituições burguesas, ou deverão concluir apressadamente a sua aprendizagem, e com tal pressa causarão um enorme dano à causa do proletariado, cometerão mais erros do que o habitual, darão provas de debilidade e de incapacidade mais do que o corrente, etc, etc.

Enquanto a burguesia não for derrubada, e, depois disso, enquanto não desaparecerem por completo a pequena economia e a pequena produção mercantil, até lá o ambiente burguês, os hábitos de propriedade privada e as tradições filistinas prejudicarão o trabalho proletário tanto dentro come fora do movimento operário, não só numa esfera de actividade, a parlamentar, mas inevitavelmente em todos e em cada um dos domínios da actividade social, em todos os terrenos culturais e políticos sem excepção. E constitui um erro profundíssimo, que depois se pagará inevitavelmente, a tentativa de furtar-se, de se afastar de uma das esferas «desagradáveis» ou das dificuldades em qualquer domínio de trabalho. Há que aprender, e aprender até ao fim, a dominar todas as esferas de trabalho e de actividade sem excepção, a vencer por toda a parte todas as dificuldades e todos os costumes, tradições e hábitos burgueses. Qualquer outra maneira de colocar a questão carece simplesmente de seriedade, é simplesmente pueril.

12.V.1920

V

Na edição russa deste livro expus de modo um pouco inexacto a conduta do partido comunista holandês no seu conjunto no domínio da política revolucionária internacional. Por isso aproveito a presente oportunidade para publicar a carta abaixo inserida dos nossos camaradas holandeses em relação a essa questão, e também para corrigir a expressão «tribunistas holandeses» usada por mim no texto russo, substituindo-a pelas palavras «alguns membros do partido comunista holandês»(7).

N. Lénine

CARTA DE WIJNKOOP

Moscovo, 30 de Junho de 1920

Querido camarada Lénine,

Graças à sua amabilidade, nós, membros da delegação holandesa ao II Congresso da Internacional Comunista, tivemos a possibilidade de ver o seu livro: A Doença Infantil do «Esquerdismo» no Comunismo antes de ele ser publicado em tradução nas línguas da Europa Ocidental. Neste seu livro o camarada sublinha por mais de uma vez a sua desaprovação em relação ao papel que desempenharam alguns membros do partido comunista holandês na política internacional.

Nós, no entanto, devemos protestar contra o facto de o camarada atribuir ao partido comunista a responsabilidade pelos actos deles. Isto é extremamente inexacto. Mais ainda, é injusto, porque esses membros do partido comunista holandês participam muito pouco ou não participam em absoluto no trabalho corrente do nosso partido; eles tentam também, de modo directo ou indirecto, aplicar no partido comunista as palavras de ordem da oposição, contra as quais o partido comunista holandês e todos os seus órgãos conduziam e conduzem, até ao dia de hoje, a luta mais enérgica.

Com saudações fraternais
(em nome da delegação holandesa)
D. I. Wijnkoop