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Uma tática cara à social-democracia para combater o bolchevismo é tachar este desvio do “verdadeiro” marxismo de “anarquismo” ou “ressurreição do bakuninismo”. É assim que Gravonski, em sua obra superficial que faz um balanço da Revolução Russa, escreve as linhas a seguir:
Toda a ideologia dos bolcheviques foi penetrada até as profundezas pelas ideias do socialismo utópico e mesmo do mais autêntico anarquismo. Eles acreditavam que todas as condições para uma nova ordem social igualitária já existiam, e que bastaria um pequeno núcleo de pessoas ativas e dispostas a todos os sacrifícios, para libertar o povo dos últimos grilhões da escravização e da opressão. […] Nisto, sua tática era, no fundo, anarquista.(1)
O professor Cunow — um social democrata — lança em sua obra sobre a sociologia marxista esta apreciação audaciosa: “A teoria do bolchevismo ou, para ser mais preciso, do leninismo não passa de um retorno ao bakuninismo”.(2) Oportunamente, reeditaram-se até mesmo dois escritos marxistas tristemente célebres para mostrar que Marx e Engels já reprovavam o bolchevismo futuro quando combatiam o bakuninismo. Eles são o texto de Engels “Os bakuninistas em ação”(3) e o panfleto dirigido contra a Aliança que é a coroação das intrigas de Marx contra Bakunin e a ala antiautoritária da primeira Internacional, sobre o qual o biógrafo de Bakunin, Max Nettlau, pôde escrever: “Não conheço algo que seja mais recheado de mentiras, calúnias e falsificações!”. O mesmo julgamento foi feito por outros escritores, entre os quais há autênticos marxistas, tais como Berstein, Franz Mehring (em sua biografia de Marx!(4)), Brupbacher, Steklor e Robert Michels. Nada disso impediu o “historiador” social-democrata Wilhelm Bloss de reeditar “esta crítica espirituosa e mordaz” — como ele se exprime no prefácio(5) — para atacar o bolchevismo, este irmão gêmeo do anarquismo: “Pois o bolchevismo de hoje não é senão o bakuninismo de antigamente”. O prefácio a este “panfleto contra o precursor do bolchevismo” tem exatamente o mesmo valor que o conteúdo do texto, já que se encontra reproduzida na publicação uma carta autêntica de Bakunin, datada de 1872, que esclarece perfeitamente as dúvidas sobre a irmandade atribuída ao bakuninismo e o bolchevismo. Eis o que escreveu Bakunin:
Para oferecer uma exposição exata de nossas aspirações, me é suficiente dizer-te uma coisa […] Nós execramos o princípio da ditadura, da sede por poder, da autoridade […] Estamos convencidos que todo poder político é inevitavelmente uma fonte de corrupção para os governantes e uma causa de servidão para os governados. Estado significa dominação, e a natureza humana é tal, que toda dominação conduz à exploração.
Uma declaração como esta de Bakunin não soa de forma alguma “bolchevique”!
Além do fato de que o anarquismo não necessitava ressuscitar na Rússia, onde estava vivo e se opunha à teoria marxista, é suficiente lançar um olhar sobre a ação prática dos bolcheviques para compreender que as duas correntes de pensamento nada têm em comum entre si. Ademais, se a Revolução Russa apresentou fortes tendências anarquistas, elas se manifestaram justamente a despeito dos bolcheviques, cujo partido não pode ser identificado à Revolução. E se este partido adotou soluções anarquistas, foi somente para alcançar mais certamente o poder, levado pela onda revolucionária, e instaurar assim o seu socialismo de Estado. O desenvolvimento da Revolução Russa mostrou também que suas tendência anarquistas se enfraqueceram à medida mesma em que se consolidava o poder do partido bolchevique: por consequência, como se sabe, os anarquistas foram presos, assassinados ou exilados de sua pátria revolucionária, a propaganda anarquista não foi mais tolerada, e as organizações anarquistas foram dissolvidas.
Para esses historiadores e teóricos social-democratas, cujo conhecimento do anarquismo não ultrapassa o brochura contra a Aliança, é certamente uma empreitada arriscada querer eliminar do bolchevismo toda ligação teórica com o marxismo. A publicação desses escritos um tanto suspeitos poderia se explicar supondo-se que um social-democrata alemão não manifesta o menor entusiasmo com um movimento de etiqueta anarquista. Mas após essa discussão de aspecto demagógico, os Krautsky e os Cunow deveriam dar desse “retorno ao bakuninismo” uma demonstração mais rigorosa: com efeito, a referência ao brochura contra a Aliança não resolve a questão da “irmandade gemelar” que haveria entre bolchevismo e anarquismo.
Nas páginas seguintes, examinaremos de mais perto as relações entre bolchevismo e anarquismo e mostraremos que não há absolutamente qualquer ponto em comum entre a teoria leninista e o anarquismo e que os acordos que pareceram se estabelecer entre ambos no período revolucionário não podem apagar as diferenças fundamentais que existiam desde o começo.
Lênin proclamou que a sua teoria era o verdadeiro marxismo. É sobretudo a respeito da concepção marxista do Estado que se desenrolaram os debates apaixonados. Na exegese do evangelho marxista, a discussão trata antes de tudo da questão seguinte: deve-se conquistar o poder político no Estado burguês ou deve-se primeiro destruí-lo e então criar um novo aparelho de Estado com vistas ao estabelecimento do socialismo? Sabe-se que Lênin sustenta esta última opinião e que em diferentes escritos, particularmente O Estado e a Revolução, ele procurou demonstrar, apoiado em diversas citações de Marx, que sua interpretação era conforme à ortodoxia marxista. Encontra-se o essencial desta argumentação no célebre escrito sobre a Comuna de Paris, no qual Marx mostra a necessidade de destruir o aparelho de Estado burguês.
E contudo tal argumentação falha completamente caso se estabeleça uma aproximação entre as declarações de Marx sobre a Comuna de Paris — e outras proposições reclamadas por Lênin — e passagens extraídas dos escritos de Marx e Engels nas quais se exprime a concepção “anarquista” da meta final à qual tende a evolução da sociedade. Para Marx e Engels, esta meta final do socialismo seria a sociedade sem Estado e sem classes. Na sociedade socialista não haverá mais poder político propriamente dito, posto que não haverá mais classes opressoras, e os antagonismos de classe serão suprimidos:
A classe dos trabalhadores, no curso de sua evolução, colocará no lugar da velha sociedade burguesa um regime de associação que eliminará as classes e seus antagonismos; não haverá mais poder político propriamente dito, uma vez que o poder político não é senão a expressão oficial dos antagonismos de classe da sociedade burguesa.(6)
E Engels escreve no Anti-Dühring:
O primeiro ato pelo qual o Estado aparece realmente como representante de toda a sociedade — a tomada da posse dos meios de produção em nome desta sociedade — é ao mesmo tempo seu último ato próprio enquanto Estado. A intervenção de um poder de Estado nas relações sociais se torna supérflua domínio após domínio e adormece naturalmente. O governo das pessoas dá lugar à administração das coisas e à direção das operações de produção. O Estado não é “abolido”, ele se extingue.(7)
N’A origem da família, Engels estudou a origem do Estado, e fala da sociedade que reorganizará a produção sobre as bases de uma associação livre e igualitária dos produtores e que relegará toda a máquina do Estado ao museu de antiguidades.
Estas declarações sobre a sociedade anarquista e antiautoritária considerada como finalidade do socialismo parecem entrar em gritante contradição com a prática do marxismo, que, como se sabe, não conhece finalidade outra que a conquista do poder político, isto é, a conquista do Estado. Só se pode compreender esta aparente contradição à luz da própria sociologia do marxismo, do “materialismo histórico” e seu método dialético. A evolução em direção a uma sociedade sem classes no sentido da teoria marxista poderia ser muito rapidamente resumia como se segue:
De acordo com Engels, o Estado é tão somente um produto das condições econômicas. Na sociedade primitiva, que não conhecia classes, a divisão do trabalho trouxe à tona antagonismos. Além disso, a própria sociedade engendrava funções bem determinadas que criavam na divisão do trabalho um ramo particular: este ficou independente, tornando-se uma força pública, o Estado, que se opõe então à sociedade cindida, como um poder proveniente da sociedade decerto, mas que se coloca acima dela e que dela se aparta cada vez mais. Tal poder é necessário para evitar que os antagonismos nascidos dos interesses econômicos divergentes das classes acabem por destruí-las e, com elas, destruam a própria sociedade. Como o Estado nasce ao mesmo tempo que os antagonismos de classe, ele se torna um Estado ao serviço da classe mais poderosa economicamente e, de modo geral, uma máquina cujo papel essencial é manter sob seu jugo a classe oprimida e explorada. O desenvolvimento histórico deste Estado de classes se confunde com o desenvolvimento da história, que, segundo a famosa expressão do Manifesto Comunista, é a história da luta de classes. Esta, por sua vez, não é senão a luta que opõe as forças produtivas às relações de produção, luta que constitui o desenvolvimento dialético da evolução econômica da sociedade. As forças produtivas sempre são levadas, a cada estágio da história, a romper as relações de produção e, em um momento determinado, elas se tornam “maduras” a ponto de passar da propriedade privada à propriedade coletiva. O Estado transforma os meios de produção em sua propriedade. Mas por este ato se encontra suprimido o antagonismo entre o Estado e a sociedade. Esta supressão é o objetivo próprio do movimento socialista. A transformação dos meios de produção em propriedade do Estado é o último ato independente do Estado enquanto tal. Em virtude deste ato são estabelecidas as bases da sociedade sem classes: o Estado se extingue.
Essa abolição da dominação de classe, meta da revolução proletária, é economicamente fundada. A própria lei da produção capitalista conduz por um lado à concentração do capital, ao passo que, por outro, aumentam a miséria, a exploração, assim como a revolta de um proletariado sempre mais numeroso, que o próprio mecanismo do sistema produtivo instrui, une e organiza. O monopólio capitalista se torna um entrave ao modo de produção que prosperou com ele e com sua autoridade. A concentração dos meios de produção e a associação dos trabalhadores chegam a um ponto tal em que não podem mais suportar a carapaça do capitalismo, que explode. Chega ao fim a propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.
A forma do Estado no período de transição em que os meios de produção se tornam sua propriedade é a “ditadura do proletariado”, realizada sobre as bases de uma “república democrática”. No pensamento de Marx, trata-se do proletariado organizado como classe dominante, da maioria de trabalhadores tornados proletários pela evolução da produção.
Não podemos aqui prosseguir com a concepção marxista do Estado. Sabemos agora que a perspectiva de Engels, que atribui a causas puramente econômicas o nascimento do Estado, não corresponde à realidade. O próprio Marx tratou essa “lei da acumulação primitiva” como um disparate, uma infantilidade, ao menos no que concerne a origem do modo de produção capitalista, e expôs, no magnífico capítulo XXIV do seu Capital, o papel que exerceram meios estranhos à economia para o nascimento deste modo de produção. “Na história real, sabe-se bem que a conquista, a subjugação, o assassinato seguido de roubo, em uma palavra, a violência, tiveram um grande papel”.(8) Os anarquistas opõem aos teóricos do Estado em todas as nuances a seguinte concepção: o Estado não é de forma alguma um produto orgânico da sociedade, tampouco a consequência dos antagonismos de classes, mas é sua causa; a sociologia moderna confirmou esta concepção, a qual encontrou no “sistema” de Franz Oppenheimer um fundamento científico amplo e definitivo.(9)
O aspecto indefensável da hipótese quanto ao nascimento do Estado e sobretudo a rejeição da utopia marxista da “supressão” do Estado pelo desenvolvimento dialético do processo de produção implicam ao mesmo tempo uma posição completamente diferente em relação à passagem ao socialismo, isto é, a uma sociedade apropriadamente qualificada como sem classes e sem Estado. O socialismo anarquista considera como fato garantido que a história é uma história da luta de classes, e reconhece com Marx que é dever do proletariado suprimir os antagonismos, conduzindo a luta contra a classe capitalista, a fim de romper o seu monopólio do poder econômico. Mas tal monopólio só se tornou possível pelo monopólio do poder, isto é, por esta força organizada como Estado que lhe deu à luz e que, com este duplo monopólio, experimentou um desenvolvimento cada vez mais amplo: donde a necessidade de se destruir o monopólio político do Estado, tanto quanto o monopólio econômico.
A importância da concepção do Estado é evidente no que concerne a teoria e a prática da transformação social. Lênin mostrou reiteradamente que a maneira como se concebe o papel do Estado é um fator decisivo da tática revolucionária para se transformar a sociedade capitalista e construir o socialismo. “Atualmente, quando tem início a revolução socialista em todo o mundo […] a questão do Estado assume a maior importância, tendo se tornado, pode-se dizer, a questão mais ardente, o foco de todas as questões e todas as discussões políticas contemporâneas.”(10) Luppol escreve a respeito da doutrina leninista do Estado: “O problema do Estado é a pedra de toque da metodologia da ação social […] A teoria e a prática da transformação revolucionária da sociedade giram em torno do problema do Estado.”(11) Nos meses — e semanas — que precederam a Revolução de outubro, Lênin se ocupou constantemente desta questão do Estado; e o fez particularmente em sua obra O Estado e a Revolução, escrita em agosto de 1917 e publicada em setembro, isto é, em uma época na qual os bolcheviques já não podiam mais pensar a sério em receber da Constituinte o poder do Estado, e na qual a palavra de ordem todo poder aos sovietes encontrava eco cada vez mais forte entre as massas.
Nesse texto, Lênin pensa ter restituído à doutrina marxista do Estado o seu verdadeirocaráter, principalmente quanto a dois pontos: primeiramente, a teoria da autossupressão e do definhamento do Estado e, a seguir, o conceito de ditadura do proletariado, ou seja, desta forma particular de governo e de Estado para o período de transição entre a sociedade capitalista e a sociedade socialista. Lênin tenta demonstrar que a doutrina marxista implica a impossibilidade para o Estado burguês de realizar a socialização dos meios de produção: deve-se em primeiro lugar necessariamente destruir este estado, aniquilar todo o seu aparelho e então fundar um novo Estado, o Estado proletário do período de transição, que não é outro senão a ditadura do proletariado ou a continuação da luta de classes do proletariado sob outras formas, que criará as condições prévias para a emergência do comunismo. Como o Estado burguês, o Estado proletário também é um organismo de repressão a uma classe: a burguesia. Graças à sua vitória, o proletariado tem em suas mãos o poder do Estado, a organização centralizada do poder e a efetiva força para esmagar a resistência dos exploradores, assim como para educar a grande massa da população na via do socialismo. A ditadura do proletariado é a ascensão da vanguarda da classe dos explorados ao papel de classe dominante. O Estado proletário não é um fim em si para o proletariado, mas um meio para superar o próprio Estado, depois de ter feito desaparecer a divisão da sociedade em classes. Por isso é que o Estado dirigido contra a burguesia é também dirigido contra o Estado ele próprio, e que não é o bastante, para ocupar seu papel, intimidar a classe oprimida, como fez o Estado burguês, mas deve-se ainda destruir esta classe inimiga. Por todas essas razões, a formação de um Estado proletário forte é uma das tarefas fundamentais do proletariado.(12)
Essa concepção leninista do Estado e da ditadura do deveria assim restabelecer a “verdadeira” doutrina de Marx sobre o Estado. Um dos exegetas do leninismo afirmou que Lênin tinha não apenas restabelecido e reconstruído esta doutrina, mas a havia interpretado e desenvolvido o conteúdo.(13)
Que, em todo caso, ele tomou algumas liberdades em tal reconstrução e em tal interpretação, é o que a afirmação seguinte basta para mostrar:
Tudo o que durante quarenta anos — de 1852 a 1891 — Marx e Engels ensinaram e demonstraram, a saber, que o proletariado deveria necessariamente destruir a máquina do Estado burguês, tudo isto foi agora esquecido pelo desertor Kautsky, desfigurado e lançado ao mar.(14)
Tal afirmação não é de forma alguma uma interpretação ou uma restituição da doutrina marxista, mas tão somente… um erro. Pode-se facilmente mostrar, recorrendo a numerosas citações, o absurdo desta afirmação. A contradição entre o programa de Marx formulado n’A guerra civil na França e suas concepções habituais aparecerá claramente na questão da ação política.
A concepção que no mesmo momento Marx queria impor ditatorialmente a todas as seções da Internacional era a seguinte: A conquista do poder político tornou-se a principal tarefa da classe trabalhadora, e esta classe deve sustentar todo movimento político que capaz de conduzir à emancipação do proletariado.
Devem os trabalhadores participar da ação parlamentar? Era sobre esta questão que se dividiam as duas tendência principais da Internacional, e a tentativa de Marx de tornar uma obrigação o emprego dos meios políticos para realizar a emancipação econômica foi a causa direta do colapso da Internacional. Por uma ironia da história, no mesmo momento em que a luta entre as tendências “autoritária” e “antiautoritária” atingia o seu apogeu, Marx, diante do efeito prodigioso do levante revolucionário do proletariado parisiense, expunha as ideias deste movimento, que contrariavam aquelas que ele próprio representava: e ele o fez em termos tais que quase se poderia tomar o seu escrito pelo programa da tendência antiautoritária que ele combatia com todos os meios. Bakunin escreveu então, em sua carta ao jornal de Bruxelas La liberté:
[…] os marxistas, cujas ideias todas tinham sido invertidas por esta insurreição, se viram obrigados a tirar o chapéu para ela. E fizeram mais: contra a lógica mais simples e os seus verdadeiros sentimentos, proclamaram que o programa e as metas dela eram os seus. Foi uma farsa realmente risível, mas forçosa, eles tiveram que conduzi-la, sob pena de se verem superados e abandonados por todos.(15)
Em toda a obra de Marx, não há outro texto que tenha sido interpretado com tantos absurdos quanto A guerra civil na França. Jaeckh, por exemplo, escreveu uma história da Internacional: trata-se de um livro que apresenta todas as lendas e falsificações marxistas como verdades históricas, sem qualquer senso crítico e espírito científico, e no qual, apesar disto, Kautsky viu uma exposição correta dos fatos em todos os pontos essenciais. Jeackh chegou à seguinte conclusão: o programa da Comuna, tal como Marx o interpretou, faz com que ela apareça como a primeira tentativa do proletariado de realizar a conquista do poder político…(16) Do lado dos bolcheviques, afirmou-se até mesmo que A guerra civil… — na interpretação de Lênin, naturalmente (advertência sem a qual seria possível dizer que eles ignoram completamente como são capazes de ter razão) — oferecia um resumo da doutrina do Estado da Primeira Internacional e demonstrava que a Terceira era herdeira legítima da Primeira!(17)
Além da inexatidão da afirmação de Lênin segundo a qual Marx e Engels jamais haviam preconizado nesta época outra coisa que a destruição da máquina do Estado em acordo com o exemplo da Comuna de Paris, não se vê absolutamente por quais motivos prementes, ao se tratar de sua concepção do Estado, não são levadas em consideração as afirmações posteriores a 1891. Como a conhecida passagem de Engels de 1895, na qual ele qualifica a ação parlamentar como primeiro dever da social-democracia, uma vez que, segundo ele, os meios legais seriam mais vantajosos aos “revolucionários” que os ilegais, e que a burguesia se veria forçada a admitir com terror: a legalidade nos mata. Ao encadear diversas declarações extraídas de momentos os mais variados, Lênin se lança em uma tentativa impossível e na verdade fadada ao completo fracasso, sobretudo no que concerne ao caso deste A guerra civil…, que está no centro da sua argumentação: fundar a sua teoria da autoridade nas próprias palavras de Marx.
Aqui, não fazemos nenhuma exegese de Marx; deixamos que os eruditos do marxismo discutam em que medida as declarações de Lênin são fiéis à ortodoxia marxista. Invocar a autoridade de Marx a favor ou contra Lênin nada nos interessa. Para determinar a posição de Marx a respeito do parlamentarismo, temos tanto menos necessidade de seguir todas as suas declarações quanto elas não são de importância decisiva para a nossa pesquisa. Com efeito, o valor variável que Marx atribuiu ao parlamentarismo ao longo de sua evolução jamais decorreu de uma mudança de princípio em sua concepção do Estado ou do poder estatal, mas somente de uma diferente concepção do método a seguir para conquistar este poder do Estado. A distinção entre o anarquismo e o marxismo, bem como todas as tendências autoritárias, não reside no método de conquista deste poder — que é o objetivo de todos os partidos políticos — mas sim no valor que lhe é atribuído. O anarquismo se distingue de todos os partidos socialistas de Estado precisamente nisto: ele nega o postulado, indispensável para tais tendências, da necessidade de um poder político centralizado para transformar a sociedade capitalista em uma sociedade socialista.
E o estudo aprofundado deste escrito de Marx, no qual seu antiparlamentarismo não é uma questão de método tático, mas antes se vincula a uma crítica do próprio Estado, é tanto mais necessário quanto se encontra no centro da argumentação de Lênin. As relações do leninismo com o marxismo devem ser consideradas na medida em que são indispensáveis para expor claramente a que ponto a destruição do Estado assume um papel no leninismo e quais são as relações deste com ela. Para tanto, é preciso um estudo mais próximo d’A guerra civil na França, texto no qual, segundo escreve Engels em seu prefácio, “a significação histórica da Comuna de Paris é assinalada com traços breves e vigorosos, tão penetrantes e sobretudo tão verdadeiros, que nada, em toda a abundante literatura a respeito, pode se equiparar a esta obra”(18). Não há a menor dúvida de que a brilhante Mensagem do Conselho Geral da Internacional sobre a Comuna de Paris — esta negação histórica do Estado(19) — não tem um lugar na construção do sistema do “socialismo científico”. Tampouco é possível utilizar este A guerra civil… — que é não marxista no grau mais alto — para restituir tal sistema. Para servir aos desígnios de Lênin, seria preciso ademais, como veremos, interpretá-lo da maneira mais arbitrária. A Comuna de Paris não teve nada em comum com o socialismo de Estado de Marx, mas em vez disso estava de acordo com as ideias de Proudhon e as teorias federalistas de Bakunin. Até Franz Mehring admite sem rodeios que os julgamentos de Marx sobre a Comuna confirmavam de forma expressa o que Bakunin repetia incansavelmente, e atribui inclusive o aumento da agitação de Bakunin à forte impressão que a Comuna de Paris causara no proletariado europeu.(20) Marx elogiava a Comuna, que tinha rompido o poderio do Estado moderno, colocado um fim no poder estatal, e que representava uma vitória para o princípio da autonomia e da livre federação! Escrevia ele:
A classe trabalhadora não pode simplesmente tomar a máquina do Estado já pronta e fazê-la funcionar por sua própria conta. O poder centralizado do Estado, com seus órgãos onipresentes, exército permanente, polícia, burocracia, clero, judiciário — órgãos criados em função de um plano de divisão sistemática e hierarquizada do trabalho — remonta aos primeiros tempos da monarquia absoluta, quando servia à nascente classe burguesa como uma potente arma em sua luta contra a feudalidade […] À medida em que o progresso da indústria moderna desenvolvia, ampliava e intensificava o antagonismo de classes entre o capital e o trabalho, o poder de Estado assumiu paulatinamente o caráter de uma força pública destinada a oprimir a classe trabalhadora, um organismo de dominação de classe. A cada revolução que marca um progresso da luta de classes, o aspecto puramente repressivo do poder do Estado aparece mais abertamente […] É com o nome de “República social” que o proletariado parisiense lançou a revolução de fevereiro; tal clamor apenas exprimia vagamente a aspiração a uma república que não devia somente abolir a forma monárquica da dominação de classe, mas esta própria dominação. A Comuna foi a forma exata desta república.(21)
Diante do marxismo oportunista e reformista dos social-democratas, diante de Kautsky e Bernstein, Lenin remete expressamente a esta declaração de Marx: “a classe trabalhadora não pode tomar a máquina do Estado já pronta”; tal declaração demonstra irrefutavelmente que o verdadeiro pensamento de Marx é este: a conquista do poder do Estado, da qual Marx sempre falou, não significa a conquista do poder político no quadro do Estado democrático burguês; é preciso ao contrário destruir este Estado burguês, pois sua máquina não pode funcionar em interesse do proletariado. No prefácio de 1872 à nova edição do “Manifesto Comunista”, Marx e Engels retomaram uma vez mais esta declaração, observando que a este respeito o “Manifesto” tinha envelhecido. E em 1891, Engels escreveu em sua introdução para “A guerra civil…”: “A Comuna teve que admitir de saída que a classe trabalhadora, uma vez no poder, não pode continuar a administrar com a velha máquina do Estado, e que lhe seria preciso suprimir esta velha máquina de opressão utilizada até então contra si.” Seria contudo um erro, pensa Lenin, interpretar esta exposição dos traços essenciais e da significação histórica da Comuna de Paris como se Marx confundisse a destruição da máquina de Estado burguês com a destruição do Estado em geral, e como se ele tivesse alguma vez combatido o “centralismo”. Bernstein escrevera entre outras coisas — e ele não estava errado! — que o programa de Marx no seu “A guerra civil na França “manifestava, por seu conteúdo político, em todos os seus traços essenciais, uma semelhança impressionante com o federalismo de Proudhon. Eis a resposta de Lenin:
é monstruoso confundir a visão de Marx sobre a destruição do poder do Estado — este Estado que se desenvolve como um parasita — e o federalismo de Proudhon […] Marx concorda com Proudhon, na medida em que ambos são partidários da destruição da máquina de Estado atual. Tal acordo do marxismo com o anarquismo (com Proudhon tanto quanto Bakunin), nem os oportunistas tampouco os kautskistas querem ver, pois neste ponto eles se separam do marxismo […] Marx se distingue de Proudhon precisamente na questão do federalismo (sem mencionar a ditadura do proletariado) […] Marx é centralista. Nas passagens dele citadas não se pode encontrar a menor renúncia ao centralismo. Apenas aqueles obcecados pelo medo supersticioso e pequeno burguês(22) do Estado podem tomar a destruição da máquina do Estado burguês pela destruição do centralismo(23).
Tem-se aí um exemplo típico dos procedimentos argumentativos de Lenin n’”O Estado e a Revolução”: escrita repleta de contradições, em toda parte onde estão em questão “A guerra civil…” e os anarquistas. Que Marx é centralista é uma verdade banal que ninguém põe em dúvida — e Bernstein menos que qualquer um! A questão é de saber se Marx o foi também n’”A guerra civil…”, e é isto que Lenin deveria demonstrar a propósito deste texto. Ele tentou fazê-lo e falhou completamente. Se já não é exato dizer que as passagens citadas não contêm qualquer traço de federalismo, isto é menos exato ainda para todas aquelas que ele não cita. Tomemos a última frase do texto de Marx acima reproduzida: “a Comuna foi a forma de uma República que não devia apenas abolir a dominação de uma classe particular, mas a própria dominação de classe”, e tem-se assim que se trata aí da abolição do Estado em si, este Estado que, segundo a concepção de Marx e também de Lenin, não é outra coisa senão a expressão da dominação de uma classe sobre outra.
Por que se deveria destruir a máquina do Estado burguês? Pelo que ela seria substituída? Lenin responde a tais questões, citando as passagens a seguir de Marx:
A Comuna era composta por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal, nos diferentes distritos da cidade. Eles eram responsáveis e revogáveis a qualquer momento. A maioria da Comuna era evidentemente formada por operários ou seus representantes reconhecidos […] A polícia, até então instrumento do governo do Estado, foi igualmente desprovida de todos os seus atributos políticos e transformada em instrumento da Comuna, responsável e a qualquer momento revogável. Foi assim também com os funcionários de todos os ramos da administração. A função pública deveria ser remunerada por um salário de operário, desde os membros da Comuna até os escalões inferiores. Os direitos adquiridos e as despesas de representação dos altos dignitários do Estado desapareceram junto com estes mesmos altos dignitários(24).
Neste ponto, Marx prossegue nestes termos (que Lenin entretanto não cita!): “os serviços públicos deixaram de ser propriedade dos agregados do poder central. Não apenas a administração municipal foi colocada nas mãos da Comuna, como também o foram todas as iniciativas exercidas até então pelo Estado.” Tais medidas não deveriam valer apenas para Paris, mas também para país inteiro. Depois de se ter destruído o poder central, abolido o exército permanente e a polícia (estes instrumentos do governo), suprimido a burocracia, rompido o poder do clero, livrado todos os estabelecimentos de instrução de qualquer ingerência estatal e da Igreja, elegido os funcionários da justiça (tornados responsáveis e revogáveis), depois portanto de serem aniquiladas “todas as funções essenciais do Estado”, estaria aberto o caminho para uma nova organização social baseada na comuna, uma organização fundada inteiramente sobre o federalismo. Marx diz adiante (e Lenin continua a não citá-lo!):
A Comuna de Paris deveria naturalmente servir de exemplo a todos os grandes centros industriais da França. E uma vez que o regime da Comuna se estabelecesse em Paris e nos centros secundários, o antigo governo centralizado seria forçado a dar lugar também nas províncias, ao autogoverno dos produtores(25).
A Comuna, segundo Marx, tinha por princípio essencial substituir o centralismo político do Estado por um governo dos produtores por eles próprios, uma federação de comunas autônomas, que deveriam assumir para si a iniciativa exercida até então pelo Estado. O país não deveria mais ser governado, como era até então, de cima para baixo, mas sim de baixo para cima!
A Comuna deveria ser a forma política até na menor dos vilarejos. As comunas rurais de cada departamento administrariam seus assuntos comuns por meio de uma assembleia de delegados na capital do departamento, e estas assembleias de departamento deveriam por sua vez enviar representantes à delegação nacional; os representantes seriam revogáveis a qualquer momento e se manteriam vinculados às instruções precisas de seus eleitores(26).
Não há aí qualquer traço do menor centralismo que seja! E, no entanto, isto é apenas uma aparência, segundo Lenin, “pois aqui Marx não fala absolutamente do federalismo para opô-lo ao centralismo, mas sim da destruição da velha máquina preexistente do Estado burguês”(27). E o que se segue então é uma “interpretação” da parte de Lenin a qual só se pode tratar como uma falsificação consciente, pois ela é tão mal-ajambrada que ninguém poderia supor com seriedade que ele realmente pensasse o que escrevia. Eis o que disse Marx:
As funções pouco numerosas, mas ainda importantes, que restariam à cargo do governo central não deveriam ser suprimidas, tal qual se afirmou falsa e deliberadamente, mas sim satisfeitas por funcionários comunais, isto é, estritamente responsáveis. A unidade da nação não deveria ser desfeita, mas sim organizada pela constituição comunal; ela deveria se tornar realidade pela destruição do próprio poder de Estado, o qual se pretendia a encarnação de tal unidade, mas queria ser independente da nação e superior a ela, embora não passasse de uma excrescência parasitária. Enquanto se tratasse de amputar do antigo poder governamental seus órgãos puramente repressivos, seria preciso arrancar as funções legítimas a esta autoridade que pretendia se colocar acima da sociedade e atribuí-las aos servidores responsáveis desta sociedade.”(28)
É nesta “unidade da nação” que Lenin descobre o centralismo de Marx, que teria intencionalmente escolhido tal expressão para opor “o centralismo democrático proletário” ao centralismo burguês, militar e burocrático. Eis os argumentos que Lenin, para demonstrar o centralismo de Marx, opõe a Bernstein, que confundiu o programa da constituição comunal com o federalismo proudhoniano:
Bernstein é completamente incapaz de conceber a possibilidade de um centralismo voluntário, uma fusão voluntária das comunas proletárias, em vista da destruição do Estado burguês e da máquina deste Estado. Bernstein, como todo ignorante, se representa o centralismo como algo que vem de cima, podendo apenas ser imposto e mantido por um exército de funcionários e militares”.(29)
Ninguém melhor que Lenin para falsificar os fatos e apresentá-los de ponta-cabeça! Quando fica sem argumentos, ele introduz alguma palavra e a situação está resolvida. Eis a prova de que “Marx é centralista”, uma prova adequada inclusive para “A guerra civil…”: ele não é apenas centralista, mas — mais que isso! — é um “centralista voluntário”! Até o presente, seria preciso ser um atrasado ou um ignorante para crer que o centralismo se caracteriza precisamente precisamente por agir, unir, organizar, forçar ou impor de cima para baixo. Pois Lenin descobriu um novo centralismo, cuja função é agir de baixo para cima, e que reconhece a iniciativa independente e autônoma de todos os elementos que se organizam para atingir a unidade; em uma palavra: o famoso “centralismo voluntário”, extraído d’”A guerra civil na França”, que se designava em geral pelo termo ambíguo de “federalismo”(30).
Posto que as comunas deveriam se fundir para constituir uma unidade nacional, tratar-se-ia necessariamente de uma questão de centralismo, de acordo com a interpretação de Lenin. Marx mostrou que a Comuna de Paris não foi uma ressurreição das comunas da Idade Média, as quais eram em certo sentido organismos independentes que precederam o próprio poder de Estado responsável por destruí-las; ele mostrou também que não se tratou de uma união de pequenos Estados, mas antes “a constituição comunal tinha ao contrário restituído ao corpo social todas as forças até então absorvidas pelo Estado parasita que se nutre da sociedade e impede seu livre movimento. Por este simples fato, ela provocou a regeneração da França.”(31) Assim, em lugar de uma unidade imposta pela Estado, a constituição comunal deveria estabelecer uma unidade orgânica pela federação das comunas. No federalismo, Lenin só enxerga (ou só quer enxergar) um separatismo, uma desagregação em elementos isolados, como se federalismo não significasse a organização da sociedade sobre bases racionais, orgânicas e econômicas — e ademais, a palavra federalismo “em si mesma” não quer dizer a união por um pacto, uma aliança, e portanto a reunião de elementos separados? É uma unidade sem exploração econômica e sem opressão política, que tem como condição prévia a destruição radical do poder político do Estado. Naturalmente, Lenin não quer ouvir falar na destruição do Estado enquanto tal, e nem no fim da centralização. Donde, para seguir os seus desígnios, esta interpretação desprovida de sentido:” o centralismo voluntário”.
Após enfiar à força o centralismo nos argumentos de Marx, Lenin vai além e chega até mesmo a explicar que a Comuna é um exemplo não somente da destruição do Estado burguês, mas igualmente da construção de “uma nova máquina de Estado proletária”.(32) Segundo Lenin, uma das diferenças entre marxistas e anarquista estaria no fato de que os segundos, que prometem destruir o Estado, não possuem uma ideia clara do que o substituirá, tampouco concebem a maneira pela qual o proletariado exercerá seu próprio poder. Uma outra diferença seria que os anarquistas querem abolir o Estado da noite para o dia, ao passo que os marxistas pensam que este objetivo só pode ser atingido após a destruição das classes pela revolução social, isto é, como uma consequência da instauração do socialismo que conduz ao definhamento do Estado.
A interpretação singular que Lenin deu d’“A guerra civil na França “de Marx se prestou a provar que a doutrina do “verdadeiro” marxismo era a seguinte: 1) O Estado burguês deve ser destruído. 2) É preciso criar uma nova máquina de Estado fundada no centralismo; 3) “Este Estado proletário perecerá”. Tais são os três aspectos fundamentais do papel do Estado na interpretação leninista do marxismo, os três elementos essenciais da doutrina do Estado do marxismo leninista. Em função do nosso fim — a pesquisa das relações entre bakuninismo e leninismo — era indispensável estudar a fundo “A guerra civil…”, retirando-lhe alguns excertos, a fim de expor claramente as ideias de Lenin quando ele cita (ou não!) tais passagens. Este exame minucioso foi necessário para analisar o texto de Lenin e para se compreender a conclusão aparentemente paradoxal à qual chegamos agora: provou-se por um lado que a argumentação do seu “O Estado e a Revolução “não conserva qualquer ideia propriamente anarquista, mas provou-se também que Lenin apoia “equivocadamente” a sua teoria sobre o encadeamento de ideias anarquistas que se encontra n’”A guerra civil na França”.
Não é apenas a interpretação deste texto por Lenin que é falsa e falsificada, mas também o é toda ocasião na qual ele invoca tal escrito para defender a sua própria teoria, em cujo seio emerge um novo poder de Estado monstruosamente centralizado. Tratam-se aí de tentativas inadmissíveis e impossíveis, às quais nenhum do três aspectos essenciais da sua doutrina do Estado resiste. Seja “ou não” a teoria leninista do Estado uma reconstrução da doutrina marxista, o que não é possível em nenhum caso é que Lenin se sirva d’”A guerra civil” “na França “para tal reconstrução. Este escrito permanece um corpo estranho (e mesmo um corpo estranho desfigurado!) na doutrina leninista do Estado proletário, tanto quanto no “socialismo científico” de Marx-Engels. Jongler, com todas as suas citações demagógicas de Marx, não pode ser levado a sério, assim como não é capaz de desmentir a exatidão de tais fatos.
Acima, mostramos que o texto de Marx sobre a Comuna de Paris escapa do quadro do “marxismo” e oferecemos razões para isto. Neste momento, citaremos ainda o testemunho de um marxista que não é um “social-patriota” e tampouco se alinhou a oportunistas ou reformistas, mas antes figura ao lado daqueles marxistas revolucionários, aqueles neomarxistas, dentre os quais os mais conhecidos se chamam Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo. Trata-se de Franz Mehring, e eis o que ele escreveu sobre “A guerra civil na França”:
Por mais impressionantes que fossem tais desenvolvimentos tomados no detalhe, eles não poderiam ser mais contraditórios em relação às ideias que Marx e Engels representaram por um quarto de século, e as quais eles já haviam tornado públicas no “Manifesto comunista. “De acordo com sua concepção, haveria certamente, entre as consequências últimas da futura revolução proletária, a dissolução da organização política conhecida como Estado, mas esta seria tão somente uma “dissolução progressiva” […] Para atingir tal meta e os demais objetivos ainda importantes da revolução social futura, Marx e Engels insistiram simultaneamente na necessidade para a classe trabalhadora de “assumir o poder organizado do Estado” […] Tal concepção formulada no “Manifesto comunista” jamais poderia concordar com as saudações que a Mensagem do Conselho Geral da Internacional dirigiu à Comuna de Paris ,“por ter começado a extirpar radicalmente o Estado parasita”.(33)
Depreende-se claramente desta crítica do biógrafo de Marx que as declarações anti-estatistas deste último e de Engels não têm a menor relação (e nem se pode estabelecer alguma) com as passagens de seus demais escritos que tratam de um definhamento do Estado — concepção esta que se vincula, como vimos, a todo o sistema do “socialismo científico” e só é compreensível por meio dele. De forma alguma a Comuna de Paris encontrou em seu nascimento as condições econômicas necessárias para a transformação da propriedade privada em propriedade coletiva. Como Marx escreveu, “ela pretendia fazer da propriedade individual uma realidade, transformando os meios de produção, a terra e o capital — que hoje são essencialmente meios de sujeição e exploração do trabalho — em simples instrumentos do trabalho livre e associado”.(34) Seu objetivo não era a fazer o Estado “definhar”, mas sim aboli-lo imediatamente, “do dia para a noite”. A destruição do Estado não seria a conclusão inevitável de um processo histórico e dialético segundo leis rígidas, processo no qual o proletariado tornado classe dirigente suprime à força as antigas relações de produção e, com elas, de maneira absoluta, as condições de existência das contradições de classe, suprimindo assim a sua própria dominação como classe. Em uma palavra, o definhamento do Estado na teoria marxista é determinado por uma fase superior da sociedade, fase que é determinada, por sua vez, por um modo de produção superior. Trata-se aí de um processo histórico. A Comuna de Paris destruiu o Estado sem efetuar nenhuma das condições que seriam anteriores à tal abolição, de acordo com tal processo.
Proclamar que “A guerra civil na França” contém a verdadeira doutrina do marxismo sobre o Estado é jogar pela janela o marxismo por inteiro, é negar completamente todos os seus desenvolvimentos, desde o “Manifesto comunista “até “O” “Capital” e “O anti-Dühring”, incluindo um capítulo cujo título é todo um programa: “Da utopia à ciência”.
Para retomar a doutrina marxista do “definhamento” do Estado, Lenin — que pôde sustentar com razão que tal doutrina fora esquecida pela social-democracia oportunista e reformista — não poderia ter reclamado o programa d’”A guerra civil na Fraça”. Este escrito por sua vez tampouco é pertinente aos outros dois aspectos da teoria leninista do Estado: criação de uma nova máquina Estatal com a destruição da antiga. Com efeito, como mostramos detalhadamente, a Comuna, ao acabar com o Estado burguês, não tinha a intenção de pôr em seu lugar outro Estado. O acordo com a teoria de Lenin é apenas aparente. O que Lenin quer é a destruição do Estado burguês “porque ele é burguês”, ao passo que se tratava para a Comuna de destruir o Estado burguês “porque ele é um Estado”. Esta diferença de ênfase é uma diferença de princípio, e as duas concepções são mesmo diametralmente opostas. Extirpar radicalmente o Estado parasita era destruir o Estado de forma absoluta. “A intenção da Comuna não era fundar nenhuma nova máquina de Estado”, mas substituir o Estado por uma organização coletiva sobre bases econômicas e federalistas. Podemos dizer inclusive que “a destruição do Estado consistia precisamente nesta substituição”,” “que não era uma meta, mas ainda meio. Daí que Marx — contrariamente a Lenin — não fale em parte alguma sobre a necessidade de um mecanismo especial de repressão para combater a burguesia. A destruição da burguesia consistia na retirada de todos os instrumentos essenciais da sua potência e assim no aniquilamento da máquina política, militar, jurídica e burocrática do Estado. Engels compreendeu bem isto, tendo escrito em seu prefácio a “A guerra civil”:
A Comuna teve que entender de saída que não podia continuar a administrar com a velha máquina, e, para não perder novamente o poder que havia conquistado, teve que tomar duas medidas: de um lado, eliminar a máquina repressiva até então utilizada contra si; do outro, obter garantias relativas a seus próprios mandatários e funcionários, proclamando todos revogáveis a qualquer momento”.(35)
A Comuna compreendia portanto que era preciso, mais do que a destruição da velha máquina do Estado, tornar impossível a formação de uma nova!
A teoria do “organismo repressivo” não passa de um ideologia com tendência ao restabelecimento de uma ditadura política de Estado. O suposto “período de transição” entre a destruição do Estado burguês e o “definhamento” do Estado proletário significa apenas a perpetuação do princípio jacobino do Estado, o governamentalismo, cuja história — como disse Proudhon — é a do martírio do proletariado.
A meta visada pelos bolcheviques foi sempre a conquista do poder político. É provável que Lenin tenha dado ênfase aos “objetivos finais” anarquistas apenas para manejar os anarquistas, que exerciam um papel importante e ativo na Revolução. É certo que a afirmação de que seria apenas um período de transição levou os anarquistas a tomar parte ativa no estabelecimento da ditadura de Estado dos bolcheviques. Pela explicação de que tal Estado do período de transição definharia, um grande número de anarquistas foi incitado a considerar Lenin e seu partido como aliados.
Muitos dentre eles consentiram com a famosa ditadura do proletariado, uma vez que se trataria somente de um dito período de transição inevitável — é assim! — em interesse da Revolução. Não se quis ou não se pôde compreender apenas que justamente tal ideia de uma ditadura necessária reconhecida como estágio transitório inelutável escondia um grande perigo.(36)
Não se teve notícias de um definhamento do Estado, e dez anos de tal “período de transição” foram mais que suficientes para demonstrar que a ditadura é a morte da Revolução e para justificar as palavras de Bakunin: caso se constitua em nome da Revolução um Estado — mesmo provisório — se engendrará a reação. A fundação de um “Estado proletário” provou ademais que é absolutamente impossível destruir por seu intermédio a velha máquina de Estado, pois ele precisa necessariamente retomar ou restabelecer por sua conta os órgãos essenciais do Estado burguês. Só é possível “romper” com o Estado, substituindo-o por uma organização baseada em outros princípios, e os Sovietes eram tal organização. A ideia de conselhos significava a auto-organização, a auto-atividade e a iniciativa pessoal da massa dos trabalhadores, sem a qual é impossível uma construção socialista da sociedade. A ideia de “conselhos”, enquanto auto-organização dos operários sobre uma base econômica, foi a negação do princípio do Estado, do socialismo de governo e da teoria da ditadura do proletariado. Retornaremos mais longamente ao papel dos Sovietes na Revolução e veremos que para os bolcheviques eles não foram outra coisa além de um meio para chegar a seu fim: assumir o poder do Estado e garantir para o seu partido o monopólio da Revolução. Em seu pensamento, os Sovietes deviam ser no máximo as engrenagens de uma nova máquina de Estado. A palavra de ordem especificamente anarquista “todo poder aos Conselhos” significava para Lenin “todo poder nas mãos do nosso partido”.
Não é menos falso encontrar no leninismo uma síntese de Marx e Bakunin, um tipo de retorno ao bakuninismo — como pretenderam alguns revolucionários(37). A diferença entre os objetivos perseguidos por anarquistas e bolcheviques não é evidente apenas na prática, mas foi também fortemente sublinhada desde o início pelos leninistas no domínio da teoria. Já em 1917, eis o que declarou Lenin em um discurso sobre a questão agrária:
As objeções levantadas contra os bolcheviques, os ataques da imprensa capitalista, as afirmações de que somos anarquistas: repudiamos a tudo isso da maneira mais categórica como mentiras e calúnias maliciosas. Chama-se de “anarquistas” aqueles que negam a necessidade do poder do Estado, mas nós dizemos que o Estado é absolutamente necessário, não somente para a Rússia atualmente, mas ainda para todo Estado, mesmo se ele se encontra pronto a passar diretamente ao socialismo. Um forte poder de Estado é absolutamente indispensável!(38)
Jamais é questão na teoria bolchevista de uma negação do princípio do Estado e nem mesmo de um enfraquecimento das funções do Estado, o que poderia justificar alguma aproximação com o anarquismo; mas é bem o contrário que se dá. O objetivo da Revolução sempre foi para os bolcheviques a conquista do poder político, a potência do Estado. A Revolução deve criar um novo aparelho de Estado que permita o exercício da ditadura. Conquistar o poder do Estado não é apenas assumir a organização antiga, mas também criar uma nova: “A Revolução destrói a antiga força e cria uma nova”.(39)
No programa da Terceira Internacional, adotado em seu primeiro congresso, insiste-se na necessidade da criação de uma nova organização de Estado: “a vitória do proletariado repousa sobre a desorganização do poder adversário e a organização do poder proletário que consiste na destruição do aparelho de Estado burguês e na construção de um ‘aparelho de Estado proletário’” E no novo manifesto comunista da Terceira Internacional (1919), a questão que se coloca é a seguinte: “quem será no futuro o administrador da “produção nacionalizada”, o Estado imperialista ou o Estado do proletariado vitorioso?” Isto significa que o leninismo está aqui novamente em acordo com as concepções de Marx expostas em seu Manifesto comunista de 1848: o proletariado deverá se valer do Estado para transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade de Estado, utilizará seu poder político para arrancar da burguesia pouco a pouco todo o capital e para “centralizar nas mãos do Estado todos os meios de produção”. É uma doutrina marxista — e não bakuninista — a que pretende realizar o socialismo pela estatização dos meios de produção, com a conquista do poder político como condição prévia. Que tal conquista tenha lugar com ou sem a destruição da antiga máquina do Estado, que esse poder político seja conquistado no quadro de um regime democrático do Estado burguês ou seja resultado da formação de um Estado proletário, pela via parlamentar ou então por uma insurreição revolucionária segundo os métodos blanquinstas: estas são questões que somente têm importância para as relações entre marxismo e leninismo, para a interpretação, o restabelecimento e o desenvolvimento da doutrina marxista, para os vínculos entre a social-democracia e o bolchevismo; mas elas são no entanto secundárias para o estudo das relações entre o bakuninismo — anarquismo e sindicalismo — e essas duas doutrinas, sejam quais forem as nuances e as interpretações que venham transformar sua aparência. O elemento essencial para o acordo entre todas essas teorias é a concepção da necessidade do aparelho de Estado, da conquista do poder político considerada como a condição necessária e indispensável para se realizar o socialismo; e é esta concepção que marca a diferença decisiva e fundamental entre tais teorias e o bakuninismo. É neste ponto que se separam — e não apenas depois do surgimento do bolchevismo — as duas vias radicalmente diferentes que conduzem à realização do socialismo. Esta questão delicada está na origem de todas as diferenças que existem, na teoria e na prática, entre as duas tendências; é a ela que se deve remeter tais diferenças, e é ela que separa as duas correntes principais do movimento operário, a autoritária e a anti-autoritária, entre as quais não existem — nem podem existir — nem transições nem nuances intermediárias.
Em todo caso, o leninismo está de acordo com a teoria marxista ortodoxa — e isto em oposição à teoria atual do revisionismo — sobre o seguinte ponto: depois de ter “estatizado” a produção, o Estado definhará. Com efeito também para Lenin o socialismo é uma sociedade “sem classes”.(40) E como o Estado é sempre expressão de uma sociedade de classes, ele deve desaparecer com a supressão destas. “O proletariado só tem necessidade do Estado provisoriamente. Nós não estamos de forma alguma em desacordo com os anarquistas quanto à abolição do Estado como objetivo.”(41) Lenin reconhece o caráter de classe do Estado fundado em sua própria natureza, daí a impossibilidade de conciliar socialismo e Estado. Para poder realizar essa sociedade sem classes, deve-se todavia fundar de início um novo Estado, a fim de dirigir os meios de repressão contra os exploradores. Para chegar à supressão das classes, uma “ditadura provisória” da classe oprimida é necessária.
O proletariado tem necessidade do Estado; todos os oportunistas, social-patriotas e kautskistas repetem isto, garantindo tratar-se da doutrina de Marx; mas eles “esquecem” que este é o Estado do proletariado organizado como classe dominante e que o proletariado só tem necessidade de um Estado em vias de definhamento, ou seja, “um Estado constituído de maneira tal que ele começa imediatamente a definhar e não pode fazer outra coisa além disto”.(42)
Por que tal definhamento é inevitável? Por que o Estado proletário definha imediatamente? Infelizmente a teoria leninista não nos explica. Enquanto a ditadura do proletariado é cuidadosamente justificada, não se encontra nenhuma palavra sobre essas questões decisivas para a realização do socialismo. Os fatos falarão com muito mais eloquência.
Para restabelecer e desenvolver a doutrina marxistas, Lenin tomou por sua conta a concepção de Marx da sociedade sem classes. Marx reconheceu — e sua análise é perfeitamente correta — o caráter classiste e o papel do Estado; ele jamais defendeu uma concepção do socialismo que não fosse a de uma sociedade sem classes e sem Estado. Enquanto houver na sociedade contradições de classe, haverá forçosamente uma classe oprimida, e para a sua libertação será necessária a criação de uma nova sociedade. Enquanto houver contradição de classe, haverá precisamente um Estado que a expressará: é por isso que a sociedade socialista — isto é, sem classes — apenas é possível em uma sociedade sem Estado, à qual se identifica. O objetivo do movimento socialista é portanto, na realidade, suprimir essa contradição entre sociedade e Estado. Após a derrocada da antiga sociedade, não haverá uma nova dominação de classe que terá em um novo poder político o seu coroamento. “A condição da emancipação da classe operária é a abolição de todas as classes, assim como a condição para a emancipação do terceiro estado — isto é, da burguesia — foi a abolição das castas.”(43)
Na sociedade sem classes, ideal que é a meta de todos os verdadeiros socialistas, não apenas o proletariado, mas toda a humanidade obtém sua liberdade; com esta sociedade começa o “reino da liberdade”, e ela não é absolutamente em Marx — como vimos — a expressão de uma ideia filosófica, mas sim a conclusão lógica do desenvolvimento econômico da sociedade capitalista. O curso deste desenvolvimento era para Marx um processo dialético, submetido a leis. Graças à sua análise genial da economia capitalista, ele descobrira a lei de sua evolução dialética. Esta lei era absoluta aos seus olhos; ela se aplicava à história, cujo desenvolvimento dialético seguia, para ele, um curso necessário, o qual nada poderia desviar. Com a lei do empirismo dialético ele pensou ter descoberto o que regia dialeticamente a história e acreditou poder prever o curso da evolução da sociedade. Mas tal processo não se desenrolou com a necessidade imanente na qual cria Marx. Seu sistema científico, graças ao qual ele pensava ter triunfado sobre todas as “utopias”, chegou finalmente a uma nova utopia “científica”. A evolução do Estado que deveria conduzir logicamente à sua autossupressão foi o desenvolvimento de uma dialética utópica; e o definhamento do Estado, uma utopia fundada sobre uma dialética abstrata.
Os fatos da história mostram que seu curso segue em outra direção, “e mesmo uma direção oposta”. Por toda parte onde o movimento operário se desenvolve sob a influência das ideias marxistas, vemos que não é a sociedade que suprimiu o Estado, mas ao contrário “o Estado que suprimiu a sociedade”. Em vez de tender a uma sociedade sem classes, vemos por toda parte o Estado e seus poderes se fortalecerem de maneira inaudita. A conquista do poder político engendra um despotismo de Estado semelhante às ditaduras burguesas e que é uma ameaça mortal para qualquer forma de socialismo. Podemos apenas indicar aqui as causas sociológicas de tal evolução tão contrária às previsões de Marx. Elas repousam em parte sobre o próprio sistema de Marx. Ao fazer a supressão do Estado depender da estatização dos meios de produção, e esta da conquista do poder político, Marx forçosamente substituiu “pelo partido político” a classe econômica oprimida, cuja tarefa é suprimir as contradições de classe pela socialização dos meios de produção. O objetivo do partido é sempre assumir o controle da máquina de Estado e utilizá-la em seu próprio interesse. O partido enquanto tal jamais pode ser a organização da classe, uma vez que esta organização só é possível no terreno econômico. Voltando toda a sua atividade à conquista do Estado, o partido assume cada vez mais um aspecto estatista e, nesta “marcha ao poder”, ele vê totalmente transformados o seu caráter e sua finalidade. Quando ao longo de décadas um movimento assume uma posição voltada ao Estado, esta não pode senão influir no desenvolvimento da sociedade e agir psicologicamente sobre aqueles que aderem ao movimento. A ideia da sociedade sem classe não mais encontra ponto de apoio na evolução real da sociedade nem em uma luta de classes, tampouco na vontade ou no pensamento: tal ideia perde toda realidade, ele definha. “O próprio caráter do partido” tem como consequência que ele seja incapaz de se propor como meta a supressão do Estado, já que, por sua própria natureza, ele se inclina a conquistá-lo, conservá-lo e utilizá-lo.
Eis portanto o resultado teórico que releva dos fatos: com a verdadeira atividade da social-democracia voltada exclusivamente à conquista do poder político, com este fim sendo alcançado cada vez mais profundamente, e com os funcionários do partido tendo tomado em suas mãos o comando do Estado, não há mais ninguém para crer em qualquer definhamento do Estado que seja, nem mesmo o mais afastado no futuro. A concepção dita marxista do Estado que nasce da atividade reformista e revisionista abandona assim inclusive na teoria a utopia marxista da sociedade sem classes.(44) A ideologia que acompanha os dirigentes do partido nesta marcha ao poder vê finalmente no Estado democrático próspero o signo anunciador do socialismo, que passa a não ser outra coisa senão este Estado “mais amplamente desenvolvido”, “a Organização e a Administração” — mas sequer em um sentido econômico, como pensa o saint-simonismo, mas sim político, como a organização do Estado da república democrática.
Desde que existe tal Estado democrático — conquista da Revolução — os acontecimentos mostam que ele não foi nem uma “alavanca” e muito menos um “solo” favorável ao socialismo. Ao contrário, este “solo” é favorável à reação e ao fascismo, como mostram a direção tomada pela República austríaca a partir de 15 de julho de 1927.
A prática revisionista e reformista da social-democracia levou a que não mais se falasse na abolição do Estado nem mesmo em teoria, assim como levou ao apagamento em sua doutrina — que a toma como vã utopia — da sociedade sem classes, ou seja, a sociedade segundo Marx. Mas a prática do bolchevismo, por sua vez, demonstra que o Estado proletário bolchevique tem tão pouca disposição a definhar quanto o Estado democrático burguês. Perguntar se Lenin interpretou corretamente Marx é algo completamente inútil diante do fato de que sua concepção é desmentida totalmente pela realidade.
A ditadura segundo a teoria do bolchevismo deveria ser somente um “fenômeno provisório”, e o definhamento do estado deveria, de acordo com Lenin, começar “imediatamente”. Para provocar tal evolução, foram reforçados de maneira inaudita todos os meios dos quais o poder de Estado dispõe, e institui-se uma força pública que em muito ultrapassa aquela do antigo Estado czarista. Mas que singular este método para começar a abolir o Estado, que o reforça e destrói tudo que poderia provocar seu enfraquecimento! Em vez de se transformar em instrumento de opressão contra os antigos exploradores, a ditadura do proletariado se tornou o poder de Estado exercido por um partido, poder que novamente oprime politicamente e explora economicamente as massas laboriosas. “Sob a ditadura do proletariado, instituição tão somente ‘provisória’”, escreveu o teórico leninista Bukharin,
Os meios de produção, como é da própria natureza das coisas, não pertencem ao conjunto sem exceção da sociedade, mas sim ao proletariado, “a sua organização de Estado”. Provisoriamente, a classe operária, isto é, a maioria da população, tem o monopólio dos meios de produção. Por isso é que não há neste momento relações de produção inteiramente “comunistas”. A divisão da sociedade em classes ainda exista, há ainda uma classe dominante, o proletariado, um monopólio dos meios de produção por esta “nova” classe, um poder de Estado (o poder proletário) que oprime seus inimigos. Mas à medida que se romper a resistência dos antigos capitalistas, proprietários de terra, banqueiros, generais e bispos, “a ordem social submissa à ditadura do proletariado se transformará em comunismo sem nenhuma revolução.(45)
Aí está a teoria. Apenas é incorreto dizer que é a “classe operária, isto é, a maioria da população”, que monopoliza os meios de produção; ao contrário, de acordo com a teoria de Lenin, é a “vanguarda “da classe operária, ou seja, o partido bolchevique, que exerce a ditadura — pois que não se fale então na maioria da população! Os meios de produção pertencem a este partido que governa sozinho o Estado e que, por intermédio da burocracia, assegura a sua dominação unicamente em interesse próprio. O comunista Max Eastman pode então escrever que o controle da produção industrial na sexta parte da superfície da Terra estava nas mãos de cerca de dezoito mil funcionários do partido comunista russo.(46) Os fatos mostram que há uma nova classe dirigente nascente, que age — obrigatoriamente! — segundo a natureza própria de toda dominação de classe, ou seja, explorando uma classe oprimida e encontrando sua expressão na opressão política exercido por um novo Estado, o Estado dos funcionários, “o Estado burocrático”. E como todos os meios são bons para chegar ao poder para o partido bolchevique, então todos os meios permanecerão bons para conservá-lo. A ditadura de Estado do partido bolchevique mostrou a justeza desta afirmação de Bakunin: o Estado sempre é herdeiro de uma classe privilegiada — “em última instância, da burocracia” — e um poder ditatorial após a Revolução conduzirá necessariamente a um novo Estado, a uma nova classe que recomeçará a explorar o povo.
O Estado, de acordo com esta mesma doutrina, nasce da dominação de uma classe e tem por função manter as contradições de classe, enquanto deve ser também precisamente a ferramenta mais apta a suprimir as classes e assim tornar-se a si próprio inútil. Curiosa teoria cuja prática mostrou suficientemente o absurdo! O verdadeiro caráter do Estado não mudou sob a dominação bolchevique, e a pretensa ditadura do proletariado não está isenta das consequências sociais e psicológicas que toda ditadura envolve. As previsões de Proudhon e Bakunin foram confirmadas: tentar realizar o socialismo por meio do Estado só pode engendrar a reação. Quem ainda é capaz de esperar seriamente de uma ditadura caracterizada por um enorme centralismo e pelos reinos da burocracia e do terror que ela enfraqueça o poder do Estado? Depois das experiências oferecidas pela prática do bolchevismo, sustentar como afirmam os leninistas que o Estado proletário “definhará imediatamente” e que, por sua própria natureza, ele só pode definhar, não é apenas uma abstração teórica desprovida de sentido, mas é mais simplesmente uma trapaça grosseira.
A falência do comunismo bolchevique é mais que a falência de um sistema. Ela é, em todas as suas manifestações, a condenação avassaladora do princípio político da Revolução e dos métodos do socialismo autoritário. Esta falência demonstrou que a aplicação de métodos bem definidos é inseparável do caráter destes métodos. Existe uma “ditadura dos meios” e é por isso que, por exemplo, o meio da ditadura não se presta a realizar a liberdade, assim como o Estado não pode servir de meio para o nascimento de uma sociedade sem Estado. Não se pode atingir um objetivo determinado por um meio qualquer; cada meio traz consequências precisas e logo é impossível tornar o meio independente do fim. Estamos assim de acordo com a primeira metade da célebre afirmação de Bernstein (ou a ele atribuída). “O movimento é tudo”, no seguinte sentido: ele deve estar indissoluvelmente ligado ao “objetivo final”, tender sempre a este e se inspirar nele, e os meios que aciona para atingi-lo devem ser obtidos de tal fim.
A violência sem freio e o terrorismo dos bolcheviques não são portanto outra coisa que a consequência da sua fé supersticiosa na onipotência do poder político e na “ultima ratio” da sua ditadura. O fato é que, se Marx era ciente de que era preciso revolucionar as cabeças antes de fazer a revolução, hoje na Rússia, os marxistas blanquistas pensam que é preciso, depois de feita a Revolução, cortar a cabeça dos revolucionários! “Vocês querem organizar o trabalho”, escreveu em 1848 Proudhon, contra os socialistas jacobinos da sua época, “mas vocês não têm outro meio além da violência, outra autoridade senão a ditadura, outro princípio que o do terror, e outra teoria que não seja a baioneta!”
Do lado marxista reformista indicou-se sem dúvida que ao falar em ditadura Marx não a compreendia como exercício do poder por uma minoria apoiada no terror, mas ao contrário como o fato de uma maioria, e assim que a concepção dos bolcheviques estava em desacordo com a doutrina de Marx — mas ela está em desacordo também e muito mais com a doutrina de Bakunin!
O comunista revolucionário Gracchus Babeuf, clássico conspirador da Revolução Francesa, o primeiro a defender a doutrina da instauração do comunismo por decretos do Estado, queria conquistar o poder político por um golpe de Estado operado por uma minoria bem organizada. Como é o caso na maior parte das ideias da Revolução, a concepção de Babeuf se inspirou na doutrina da “igualdade natural” de Rousseau, e o seu programa comunista foi emprestado de filósofos moralistas do fim do século XVIII, de Morelly, Mably e em parte Condorcet.
A Revolução, que tinha abolido os privilégios da nobreza e do clero e assim destruído o regime feudal, havia de fato concedido, pela constituição de 1791, certa igualdade diante da lei, mas não dava ao povo a igualdade de direitos políticos. Foi apenas a constituição de 1793 que aboliu os privilégios eleitorais e proclamou a liberdade política. Como se sabe, esta constituição — cujo primeiro artigo concebe que “o objetivo da sociedade é o bem comum” — jamais entrou em vigor; ela foi, com efeito, suspensa “provisoriamente”, para dar lugar à ditadura de Robespierre. Aquilo que se chamou de Regime do Terror concluiu a Revolução, isto é, legalizou as conquistas alcançadas pelos camponeses pela ação direta: a abolição definitiva dos direitos feudais. O regime de Robespierre, que inaugurou o poder da burguesia propriamente dito e legalizou a propriedade, criou novamente privilégios ligados a esta última e à riqueza. E foi esta centralização política ademais que abriu caminho a Napoleão e serviu de exemplo a todos os Estados modernos.
A conjuração de Babeuf se propunha, pela via da sociedade, fazer da igualdade uma realidade, pois era evidente que não se pode realizar a liberdade sem suprimir a desigualdade dos bens. Tal igualdade deveria ser restabelecida pelo comunismo de Estado. Um governo dotado de poder ditatorial deveria reger a produção e a distribuição. Ninguém poderia consumir nada que pertencesse à “comunidade nacional dos bens” sem que isto tivesse sido concedido pela Autoridade; ninguém teria o direito de exprimir opiniões que não fossem previamente reconhecidas pela instância mais alta da Ditadura como vantajosas para a República e a Igualdade. Mas foram apenas os bolcheviques que colocaram tal projeto em prática! Os decretos preparados por Babeuf e seus amigos em seus menores detalhes constituem o mais perfeito dos comunismos de Estado e oferecem a imagem da sociedade mais desoladora que se poderia imaginar.
Como as futuras leis do Estado, o próprio golpe de Estado também foi planejado detalhadamente, mas uma traição o levou ao fracasso. A conjuração visava o Diretório que tomara o poder depois da contrarrevolução do 9 termidor (24 de julho de 1794) e a queda de Robespierre. Era o regime da “república burguesa” restabelecendo os privilégios políticos da burguesia e revogando novamente a constituição de 1793. Este governo contrarrevolucionário deveria ser derrubado e a constituição de 1793 colocada realmente em vigor. Mas não se tratava apenas de um novo governo, a França deveria ser definitivamente dotada de boas leis para promover a felicidade geral e a igualdade universa, e isto por meio da ditadura. Já se havia observado e admirado de perto o exemplo de um poder político central de tipo ditatorial. E não era questão de modificar ou melhorar a ditadura jacobina: ela era perfeita!
Philippe Buonarroti, que participou da conjuração e foi membro do “Diretório secreto”, escreveu mais tarde sua história detalhada. Seu livro, publicado em 1828, oferece as observações mais interessantes sobre a psicologia desses conjurados e pode ser considerado até hoje um manual clássico para o estudo das ditaduras. Buonarroti nos dá uma descrição minuciosa dos antecedentes do golpe de Estado. Estava-se de acordo quanto à necessidade estabelecer alguma nova autoridade após a queda do governo. Sob qual forma? Julgava-se o sufrágio universal demasiado perigoso, pois o povo, sempre distante de aspirar o regime da “ordem natural”, não se encontrava em condições de eleger os homens que poderiam trazê-lo de volta à feliz situação da sociedade primitiva. A Revolução mostrara suficientemente, acrescenta Buonarroti, que que o povo não sabe eleger os homens apropriados, e que por outro lado é necessário um grande número de homens sensatos e corajosos para exercer uma autoridade revolucionária a fim de liberar definitivamente o povo da influência dos inimigos da Igualdade. Uma ditadura provisória, portanto! Quem deveria exercê-la? Problema da maior importância e cuja solução, como demonstra a evolução da ditadura soviética, não é sempre simples. Um dos membros da conjuração, Darthé, amigo de Babeuf que foi condenado à morte ao mesmo tempo que ele, recomenda a ditadura pessoal. Suas vantagens são notadas, mas julga-se que os inconvenientes são maiores: dificuldade de escolha (!), temor de um emprego abusivo da ditadura, e enfim a semelhança com a realeza e a dificuldade julgada insuperável de triunfar sobre tal preconceito. Por esses motivos, decidiu-se confiar a um pequeno grupo de homens tal poder.(47)
A ditadura deveria, após a tomada do poder político, promulgar os decretos, e então o comunismo seria realidade! É esta ideia que dá a significação histórica desta tentativa de ditadura jacobina e babovista. É tal “socialismo por decreto” que se tornou mais tarde um elemento essencial de todos os sistemas socialistas. O livro de Buonarroti exerceu grande influência nas sociedades secretas que se formaram sob o reinado de Luís Filipe, e a partir de 1835 nasceram conjurações “blanquistas” que adotavam os métodos de Babeuf, encabeçadas principalmente por Barbès et Blanqui. Foram também tais ideias que o dito bakuninista Tkatchev espalhou na Rússia e que o bolchevismo fez entrar nos fatos em escala mundial, não apenas em razão de seus objetivos, mas também por seus métodos e mesmo pelo texto literal de seus decretos.
Não é tanto a tática conspirativa do golpe de Estado que constitui essencialmente o fundo de tais ideias, mas antes de tudo o emprego do poder político conquistado. É aí também que há acordo entre o bolchevismo e o marxismo. É verdade que Marx repudiou sua primeira concepção puramente blanquista, fez depender a conquista do poder político de certas condições resultantes das relações de produção e, ademais, a atribuiu não a um partido, mas uma classe: mas não é menos verdade que esta ideia da fé na onipotência do poder político permanece inalterada em seu essencial. Marx acreditava ter triunfado cientificamente sobre as doutrinas dos grandes pensadores socialistas, os saint-simonistas, Fourier, Owen e Proudhon, que estavam todos de acordo em transformar a sociedade por meios sociais, mas ele fundou uma nova utopia com sua evolução dialética simultaneamente econômica e política: isto feito, a via estava novamente aberta ao babovismo, e então o movimento marxista não era mais uma superação de todos esses “utopistas”, mas ao contrário um retorno aos Jacobinos e ao estatismo burguês.
Na obra em que expõe o programa do revisionismo, Bernstein assinala as fortes tendências blanquistas de Marx e Engels. O essencial do blanquismo não reside, com efeito, na teoria do putsch ou na mania de sociedades secretas. Não ver no blanquismo mais que uma teoria da Revolução preparada por um pequeno partido revolucionário agindo segundo planos profundamente estudados seria se apegar a aspectos menores. Isto concerne somente à tática e é, em parte, questão de circunstâncias. Ao condenar o putschismo não se está livre ainda do blanquismo. “O blanquismo é mais que a teoria de uma tática; sua tática é, ao contrário, a emanação, o fruto, de uma teoria mais profunda, que é tão somente a da forma imensamente criadora do poder político revolucionário e da sua expressão: a expropriação revolucionária.”(48) No que concerne à possibilidade de utilizar o poder político para fins econômicos, Marx e Engels permanecem com sua primeira doutrina blanquista, que remete a 1793 e 1796, a Robespierre e a Babeuf. A compreensão de Bernstein é perfeitamente correta, basta apenas completá-la. O caráter do blanquismo não reside em sua tática de putsch, mas sim na teoria da transformação da sociedade por meio do poder político revolucionário. Trata-se de instaurar o socialismo com apoio em decretos de Estado, importando pouco a forma do Estado que baixará tais decretos. Assim como a “tática” para conquistar o poder político tem importância secundária, a “forma do poder político” não exerce um papel decisivo para caracterizar o “socialismo por decreto”. Que o socialismo só pode ser realizado pelo poder do Estado é o ponto no qual concordam essencialmente todos os sistemas do socialismo autoritário, onde a social-democracia e o bolchevismo se reencontram, no seio do marxismo. De todo modo, isto apenas é importante na medida em que a social-democracia ainda persiga fins socialistas. A história da República alemã, de Noske a Zörgiebel, mostra que os social-democratas não são por princípio adversários da ditadura e até mesmo são partidários da ditadura militar. Indubitavelmente. Não se trata da possibilidade de usar o poder do Estado para fins econômicos e para o socialismo, mas, muito pelo contrário, do massacre dos trabalhadores revolucionários em nome de uma reação feroz e em interesse da burguesia capitalista. Até onde esse partido teve em suas mãos o poder político revolucionário, ele agiu à maneira fascista e abriu caminho para o fascismo: é o que expôs Recker em um brilhante artigo sobre os acontecimentos sangrentos de maio de 1929 em Berlim. Esse partido não é propriamente nem blanquista nem marxista, muito menos socialista: não é mais que um partido (pequeno) burguês que visa fins ditos democráticos em uma República capitalista.
Os bolcheviques ao contrário restauraram não apenas as tendências blanquistas do marxismo, mas também elementos essenciais do blanquismo e do babovismo. Eles não negam isto, e Trotsky por exemplo assinalou tal acordo. Segundo Kautsky, o bolchevismo teria despertado as ideias anarquistas e antipolíticas de Proudhon, combatidas e derrotadas por Marx; Trotski rejeita tal opinião como a mais desavergonhada afirmação sob o ponto de vista histórico do panfleto pedante de Kautsky.
Kautsky poderia — o que seria bem mais justificável — nos aproximar dos adversários dos proudhonianos, os blanquistas, que compreenderam a importância do poder revolucionário e não subordinaram a sua conquista ao respeito supersticioso pelas regras formais da democracia.(49)
Qualquer que seja a relação possível entre as ideias blanquistas e marxistas no interior do bolchevismo, este último não tem em todo caso nada em comum com o bakuninismo. O que Bakunin sempre combateu foi precisamente o princípio jacobino do Estado e da Revolução, a ideia de que a tomada do poder político poderia promover transformações sociais e que o Estado poderia um dia abrir caminho para o socialismo e a liberdade. Se Bakunin não condenava as sublevações revolucionárias, sobretudo no caso da Rússia (o caminho da libertação pela ciência nos está bloqueado), não seria para ele através de golpes de Estado que se conquistaria o poder, mas tais insurreições deveriam ao contrário promover a total “destruição do Estado moscovita”, sem a qual uma nova organização da sociedade era impossível. Seria igualmente falso pôr lado a lado os projetos de Bakunin para uma aliança secreta dos revolucionários com as “sociedades secretas” dos babovistas e blanquistas. Bakuni pensava poder, com tal organização secreta, atingir seus fins libertários, a destrição do Estado e de todo poder estatal: crença que só se pode explicar e compreender remetendo-a a sua vida e sua época. Mas seu objetivo permanecia oposto ao de todos os conspiradores políticos alunos da escola do jacobinismo, ou seja, à instituição de uma ditadura revolucionária.(50)
A ditadura se confundia para Bakunin à negação do socialismo. Nenhum outro pensador socialista antes e depois dele — nem mesmo “nosso grande e verdadeiro mestre, Proudhon” — compreendeu melhor que Bakunin o liame indissolúvel que une a liberdade e a igualdade. A liberdade apenas política era para ele a liberdade da escravização e, como o comunista jacobino Babeuf, ele tinha consciência que a liberdade sem igualdade econômica não passava de uma palavra. As experiências das revoluções francesas de meio século lhe haviam ensinado que não se pode realizar a liberdade pela igualdade política, mas pela igualdade econômica e a abolição de todos os privilégios políticos e econômicos. Para ele, a primeira condição era a igualdade: a liberdade seria então possível depois dela, nela e por ela, pois toda liberdade sem igualdade constituiria um privilégio, a dominação exercida por uma minoria e a escravização da grande maioria. Toda a filosofia de Bakunin é dominada por esse conceito de liberdade, mas não um conceito abstrato e metafísico, mas humano, isto é, social. Ele compreendeu que para ser livre tem-se a necessidade da liberdade de todos e que, logo, a liberdade não é uma questão individual, mas social. É somente na liberdade dos outros que a liberdade de cada indivíduo encontra sua confirmação e seu florescimento. Para ser livre, é preciso estar cercado de pessoas livres e ser reconhecido livre por elas. Bakunin defendia a igualdade econômica e social, pois sabia que sem esta igualdade, a liberdade, a justiça, a dignidade humana, a moralidade e o bem-estar de cada um, assim como a prosperidade das nações, não seriam nada além de mentiras.
Se esta concepção é como um fio condutor que nos guia por todos os escritos de Bakunin, há também um outro, que se entrelaça com o primeiro, para nos lembrar que a igualdade não pode existir sem liberdade.
A igualdade sem liberdade seria, aos olhos de Bakunin, uma ficção detestável, inventado por impostores para enganar imbecis: “mas como sou ao mesmo tempo partidário da liberdade — primeira condição da humanidade — creio que a igualdade deveria ser estabelecida no mundo por uma organização espontânea do trabalho e da propriedade coletiva, pela livre federação dos comuns, e jamais pela ação suprema e tutelar do Estado”(51). A igualdade sem liberdade era para Bakunin o despotismo de Estado, “e o Estado não pode subsistir um dia sequer sem comportar ao menos uma classe exploradora e privilegiada: a burocracia”. A conjuração de Babeuf e outras tentativas análogas foram fadadas ao fracasso, pois em todos esses sistemas a igualdade se associava ao poder e à autoridade do Estado e excluía por isso mesmo a liberdade. Como já disse Proudhon, a combinação mais funesta que poderia se dar é aquela que une socialismo e absolutismo, a aspiração do povo à liberação econômica e ao bem-estar material, com a ditadura e a concentração de todos os poderes políticos nas mãos do Estado. “Que o futuro nos preserve portanto dos favores do despotismo”, prossegue Bakunin,
mas que também nos salve das consequências desastrosas e embrutecedoras do “socialismo autoritário, doutrinário ou de Estado”. Sejamos socialistas, mas não nos tornemos jamais rebanho. Não procuremos jamais a justiça — toda a justiça: política, econômica e social — senão pela via da liberdade. Nada pode haver de vivo e humano fora da liberdade, e um socialismo que a rejeite em seu interior ou que não a aceite como único fundamento e princípio criador nos levará diretamente à escravização e à bestialidade.(52)
Ademais, Bakunin considerava totalmente equivocado “o pensamento dos comunistas autoritários de que uma Revolução social pode ser decretada e organizada, seja por uma ditadura, seja por uma assembleia constituinte resultante de uma revolução política”.(53) É apenas depois da abolição do Estado — condição primordial e inevitável para uma efetiva libertação — que a sociedade poderá se organizar sobre novas bases, não de cima para baixo, não em função de um plano quimérico nem por efeito de decretos promulgados por algum poder ditatorial:
“semelhante sistema levaria inevitavelmente à criação de um novo Estado e consequentemente à formação de uma aristocracia governamental, isto é, toda uma classe de pessoas sem nada em comum com a massa do povo, que decerto recomeçará a explorá-la e assujeitá-la, sob o pretexto do bem comum ou da salvação do Estado”.(54)
A brochura contra a Aliança — que mostra ao que parece o acordo entre bakuninismo e bolchevismo — reproduz o “Programa e objetivo da organização [secreta] revolucionária dos irmãos internacionais”. Nele, Bakunin resume seu pensamento em termos expressivos: “o triunfo dos jacobinos ou dos blanquistas será a morte da Revolução”. Ao que se segue esta sentença, que não poderia ser mais precisa, do futuro do bolchevismo:
“Somos inimigos naturais desses revolucionários — futuros ditadores, reguladores e tutores da Revolução — os quais, mesmo antes da destruição dos atuais Estados monárquicos, aristocráticos e burgueses, já sonham com a criação de novos Estados revolucionários, igualmente centralizadores e mais despóticos que os Estados que existem hoje […] Essa nova autoridade terá a revolução apenas no nome, não sendo mais que uma nova reação, uma vez que corresponderá com efeito a uma nova condenação das massas populares governadas por decreto à obediência, ao imobilismo, à morte, isto é, à escravização e à exploração por uma nova aristocracia quase-revolucionária”.(55)
E em sua obra “O império knuto-germânico”, Bakunin escreveu: “Não se extirpa nada por decretos. Ao contrário, os decretos e todos os atos de autoridade consolidam o que querem destruir.” É preciso “enfrentar a reação nos fatos e não por meio de decretos”. E assim como era adversário de todo Estado, reacionário ou dito revolucionário, Bakunin também se opunha a todo Estado de transição em períodos revolucionários, a todo Estado proletário “definhante” de tipo marxista-leninista: “quando em nome da Revolução se pretende erguer um Estado, mesmo que seja um Estado provisório, o que se promove é a reação, e se trabalha para o despotismo, não em nome da liberdade; para a instituição do privilégio, contra a igualdade.”
Bakunin precursor do bolchevismo! Eis uma afirmação que tais citações bastam para refutar pela voz dele próprio. (E tantas outras serão encontradas em cada página de suas obras!) Semelhante refutação completa e exata da teoria e da prática do bolchevismo é única na literatura socialista e poderia inclusive espantar aos historiadores.
Quando, em 4 de abril de 1917, dia seguinte de sua chegada a Petrogrado, Lenin pronuciou seu primeiro discurso ao Soviet e expôs seu programa político, o social-democrata Goldenberg, fez a seguinte observação: “Hoje Lenin propõe a sua candidatura a um trono europeu que está vago há trinta anos: o trono de Bakunin! Nas novas proposições de Lenin, escuta-se o eco das velhas ‘verdades’ de um anarquismo primitivo ultrapassado.” O doutor Elias Hurwicz, que no seu “História da recente Revolução Russa(56) remete a tal observação, a qualifica de “espirituosa” — mas, como se depreende do índice das suas fontes, ele conhece a grande biografia de Bakunin escrita por Nettlau, ao passo que podemos afirmar com toda tranquilidade que os conhecimentos em anarquismo desses teóricos do “socialismo científico” que descobriram no bolchevismo um retorno ao bakuninismo não ultrapassam o brochura contra a Aliança. E por mais espirituosa que pudesse ser a observação sobre o trono de Bakunin, sua resistência a um exame crítico não seria de forma alguma maior que a das afirmações menos espirituosas sobre o “retorno” ao bakuninismo ou um Bakunin “precursor”. Que os social-democratas tenham deixado para trás um anarquismo primitivo, do qual lhes faltam claramente os conhecimentos mais elementares, é algo em que podemos crer sem problemas. Mas as ‘verdades’ enunciadas por Bakunin não são de forma alguma imortais por serem oráculos sem réplica ou dogmas peremptórios, mas sim porque exprimem o mais profundo conhecimento da vida e nascem desta fonte inesgotável de vida: a aspiração apaixonada por uma verdadeira libertação humana. Ademais, depois de meio século, as ideias de Bakunin podem ter sido ultrapassadas pelos social-democratas, mas elas não o foram pela história. Não teria valido a pena provar a falsidade de uma afirmação dos teóricos e historiadores social-democratas, se simultaneamente não tivéssemos demonstrado com isto algo mais importante: a que ponto a história deu razão a Bakunin. Ele sempre insistiu em seus escritos sobre a morte certa do socialismo entregue ao Estado e à ditadura, e pode-se mesmo lê-los hoje como um comentário crítico à história da Revolução Russa e ao seu trágico declínio sob a ditadura do Estado bolchevique. Os ensinamentos que se deve retirar de tais fatos históricos reconduzirão todos os verdadeiros socialistas a Bakunin, e só então começará a se exercer sua verdadeira influência.
Notas de rodapé:
(1) GAWRONSKY, Dimitry. Die Bilanz des russischen Bolschewismus [“O balanço do bolchevismo russo.”] Berlin: P. Cassirer, 1919, p. 36. (retornar ao texto)
(2) CUNOW, Heinrich. Die Marxsche Geschichts-, Gesellschafts- und Staatstheorie. [“A teoria histórica, sociológica e do Estado de Marx”] Berlim: Dietz Nachfolger Verlag, 1923, II. (retornar ao texto)
(3) ENGELS. Kommunismus und Bakunismus! Die Bakunisten an der Arbeit.. [“Comunismo e bakuninismo! Os bakuninistas em ação.”] Berlim: Vorwärts, 1920, 3ª ed. (com um prefácio de Franz Diederich). Kautsky, em seu Terrorismus und Kommunismus [“Terrorismo e comunismo”], recomenda o estudo desse panfleto: “nele, o bolchevismo é “pressentido em muitos aspectos”. (retornar ao texto)
(4) NT: Após a expulsão de Bakunin da Internacional, um relatório do inquérito contra ele deveria ser preparado pelo comitê de cinco (entre os quais, um se revelaria espião da polícia) que havia decidido, por quatro votos contra um, propor tal medida ao Congresso de Haia. Esta designação, entretanto, não foi realizada; “assim sendo, a comissão de protocolo do Congresso de Haia, composta por Dupont, Engels, Frankel, le Moussu, Marx e Serraillier assumiu a tarefa, e poucas semanas antes do Congresso de Genebra foi emitido um memorando intitulado “A Aliança da Democracia Socialista e a Associação Internacional dos Trabalhadores””. Em sua biografia de Marx, Franz Mehring reconhece que este foi, na verdade, o “golpe final que Marx e Engels pensaram ser preciso desferir em Bakunin”. O “brochura contra a Aliança”, continua ele, “não é um documento histórico mas uma acusação parcial, cujo caráter tendencioso é aparente em cada página”. MEHRING, F. “Karl Marx: a história de sua vida”, cap. XIV, seções 7, 8 e 9. Disponível em https://www.marxists.org/archive/mehring/1918/marx/ https://www.marxists.org/archive/mehring/1918/marx/. (retornar ao texto)
(5) A antiga edição do panfleto em tradução alemã trazia este título digno de folhetim: Um complô contra a Associação Internacional dos Trabalhadores. A edição atual possui um título não menos sensacional e que constitui um capítulo por si só: Marx ou Bakunin? Democracia ou ditadura? Uma polêmica contra o precursor do bolchevismo. Nova edição dos relatórios apresentados por Karl Marx e Friedrich Engels contra Mikhail Bakunin à Internacional Socialista. (“A Aliança da Democracia Socialista e a Associação Internacional dos Trabalhadores”). Publicação que vem com uma introdução e notas de Wilhelm Bloss. Stuttgart: [Volksverlag für Wirtschaft und Verkehr], 1920, p. 96. (retornar ao texto)
(6) MARX. Miséria da filosofia. 6ª ed. alemã, p. 163.(retornar ao texto)
(7) ENGELS. Anti-Dühring. 8ª ed. alemã, p. 138. (retornar ao texto)
(8) MARX. O capital, 7ª ed. alemã, p. 645. [Livro I, cap, XXIV, “A assim chamada acumulação primitiva”.] (retornar ao texto)
(9) OPPENHEIMER, Franz. System der soziologie. Jena: G. Fischer, 1926, Tomo II (O Estado). Ainda voltaremos a esta obra de Oppenheimer e sua importância para o sindicalismo. (retornar ao texto)
(10) LENIN. “Sobre o Estado”. Conferência na Universidade de Sverdlov, em 11 de julho de 1919. (retornar ao texto)
(11) LUPPOL, I. Lenin und die Philosophie. Berlim/Viena: Verlag für Literatur und Politik, 1929, p. 150. (retornar ao texto)
(12) LENIN. O Estado e a Revolução (citado a partir da edição holandesa, Amsterdam, 1919). Cf. A revolução proletária e o renegado Kautsky, na coletânea Kundgebungen. [“Comícios”] Berlim: Die Aktion, 1920, p. 5-12; LUPPOL, op. cit., cap. V; e LENIN, “A ditadura do proletariado” (citado a partir da edição holandesa, Amsterdam). (retornar ao texto)
(13) LUPPOL, op. cit., p. 153. (retornar ao texto)
(14) LENIN, “A revolução proletária e o Renegado Kautsky”, op. cit,. p. 57 [seção 1, “Como Kautsky transformou Marx em um liberal vulgar”], e “O Estado e a Revolução”, op. cit., p. 121 [cap. VI, seção 2, “Polêmica de Kautsky e os oportunistas”]. (retornar ao texto)
(15) BAKUNIN, Oeuvres, IV, p. 387. [“Carta ao jornal La liberté de Bruxelas”, Zurique, outubro de 1872.] (retornar ao texto)
(16) JAECKH, Gustav. Die Internationale. Eine Denkschrift zur vierzigjährigen Gründung der Internationalen Arbeiter-Assoziation. [“A Internacional. Um memorial dos quarenta anos da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores”]. Leipzig: Leipziger Buchdruckerei Aktiengesellschaft, 1904. p. 124. (retornar ao texto)
(17) “A Primeira Internacional” [“Die Erste Internationale”], número especial da revista “Literatura Operária” [Arbeiter-Literatur]. Viena: Verlag für Literatur und Politik, 1924, p.46. (retornar ao texto)
(18) NT: Introdução de ENGELS à edição de 1891 d’A guerra civil na França. (retornar ao texto)
(19) […] a Comuna de Paris, esta negação histórica do Estado […] BAKUNIN, Oeuvres, IV, p.496. [Fragmento para a continuação d’O império knuto-germânico (Locarno, novembro-dezembro de 1872).] Quando se trata da Comuna de Paris, aqui como em Marx não se trata tanto dos fatos históricos quanto da sua interpretação. “A insurreição comunalista de Paris inaugurou a Revolução social. A importância desta revolução não reside, na verdade, no que a Comuna tentou fazer — de maneira modesta, com os meios e o tempo dos quais dispunha — mas sim nas ideias que ela pôs em movimento, na luz viva que lançou sobre a verdadeira natureza e o objetivo da Revolução.” (BAKUNIN, Oeuvres, IV, p. 386. [Carta ao jornal La liberté, out/1982.]) (retornar ao texto)
(20) MEHRING, F. Karl Marx: a história de sua vida, 4ª ed. alemã, p. 461. [NT: op. cit., cap. XIV, seção 3. “De todo modo, o fato de que a agitação de Bakunin começou a encontrar em 1871 maior aprovação do que nunca se deveu à forte impressão causada na classe trabalhadora europeia pela Comuna de Paris.”] (retornar ao texto)
(21) MARX. Der Bürgerkrieg in Frankreich. Berlim, 1929, p. 46-9. [A guerra civil na França, Seção III.] (retornar ao texto)
(22) “É realmente cômico ver Lenin e seus partidários atacarem incansavelmente as tendências socialistas que os desagradam, tratando-as como ‘pequeno burguesas’. Justo estas pessoas que permanecem irremediavelmente afundadas até as orelhas na ideologia política da pequena burguesia!” (ROCKER, Rudolf. Der Bankerott des russischen Staatskommunismus [“A falência do comunismo de Estado russo”]. Berlim: Verlag Der Syndikalist, 1921, p. 27. (retornar ao texto)
(23) LENIN. O Estado e a Revolução, op. cit., p. 58. [Cap. III, seção 4.] (retornar ao texto)
(24) MARX. A Guerra civil na França, op. cit., p. 49. [Seção III.] (retornar ao texto)
(25) Ibid., loc. cit. (retornar ao texto)
(26) Ibid., loc. cit. (retornar ao texto)
(27) LENIN. O Estado e a Revolução, op. cit., p. 57. [Cap. III, seção 4.] (retornar ao texto)
(28) [NT: MARX. A guerra civil na França. Seção III.] (retornar ao texto)
(29) LENIN. O Estado e a Revolução, op. cit., p. 59. [Cap. III, seção 4.] (retornar ao texto)
(30) James Guillaume fazia notar a César de Paepe: chamar de Estado uma Federação de Comunas seria como chamar um círculo não de círculo, mas de quadrado redondo! A nova sociedade antiautoritária é tão completamente diferente da antiga que seria uma aberração monstruosa dar-lhe o mesmo nome. Faltam-lhe precisamente todas as características da organização política da sociedade: o governo, a autoridade, a dominação de uma classe, as instituições políticas ou, em uma palavra, todos os elementos que formam o conceito de Estado. Cf. Guillaume, L’Internationale. Documents et souvenirs. Paris. P.-V. Stock, 1909, Tomo III, p. 230-1. (retornar ao texto)
(31) [NT: MARX. A Guerra civil na França. Seção III.] (retornar ao texto)
(32) Lenin, O Estado e a Revolução, op. citi., p. 127. [V. cap. III.] (retornar ao texto)
(33) MEHRING, F. Karl Marx: a história de sua vida, op. cit., p. 460 [cap. XIV, seção 3]. As expressões entre aspas foram destacadas por A. Lehning. (retornar ao texto)
(34) MARX. A guerra civil na França, op. cit., p. 53. [Seção III.] (retornar ao texto)
(35) ENGELS. Introdução de 1891 a A guerra civil na França, op. cit., p. 14. (retornar ao texto)
(36) ROCKER, op. cit., p. 30. (retornar ao texto)
(37) Cf. PFEMFERT, Franz, em “Die Aktion” (A morte de Lenin): Lenin seria uma síntese da Marx e Bakunin. MÜLLER, Hans. Michael Bakunin. Der revolutionäre Anarchismus. [“Mikhail Bakunin. O anarquismo revolucionário.”] Zurique: Sozialistische Verlagsgenossenschaft, 1919, p. 29. MÜHSAM, Eric. In: “Ver”. Viena. (retornar ao texto)
(38) LENIN. Sämtliche Werke [“Obras completas”]. Tomo XX, primeira metade: Die Revolution von 1917 (Vom Sturz des Zarismus bis zu den Julitagen). [“A Revolução de 1917 (Da queda do czarismo aos dias de julho)”.] Viena/Berlim, Verlag für Literatur und Politik, 1928, p. 13. [NT: Trata-se do Discurso sobre a questão agrária, pronunciado por Lenin em 22 de maio (4 de junho) de 1917, no I Congresso dos Sovietes de Deputados Camponeses (não confundir com o Relatório e a Resolução sobre a questão agrária). No lugar em que A. Lehning cita “Um forte poder de Estado é absolutamente indispensável!”, lê-se, na versão em inglês consultada, “Sem dúvida a autoridade mais firme possível é necessária” - https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/congpeas/22.htm (retornar ao texto)
(39) BUKHARIN, N.; PREOBRAJENSKI, E. Das ABC des Kommunismus. [O ABC do comunismo.] Viena: Kommunistische Partei Deutschösterreich, 1920, p. 68. [Cap. III, § 24.] (retornar ao texto)
(40) “O socialismo é a supressão das classes” LENIN, A ditadura do proletariado, op. cit. p. 9. [“A economia e a política na época da ditadura do proletariado”, seção 4.] (retornar ao texto)
(41) Id., O Estado e a Revolução, op. cit., p. 9. [Cap. IV, 2.] (retornar ao texto)
(42) Ibid., p. 28 [cap. II, 1] (os trechos entre aspas foram destacadas por Lehning). (retornar ao texto)
(43) MARX, Miséria da filosofia, p. 163 (Edição alemã não especificada). [Cap. II, § 5.] (retornar ao texto)
(44) ROCKER, R. “Die Wandlungen in der Staatsauffassung der Sozialdemokratie.” In: Die Internationale, ano 1, no 4, janeiro de 1925. (retornar ao texto)
(45) BUKHARIN e PREOBRAJENSKI. ABC do Comunismo, op. cit., p. 64 [cap. III, § 23] (destaques entre aspas são de Lehning). (retornar ao texto)
(46) Max Eastman, Depuis la mort de Lénine. Paris: Gallimard, 1925, p. 14. (retornar ao texto)
(47) BUONARROTI, P. Conspiration pour l’égalité, dite de Babeuf. Bruxelas: Librairie Romantique, 1828, p. 120-140. (retornar ao texto)
(48) BERNSTEIN, E. Die voraussetzungen des sozialismus und die aufgaben der sozialdemokratie. [Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-democracia.] Berlim: 1902, p. 28. (retornar ao texto)
(49) TROTSKY, L. Terrorismus und Kommunismus. Anti-Kautsky. [“Terrorismo e comunismo. Anti-Kautski”]. Hamburgo: Verlag der Kommunistischen Internationale, 1921, p 18-19 [capítulo III]. “Os bolcheviques tomaram das concepções blanquista e jacobina suas doutrinas da insurreição e da ditadura.” (Palavras do comunista Francês Marcel Cachin, em “L’Humanité” de 30 de maio de 1926.) (retornar ao texto)
(50) Assim Nettlau resume os planos de Bakunin, ao prefaciar o terceiro tomo da edição alemã de suas Obras (p. 4): Bakunin tinha chegado à determinação de se preparar para participar das revoluções por vir, no sentido de suas ideias e, antes de tudo, no quadro de uma sociedade secreta da qual tinha estabelecido as grandes linhas; “por este meio, ou seja, graças à propaganda e à ação conduzidas pelos adeptos em seu entorno e em círculos cada vez mais amplos, deve-se criar forças destinadas a imprimir à Revolução um caráter socialista libertário, federalista e destruidor do Estado, e a defendê-la contras as inclinações para a ditadura”. Vide também todas as outras introduções e notas de Nettlau aos planos e programas dessa “Sociedade secreta”, publicadas no mesmo tomo. Cf, NETTLAU, M. “Michael Bakunin und der Syndikalismus”. [“Mikhail Bakunin e o sindicalismo.”] In: Die Internationale. Zeitschrift für die revolutionäre Arbeiterbewegung, Gesellschaftskritik und sozialistischen Neuaufbau. Berlim: Freie Arbeiter-Union Deutschlands (Anarcho-Syndikalisten) angeschlossen an die Internationale Arbeiter-Assoziation (IAA). Ano I, fascículo 8, junho de 1928. (retornar ao texto)
(51) BAKUNIN. Oeuvres, IV, p. 250. [NT: Nas Obras de Bakunin em francês, trata-se do “Preâmbulo à segunda parte d’O império knuto-germânico” (Locarno, 5 a 23 de junho de 1871), que foi publicado também como “La Commune de Paris et la notion d’Etat”. No Brasil, o texto foi publicado precisamente como “A Comuna de Paris e a noção de Estado”, In: BAKUNIN. O princípio do Estado e outros ensaios. São Paulo: Hedra, 2008.] (retornar ao texto)
(52) [NT: A. Lehning dá a referência da edição alemã das Obras de Bakunin (Tomo III, p. 76). O texto em questão é uma carta de Bakunin a Charles-Louis Chassin de 24 de maio de 1868. Disponível em (inglês) https://blog.bakuninlibrary.org/the-program-of-la-democratie-1868/. (retornar ao texto)
(53) BAKUNIN, Oeuvres, IV, p. 261. [“A Comuna de Paris e a noção de Estado.”] (retornar ao texto)
(54) Ibid., p.264. (retornar ao texto)
(55) [NT: A. Lehning dá a referência da edição alemã das Obras de Bakunin (Tomo III, p. 87). Trata-se do “Programa e Objetivo da Organização Secreta Revolucionária dos Irmãos Internacionais”. (retornar ao texto)
(56) HURWICZ. Geschichte der jüngsten russischen Revolution. [“História da recente Revolução Russa.”] Op. cit., p. 76. (retornar ao texto)