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Compreende-se que o desenvolvimento capitalista não possa, nestas condições, seguir um curso regular. O fato é que ele se realiza por saltos, com períodos de crises, que paralizam momentaneamente a atividade econômica e que transtornam frequentemente a economia mundial.
As formas precapitalistas de economia também conheceram as calamidades econômicas e as perturbações. A economia patriarcal, o feudalismo, os ofícios das cidades, também tiveram as suas perturbações, mas a causa principal provinha em geral dos fenômenos naturais: secas, colheitas más, inundações e fenômenos sociais como as guerras, etc. Estas calamidades, porém, nada tinham de comum, na realidade, com as crises que periodicamente abalam a sociedade capitalista.
As crises do capitalismo têm de particular que não decorrem nem das restrições da produção e da falta de mercadorias, nem das calamidades naturais, nas sua causa está na super-produção. Não são crises causadas pela indigência, mas crises causadas pela riqueza. Nenhum dos modos de produção anteriores ao modo de produção capitalista conheceram crises semelhantes. Elas se produzem no momento em que cessa a realização das mercadorias produzidas, no momento em que o mercado não as pode absorver.
Quais são as causas? Nós acabámos de verificar que o equilíbrio, na sociedade capitalista, pode ser conseguido sob duas condições: proporcionalidade do desenvolvimento dos diversos ramos da economia capitalista e uma justa relação entre a produção e a procura de compra.
Somente nestas condições a produção capitalista pode continuar de um modo mais ou menos indolor. Notamos, porém, estudando o esquema da reprodução ampliada, que a menor perturbação da proporcionalidade do desenvolvimento dos diversos ramos de economia pode provocar uma ruptura de equilíbrio em toda a economia capitalista, dada a estreita interdependência de todas as suas partes.
Como se produzem estas perturbações da proporcionalidade? Nós já conhecemos as causas que impelem a produção capitalista a se ampliar indefinidamente: 1.º a sede de mais-valia, que agrava cada vez mais a baixa da taxa de lucro, resultante do crescimento do capital constante em detrimento do capital variável; 2.º a concorrência, que obriga o capitalista a ampliar a produção independentemente da 1.º causa, embora seja apenas para conservar suas posições no mercado e manter seu poder econômico.
Por estas razões, assistimos ao ampliamento da produção, que se acompanha do crescimento da composição orgânica do capital e se estende, aliás, desigualmente, a todos os ramos da economia capitalista. O ampliamento da produção é muito mais rápido na secção I (produção de meios de produção), do que na secção II (produção de artigos de consumo).
O processo de acumulação significa que o capitalista, em vez de dispender toda a mais-valia em satisfazer suas necessidades, emprega uma parte em aumentar a produção. Em vez de comprar com esta quantia artigos de consumo para si e sua família, ele compra meios de produção destinados a novas empresas ou são aumento das empresas existentes e — com a menor parte desta quantia — artigos de consumo destinados à mão-de-obra adicional. A acumulação de capital na — secção II conduz aos mesmos resultados. Também aí o capitalista: deve empregar uma parte da mais-valia na compra de novos meios de produção e uma outra parte na compra de meios de consumo para a mão-de-obra complementar. Por consequência, também aí o pedido de meios de produção aumentará mais do que o de meios de consumo. Todo aumento da produção exige mais meios de produção do que meios de consumo.
Mas esta desigualdade dos diferentes ramos da economia torna-se ainda maior pelo fato de que as diferenças de composição orgânica do capital acarretam diferenças nas quantidades de mais-valia recebidas pelos capitalistas.
Sabemos que o lucro se reparte na sociedade capitalista proporcionalmente ao capital. Sendo a soma de capital colocado na secção I muito maior do que à do capital colocado na secção II, a massa de lucros atribuídos à secção I é também muito maior. Torna-se evidente que os capitalistas da secção I estarão em condições de empregar uma parte muito maior dos seus lucros em aumentar a produção do que os da II. Dai a desigualdade da acumulação nos ramos de produção das secções I e II e uma agravação da desproporcionalidade da produção capitalista.
A procura de meios de produção, rapidamente crescente sob a influência da acumulação capitalista, provoca nas duas secções a alta dos preços dos meios de produção. Esta alta tem, como consequência, o aumento da taxa de lucro. Atraídos pelos altos preços e pela elevada taxa de lucro, os capitais afluem aos ramos de indústria produtores de meios de produção. Estas indústrias têm um desenvolvimento febril cujo resultado não se pode fazer sentir muito rapidamente no mercado porque todo aumento de produção nestes ramos se liga a grandes inversões de capital fixo: construção de vastas fábricas, de grandioso maquinário, de ferramentas aperfeiçoadas, etc. Este trabalho exige tempo e, enquanto os novos meios de produção não façam sua aparição no mercado, a procura de meios de produção por parte das duas categorias não será satisfeita. Os preços dos meios de produção continuarão, portanto, elevados, e servirão de isca aos capitalistas, que continuarão a colocar seus capitais na produção de meios de produção.
Na produção de meios de consumo será inteiramente o contrário. O pedido de produtos sofrerá, então, uma baixa. Empregando os capitalistas das duas categorias uma parte crescente de sua mais-valia na compra de meios de produção necessários ao aumento da produção, e só empregando a menor parte desta mais-valia na compra de meios de consumo para eles e para a nova mão-de-obra, a procura de produtos sofrerá uma certa queda.
O capitalista não pode consumir senão uma parte cada vez mais restrita da massa sem cessar crescente da mais-valia; e, não cessando o capital constante de crescer em detrimento do capital variável, aumentando a taxa de exploração, a parte do operário no rendimento da sociedade capitalista sofre uma baixa relativa: a classe operária consome uma parte decrescente da riqueza social crescente.
O atrazo da procura de meios de consumo em relação à procura de meios de produção deve inevitavelmente trazer em si uma baixa dos preços dos primeiros e uma diminuição da taxa de lucro nos ramos interessados da produção. Umas empresas restringirão sua produção e outras se arruinarão. Começará o licenciamento do pessoal. O pedido de artigos de consumo diminuirá ainda mais, não podendo os operários sem trabalho comprar produtos de que têm sempre mais necessidade do que antes.
A produção de meios de consumo começará a restringir-se. De sua parte, necessariamente, resultará uma diminuição da procura de meios de produção. De maneira que, na época em que os industriais produtores de meios de produção poderão precisamente lançar no mercado uma produção aumentada, eles não encontrarão aí uma procura de compra correspondente. Imediatamente, patentear-se-á que se produziu muito mais mercadorias do que era preciso para satisfazer a procura de compra. O escoamento das mercadorias tornar-se-á difícil: o crédito (ponto mais sensível da economia capitalista) logo se ressentirá.
Geralmente há, no princípio dos períodos de animação industrial, muito capital disponível, o que faz com que a taxa de juros seja bastante baixa. Mas, à medida que a atividade industrial se intensifica, a procura de créditos aumenta e a taxa de juros começa a subir. Os bancos, arrastados por uma conjuntura favorável, fornecem créditos, emitem títulos e cheques em grande quantidade. A primeira notícia sabre as dificuldades de escoamento de mercadorias, a taxa de juros sobe repentinamente. Os depositantes de fundos e os possuidores de valores são tomados de pânico. A massa dos valores-papel é dirigida para os bancos, para ser ai convertida apressadamente em ouro. Os bancos devem fechar os seus guichets.
Ainda há pouco, o burguês, estourando de orgulho e seguro de sua prosperidade, declarava que a moeda não era senão uma ilusão vã. “Unicamente a mercadoria é moeda!” proclamava ele. “Só a moeda é mercadoria!” Tal é o grito que agora domina o mercado.(1)
Como o crédito liga entre si as empresas e os ramos de economia mais diferentes, a crise de crédito, paralela à crise da produção, atinge as empresas que em outras condições teriam sido poupadas.
Logo depois da súbita alta da taxa de juros, os preços caem rapidamente. Os “stocks” de mercadorias não vendidas se acumulam. As empresas restringem ou param a produção. Numerosos capitalistas vão à falência.
A onda da crise, começada num ramo da economia, ganha, graças às ligações do mercado, os outros ramos e acaba por se estender a todo o organismo. Segue-se um marasmo bastante prolongado. A restrição da produção é habitualmente mais grave do que lhe permitira a restrição do mercado; depois, pouco a pouco, o rerguimento começa.
A animação surge nos ramos produtores de meios de consumo. Os “stocks” de mercadorias escoam-se pouco a pouco à baixos preços. Os novos pedidos de meios de consumo surgem, levando os ramos de indústria correspondentes a uma nova animação. O reerguimentos destes ramos obriga-os a ampliar sua produção e, consequentemente, a adquirir meios de produção e daí o fim do marasmo dos ramos produtores de meios de produção. O pedido de mão-de-obra aumenta, o consumo operário aumenta também, abre-se um período de animação geral, que se transforma em período de rápido crescimento e que conduz a uma nova crise.
Por que as crises tomam formas tão repentinas, tão catastróficas? Porque a super-produção se dá muito antes de se revelar. Ela pode não se revelar senão no momento em que as mercadorias atinjam o mercado e, portanto, continua imperceptível até este momento. Quando o mercado assinala o perigo por um súbito aumento dos juros e pela baixa dos preços, a enorme super-produção de mercadorias é imediatamente revelada; a crise rebenta, então, e rapidamente ganha, graças às ramificações do mercado, todos os ramos da economia capitalista. O credito a agrava. Nos períodos de surto industrial, o crédito facilita, no mais alto grau, à organização de novas empresas, fornecendo fundos aos capitalistas. Sem o crédito, numerosas empresas não teriam podido ampliar a produção, e a super-produção surgiu mais depressa; os bancos, porém, continuando a fornecer crédito à produção, esta continua a ampliar-se, não obstante as dificuldades de escoamento dos produtos que começa a encontrar. O crédito atenua e disfarça, assim, a super-produção no seio início. A animação industrial é artificialmente entretida quando já há super-produção. A crise é retardada, mas será nais profunda e mais grave.
As crises são inevitáveis nas condições da reprodução capitalista ampliada.
Todo aumento da produção conduz, infalivelmente, no seu desenvolvimento ulterior, à ruptura do equilíbrio da economia capitalista, a uma crise. Por outro lado, toda crise, restabelecendo o equilíbrio dos preços, cria as bases de um novo aumento de produção que conduzirá, de novo, ao cabo de um certo tempo, a uma crise.
No modo de produção capitalista, escreve Kautski, é sempre uma lei que os períodos de crise e de prosperidade são inseparáveis, que um grande crack é o resgate de um período de prosperidade e que este crack é tanto mais grave quanto maior tenha sido a prosperidade; o período de surto industrial não pode ser senão a preparação do crack.
A situação não se modifica absolutamente pelo fato de que os capitalistas procurem, nos períodos de crise, com uma energia desesperada, mercados nos países atrasados que ainda não pertencem à esfera das trocas capitalistas. Esta procura de mercados, longe de eliminar as crises inevitáveis, dá-lhes uma base ampliada. Os países atrasados, as colônias, entram na esfera das trocas capitalistas. Os capitalistas fornecem-lhes meios de produção e os transformam pouco a pouco de países não capitalistas, ou semi-capitalistas, em países nitidamente capitalistas, nos quais as crises tornam-se, desde então, a inevitável condição de desenvolvimento ulterior.
Como resolve a burguesia estas crises? — perguntam os autores do Manifesto Comunista. — De um lado, pela destruição forçada de uma massa de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados, pela exploração mais intensa dos mercados antigos. Para onde conduz isto? Para crises mais gerais e mais formidáveis e para o aniquilamento dos meios de prevenir.
As crises não são somente fenômenos inevitáveis e necessários ao regime capitalista, mas também fenômenos dolorosos e caros. Dada a anarquia capitalista e a complexidade das trocas entre os ramos de economia constituintes de um organismo Único, uma discordância prolongada entre a produção e a procura de compra poderia, se as crises repentinas não o manifestassem, levar à ruína a economia capitalista. Às crises revelam um mal oculto e apressam a cura.
As crises têm ainda outras consequências para a economia capitalista. Redobram a ferocidade da concorrência. Nesta luta, as mais fortes empresas — As maiores no sentido econômico — são as únicas que sobrevivem. A concentração e a centralização da produção capitalista aumenta. As crises conduzem, enfim, a um novo aumento do rendimento do trabalho. Os baixos preços, que se estabelecem durante as crises e nos períodos de marasmo que as seguem, obrigam o capitalista a diminuir de todas as maneiras as despesas de produção, afim de torná-la lucrativa mesmo com os preços baixos. Os intelectuais, cientistas e técnicos, põem-se a estudar o problema da organização mais racional do trabalho — isto é, a exploração mais intensa dos operários — e a inventar um maquinário mais aperfeiçoado. As crises são, por consequência, pontos de partida de novos períodos de crescimento das forças produtivas.
As crises agravam igualmente a exploração da classe operária. O exército dos sem-trabalho aumenta, contribuindo assim para a baixa dos salários e para o crescimento da intensidade do trabalho; os capitalistas são levados a introduzir na produção um maquinário mais aperfeiçoado, o que diminue a procura de mão-de-obra. Mas, agravando a condição de vida dos operários, tornando-a precária ao extremo, as crises contribuem poderosamente para desenvolver a consciência revolucionária dos proletários. Estas crises lembram lhes que não pode haver melhoramento radical na situação das classes operárias no regime capitalista e que, quaisquer que sejam os êxitos parciais do movimento sindical (aumento de salário, diminuição da jornada de trabalho), obtidos por longas lutas, estas conquistas não poderão ser asseguradas: a primeira crise as fará periclitar ou as levará de todo. Na época de crise, a atenção dos operários não é atraída para a luta pelas melhorias parciais no regime capitalista, mas para a luta pela supressão da própria crise, isto é, do regime capitalista, já que não se pode separar um do outro. Esta finalidade última, esquecida nas lutas diárias, surge então poderosa, nos períodos de crise, na consciência dos operários, como se a luz forte de um projetor subitamente os iluminasse.
Nota de rodapé:
(1) C. MARX: O Capital, 1.º volume. (retornar ao texto)
Inclusão | 10/06/2023 |