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A concentração da produção dá-se na agricultura e tem por consequência inevitável a ruína dos pequenos produtores, isto é, dos camponeses. Que pode opôr o pequeno cultivador à superioridade esmagadora da grande exploração? Seu sobre-trabalho, sua miséria, sua cobiça de ignorante. A diferenciação social e a decomposição da pequena agricultura se observam em todos os países capitalistas. Melhor do que em qualquer outra parte, pode-se estudar na Rússia imperial, que era um país dos mais atrasados quanto ao desenvolvimento da técnica geral e quanto ao desenvolvimento das relações capitalistas. Recordemos que os camponeses podem ser divididos, do ponto de vista social, em três grupos de classe:
Segundo os dados fornecidos por Lenine, para 21 distritos e 7 governos das regiões mais variadas da Rússia pré-revolucionária, 20% das famílias ricas representavam de 26,1 a 30,3 % da população e dispunham de 29 a 36,7 % das terras concedidas pelos senhores aos camponeses; 50 % das famílias pobres representavam 36,6 a 41,7 % da população e dispunham de 33 a 37,7 % das mesmas terras. Assim, 20 % dos camponeses ricos, representando uma população sensivelmente menor do que a população pobre, tinham aproximadamente tanta terra quanto 50 % dos camponeses pobres.(1)
A desigualdade era ainda maior quanto à locação das terras.
“Nós dissemos, mais acima, escrevia Lenine, que parte da população e da terra concentravam 20 % das famílias mais abastadas. Podemos ajuntar agora que elas reuniam também nas suas mãos de 50,8 a 83,7 % das terras alugadas pelos camponeses, deixando aos 50% das famílias dos grupos sociais inferiores apenas de 5 a 16 % destas terras. Uma conclusão clara destaca-se deste fato: se nos perguntassem qual o sistema de locação da terra que prevalece na Rússia: a que é determinada pela necessidade de trabalhar para viver ou a que tem por objetivo a exploração do trabalho, a que se explica pela necessidade ou a dos camponeses acomodados, que se avizinha do servilismo (porque escraviza, porque impõe tributos) e é burguesa, nós só poderíamos dar a esta pergunta uma resposta.
“A se ajuizar pelo número de famílias que alugam terras, a maior parte entre elas é constrangida a isto pela necessidade. Para a maioria dos camponeses, a locação das terras é uma escravidão. A julgar pela quantidade de terras alugadas, está fora de dúvida, que a metade destas terras está nas mãos dos camponeses ricos e da burguesia rural, que organizam a agricultura capitalista”.
A compra de terras pelos Camponeses oferece o mesmo quadro, 20% das famílias ricas possuem de 59,7 a 99% das terras compradas; 50% das famílias pobres possuem de 0,4 a 15,4% do total das terras compradas pelos rurais. A repartição do gado dá aproximadamente os mesmos resultados:
Lenine cita dois distritos do governo de Orel, onde, em cem explorações agrícolas, o maquinismo aperfeiçoado repartia-se nas seguintes proporções:
Aos cultivadores que não tinham cavalos | 0,1 |
Aos cultivadores que tinham um cavalo | 0,2 |
Aos cultivadores que tinham dois ou três cavalos | 3,5 |
Aos cultivadores que tinham quatro cavalos e mais | 36,0 |
A situação era a mesma, com pouca diferença, nas outras regiões do império.
O emprego do trabalho assalariado é de grande importância no que se refere à diferenciação social dos camponeses. O governo imperial, do mesmo modo que os zemstvos dirigidos pelos proprietários territoriais, não estavam interessados em estudar a diferenciação social nos campos, não se conhecendo, portanto, dados precisos e completos sobre este ponto relativos a toda a Rússia. É preciso contentar-se com alguns exemplos.
Segundo Lenine, excepcionalmente foram coligidos dados quanto ao emprego de operários agrícolas e mesmo de jornaleiros na região de Krasno-Ufimsk (governo de Perm.). Ei-los:
Percentagens das explorações agrícolas que empregam operários assalariados |
|
No cultivo das terras | 0,15 |
Cultivando até 5 hectares | 0,70 |
Cultivando de 5 a 10 hectares | 4,20 |
Cultivando de 10 a 20 hectares | 17,70 |
Cultivando de 20 a 50 hectares | 50,00 |
Cultivando mais de 50 hectares | 83,10 |
“Sem ter constantemente à sua disposição um exército de um milhão de operários e de jornaleiros, os camponeses ricos não poderiam existir. Os dados relativos ao emprego de operários agrícolas variam sensivelmente de uma região para outra, mas a concentração das famílias que empregam assalariados nas categorias mais ricas do campesinato, isto é, a transformação das famílias ricas em famílias patronais, é inegável. 20 % das famílias ricas abrangem de 48 a 78 do número total das explorações que empregam assalariados”.(2)
De qualquer forma que encaremos os cultivos camponeses na Rússia imperial, seremos levados inevitavelmente a concluir que o capitalismo arruinava sistematicamente, inflexivelmente, o grupo de camponeses médios de onde se destacava uma minoria relativamente pouco numerosa de ricos, que começavam a se tornar “capitalistas em germe” para se transformarem logo em autênticos capitalistas. A grande massa dos camponeses médios arruinados formavam os semi-proletários destituídos na realidade da propriedade e obrigados a vender seu único haver, a força de trabalho.
Os mesmos fatos, às vezes ainda mais surpreendentes, observam-se em todos os países capitalistas, sem exceção. Lenine estudou em seus numerosos trabalhos sobre a questão agrária, que apresentam brilhantes exemplos de análise marxista, estatísticas referentes a muitos países (Dinamarca, Alemanha, Estados Unidos e outros) e sempre chegou a estas mesmas conclusões:
Deduz-se, segundo as estatísticas americanas, que uma evolução notavelmente análoga se passa na agricultura e na indústria: a parte das empresas médias, cujo número cresce mais lentamente que o das grandes e p ’quenas empresas, não cessa de diminuir.(3)
Na agricultura, como na indústria, o número de pequenas empresas cresce mais lentamente que o das grandes.
Na agricultura, como na industria, o número de empresas pequenas e médias diminui, crescendo unicamente a das grandes empresas. Na agricultura, como na indústria, a pequena produção é eliminada pela grande. Mas a concentração da agricultura está muito atrasada em relação à indústria. Na indústria, 11% das grandes empresas detêm 80 % do total da produção. O papel das pequenas empresas é insignificante: 5,5% da produção para os 2/3 do número total das empresas. A agricultura, pelo contrário, está ainda desagregada numa poeira de empresas: 58% de pequenas explorações agrícolas reúnem o quarto do valor total de todas as fazendas; 18% das grandes explorações reúnem menos de metade do haver total das fazendas (17%). A agricultura conta 20 vezes mais empresas do que a indústria.
Os números não fazem, portanto, senão confirmar o avanço inflexível — ainda que mais lento do que na indústria — do capitalismo na agricultura. Este fato é acompanhado de todas as suas consequências lógicas.
E difícil de se imaginar situação mais escravizada e mais precária do que a do pequeno agricultor no regime capitalista.
Os fatores que entravam o desenvolvimento do capitalismo no campo não tem outro efeito do que o de prolongar, durante longos anos, a agonia da pequena produção agrícola.
Daí os fenômenos que já notamos: excesso de trabalho, alimentação insuficiente, existência miserável do cultivador; daí os esforços desesperados que este faz
para conservar sua propriedade. As palavras de um autor inglês sobre os camponeses do Palatinado vêm a propósito: “Eles trabalham desde o alvorecer até noite fechada, julgando trabalhar para si mesmos. Padecem todo o dia, padecem todo o ano e são mais pacientes, mais infatigáveis e mais resistentes do que as bestas de carga”. Pode-se dizer o mesmo de todos os camponeses dos países capitalistas.
continua>>>Notas de rodapé:
(1) V. LENINE: Obras Completas, ed. russa, t. IX. — Este raciocínio baseia-se na divisão por categorias sociais do número total (100 %) das explorações camponesas. (retornar ao texto)
(2) LENINE: Obras completas, t. IX, ed. russa. (retornar ao texto)
(3) LENINE: Obra citada. (retornar ao texto)
Inclusão | 16/06/2019 |