Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro quarto: A teoria do lucro e o preço de produção
Capítulo VII - O lucro e o preço de produção na economia capitalista
35. Os gastos de produção e o cálculo destes gastos na economia capitalista


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O lucro é o motor da economia capitalista. O capitalista não tem nada em comum com o artesão, que procura apenas satisfazer as suas necessidades. Do ponto de vista do capitalista, uma empresa que não dá bastante rendimento não tem razão de existir. Aquilo a que aspira não é um lucro qualquer, mas sim o lucro máximo. Além da sua disposição para o lucro, a competição também o empurra. Se, contra a sua natureza, um capitalista se abstivesse de procurar o lucro máximo, contentando-se durante algum tempo com um lucro medíocre, os restantes, seus concorrentes, ao receberem lucros mais altos, teriam possibilidades de ampliar as suas empresas, aperfeiçoar a sua maquinaria, e não deixariam de esmagar desapiedadamente o seu colega mais modesto.

Como pode o capitalista obter mais lucro?

Como existe concorrência, não será através duma subida do preço de venda, mas sim diminuindo o preço de custo. A diminuição do custo permite ao capitalista diminuir o preço de venda, bater os seus concorrentes e obter mais lucros.

Mas para o conseguir e, de maneira geral, para avaliar do nível dos seus negócios, o capitalista deve ter uma ideia exacta dos seus gastos de produção, sua natureza e dimensão por unidade de mercadoria dada.

Portanto o cálculo destes gastos tem um papel fundamental no bom funcionamento dos negócios (do ponto de vista do capitalista) e na luta do capitalista no mercado.

Vejamos mais de perto os gastos de produção.

Tomemos como exemplo os gastos de produção dos tecidos de algodão antes de 1913 (na Rússia antes da guerra).

Lista dos gastos Gastos
(em rublos-ouro)
Gastos
(percentagem do total)
Matérias-primas 15 r. 40 k 41,0
Matérias auxiliares 3 r. 84 k 10,5
Combustíveis 1 r. 75 k 7,5
Salários 6 r. 87 k 18,5
Amortizações 4 r. 20 k 11,0
Despesas gerais 4 r. 30 k 11,5
Total 36 r. 36 k 100,0

Este quadro mostra-nos que as principais despesas de produção dos tecidos de algodão(1) se reduzem às matérias-primas (41 % do custo de produção), combustíveis, matérias auxiliares, salários.

Consideremos estas despesas separadamente.

1. Os gastos em matérias-primas, ou seja, em algodão, representam a maior despesa. É evidente que as despesas em matérias-primas serão totalmente diferentes — e às vezes insignificantes — nas indústrias produtoras de matérias-primas, que, em vez de as comprar, as encontram na natureza (carvão, petróleo, minério de ferro). Em certos ramos da produção, o valor da matéria-prima ocupa um lugar mais importante que no nosso exemplo; a matéria-prima do diamante que o joalheiro vende representa de certeza mais de 41 % do preço.

Em qualquer indústria manufactureira as despesas em matérias-primas constituem uma das principais rubricas das despesas de produção. Portanto, a diminuição do preço das matérias-primas tem um papel incalculável na concorrência entre os capitalistas e na corrida ao lucro. Como alguns fabricantes desejam sobretudo a diminuição dos preços das matérias-primas, surgem lutas encarniçadas entre os capitalistas que as compram e os capitalistas que as vendem.

Muitos capitalistas, entre os mais ricos, tentam abrir ou adquirir empresas que produzem as matérias-primas de que necessitam, para assim evitarem os caprichos dos vendedores de matérias- primas (e combustíveis). Os proprietários de fábricas de maquinaria procuram adquirir minas de ferro, hulheiras, etc.

Uma luta semelhante se desenrola na sociedade moderna entre os estados; cada um tenta conquistar para os seus capitalistas os ricos mercados de matérias-primas dos países atrasados da Ásia, África e América.

Finalmente, a utilização mais ou menos completa das matérias-primas desempenha um papel muito importante na luta pela diminuição dos preços destas matérias. O trabalho produz sempre desperdícios. Quanto menos desperdício houver, menor será o custo da mercadoria.

Neste campo o resultado depende, em grande parte, dos progressos científicos e tecnológicos; quanto mais preciso for o funcionamento de uma máquina que trabalha matérias-primas, mais se aproveita destas matérias.

Marx, citando um economista francês (O Capital, livro III, 1.a parte, t. IX, p. 174), relata que a substituição das velhas mós dum moinho por outras novas permitiu obter com a mesma quantidade de trigo um sexto mais de farinha.

Também se pode diminuir sensivelmente o custo de produção utilizando os desperdícios. A sucata volta a fundir-se; os desperdícios da agricultura, detritos e esterco servem para melhorar o solo (e às vezes servem de combustíveis), os restos dos talhos e das fábricas de conservas são utilizados no fabrico de adubos e sabões, etc.

Os progressos da ciência moderna, da química, especialmente, abrem continuamente novas possibilidades de utilização dos desperdícios e oferecem novas matérias-primas baratas, que assim obtidas vão servir para o fabrico de outros produtos necessários. Mencionemos a utilização do nitrogénio atmosférico no fabrico de adubos (e de outros produtos nitrogenados); recordemos também o fabrico de várias substâncias orgânicas complexas através de procedimentos sintéticos.

2. As despesas de combustível e o consumo de energia em geral ocupam o segundo lugar nas despesas de produção logo a seguir às despesas em matérias-primas e matérias auxiliares (não nos deteremos sobre estas últimas).

A invenção de novos motores e a utilização de novas fontes de energia contam-se, juntamente com o desenvolvimento dos combustíveis, entre os maiores méritos da técnica do século XIX. A substituição da força motriz animal pela máquina a vapor, pela turbina, pelo motor eléctrico e pelo de combustão interna; a substituição do carvão de madeira pela hulha e petróleo, a utilização, enfim, das quedas de água, todas estas alterações diminuíram a despesa de combustíveis, que no entanto continua a ser uma das mais importantes da produção.

3. A força de trabalho ou mão-de-obra é um elemento do qual nenhuma indústria pode prescindir. Quanto menor for a composição orgânica do capital da empresa, mais baixa é a relação do capital constante com o variável, e maior a percentagem da força de trabalho nas despesas ou custos de produção.

A diminuição do preço desta força é, naturalmente, uma das principais preocupações do capitalista.

Já sabemos como actua para atingir este objectivo. Aumenta a intensidade do trabalho, diminui o salário, aumenta o rendimento do trabalho com a introdução de novas máquinas.

Todas estas despesas — matérias-primas, combustíveis e força de trabalho — constituem o principal dos gastos de produção e são chamados gastos de produção propriamente ditos.

Há também que mencionar a amortização e as despesas gerais, que têm grande importância, apesar de absorverem apenas uma parte sensivelmente mais pequena que os gastos de produção.

4. Detenhamo-nos um pouco na amortização.

A amortização não é mais que a transferência do preço das máquinas e dos edifícios para o preço da mercadoria.

Já dissemos, quando falámos da mais-valia, que o valor do capital constante se incorpora parcialmente no valor da mercadoria. O cálculo exacto da amortização, isto é, a parte do desgaste das máquinas e dos edifícios que entra em cada unidade de mercadoria, é por vezes bastante difícil. Se, por exemplo, se endireita uma peça num torno mecânico, como saber em que medida se gastou o torno neste trabalho? Como conhecer antecipadamente a duração de trabalho que o torno me dará no total e os gastos de reparação que serão necessários?

Cálculos aproximados baseados na experiência anterior são possíveis e, ainda mais, necessários. O capitalista deve reservar parte do capital fixo recuperado pela venda das mercadorias com o fim de constituir o que se chama o fundo de amortização, que lhe permitirá mais tarde reconstituir o capital fixo. Se se engana nos seus cálculos, pode ser que as consequências deste erro não apareçam enquanto as máquinas e os edifícios continuarem a funcionar. A catástrofe produzir-se-á quando for necessário substituir as máquinas antigas e os fundos de amortização não sejam suficientes para comprar máquinas novas(2).

Como pode o capitalista assegurar a diminuição dos gastos de amortização por cada unidade de mercadoria (quer dizer, por cada metro de tecido, por cada quilograma de açúcar, etc.)? O desenvolvimento da técnica e o aumento de rendimento de trabalho, que já referimos, cumprem aqui um papel muito importante.

A concentração da produção ou das grandes empresas contribui para isso, como veremos mais adiante. A racionalização da produção - de que falámos ao tratar o sistema de Taylor — tem certa importância: diminuição da inactividade das máquinas, eliminação da sua paragem parcial, etc. O capitalista ao diminuir as suas despesas de amortização - e as demais despesas — não pensa nos interesses dos operários; ao procurar as máquinas mais baratas, piora as condições de trabalho do operário (descuidando, por exemplo, as disposições sobre a segurança no trabalho, etc.).

Notemos que o desenvolvimento da técnica e da composição orgânica do capital deu aos gastos de amortização(3) um lugar crescente nos custos de produção e que as economias realizadas pelo capitalista neste campo adquirem uma importância cada vez maior.

5. As restantes despesas do capitalista que não entram directamente na produção da mercadoria chamam-se despesas gerais.

A manutenção do pessoal administrativo e da administração em geral, dos empregados e dos agentes (especialmente dos encarregados da compra de matérias-primas), do pessoal auxiliar, paquetes e guardas, os impostos, as contribuições, as despesas de seguro, a manutenção de escolas e de enfermarias entram nestas despesas.

Serão necessárias estas despesas gerais? Poderá o capitalista eliminá-las totalmente? Não, não pode renunciar a manter um administrador; arriscaria muito se não fizesse seguro; o Estado obriga-o ao pagamento de impostos e contribuições.

No entanto, é evidente que todo o capitalista tenta reduzir ao mínimo estas despesas.

A organização científica do trabalho e o sistema de Taylor não lhe permitem apenas aumentar a intensidade e o rendimento do trabalho dos seus operários. Permitem-lhe também organizar o trabalho da empresa e dos operários de maneira que diminuam sensivelmente as despesas gerais. Assim, o trabalho à peça diminui as despesas de vigilância da mão-de-obra; as falsas vantagens do sistema de Taylor obrigam os operários a preocuparem-se com a conservação dos bens do capitalista e a esforçar-se o máximo. Finalmente, a organização científica do trabalho, ao pôr à disposição do capitalista métodos científicos de facturação e contabilidade, diminui as despesas de administração(4).

Esta é a importância geral de certos gastos no preço da mercadoria acabada. O pormenor destes diferentes gastos constitui precisamente o cálculo que permite ao capitalista tomar medidas para a diminuição de certas categorias de gastos, com o fim de resistir à concorrência e não sucumbir numa luta desigual.

O cálculo não lhe pode dar vantagem. O inventário da sua economia pessoal não lhe permite remediar a desorganização, a inexistência de um inventário geral de toda a economia capitalista. Qualquer que seja a precisão com que o capitalista calcule o custo da produção de uma mercadoria, não pode saber quantas mercadorias suas concorrentes serão lançadas no mercado e a que preço. O capitalista só faz cálculos para utilizar mais racionalmente o seu capital e obter o máximo lucro. Mas outros capitalistas fazem o mesmo esforço. A luta continua e a anarquia da sociedade capitalista continua a existir.


Notas de rodapé:

(1) I. G. Borissov, Os Preços e a Política Comercial. Moscovo, 1925. Edições do Comissariado das Finanças. Para simplificação, arredondámos estas percentagens. (retornar ao texto)

(2) É um erro acreditar que o capitalista deve possuir sempre os seus fundos de amortização em dinheiro efectivo. Veremos, ao tratar do crédito, que o capitalista pode utilizar temporariamente estes fundos, enquanto o antigo capital fixo não está totalmente consumido. (retornar ao texto)

(3) Numerosos autores colocam a amortização nos gastos gerais. (retornar ao texto)

(4) A proporção dos operários ocupados na produção, em relação com o total de operários e empregados nas empresas capitalistas, diminui à medida que se vão desenvolvendo o capitalismo e a técnica. (Ver em O Monitor da Academia Socialista, XX, 3° fascículo, Moscovo, 1923. O. ERMANSKY, «Os objectivos da organização científica do trabalho.») Este facto não nos contradiz, porque temos em vista a diminuição das despesas gerais a um nível determinado e invariável da técnica.
A concentração da produção desempenha um papel decisivo na diminuição dos gastos de produção e tem também grande importância na diminuição dos gastos gerais. Quanto maior é a fábrica, menor é a parte das despesas de vigilância, aquecimento, etc., que entram em cada unidade de mercadoria.
Quanto aos impostos, o capitalista tenta por todos os meios subtrair-se-lhes. Há os que dissimulam por todos os meios lícitos e ilícitos os seus rendimentos e tentam obter uma estimativa tão modesta quanto possível dos seus bens. Mas como o Estado capitalista, que só defende os interesses da burguesia, precisa de dinheiro, os políticos burgueses tentam transpor as cargas fiscais para as massas trabalhadoras. O capitalista obtém, portanto, uma diminuição das despesas gerais.
As despesas na manutenção de escolas, enfermarias, etc., constituem apenas uma parte insignificante das despesas do capitalista. Estas despesas são recuperadas pelo capitalista multiplicadas por cem. Estas obras satisfazem o operário e aumentam.
No entanto, o capitalista nem sempre faz estas obras de livre vontade. O operário obriga-o pela sua acção sindical, com a luta económica (greve, etc.) ou política (legislação do trabalho).
Outras despesas gerais são originadas não pela produção das mercadorias, mas pela necessidade de as vender: manutenção de um aparato comercial, publicidade, etc. Não são despesas de produção e, como não tratamos actualmente de comércio, deixamos este ponto de lado. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018
Última alteração 16/08/2018