Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro primeiro: O Valor Regulador do Regime de Produção de Mercadorias
Capítulo I - O trabalho, base do valor
7. Trabalho individual e trabalho socialmente necessário


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Portanto, determina-se o valor de uma mercadoria pelo trabalho abstracto. Mas se comparamos as diferentes formas de trabalho, pondo de lado as particularidades concretas, precisamos de uma unidade de medida que nos permita avaliar a quantidade de trabalho empregado na produção de uma determinada mercadoria. Esta unidade de medida é-nos fornecida pelo tempo.

O produto de doze horas de trabalho do sapateiro tem o mesmo valor que o produto de doze horas de trabalho do padeiro.

Segundo parece, quanto mais tempo é necessário para produzir uma mercadoria, mais valor adquire. Porém esta conclusão pode parecer extraordinária.

Se de facto se admite que o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo dedicado à sua produção, resulta então que quanto mais preguiçoso e desajeitado é um operário, mais tempo leva a produzir a (tal) mercadoria e mais valor cria.

Vejamos o que vale este argumento. Uma tecedeira confecciona um par de meias em seis horas, enquanto outra confecciona o mesmo par em quatro horas, e uma terceira em duas horas. Depende, por um lado, da máquina e dos materiais da trabalhadora e, por outro lado, da sua habilidade e da intensidade do seu trabalho.

Com as meias prontas, as tecedeiras vão vendê-las no mercado. Calculando a hora de trabalho a 4$, conseguirá uma tecedeira vender as suas meias por 24$, enquanto a outra as venderá por 16$ e a terceira por 8$? Pode ser que a primeira tente obter pelas suas meias um preço correspondente ao gasto de tempo, ou seja, 24$. Mas se o conseguir, as outras que produzem mais barato não deixariam de pedir um preço tão vantajoso. Então a maior parte das tecedeiras venderiam as suas mercadorias por valor superior ao valor intrínseco. A produção de meias aumentaria, o equilíbrio perdia-se e o preço das meias acabaria por cair. Em consequência disto, é evidente que, nas condições de equilíbrio social, a procura corresponde à oferta (e só neste caso é que a nossa hipótese da venda das meias pelo seu valor intrínseco é correcta), e o valor de um par de meias no mercado tem de se estabelecer abaixo de 24$. Quererá isto dizer que as meias vão ser vendidas pelo preço correspondente ao menor gasto de trabalho, quer dizer, duas horas (8$)? Não, porque a procura corresponde à oferta, e não é possível satisfazer o mercado com as meias produzidas em duas horas. O preço das meias será então superior a 8$. Portanto, o valor das meias não se estabelecerá nem pelo trabalho da melhor tecedeira nem pelo trabalho da pior. Dum modo geral, o valor da mercadoria não pode determinar-se pelo trabalho individual, ou pelo de certas empresas, mas sim pelo trabalho médio, sob o ponto de vista da sociedade em geral, necessário à produção de meias, trabalho médio socialmente necessário.

Este trabalho socialmente necessário para a produção das meias depende da quantidade das tecedeiras existentes na sociedade, do rendimento do seu trabalho e da quantidade de mercadorias que lançam no mercado.

Admitamos que actualmente há cento e dez tecedeiras que vendem meias. Vinte delas vendem vinte pares cada uma, gastando duas horas para produzir um par. Trinta vendem dez pares, nos quais gastaram quatro horas por par. As outras sessenta vendem cinco pares cada uma, aos quais dedicaram seis horas de trabalho por par.

Como é que se determina, neste caso, o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de um par de meias? Para que todas as meias se vendam devemos supor que a sociedade está em equilíbrio, ou seja, a oferta corresponde à procura:

20 tecedeiras oferecem 20 pares de meias, num total de 400 pares
30 tecedeiras oferecem 10 pares de meias, num total de 300 pares
60 tecedeiras oferecem 5 pares de meias, num total de 300 pares
Total 1.000 pares

Há mil pares de meias no mercado. Descontemos o tempo de trabalho que a sua produção custou ao conjunto das tecedeiras:

400 pares a 2 horas o par, isto é: 800 horas
300 pares a 4 horas o par, isto é: 1.200 horas
300 pares a 6 horas o par, isto é: 1.800 horas
Total 3.800 horas

Portanto, a produção dos mil pares de meias necessárias à sociedade exigiu três mil e oitocentas horas de trabalho, o que dá, como termo médio, por cada par 3.800 : 1.000 = 3,8 horas. Este tempo 3,8 horas (ou 3 horas e 48 minutos), será o tempo socialmente necessário para produzir um par de meias, e o valor de um par de meias será 7$60 escudos, se se paga 2$ por hora, e 15$20, se, como supusemos anteriormente, cada hora de trabalho for paga a 4$.

Determinar o tempo de trabalho socialmente necessário pelo termo médio aritmético entre o trabalho individual da empresa que tem o maior rendimento e o da empresa que tem o rendimento menor seria um erro: se tivéssemos somado seis horas e duas horas e depois dividíssemos por dois, o termo médio dava-nos quatro horas. O valor social de um par de meias determina-se pela média dos valores individuais (de gastos individuais de trabalho) de todos aqueles que produzem meias na sociedade. Se as meias produzidas em seis horas fossem duas vezes mais numerosas, o tempo de trabalho socialmente necessário teria sido maior. Neste caso é fácil fazer o cálculo: tínhamos no mercado mil e trezentos pares de meias produzidas em cinco mil e seiscentas horas, e o trabalho socialmente necessário à produção de um par tinha sido 5.600 : 1.300, isto é, 4,3 horas.

Portanto, o trabalho socialmente necessário determina-se pela técnica média na sociedade, pelos costumes médios e qualidades do trabalhador, e também pelas condições médias de trabalho(1).

Mas a técnica na sociedade, os hábitos do trabalhador e as condições do trabalho não são normas fixas, invariáveis, determinadas de uma vez por todas. A técnica, já o sabemos, evolui, e as condições de trabalho do trabalhador, os seus conhecimentos profissionais, o seu grau de cultura, modificam-se. O tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria modifica-se com estes factores.

A introdução de uma máquina nova e o aumento do rendimento do trabalho que provoca só pode influir no tempo de trabalho socialmente necessário se esta inovação é mais ou menos divulgada. Se um produtor de mercadorias, seja uma tecedeira, introduz na produção uma máquina nova que aumenta o rendimento do trabalho e diminui outro tanto o trabalho individual necessário à produção de uma unidade de mercadoria, ou se a tecedeira que utiliza a nova máquina faz um par de meias numa hora, enquanto for a única a trabalhar com a nova máquina, o tempo de trabalho socialmente necessário quase não sofrerá alteração, pois só produzirá uma pequena quantidade de meias em comparação com o conjunto da produção desta indústria, e o tempo que economiza acaba por se perder na massa do tempo das demais tecedeiras.

Como o seu tempo individual é inferior ao tempo de trabalho socialmente necessário pelo qual venderá as meias, é evidente que a introdução da nova máquina lhe trará grande vantagem. Toda a diferença entre o tempo de trabalho socialmente necessário e o tempo de trabalho individual irá para o seu bolso. Esta é uma das razões por que em toda a economia de troca (a economia capitalista, inclusive) os proprietários individuais tentam introduzir na produção novas máquinas e manter em segredo os progressos técnicos, para que o seu emprego não se generalize(2).

Quando a nova máquina é utilizada por um número bastante grande de produtores de mercadorias, o rendimento do trabalho social ressente-se; o valor individual da mercadoria não é o único a baixar,

o tempo socialmente necessário diminui também e o preço cai em consequência da baixa do valor.

Compreende-se que qualquer produtor de mercadorias tente introduzir novas técnicas. Durante algum tempo retirará disso algum lucro até ao momento em que o emprego destes progressos se generalize; então o produtor de mercadorias procurará outros progressos, que também se generalizarão, e a mesma história voltará a começar.

Na economia mercantil simples este desenvolvimento da técnica não é possível, já que qualquer inovação exige gastos consideráveis, e o artesão (ou o camponês) não dispõe dos recursos naturais. Só depois da passagem ao modo de produção capitalista é que o aumento de rendimento do trabalho pode desenvolver-se e trazer a baixa dos preços.

No século XVIII a fabricação do aço a partir do mineral de ferro(3) com o processo do fogão demorava três semanas. A introdução de um processo novo em fins do século XVIII diminui este tempo para metade e, finalmente, o processo Bessemer empregado a partir da metade do século XIX necessita de quinze a vinte minutos para transformar o mineral em aço.

A produção do alumínio oferece-nos um exemplo ainda mais surpreendente. Como a sua extracção era muito difícil, o alumínio custou muito mais caro até meados do século XIX.

Custava oito a dez vezes mais caro que a prata. Actualmente é um dos metais mais correntes e mais baratos. A electricidade, ao permitir extraí-la, em grandes quantidades, da argila onde se encontra, facilitou muito a sua produção.

É fácil compreender que se o segredo do processo eléctrico na extracção do alumínio pertencesse a um capitalista, cuja produção representasse uma pequena parte da produção total de alumínio, o tempo socialmente necessário para esta indústria quase não variaria e o preço do metal não teria diminuído tanto.

Este exemplo demonstra bem a impossibilidade de explicar o preço pelo mecanismo da oferta e da procura. Se o consumo do alumínio aumentou oito mil vezes nos últimos trinta anos, a causa da diminuição do preço deste metal não se encontrará nas relações entre a oferta e a procura. Pelo contrário, o aumento da procura é o resultado da diminuição do preço, cuja causa primeira é a baixa de valor (diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário à produção).Chama-se mineral ao ferro que contém certa quantidade de carbono que é necessário destruir para que o mineral se transforme em aço. No fogão, o mineral em fusão decantava-se várias vezes pelo contacto com o oxigénio do ar, até que a quantidade de carbono descia ao ponto desejado. Na oxigenação, o mineral é desfeito num forno especial, o carbono queima-se na superfície da massa incandescente. No forno de Bessemer, o mineral incandescente entra em contacto com o ar não apenas na superfície, mas em toda a massa, atravessada por correntes de ar. O processo de combustão do carbono acelera-se e realiza uma economia de combustível.


Notas de rodapé:

(1) A palavra «média» deve entender-se no sentido em que a empregámos até agora, quer dizer, considerando a quantidade de mercadorias lançadas no mercado, em condições de equilíbrio, por empresas que dispõem de diferentes técnicas. (retornar ao texto)

(2) O melhor conhecimento das empresas que possuem a técnica mais evoluída aplica-se de novo, pelo facto de o produtor das mercadorias gastando menos trabalho que os seus competidores poder vender os produtos mais baratos e triunfar na competição, ao mesmo tempo que consegue maiores lucros. Mais adiante voltaremos a mencionar os progressos técnicos. (retornar ao texto)

(3) Chama-se mineral ao ferro que contém certa quantidade de carbono que é necessário destruir para que o mineral se transforme em aço. No fogão, o mineral em fusão decantava-se várias vezes pelo contacto com o oxigénio do ar, até que a quantidade de carbono descia ao ponto desejado. Na oxigenação, o mineral é desfeito num forno especial, o carbono queima-se na superfície da massa incandescente. No forno de Bessemer, o mineral incandescente entra em contacto com o ar não apenas na superfície, mas em toda a massa, atravessada por correntes de ar. O processo de combustão do carbono acelera-se e realiza uma economia de combustível. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018