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Primeira Edição: DOPPELTE ENTWERTUNG in www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland, 05.03.2012.
Fonte: http://obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Qual é a causa mais profunda das crises económicas? Diz-se frequentemente que o valor produzido não pode ser realizado por falta de poder de compra. Mas por que há tão pouco poder de compra? Porque, na realidade, se produz muito pouco valor e, por isso, os salários e lucros regulares são demasiado reduzidos. E por que se produz tão pouco valor? Porque a concorrência no mercado mundial, através do desenvolvimento tecnológico e dos programas de redução de custos da economia empresarial, tornou supérflua demasiada força de trabalho. Mas é justamente a força de trabalho, como parte integrante do capital, a única que produz novo valor. Nessa medida, a dispensa de força de trabalho não é apenas um problema para as pessoas afectadas, mas é também um problema para o sistema capitalista.
A crise começa, portanto, com a desvalorização do trabalho. Mas se, com cada vez menos força de trabalho, se produzem cada vez mais mercadorias, também o valor destas diminui. E como há menos valor para ser distribuído na concorrência surgem capacidades excedentárias de produção. Então também as mercadorias são desvalorizadas. Cada vez mais empresas vão à falência ou têm de fechar fábricas, cujo capital real (meios de produção) também sucumbe à desvalorização. Não havendo novos produtos que voltem a mobilizar massas de força de trabalho, a crise escala numa espiral de desvalorização.
Na verdade hoje estamos confrontados com tal processo de desvalorização em todo o mundo. Mas a crise tem vindo a acumular-se. Bolhas de endividamentos e financiamentos pareciam poder produzir novo valor infinitamente, mesmo sem a utilização de força de trabalho. Desde que o capital monetário, em grande parte "sem emprego", começou a desvalorizar em crashes financeiros e crises de dívida, os bancos centrais vieram tapar o buraco. Por todo o mundo eles injectam no sistema bancário dinheiro criado do nada por prazos cada vez mais longos. O BCE aumentou o prazo dos empréstimos de um máximo de três meses primeiro para um ano e depois para três anos e com este termo alargado distribuiu pelos bancos mais de um bilião de euros em duas tranches num trimestre. A maior parte deste dinheiro está a esconder a desvalorização da massa de créditos malparados, a manter à tona de água os balanços dos bancos e das grandes empresas em dificuldades e a fazer subir a cotação das acções. Com isto foi criado um potencial enorme de inflação que por enquanto permanece na superstrutura financeira.
Por outro lado, o nível de contenção da desvalorização das dívidas e valores mobiliários por si só não é suficiente para adiar mais a depreciação da componente real do capital. Na UE o desemprego atingiu o nível mais alto do pós-guerra. A economia dos Estados endividados arruína-se e ameaça arrastar consigo a conjuntura económica mundial. Falências de grande porte como a da rede de drogarias Schlecker anunciam um novo surto na depreciação do capital real. A indústria automóvel francesa está toda no fio da navalha, na Alemanha a Opel já está outra vez com falta de ar.
Mas logo que a inundação de dinheiro dos bancos centrais para lá do resgate dos balanços se transforme em procura real, será despertado o potencial de inflação. Como a crise tem vindo a desenvolver-se há tanto tempo, poderá até ocorrer, pela primeira vez na história do capitalismo, uma desvalorização simultânea do meio dinheiro em si e de grande parte do capital (mercadorias, meios de produção, força de trabalho). Esta desvalorização dupla significaria a apresentação à falência histórica do “modo de produção baseado no valor" (Marx) como um todo, por já não conseguir servir de suporte a qualquer reprodução social.