MIA> Biblioteca> Robert Kurz > Novidades
Primeira Edição: STAATSHILFE UND MARKTLOGIK in www.exit-online.org. Publicado na edição impressa de Freitag, 03.06.2010
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
No meio do turbilhão da crise financeira e económica global, a comunidade dos crentes na economia de mercado mudou de cavalos. O Estado, durante muito tempo desqualificado como o mal burocrático, em toda a parte foi chamado a puxar a carroça do capital para terreno seguro, com gigantescos pacotes financeiros. Por um lado, o radicalismo de mercado amansado reconhece, assim, que o Estado sempre foi parte integrante do sistema social e não um mero factor de perturbação externa. Por outro lado, mostra-se, por isso mesmo, que o Estado não pode ser um salvador soberano, estando ele próprio, pelo contrário, refém das contradições internas da gloriosa economia de mercado. Os programas públicos, com dimensões de economia de guerra, apenas adiaram e transferiram o problema da falta de valorização real do capital. Enquanto a economia transnacional das bolhas financeiras durou duas décadas até ao crash, as finanças públicas nacionais ao fim de um ano já esbarram nos seus limites.
De acordo com os próprios padrões da ciência económica, a crise só pode ser dominada depois de ocorrer uma completa limpeza do mercado. Por outras palavras: Para reduzir o excesso de capacidades e para, em seguida, se poder supostamente recomeçar de novo, nem as grandes empresas podem ser poupadas. No sector financeiro, a falência do Lehman Brothers não foi considerada como limpeza do mercado, mas sim como máximo acidente previsível e como despoletador da crise. Consequentemente, quer os outros grandes bancos, quer as grandes empresas industriais têm sido mantidos à tona de água através de injecções de fundos públicos. Casos exemplares são a General Motors nos E.U.A. e a sua subsidiária Opel na Alemanha. Depois de muita disputa sobre os auxílios estatais, a Opel ficou na GM, mas o problema não está resolvido. A tímida Primavera económica vive quase exclusivamente dos programas de apoio público, especialmente no sector automóvel. Se agora volta novamente à discussão um auxílio estatal à subsidiária da GM parece que há pouca confiança nas forças autónomas do mercado.
A Opel é um caso exemplar do tratamento da contradição em desespero. Federação e Estados federados têm de incorrer na distorção da concorrência segundo os critérios do mercado, designadamente apoiando o construtor automóvel que continua sem se aguentar nas próprias pernas. Distorção tanto relativamente aos concorrentes estrangeiros como relativamente aos outros fabricantes de automóveis alemães e suas filiais europeias. O facto de pouco se ter ouvido falar sobre isso tem uma razão muito simples. Quando as vendas caírem na Europa, após o termo dos programas de estímulo económico, todos os fabricantes de automóveis, nos seus países, irão ao tapete e apontarão os casos da Opel e da GM. O que seria admitir que a ajuda à pretensa retoma fracassou e que é necessário um patrocínio a longo prazo do Estado aos principais sectores industriais.
O adiado não está superado. Como nada se alterou no problema subjacente à conjuntura económica baseada no deficit com a sua transferência para o Estado, continua pendente a limpeza do mercado, tal como antes. Pretender continuar a impedir esta consequência vai dar na quadratura do círculo, no que diz respeito às já sobrecarregadas finanças públicas. Aqui inverteu-se a tão alardeada disputa na política monetária e económica entre os E.U.A. e a União Europeia. O ex-líder do radicalismo de mercado subsidia despudoradamente o seu candidato à queda e aparentemente está disposto a comprar um surto inflacionista em perspectiva, talvez confiando que não há alternativa ao dólar como moeda mundial. Inversamente, a crença europeia no Estado, por uns tempos novamente em alta, sofre o seu Waterloo, porque o constructo contraditório da União Monetária torna evidente a crise das finanças públicas em primeiro lugar nesta zona. Por isso se tornou impossível uma fuga em frente recorrendo ao keynesianismo de crise, como nos E.U.A. É verdade que também aí chegará ao fim a alimentação continuada da conjuntura económica pelas finanças públicas, mas a saída de emergência na Europa já presentemente segue em sentido contrário.
A prescrição de drásticos programas de austeridade nos países da Zona Euro, também em preparação na Alemanha, está naturalmente em crassa contradição com novos pacotes de resgate. Os governos estão perante um dilema. Ou salvam todos ou nenhum. Porque se há-de subsidiar precisamente a Opel, se em toda a parte está na ordem do dia a eliminação dos subsídios? Mais ainda: são as próprias medidas de austeridade no sector público, bem como eventuais aumentos de impostos (ou ambos), que em toda a Zona Euro ameaçam sufocar ainda mais rapidamente a fraca conjuntura económica, desde 2008 alimentada pelo Estado. Mas isso irá afectar novamente sobretudo a indústria automóvel, e não em último lugar as exportações alemãs para a União Europeia. É impossível salvar a Opel com uma autorização especial entregando-a ao mesmo tempo à próxima recessão económica. O olhar vesgo às sondagens eleitorais não consegue contrabalançar a lógica da crise. A famosa limpeza do mercado irá impor-se, mesmo que já não se queira nada com dela, precisamente porque não se vislumbra qualquer retoma auto-sustentada. O capitalismo não funciona sem Estado, mas só com o Estado também não vai lá.