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Poder-se-ia agora colocar a questão, como já foi insinuado, de saber se a crítica radical do valor e da dissociação em geral precisa de uma teoria da história; se ela não deveria abdicar completamente de ocupar-se das relações pré-modernas. De facto, Wallner diz ao posfácio do seu artigo "Como prosseguir com As Gentes da História", em tom de censura, "…que nós privamos o passado da sua substância antiga: não o deixamos repousar como ruína, mas ainda trazemos a sua antiga vida para a morte, para então a relacionar legitimatoriamente connosco, como invólucro morto da existência histórica" (ob. cit. p. 3). Porém, não está claro se isto será simplesmente uma censura dirigida ao conceito apressadamente rejeitado de "história de relações de fetiche", ou se será também uma auto-censura implícita, pois, como já foi dito, Wallner não faz aquela abdicação, tal como não a fazem outros autores (Jörg Ulrich e Petra Haarmann) com a mesma tendência teórica; nos poucos textos de Wallner e destes com reflexões históricas, ou sobre a teoria da história, pululam tantas referências às sociedades pré-modernas, que assumem um espaço quase desproporcionado, como se eles se sentissem mais em casa aí do que no presente sacudido pela crise. Ora, como Wallner não faz nenhuma referência teórica sistemática à reflexão abrangente sobre o dito problema do carácter aporético de qualquer conceptualidade de teoria da história e/ou em geral de relações pré-modernas, assim deixa ele também indefinida a questão do abdicar ou não abdicar de ocupar-se com estas relações, para sugerir aos/às leitores/as, tal como a si mesmo, que isto seria um problema de legitimação apenas do conceito de "história de relações de fetiche" e não também do seu.
Como fica agora a justificação da necessidade de uma nova teoria da história, de certo modo e em todo o caso também relacionada de maneira nova com as formações pré-modernas, no contexto da nossa crítica das relações de valor-dissociação hoje em crise, e sempre sem esquecer aquela aporia insolúvel? Esta justificação deixa-se fazer sob dois pontos de vista. Por um lado, é precisa uma penetração teórica do moderno sistema produtor de mercadorias/patriarcado e do seu desenvolvimento numa dimensão histórica profunda, que vá atrás das relações modernas. Pois a modernidade não surgiu de um ponto zero, como uma espécie de creatio ex nihilo, mas ela própria tem raízes em sociedades agrárias pré-modernas, tem no desenvolvimento interno destas certas pré-condições, nasceu a partir de um processo de transformação. Para um entendimento teórico-crítico da modernidade é necessário também um certo conceito, ainda que necessariamente insuficiente, pelo menos daquelas relações pré-modernas, a partir das quais os começos da sociedade do valor-dissociação se desenvolveram, ou seja, às quais esta de algum modo remonta (Antiguidade europeia e Idade Média europeia). O conceito de uma coisa assenta sempre na distinção com outras coisas (critério da diferenciação) e nunca pode ser desenvolvido apenas a partir da mesma coisa; tal como — para tentar grandes analogias — a vida biológica não se pode explicar sem a matéria física, nem o cão sem o lobo, nem a industrialização sem a manufactura. Aqui se mostra de novo, de resto, a forçosa necessidade de uma unidade dialéctica de continuidade e ruptura/descontinuidade, em todas as relações temporais.
Por outro lado, porém, não se trata apenas da simples transformação de determinadas sociedades pré-modernas (europeias) na sociedade moderna. Mais que isso, a modernidade construiu pela primeira vez uma sociedade mundial, culminando na hodierna globalização de crise. Esta sociedade mundial revela-se como uma sociedade negativa, desenvolvida a partir da e na socialização negativa do patriarcado produtor de mercadorias. Por isso não pode ser entendida positivamente, no sentido da metafísica do progresso da filosofia da história clássica (de que faz parte também ainda a noção de Marx de uma suposta "missão civilizatória" do capital), mas apenas como salto quântico, no interior de uma história negativa de sofrimento (ver sobre isto o texto "Ontologia Negativa", in Blutige Vernunft, Bad Honnef 2004, p. 82-84) [Versão portuguesa Ontologia Negativa, subtítulo "Ontologia negativa como teoria da história negativa"].
Porém, "sociedade mundial" significou também de certa maneira "história mundial", ou "história universal", porque a humanidade tornada planetária teve de afirmar a sua conexão global constituída negativamente, não só na dimensão espacial, mas também na dimensão temporal. A sociedade mundial é o resultado de um processo global, ainda que em si quebrado, descontínuo, e que apenas naquele resultado em si contingente se mostra global (o continuum é ele próprio contingente, produzido, não segue nenhuma lei da natureza); um processo global, portanto, que não representa nenhum "desenvolvimento mais elevado" positivo, mas que, não obstante, conduziu a este limiar. A crítica por exemplo ao "eurocentrismo" constitui um momento desta sociedade mundial ou história mundial construída e também tem de ser reformulada do ponto de vista da teoria da história.
O capitalismo, o moderno patriarcado produtor de mercadorias, não pode integrar esta efectiva socialização planetária, por ele negativamente construída de cima abaixo, na conexão da sua forma, nem mantê-la aí, mas também não pode haver nenhuma libertação da moderna relação de fetiche para trás da sociedade mundial, nem para trás da história mundial. A história não foi sempre história mundial, mas assim se tornou; e precisamente num processo contingente, não teleológico. Trata-se de assumir esta contingência, mas sem negar o resultado, a partir do qual, apenas, as sociedades pré-modernas se tornaram agora em momento de um processo global. O passado não é simplesmente ruína acabada e mais nada, mas já é sempre parte vivente deste processo global inacabado, em que não só o passado co-determina o futuro, mas também o futuro co-determina o passado.
Portanto, também não há que enganar o momento da história universal, ele tem que ser igualmente transformado, tal como a reprodução da sociedade mundial, e com isso a aporia da sua conceptualidade, tal como a negatividade da sua constituição, têm que ser assumidas em si auto-reflexivamente. Quando nós, como "gente da história", já falamos sempre "de nós", fazemos isso precisamente como "gente" condicionada pela sociedade mundial e pela história mundial. Não sabemos para trás, acerca da particularidade espacial e temporal do passado, tal como não sabemos para trás acerca da reprodução material agrária; daí que a teoria crítica do valor e da dissociação sempre tenha criticado acerbamente qualquer romantismo agrário e qualquer modelo de pensamento reaccionário aparentado. Por outras palavras: a crítica radical da socialização do valor e da dissociação sexual não pode deixar de ter uma teoria da história, precisamente se e porque não quer incluir-se na filosofia da história burguesa, nem no seu conceito de continuidade lógico-identitário, teleológico e apologético.