MIA > Biblioteca > Robert Kurz > Novidades
Neste ponto entra uma contra-argumentação que já julga desacreditar toda a colocação da questão. No seu artigo "As gentes da história" (Exit 3) Gerold Wallner (antecipe-se resumidamente) criticou e rejeitou o conceito de "história de relações de fetiche", antes que este tivesse podido ser elaborado com mais detalhe e confrontado com o clássico materialismo da história. Veículo para esta tentativa de desaproveitamento é em primeiro lugar uma discussão sobre o conceito de história enquanto tal, em que Wallner assume por si a pretensão de "examinar se o instrumentário que foi apresentado na senda do desenvolvimento da crítica do valor, do fetiche e da dissociação também serve para uma perspectiva da história" (Exit 3, p. 22).
Aqui já há uma imprecisão conceptual, a que se regressará mais tarde, pois a relação de valor e de dissociação foi desde o princípio definida na nossa elaboração teórica como a relação de fetiche historicamente específica da modernidade, enquanto só o conceito de "relação de fetiche em geral" surgia como aplicável a uma perspectiva da história. Wallner troca aqui dois diferentes planos de abstracção, na medida em que pelo menos reduz ao mesmo denominador o conceito de relação de dissociação (que por definição pertence apenas à modernidade) e o conceito de fetiche (susceptível de reformular a teoria da história). Com isto ele, de certa maneira, desde logo antecipou implicitamente de modo inadmissível o resultado do seu exame. Pois esta mistura de diferentes planos de abstracção possibilita-lhe subsumir o conceito de fetiche como expulso, mais sugestiva que teoricamente, da constituição historicamente específica da modernidade, e a tentativa de torná-lo utilizável para uma perspectiva da história, em última instância juntá-lo à metafísica da história no seguimento de Hegel e do "materialismo histórico", sem ter que reflectir também sobre a diferença do conceito de "história de relações de fetiche" relativamente a essa metafísica da história moderna-clássica em geral (cf. sobre isto a argumentação no ensaio "Ontologia Negativa", in Blutige Vernunft, Bad Honnef 2004, p.76-79) [Versão portuguesa Ontologia Negativa, subtítulo "Metafísica da história burguesa do progresso e relativismo histórico burguês"].
Wallner apoia o seu empreendimento principalmente na censura de que o próprio conceito de "história em geral" (na terminologia da filosofia da história moderna-clássica o conceito de "história universal") já representa por si um constructo moderno. A "historicidade" como tal, que não existia nas constituições pré-modernas, seria pressuposta "sem ligar a sua origem a uma forma de pensamento completamente nova. Mesmo o facto da historicidade não foi reconhecido como aquisição do pensamento do iluminismo, mas já apenas ele próprio o objecto dum debate, que se prolonga até hoje, sobre que forma a história do mundo teria assumido, de acordo com que lei…" (Exit 3, p. 21).
Ora o simples "facto da historicidade" não pertence em sentido absoluto só à modernidade, a partir do iluminismo. A temporalidade das relações, como história e não como simples sequência temporal, também já era conhecida de certa maneira nas constituições pré-modernas, ainda que obviamente não com um entendimento moderno. Já a antiguidade tinha os seus "tempos antigos", que se perdiam em origens míticas. Aqui há que ter em conta que as fontes escritas apenas abrangiam então um espaço de tempo relativamente curto, que não possibilitava qualquer igualização, diferenciação e divisão de épocas. O problema consiste, portanto, também no alcance do olhar sobre o passado com escrita, e logo comprovadamente documentado, que se torna maior com o avanço do tempo histórico, não consiste só e em absoluto na evidente especificidade do entendimento da história determinada por cada época. A historicidade das constituições pré-modernas também não era, de modo nenhum, imediatamente "material", em sentido mitológico ou empírico; pelo contrário, continha momentos de generalidade, se bem que em sentido completamente diferente do sentido do iluminismo. Já o mito das idades do ouro, da prata e do ferro, referido em Hesíodo, inclui um conceito geral de decadência histórica, ainda que isso não corresponda exactamente a nenhum conceito universalista de história, segundo o padrão moderno. Também a analogia da teoria da história, entre o processo de crescimento e envelhecimento de cada indivíduo e a ascensão e queda das culturas, surge já na antiguidade, e está ligada a um entendimento cíclico da história, correspondente ao "tempo agrário" cíclico. Já aqui se torna claro que Wallner aspira a uma "absolutização da diferença" e atribui a "historicidade por excelência" apenas à modernidade, em vez de investigar a diferença das "historicidades" das diferentes épocas.
Ora, uma vez que Wallner, relativamente ao "exame da aplicabilidade a uma perspectiva histórica", designa os conceitos de dissociação e de fetiche como "critérios segundo os quais será feita uma retrospectiva" (Exit 3, p. 22), ele mostra ao mesmo tempo "que a nossa retrospectiva, que por outro lado levará a uma divisão de épocas, já por si é devida ao ponto de vista da modernidade, que elaborou o ponto de vista histórico para o seu modo de existência, do qual não estamos livres" (Exit 3, p. 22). Aqui se torna ainda mais claro que o resultado do suposto "exame" já está contido nas premissas. A censura do "ponto de vista da modernidade" como critério deve desacreditar o conceito de "história de relações de fetiche", antes que o "exame" tenha sequer começado. De resto, como se verá ainda com mais precisão, a este conceito não se segue uma "divisão de épocas" segundo o tradicional padrão do iluminismo; essa é uma suposição de Wallner e o seu "exame" que, aliás, já tem como ponto de partida o rejeitar do conceito, trabalha assim com um espantalho por si elaborado. Esta constelação deixa suspeitar que o propósito apriorístico era esvaziar o conceito de "história de relações de fetiche", uma ideia preconcebida a partir de motivações pré-teóricas, e o "exame" era só uma legitimação complementar.
A afirmação de que a nossa "visão da história" ocorre com olhos modernos é tão verdadeira quanto banal. Além disso, este ponto de vista é tão antigo como a própria filosofia da história moderna; ele surgiu logo inicialmente no pensamento do iluminismo e desde o século XIX pertence à existência continuada do pensamento histórico. Sobre isto já se chamou a atenção na teoria crítica do valor-dissociação (Blutige Vernunft, ob. cit., p. 77 sg.). Isto diz respeito também ao conceito de história enquanto tal. A "história do colectivo singular" (Koselleck) existe apenas desde o século XVIII. Koselleck cunhou este conceito há mais de 30 anos e seria de bom-tom para Wallner reafirmar tal referência, em vez de se pôr a discorrer à toa, aparentemente sem pressupostos e "como descobridor". Certo é, em todo o caso: nós encontramo-nos já sempre no contexto do moderno conceito de história (mesmo que seja na sua negação); e não podemos saltar fora do nosso lugar na história, não podemos observar o passado com os olhos dos seres humanos do passado (nem naturalmente com os olhos dos seres humanos do futuro).
Se Gerold Wallner queria destruir a "visão da história" como tal, uma vez que a declara como sendo produto de "formas de pensamento completamente novas" constituídas pela relação de valor-dissociação, então ele teria de elaborar uma nova mediação teórica, e expor o nexo interno entre esta forma de pensamento e a da "visão da história" em geral. Mas não é isso que ele faz. Da simples declaração de tal conexão, porém, segue-se de imediato apenas a completa renúncia ao pensamento histórico, pelo menos a renúncia a ocupar-se com as relações pré-modernas. Mas a isso não renuncia Wallner; bem pelo contrário, esforça-se por fazer reflexões históricas incluindo as sociedades pré-modernas. Portando, quando ele diz que "as gentes da história" narram sempre apenas acerca de si mesmas, logo também nós, e quando ele em consequência exorta a "ter presente que a história é apenas uma narrativa feita por nós modernos e por isso foi acompanhada da duplicação conceptual da modernidade" (Exit 3, p. 61) — então isto, em primeiro lugar, é algo completamente diferente de um pensamento novo e, em segundo lugar, aplica-se a qualquer investigação histórica e a qualquer reflexão sobre a teoria da história, incluindo a do próprio Wallner. Com a sua conclusão ele não ganhou um milímetro sequer na distinção face ao conceito de "história de relações de fetiche", que já incluíu sempre a reflexão sobre o seu próprio lugar específico na história.
É portanto inadmissível pretender despachar o conceito de teoria da história, porque ele seria tributário do olhar especificamente moderno e do moderno conceito de história; então qualquer alternativa de teoria da história, de qualquer espécie, cairia per se sob o mesmo veredicto. Wallner não pode proceder como se tivesse um ponto de vista de reflexão histórica que escapasse a este problema. Portanto, toda a sua argumentação até agora referida, na medida em que procura fazer sair dos eixos o conceito de "história de relações de fetiche", não passa de um truque de malabarista. Na realidade, só pode haver um debate sobre a teoria da história no interior do ângulo de visão que nos é imposto inapelavelmente pelo nosso lugar na história.
Aqui se torna virulento mais um juízo, já com quase 150 anos no debate da teoria da história (pelo menos desde Droysen), a saber, que a história, seja como for entendida, não é de modo nenhum simplesmente objectiva, presa ao facto quase à maneira das ciências naturais, mas depende do modo de percepção e da perspectiva de cada historiador/a e de cada teórico/a da história. A história, ou a reflexão sobre a teoria da história, é sempre também uma questão de opinião, valorização e interpretação, ou seja, do "interesse condutor do conhecimento". Aqui se inclui não apenas a simples localização histórica, mas também as respectivas controvérsias contemporâneas e com elas as (contraditórias) "esperanças no futuro" (Koselleck). A "história", portanto, é sempre também um constructo impregnado pelas lutas e dissenções actuais; porém, não um constructo puro e simples, arbitrário, mas um constructo que refere a facticidade histórica existente e que deve referir com reflexão própria a própria condicionalidade. Ora, quando Wallner diz; "O instrumentário com que criticamos a nossa própria situação está marcado por esta situação, foi por ela desenvolvido, descreve-a e pretende destruí-la" (Exit 3, p. 61), com isso está apenas a reconhecer o nosso "interesse condutor do conhecimento", com o qual nós também (e reflectindo sempre sobre este interesse) nos aproximamos das questões da história e da teoria da história: a saber, a crítica radical às relações de valor-dissociação vigentes.
Esta verificação não constitui, portanto, de modo nenhum, qualquer argumento contra o conceito de "história de relações de fetiche", mas vale igualmente para o próprio Wallner e para a sua pretensamente "outra" interpretação da história, precisamente porque ele não consegue renunciar ao ponto de vista histórico. A questão da opinião ou da valorização da história, no sentido da crítica radical das nossas relações, a partir do ângulo de visão da crise fundamental do valor e da dissociação no século XXI, constitui, pois, precisamente o critério para saber se a reflexão sobre a teoria da história corresponde precisamente a este "interesse condutor do conhecimento". Aqui não apenas o material histórico tem o seu peso específico, mas também a teoria da história atinge forçosamente um meta-nível, uma vez que as diferentes constituições históricas são postas numa relação, seja ela qual for. Também a já referida absolutização da diferença de Wallner entre as relações pré-modernas e as modernas, é ela própria uma meta-reflexão a partir do ponto de vista de hoje. O "exame" que aflora é portanto outro que não o pretendido por Wallner; a saber, a investigação de até que ponto o conceito de "história de relações de fetiche", por um lado, e o acesso de Wallner à teoria da história contraposto a este conceito, por outro lado, são suficientes para o interesse da crítica de hoje e se podem aceder adequadamente ao material histórico ou não — em ambos os casos tratando a história por igual inevitavelmente não só com olhos modernos, mas também no interior da modernidade e com o ângulo de visão específico da actual situação de crise (na realidade, isto não apenas tem que ser "examinado", mas é já sempre um pressuposto a ser pensado em conjunto).