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É sem dúvida mérito de Moishe Postone ter sido ele o primeiro a romper com a ontologia do trabalho burguesa, o conceito transhistórico de trabalho e a positivação do trabalho abstracto pelo marxismo tradicional, e a ter dado início à sua suplantação; e tal aconteceu, em parte, muito antes da crítica do trabalho, tal como ela foi sendo desenvolvida desde os finais dos anos oitenta pelos princípios da crítica do valor em língua alemã. A elaboração teórica de Postone, de argumentação semelhante, remonta aos anos setenta, foi objecto de uma elaboração ulterior nos anos oitenta, e desde o início dos anos noventa foi apresentada sob uma forma mais avançada (na tradução alemã da obra principal até à data apenas em 2003). Na Alemanha, a crítica do valor e do trabalho surgiu em grande parte independente de qualquer recepção de Postone; o que constitui um indicador de que o ulterior desenvolvimento e superação da teoria de Marx sobre a crítica radical do trabalho de certo modo pairou no ar, como resposta ao debate burguês sem conceitos categoriais em torno da "crise da sociedade do trabalho", que já tinha sido teoricamente inaugurado no fim dos anos cinquenta por Hannah Arendt, e tinha ganho uma actualidade e explosividade inesperadas com o desenrolar da crise mundial da terceira revolução industrial (crescente desemprego estrutural de massas).
Segundo Postone, "o trabalho tem de ser entendido como historicamente específico e não como transhistórico. A concepção de Marx de que o trabalho constitui o mundo social e é a fonte de toda a riqueza não se refere por isso na sua crítica tardia à sociedade em geral, mas unicamente à sociedade capitalista ou moderna" (Moishe Postone, Zeit, Arbeit und gesellschaftliche Herrrschaft [Tempo, trabalho e dominação social], Friburgo 2003, p. 23). Sob este aspecto, Postone rompe decididamente com o positivismo do trabalho de todos os marxismos existentes até à data, distinguindo "entre dois processos de análise crítica fundamentalmente distintos...: uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho, por um lado, e, por outro, uma crítica do trabalho no capitalismo. O primeiro, que se baseia num entendimento transhistórico do trabalho, pressupõe que entre as determinações que caracterizam a vida social do capitalismo (por exemplo o mercado e a propriedade privada) e a esfera social constituída pelo trabalho existe uma tensão estrutural. O trabalho constitui aqui o fundamento da crítica do capitalismo, representando o ponto de vista a partir do qual a crítica é desenvolvida. Para o segundo processo de análise, porém, o trabalho no capitalismo é historicamente específico, constituindo as estruturas essenciais desta sociedade. Por isso, desta perspectiva é o trabalho que se torna o objecto da crítica da sociedade capitalista" (Postone, ibidem, p. 25).
O trabalho como o ponto de vista da crítica ou o trabalho como o objecto da crítica, é isto que resume a oposição, tal como já foi insinuado mais acima. Trata-se aqui precisamente do trabalho como categoria ou como determinação da essência, e não de uma crítica do trabalho apenas acidental, mas categorialmente afirmativa, como é o caso do operaismo (por exemplo dirigida ao carácter de dependência exterior do trabalho assalariado, às condições de trabalho deficientes, etc.). É, pois, a partir desta nova e negativa determinação da essência do trabalho que Postone consegue pôr a descoberto a redução à circulação e à distribuição da crítica marxista do trabalho pré-existente e desenvolver as críticas (já citadas) das teorias correspondentes de Lukács, Sohn-Rethel, etc. Este feito de Postone tem de ser tido em consideração tanto mais elevada, quanto considerarmos que Postone foi durante mais de uma década condenado a uma existência na solidão total; as publicações em que ele deu um desenvolvimento ulterior ao seu princípio permaneceram em grande medida sem ressonância, e mesmo em diversas colectâneas não passavam de corpos estranhos sem qualquer mediação, aos quais a comunidade académica (com destaque para os representantes alemães da teoria crítica) em grande medida negou um debate adequado, uma vez que iam para além do padrão do entendimento habitual. Tanto mais é admirável a persistência com que Postone prosseguiu o seu caminho teórico e continuou a desenvolver o seu princípio.
Talvez seja devido a este isolamento discursivo ao longo de tanto tempo que Postone ainda não pensou consequentemente até ao fim a crítica do trabalho, isto é, da abstracção "trabalho". Se, como na citação acima, fala de "trabalho no capitalismo", esta expressão também implica um "trabalho" fora do capitalismo; o problema da abstracção, relativamente a um conceito de "actividade em geral" como alienação humana, e da abstracção real, como inconsciente execução da sua actividade, não é assim suficientemente aclarado, mantendo-se a crítica incompleta.
Na análise de Postone encontramos este dilema a par e passo. Ele quer delimitar o "trabalho no capitalismo" de um conceito de "trabalho" aparentemente nada problemático, pressuposto como evidente e não mais tematizado, postulando que apenas no capitalismo "as categorias basilares da vida social... são categorias do trabalho. Isto é tudo menos indiscutível, não podendo ser fundamentado com uma remissão geral para a evidente relevância do trabalho na vida social do Homem" (Postone, ibidem, p. 50). Postone aceita, portanto, sem qualquer exame adicional, a remissão para uma "relevância do trabalho" supostamente "evidente" para a vida social em geral, mas não quer dar-se por satisfeito com este estado de coisas, realçando o papel específico do trabalho como princípio de síntese social unicamente existente no capitalismo. Nem sequer começa a colocar a si mesmo a questão de se um conceito geral e abstracto de trabalho ainda faz sentido fora desta constituição moderna e se existiu historicamente.
Nesta medida também se encontra ainda em Postone um conceito duplo da abstracção trabalho, sendo que o aparentemente não problemático permanece como dantes uma categoria transhistórica. Assim Postone afirma "que a forma do trabalho e a estrutura real das relações sociais são diferentes em formações sociais diversas" (ibidem, p. 55). O capitalismo não se distingue, portanto, de outras formações pelo facto de só ele ter produzido a "forma trabalho" (a qual tem correspondência na "forma sujeito", igualmente apenas válida para a constituição moderna), mas unicamente pela "forma do trabalho". Portanto, é suposto tratar-se novamente de uma mera diferença de forma, respeitante a um estado de coisas que apesar de tudo é uma vez mais transhistórico, e com isso ontológico, tal e qual como na argumentação aporética de Marx. A especificidade do capitalismo consistiria, portanto, segundo Postone, na função de síntese social do trabalho, sendo que como tal seria entendido apenas o "dispêndio de trabalho humano imediato" (ibidem, p. 60) no processo de produção: "Esta qualidade social — historicamente única — distingue o trabalho no capitalismo do trabalho em outras sociedades" (ibidem, p. 88).
Tal estabelece evidentemente uma certa confusão quanto à validade transhistórica ou especificamente histórica (apenas pertencente à modernidade) do conceito de trabalho abstracto. Postone intui isso mesmo, ao formular ocasionalmente o conceito de trabalho ontológico e transhistórico aparentemente não problemático, que ainda assombra o seu discurso, de um modo que apesar de tudo sem querer o problematiza: "Em todas as sociedades existem diversas expressões daquilo que nós habitualmente designamos por trabalho" (ibidem, p. 233). Esta formulação já implica que "nós" (os homens modernos socializados na categoria do trabalho) "habitualmente" também "designamos por trabalho" noutras sociedades algo que na realidade não corresponde a essa abstracção. Isso torna-se ainda mais nítido quando Postone fala de "actividades com a forma do trabalho" (ibidem, p. 233) em sociedades não capitalistas. Esta estranha expressão torna evidente o escrúpulo implícito de Postone relativamente à categoria do trabalho, que ele de certo modo ainda vai arrastando secundariamente atrás de si como transhistórica, escrúpulo que não se torna contudo explícito.
Neste contexto, Postone volta a referir-se uma vez mais à relação entre abstracção e abstracção real relativamente ao conceito de trabalho, reportando-se ao duplo carácter do trabalho formulado em Marx como concreto e abstracto: "Esta definição de partida do duplo carácter do trabalho no capitalismo não deveria ser desligada do seu contexto, por exemplo pressupondo que as diversas formas de trabalho concreto são todas elas apenas formas de trabalho em geral. Semelhante constatação não tem qualquer valor analítico, uma vez que pode ser feita para as actividades na forma de trabalho de todas as sociedades, ou seja, também relativamente àquelas onde a produção de mercadorias é de uma importância meramente marginal. Afinal todas as formas de trabalho têm em comum precisamente isso, o serem trabalho... O que torna o trabalho geral no capitalismo não é a banalidade de que ele constitui o denominador comum de todos os diversos tipos específicos de trabalho. A função social do trabalho é que o torna geral. Como actividade mediada socialmente, o trabalho abstrai da especificidade do seu produto, e assim da especificidade da sua própria forma concreta. Na análise de Marx a categoria do trabalho abstracto dá expressão a este processo de abstracção social. Ela não se baseia em um processo de abstracção meramente conceptual" (ibidem, p. 235).
Embora Postone aqui realce a índole específica da generalidade do trabalho no capitalismo, a única que dá sentido a semelhante conceito de generalidade, ele admite apesar de tudo a abstracção puramente conceptual "trabalho", no sentido de um conceito genérico aparentemente singelo (o primeiro nível da abstractificação afirmativa em Wolf, ver acima), como racional em si mesma, entendendo esta no entanto (ainda assim, ao contrário de Wolf) como "sem valor analítico" e como "banalidade", para lhe opor a com ela incompatível abstracção capitalista do trabalho como síntese social. Postone não vê, contudo, que o mero conceito genérico de "trabalho" é "destituído de valor analítico" precisamente porque também representa outra coisa que não uma "banalidade". Apenas pode surgir como tal em condições capitalistas, porque a abstracção na mera acepção conceptual não é mais que um reflexo mental da abstracção real, apenas pertencente à modernidade, e também como tal não tem qualquer paralelo histórico.
A última falta de clareza quanto ao conceito de trabalho abstracto faz-se sentir em Postone no que diz relativamente às afirmações de Marx sobre uma "economia de tempo" pretensamente transhistórica, que conteria em si um momento da determinação do valor para lá do capitalismo, e que foram invocadas com ênfase por Rubin, Lukács, Wolf, etc. Também Postone agarra este argumento, mas confere-lhe um peso claramente diferente e menos afirmativo: "O enunciado de Marx, segundo o qual reflexões sobre o tempo de trabalho continuariam a ter importância numa sociedade pós-capitalista, não... significa que a forma da riqueza teria uma forma temporal, em vez de material... De facto, uma economia de tempo conservaria alguma importância, mas provavelmente passaria a ter um carácter descritivo... por conseguinte, a relação entre reflexões sobre o dispêndio de tempo e reflexões sobre a produção de riqueza poderia ser essencialmente muito diferente daquela onde o valor é a forma social de riqueza... A concepção de Marx de uma possível economia de tempo pós-capitalista e a sua análise do capitalismo como uma forma temporal da riqueza não são por isso idênticas, devendo ser distinguidas" (ibidem, p. 570 ss.).
Ora, o que se passa é que o próprio Marx teima precisamente em não estabelecer esta diferença, designando antes a manutenção de uma "economia de tempo" expressamente como a manutenção de um momento da forma do valor, que para mais teria um carácter ontológico-transhistórico. Por outras palavras: Marx ainda não vê a diferença acima já esboçada entre conceitos e formas históricos de tempo; para ele aplica-se simplesmente o tempo contínuo abstracto de Newton, Kant e da economia empresarial moderna. A diferença que Postone estabelece com muita razão no fundo proíbe que se continue a dizer que a "economia de tempo" manteria a sua "importância". Postone lá sabe porque fala de "uma" em vez de "a" economia de tempo, mas uma espécie de definição de tempo qualitativamente diferente também já não seria abstractamente "económica", como se a "poupança de tempo" pudesse ser um valor em si, independentemente do conteúdo. O entendimento de Postone entra em conflito com a sua (pouco convicta) defesa da letra do conceito, tanto relativamente ao conceito de tempo abstracto como ao conceito de trabalho abstracto.
Este dilema repete-se na apreciação da chamada "necessidade", no sentido do "trabalho necessário". Marx, como é sabido, introduz esta definição de um modo duplo, por um lado como o trabalho socialmente necessário em média referido ao dispêndio de energia humana no capitalismo, com base em um determinado padrão de produtividade (ou seja, puramente imanente ao capitalismo), e por outro lado como a necessidade transhistórica de trabalho em geral, como "reino da necessidade", do qual teria de permanecer um resíduo mesmo após o fim do capitalismo, e para além do qual poderia então erguer-se o "reino da liberdade".
Postone não critica esta última definição, embora com base na sua própria argumentação no fundo devesse fazê-lo, mas duplica o conceito de "necessidade" do "trabalho" à semelhança do da economia de tempo, postulando que "também na observação da relação do trabalho para com a necessidade social há que distinguir entre a necessidade social transhistórica e a necessidade social historicamente determinada. Um exemplo para o primeiro género de necessidade é, para Marx, que alguma forma de trabalho concreto, seja determinada pelo que for, é necessária para mediar o metabolismo entre o Homem e a natureza, e por conseguinte a manutenção de uma vida social humana. Semelhante actividade é, segundo Marx, uma condição necessária da existência humana em todas as formas de sociedade... Como consequência do seu duplo carácter, o trabalho na forma da mercadoria para Marx está ligado a duas formas diferentes de necessidade, das quais uma é transhistórica e a outra específica do capitalismo" (ibidem, p. 572 s.)
Sob o conceito de "necessidade" relativamente ao valor de uso (cuja vinculação lógica à socialização do valor também não é tematizada por Postone) regressa pela porta do cavalo um conceito de trabalho explicitamente ontológico, para se introduzir à socapa na argumentação de resto absolutamente incompatível com ele. Isso talvez se deva também à tentativa de Postone de apresentar a crítica do trabalho e do valor como nova interpretação de um Marx coerente, por assim dizer sem contradições e "inteiro", atitude que apenas pode conduzir a inconsistências. É muito mais adequado destrinçar em Marx uma contradição entre a ontologia do trabalho, por um lado, e a crítica do trabalho e do valor, por outro, o que corresponde à sua situação histórica.
A recaída na ontologia do trabalho torna-se perfeitamente clara logo que Postone chega a falar nas perspectivas de uma sociedade pós-capitalista. Esta implica, para ele, "também a possibilidade de um outro processo de produção — um processo que se baseie numa nova e emancipatória estrutura do trabalho social" (ibidem, p. 57). Aqui tratar-se-ia de um "trabalho não alienado, livre de relações de dominação sociais imediatas e abstractas" (ibidem, p. 67). Deste modo, Postone a este respeito recai no jargão do velho movimento operário, ainda que com uma expressão paradoxal: "A emancipação do trabalho requer a emancipação face ao trabalho (alienado)" (ibidem, p. 66). Significativamente, o adjectivo que deveria resolver o paradoxo encontra-se entre parênteses, não contribuindo nada para a clarificação. Se o omitirmos, resta o paradoxo em forma pura, que reúne apenas exteriormente dois paradigmas opostos: a emancipação do trabalho não pode ser equivalente à emancipação face ao trabalho. Aquilo de que os humanos têm de se emancipar já está contido na abstracção "trabalho" como tal, como conceito essencial de uma socialização negativa. Aqui não se trata, portanto, de um paradoxo real reproduzido em conceitos, mas de uma contradição conceptual no próprio Postone (à semelhança do que aconteceu no caso da aporia de Marx a respeito do conceito de trabalho).
Esta contradição na argumentação de Postone também se prolonga no que diz respeito à totalidade da sociabilidade capitalista. Por um lado, ele enfatiza que é o trabalho abstracto que institui esta totalidade, devendo por isso aquele ser "abolido" em conjunto com esta. Ao mesmo tempo, porém, prolonga certos momentos desta totalidade para além do capitalismo, no mau sentido hegeliano de uma "superação [Aufhebung]" afirmativa (onde se mantém precisamente a essência); tal é especialmente evidente quanto à esfera política, que ele pelos vistos não entende como historicamente específica, mas uma vez mais ontológica. Em vez de formular a crítica do trabalho, com coerência lógica, também como crítica da democracia, Postone quer deste modo proceder a "uma crítica democrática renovada do capitalismo" (ibidem, p. 40) e propaga uma "democracia pós-capitalista" (ibidem, p. 78); uma contradição em si, perfeitamente na linha do conceito afirmativo de democracia no marxismo tradicional, que aí corresponde precisamente àquela limitação do conceito de capital à circulação e à distribuição, que Postone por outro lado critica com tanto acerto.
Estas críticas não devem nem podem no entanto reduzir o mérito de Postone, por ter sido o primeiro a abrir a porta para a suplantação da moderna ontologia do trabalho, que também no marxismo tradicional ainda passava por indiscutível. Não é possível exagerar o valor deste feito que abriu novos caminhos. Apesar dos momentos de ontologização que ainda vai arrastando consigo, a diferença decisiva face ao marxismo do movimento operário consiste em que Postone nega qualquer carácter transhistórico ao trabalho no capitalismo, mesmo ao trabalho concreto no processo de produção material. Ele deixa claro sem margem para dúvidas "que o trabalho que constitui o valor não deveria ser identificado com o trabalho em sentido transhistórico. Pelo contrário, ele representa uma forma historicamente específica que com o fim do capitalismo é abolida e não realizada" (ibidem, p. 61).
O conceito de trabalho ontológico e transhistórico que ainda resta em Postone já não é mais que o produto duma vã perplexidade, o espectro dum entendimento em princípio já ultrapassado; e, diga-se de passagem, também é inconsistente, porque se o "trabalho" existisse realmente em sentido transhistórico, ele também teria de existir no capitalismo, que afinal não existe fora da história. Ou uma ontologia do trabalho existe, ou não existe; mas não é possível que exista antes e depois do capitalismo, sem existir no capitalismo. Tal seria especificidade histórica a mais. Se o "trabalho no capitalismo" representa uma condição puramente histórica e negativa, não pode existir "outro" trabalho transhistórico, mas essa abstracção faz parte, como relação geral social, apenas da modernidade produtora de mercadorias e da história da respectiva constituição. Também a abstracção puramente conceptual do "trabalho", como conceito de generalidade social, está ligada a esta relação; o conceito enquanto conceito é um produto da abstracção real acontecida e não deve ser entendido separado dela como transhistórico.