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Marx aproximou-se de uma crítica do conceito de trabalho como conceito de substância do capital, mas não pôde levar esta crítica até ao fim, porque ainda estava com um pé no terreno da ontologia do trabalho moderna. Uma vez que o marxismo (tradicional ou do movimento operário) se fixou totalmente no momento ontológico da apresentação de Marx, querendo criticar o capitalismo do ponto de vista transhistórico do "trabalho", necessariamente o conceito de trabalho abstracto teve de permanecer na sombra, com o que porém também a substância do capital ficou por conceptualizar. Podemos encontrar uma tematização deste conceito que vá para além de uma mera definição positivista apenas em pouquíssimos teóricos, como por exemplo nos anos vinte em Isaak Iljitsch Rubin, que nos seus "Studien zur marxschen Werttheorie [Estudos sobre a teoria do valor de Marx]", publicados em 1924, logo teve de constatar: "Face ao grande relevo dado por Marx à teoria do trabalho abstracto, há que perguntar por que motivo a literatura marxista tão pouco se interessou por ela" (Isaak Iljitsch Rubin, Studien zur marxschen Werttheorie [Estudos sobre a teoria do valor de Marx], Francoforte do Meno 1973, primeira publicação 1924, p. 91).
O próprio Rubin, porém, de modo nenhum vai além da aporia de Marx perante o conceito de trabalho. Ele positiva o trabalho abstracto duplamente, a saber, por um lado como um progresso histórico na génese de uma generalidade social: "Somente com base na produção de mercadorias, caracterizada por um notório desenvolvimento da troca, pela reorientação massiva de indivíduos de uma actividade para outra e pela indiferença dos indivíduos face à forma concreta do trabalho, é possível desenvolver o carácter homogéneo de todas as actividades de trabalho como formas de trabalho humano em geral... Não seria de modo nenhum exagerado dizer que talvez o próprio conceito de Homem em geral e de trabalho humano em geral se tenha destacado com base na produção de mercadorias. Era precisamente isso que Marx tinha em mente, ao realçar que o carácter humano geral do trabalho se exprime no trabalho abstracto" (Rubin, ibidem, p. 99 s.). Rubin destaca aqui o papel da abstracção real (que nele ainda não aparece como tal) em um "desenvolvimento" positivamente conotado, embora de passagem (tal como Marx) refira igualmente a "indiferença dos indivíduos face à forma concreta do trabalho"; no entanto, não o faz com a mesma orientação radicalmente crítica de Marx.
Por outro lado, ele estabelece sempre uma diferenciação, para de algum modo colmatar a aporia de Marx: o trabalho abstracto da produção de mercadorias, que em Rubin ainda aparece sem mais como capitalista, deverá desaparecer com o capitalismo, devendo ainda assim restar dele um momento, que no entanto é dotado de outro carácter: "Embora o trabalho abstracto seja uma característica específica da produção de mercadorias, um trabalho socialmente equiparado encontra-se, por exemplo, numa comunidade socialista... Todo o trabalho abstracto é trabalho social e socialmente equiparado, mas nem todo o trabalho socialmente equiparado deve ser considerado trabalho abstracto" (Rubin, ibidem, p. 101).
Rubin postula, portanto, uma continuidade transhistórica do trabalho como abstracção no horizonte iluminista do progresso, em que o trabalho abstracto capitalista será apenas um caso especial da abstracção do trabalho, no sentido de um trabalho geral e abstracto enquanto "socialmente equiparado". Na realidade, porém, tudo isto não passa de uma paráfrase do trabalho abstracto no sistema produtor de mercadorias, como aliás transparece com muita clareza da definição do "trabalho socialista": "Imaginemos uma comunidade socialista qualquer, entre cujos participantes existe uma divisão do trabalho. Um determinado órgão social equipara os trabalhos dos diversos indivíduos uns com os outros, visto que sem tal equiparação não se pode realizar um plano social mais ou menos abrangente. Em tal comunidade, porém, o processo de equiparação do trabalho é secundário, complementando o processo da socialização e da distribuição do trabalho. O trabalho é antes de mais trabalho socializado e distribuído. Neste quadro também podemos incluir — como uma característica derivada e adicional — a qualidade do trabalho como socialmente equiparado. A característica fundamental do trabalho consiste em ser social e distribuído; a sua qualidade de socialmente equiparado é acessória" (Rubin, ibidem, p. 51 s.).
Em sua opinião, a única característica que distingue o trabalho "equiparado" socialista do trabalho abstracto capitalista é o carácter supostamente apenas "secundário" e "acessório" da abstracção, o que no entanto é imediatamente desmentido pelo facto de, segundo Rubin, sem essa equiparação não ser possível qualquer "plano social". Um plano, no entanto, define-se por ser elaborado antecipadamente, senão não o seria, e assim, segundo a lógica do próprio Rubin, também o "processo de equiparação" não pode ser meramente secundário e acessório, constituindo antes o pressuposto de tudo. Para mais o que alegadamente antecede o processo de equiparação, supostamente apenas acessório, é uma vez mais o "trabalho", ou seja, a abstracção (real). O que aqui pelos vistos é tão difícil de pensar é o problema de uma suplantação da própria abstracção real destrutiva, ou seja, a intuição de que "equiparação" significa desde sempre a sujeição das várias áreas da reprodução e da vida, com lógicas próprias, lógicas temporais e perfis de exigência tão diversos, a uma lógica de subsunção unitária; no entanto, é precisamente nisso que consiste a lógica unitária e totalitária da substância do trabalho abstracto.
Nem sequer interessa que um plano, no sentido de uma distribuição dos recursos pelas diversas áreas, pudesse precisamente evitar basear-se nesta equiparação, devida apenas à abstracção do valor e não a qualquer exigência objectiva. Isso revela-se de modo especialmente crasso quando Rubin não se coíbe de falar, em relação ao socialismo, de uma "massa homogénea de trabalho social" (ibidem, p. 116). Se o facto de ser o mesmo indivíduo quem, digamos, instala um cabo eléctrico, planta uma árvore, escreve uma carta ou toma conta de crianças não significa, de modo nenhum, que o mesmo trate estas suas "alienações" tão diversas como "massa homogénea" de dispêndio substancial de energia inserido na mesma lógica temporal de um contínuo abstracto, muito menos toda uma sociedade tem de se comportar desse modo mal veja a forma da mercadoria pelas costas.
Que uma sociedade se organizou como o colectivo auto-consciente duma associação livre de indivíduos significa precisamente que ela já não está sujeita a um princípio fetichista de "equiparação", e de resto também nunca pode padecer de "escassez de tempo", que é uma característica específica do fim-em-si da valorização do valor. Não haver tempo disponível em quantidades infinitas não significa de modo nenhum que "escasseie" por princípio, e que para "optimizar a carga de trabalho" tenha de ocorrer um processo de equiparação entre massas "homogéneas" de dispêndio de energia humana. Esta concepção em si completamente doida só pôde surgir sob o ditado do trabalho abstracto no âmbito da socialização do valor.
O próprio Rubin deixa claro que se trata de outra coisa, que não da necessidade material e objectiva ou social da utilização de recursos, ao tentar descrever as modalidades da ominosa equiparação: "Supomos que os órgãos da comunidade socialista equiparam os diversos trabalhos dos diversos indivíduos uns com os outros. Assim, por exemplo, um dia de trabalho simples é estabelecido como uma unidade, um dia de trabalho qualificado, como três unidades; um dia de trabalho do operário qualificado A é equiparado a dois dias de trabalho do operário não qualificado B, etc. Com base nestes princípios gerais (!), as instituições sociais de contabilização (!) sabem que o operário A despendeu vinte, e o operário B, dez unidades de trabalho (!) no processo social de produção" (ibidem, p. 116).
O problema não consiste, portanto, na realidade em uma distribuição planificada dos recursos por áreas da reprodução e da vida qualitativamente diversas, mas na contabilização das prestações de trabalho aquando da distribuição dos bens, serviços, etc. É o problema de cálculo de uma "prestação de trabalho [Leistung]" abstracta, que mesmo após uma suposta suplantação do trabalho abstracto especificamente capitalista ainda deverá obrigar a semelhante "homogeneização". Com isso, no entanto, é perpetuado um momento precisamente do trabalho abstracto sob a lógica da valorização capitalista, tal como de resto ocorre de um modo semelhante também em Proudhon e em todas as utopias da contabilização do "trabalho".
Mesmo no próprio Marx ainda se encontra um elemento desta não-lógica, quando ele fala das famigeradas "duas fases" do socialismo/comunismo, onde desde logo o princípio da prestação abstracta de trabalho, e com ele um momento da lógica da valorização, deve manter-se em vigor: "De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo a sua prestação de trabalho"; apenas no longínquo comunismo, quando de resto Marx significativamente supõe que o "trabalho" se tenha tornado a "primeira necessidade vital", será então válido: "De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades". No entanto não há qualquer necessidade que o justifique. Se nem sequer o desenvolvimento das forças produtivas no século XIX, sob a determinação da forma capitalista, pareceu suficiente a Marx para poder atirar borda fora o princípio burguês da prestação de trabalho, tal se deve antes de mais à sua fidelidade a elementos da ideologia protestante do trabalho e da prestação de trabalho. E isto sem olhar ao facto de este conceito abstracto de prestação de trabalho ser especificamente moderno, ou seja, precisamente, não está ligado à situação pré-moderna de um desenvolvimento relativamente modesto das forças produtivas, mas paradoxalmente nasceu apenas junto com o cego desenvolvimento capitalista das forças produtivas como desenvolvimento de forças destrutivas.
A aporia no conceito de trabalho de Marx foi portanto resolvida pelo marxismo de uma forma unilateral na ontologia positiva do trabalho; e foi precisamente por isso que o conceito crítico de trabalho abstracto teve de permanecer mal esclarecido e ser banalizado numa definição positivista. Rubin, com o desdobramento deste conceito na definição de uma categoria puramente capitalista (que nele ainda é idêntica à produção social de mercadorias em geral), por um lado, e na definição de uma "equiparação social" geral e abstracta, válida para todas as sociedades, por outro, prenunciou uma linha de argumentação para os teóricos reflectidos que se prolonga até ao presente. O que no entanto muito menos resolveu a aporia, elevando-a apenas a um patamar de reflexão mais elevado — para o estalinismo, porém, isso já era reflexão a mais; em 1931 Rubin, como tantos intelectuais incómodos, foi condenado ao internamento num campo de detenção e desde essa altura é considerado desaparecido.
O destino de Rubin remete para o facto de que o "socialismo", no seguimento da revolução de Outubro russa, se viu compelido a reprimir qualquer reflexão teórica que se aproximasse da aporia de Marx, porque não precisava aqui de qualquer diferenciação. É que definições teóricas como a de Rubin, que ainda se debatiam com o problema de delimitar o conceito de trabalho abstracto, por Marx claramente ligado à relação de capital, de uma "equiparação dos trabalhos" já não pensada sob a égide da forma do valor numa sociedade pós-capitalista, tinham de parecer perigosas e subversivas, na medida em que nesse "socialismo" na prática se exibia abertamente o carácter da síntese social baseada no trabalho abstracto, no valor, na mercadoria e na forma do dinheiro.
Tal remete para o carácter de toda a época que, com a devida distância temporal, pode ser decifrada como uma história de "modernização recuperadora [nachholender Modernieserung]". Os movimentos históricos na periferia do capitalismo não puderam romper o invólucro das formas de fetiche modernas, mas pelo contrário ainda tinham apenas por fim a implementação social das categorias reais do moderno sistema produtor de mercadorias. Isto também se aplica, se bem que de outro modo, ao movimento operário ocidental, o qual se esforçou principalmente por reivindicar o seu "reconhecimento" como sujeito jurídico e de cidadania, precisamente naquelas formas sociais cujo pressuposto lógico era o trabalho abstracto, sobre o fundamento deste sistema que já tomara forma nos países industriais europeus. Este contexto histórico permite explicar porque se perdeu o conteúdo crítico do conceito de trabalho de Marx e porque tanto o movimento operário ocidental como o socialismo de estado do Leste, assim como os posteriores movimentos de libertação nacional do Sul, estavam ideologicamente presos por completo à ontologia do trabalho burguesa.
Na teoria marxista tradicional, e não só nesta, os factos ainda conotados por Marx de uma forma claramente negativa, embora representados de um modo aporético, foram assim totalmente esmaecidos, na medida em que o conceito de trabalho abstracto, ou não era de modo nenhum entendido como uma abstracção real negativa, mas sim como uma mera abstracção conceptual-definidora ou, quando era entendido como uma abstracção real (em todo o caso apenas na corrente mais reflectida do marxismo ocidental), não o era como tal a priori, mas apenas como abstracção real a posteriori, a saber, referida pura e simplesmente aos produtos do trabalho enquanto mercadorias no mercado; e com isso, ao modo como o trabalho real, aparentemente sempre concreto e "útil", só é percepcionado numa forma abstracta a posteriori, nas mercadorias acabadas como objectos do mercado; de certo modo como uma qualidade do produto socialmente constituída. De modo positivo na ideologia do socialismo de estado do Leste e de modo negativo na corrente do marxismo ocidental: em ambos os casos, no entanto, a definição do trabalho abstracto limitava-se por igual a uma abstracção que apenas seria efectuada no processo de troca no mercado. E por aí se ficou a literatura marxista.
Por outras palavras: o marxismo apenas realça a sua "fundamentação na produção" no sentido positivo de uma ontológica "honra do trabalho", enquanto a sua crítica do capitalismo na realidade apenas dispõe de uma "fundamentação na circulação", permanecendo por isso mesmo reduzida. É que, entender o processo da abstracção real como algo operado apenas a posteriori no produto do trabalho enquanto mercadoria no mercado não significa outra coisa senão circunscrever a crítica da abstracção real, e com ela do sistema produtor de mercadorias, se é que é exercida de algum modo, à esfera da circulação. O problema da negatividade capitalista é assim restringido apenas à esfera da circulação e ao modo de distribuição a ela ligado, sendo percebida apenas nessa perspectiva encurtada, como Moishe Postone foi o primeiro a constatar: "Segundo esta interpretação, é o modo de distribuição que está no centro da crítica de Marx. Tal afirmação parece paradoxal, já que o marxismo é geralmente considerado uma teoria da produção. Observemos pois com brevidade o papel desempenhado pela produção na interpretação tradicional. Se as forças produtivas (que segundo Marx entram em contradição com as relações de produção capitalistas) são identificadas com o modo de produção industrial, tal implica serem entendidas como um processo puramente técnico, isto é, independente do capitalismo. O capitalismo é tratado como um conjunto de factores externos que actuam sobre o processo de produção: por exemplo, a propriedade privada e outras condições, que fazem parte da economia de mercado, mas são exteriores à valorização do capital. Em conexão com isto, a dominação social no capitalismo é essencialmente entendida como dominação de classe, que permanece igualmente exterior ao processo de produção" (Moishe Postone; Zeit, Arbeit und gesellschaftliche Herrrschaft, ibidem, p. 30).
O ponto central deste encurtamento é precisamente a redução do trabalho abstracto à esfera da circulação, uma vez que só assim a distribuição mediada pela circulação pode tornar-se o objecto central da crítica, enquanto, como demonstra Postone, a produção apenas é central na medida em que constitui o ponto de vista (em vez de o objecto) da crítica (Postone, ibidem, p. 31). Daí resulta, como perspectiva igualmente encurtada de uma suposta suplantação [Überwindung] do capitalismo, ou o paradigma de uma "troca justa", ou o de uma "produção de mercadorias planificada" pelo estado (ou uma combinação de ambos), enquanto a produção como tal, na sua forma da mercadoria, é de modo implícito ou explícito ontologicamente positivada.
Enquanto o marxismo tradicional entende mal a sua crítica como referente à "produção", na realidade ele não se refere à produção no sentido de uma actividade da forma social e da abstracção real, mas unicamente à dominação mal entendida subjectiva e sociologicamente "sobre" a produção, enquanto determinação jurídica da propriedade; ou seja, no sentido de uma determinada terminologia de Marx, apenas à "superstrutura jurídica" da produção, que como tal permanece por reflectir no que diz respeito à sua forma de actividade e à sua substância social; assim sendo, também apenas às condições de circulação, sendo que só nestas os proprietários de mercadorias se enfrentam como mónadas jurídicas abstractamente livres e "guardiães das suas mercadorias" (Marx).
Se é que aqui se vislumbra um momento de crítica da forma do fetiche, este circunscreve-se, portanto, à esfera da circulação. A forma de fetiche do valor, que abrange todo o processo da reprodução social (incluindo tanto o "trabalho"/produção, como a forma jurídica, a forma do estado, a forma da política), é assim reduzida à forma da mercadoria no sentido da mera objectividade da circulação. Paradoxalmente é por isso que o "trabalho abstracto" nem sequer figura como momento determinante da produção (esta pelo contrário é concretistamente reduzida e precisamente assim ontologizada), nem como ligado à produção, mas, completamente ao contrário, como simples momento da circulação, como processo de abstracção ex post, circunscrito ao processo da troca no mercado. Assim, para este modo de entender, o "duplo carácter do trabalho representado nas mercadorias" diagnosticado por Marx (Das Kapital, vol. I, MEW 23, ibidem, p. 56) divide-se por duas esferas diferentes, em vez de determinar o carácter de toda a reprodução: na produção não se encontra senão o trabalho "concreto" ou "útil", enquanto o produto em forma de mercadoria apenas na circulação surge como representação do trabalho abstracto.
A este respeito é prototípica a teoria de Alfred Sohn-Rethel, a primeira que introduziu o conceito de abstracção real no debate marxista. No entanto para ele a abstracção socialmente objectivada apenas é real como uma "abstracção da troca" (Alfred Sohn-Rethel, Warenform und Denkform [Forma da mercadoria e forma do pensamento], Francoforte do Meno 1978, p. 120). Apenas no mercado é que o trabalho abstracto se apresenta como a substância comum das mercadorias que as torna compatíveis: "A abstracção que tem lugar na troca decorre da própria relação de troca. Ela não decorre da natureza material das mercadorias, nem da sua natureza de valores de uso, nem da sua natureza de produtos do trabalho" (Sohn-Rethel, ibidem, 114).
O mal-entendido do materialismo vulgar, que consiste em determinar a abstracção do valor e com ela a lógica do trabalho abstracto, como a qualidade material quasi-natural da produção, aqui é utilizado como pretexto para escamotear qualquer relação da abstracção do valor com o processo do trabalho "concreto", também no sentido de uma definição social em vez de natural, sujeitando-a ao mesmo veredicto, com o que a produção é retirada à socapa do âmbito da abstracção real. O trabalho, no entanto, não é ele próprio nada de natural, e é precisamente na sua qualidade de produtos do trabalho que as coisas já são mercadorias ou produtos da abstracção real, e não apenas por força do acto da troca no mercado. Assim sendo, embora a Rethel assista o mérito de, com o conceito de abstracção real, ter desenvolvido a consciência teórica da problemática, o que constituiu um marco, ele mantém-se inteiramente refém da ontologia do trabalho e assim com o conceito de abstracção real limitado à circulação, o que tanto mais o vincula à cisão do conceito de trabalho em uma abstracção má, puramente circulatória a posteriori, por um lado, e uma concreção "boa", produtiva e supostamente ontológica, por outro. Afirma, portanto, "duas formas de síntese social — uma produzida pela troca e outra pelo trabalho..." (Postone, ibidem, p. 275).
O mainstream do marxismo do movimento operário nem sequer chegou tão longe, e assim na sua redução ao menos manteve-se consequente, na medida em que o problema da abstracção real ficou esquecido de todo e a produção e a circulação foram afirmadas lado a lado como formas, enquanto a crítica apenas se referia à apropriação de classe (com a concepção sociologicamente reduzida da mais-valia) e à "anarquia" da circulação, no sentido do "poder de disposição" jurídico. Como suplantação do capitalismo apresentava-se, assim, por um lado a planificação puramente exterior do todo do processo de reprodução na forma da mercadoria, já preparada no seio do próprio capitalismo através da concentração do capital, do controlo pelo capital financeiro e da regulação estatal, e, por outro lado, a ocupação política dos postos de decisão dessa mesma planificação pela representação política de classe do proletariado. Tal como o conceito crítico de abstracção real, também o de fetichismo nem sequer tinha cabimento neste entendimento encurtado.
De um modo quase comovente pela sua candura, um conceito toscamente positivista e totalmente irreflectido do trabalho abstracto foi-se afirmando na literatura a metro da economia política académica do "socialismo real", ficando muito aquém da consciência da problemática de um Rubin; assim, por exemplo, e para escolher um exemplo ao acaso, num calhamaço como "Politische Ökonomie des Sozialismus und ihre Anwendung in der DDR [Economia Política do Socialismo e a sua aplicação na RDA]" (1969), redigido por um colectivo de autores orientado por Günter Mittag: "O trabalho produtor de mercadorias de produtores socialistas é, por um lado, o dispêndio de trabalho planificado na sua forma útil, concreta ou criadora de valor de uso. Por outro lado, ele ocorre, devido às condições de conjunto do modo de produção socialista, ao mesmo tempo de uma forma generalizada, abstraída das suas especificidades concretas, como trabalho abstracto, criador de valor, isto é, sob a forma do valor. O trabalho produtor de mercadorias tem portanto um duplo carácter, sendo ao mesmo tempo trabalho concreto e abstracto. O trabalho concreto despendido de uma forma planificada nas empresas para a produção de mercadorias tem sempre de se realizar como trabalho abstracto, criador de valor, para cumprir a função de trabalho social... O duplo carácter do trabalho produtor de mercadorias no socialismo distingue-se de uma forma fundamental do existente no capitalismo. Enquanto o trabalho criador de valor na produção de mercadorias capitalista medeia a relação de exploração, sendo um elo no sistema de apropriação capitalista, o trabalho criador de valor no socialismo exprime o processo planificado de apropriação social dos produtores socialistas libertados da exploração... A sociedade socialista estabelece, portanto, o trabalho despendido pelas unidades de produção em regime de divisão de trabalho como relação mútua de dispêndios de trabalho socialmente iguais. Reduz assim cada parte da totalidade do trabalho ao trabalho socialmente necessário ou ao valor. O trabalho concreto é reduzido a trabalho abstracto, socialmente determinado, ao ser realizado o produto do trabalho concreto, o valor de uso..." (colectivo de autores, Politische Ökonomie des Sozialismus und ihre Anwendung in der DDR [Economia Política do Socialismo e a sua aplicação na RDA], Berlim 1969, p. 273 ss.).
Aqui passa-se grandiosamente ao lado de toda a problemática tanto do conceito de trabalho abstracto como da crítica de Marx, uma vez que se trata de uma representação ideológica já vinculada à apologética de um processo histórico irreflectido. O processo da abstractificação, analisado por Marx de modo claramente negativo, apresenta-se como um meio apenas útil para "medir" de modo optimizado em sentido puramente tecnocrático o dispêndio social de recursos e, assim sendo, como uma simples "ajuda objectiva" na "realização do valor de uso". Este pensamento ideológico nem sequer se incomoda com o facto de primeiro ter de "realizar" socialmente a utilidade (apenas abstracta no próprio conceito de valor de uso) com recurso a um processo específico. No fundo, recorre-se a nada menos que o mecanismo da "mão invisível" de Adam Smith, invocado com esta argumentação, com a única diferença que paradoxalmente essa mão invisível, que como processo de abstracção dos processos de mercado deve coordenar a "alocação de recursos", é postulada como a mão visível da planificação do socialismo de estado (e precisamente por isso teve de conduzir ao seu fracasso).
A instrumentalização absolutamente acrítica, positivista e tecnocrática do conceito de Marx de trabalho abstracto que aqui se manifesta, uma legitimação transparente de uma prática pré-existente já objectivada e irreflectida no que diz respeito à sua constituição histórica, recebeu na literatura ocidental proveniente do marxismo tradicional, mais exigente em termos teóricos, uma fundamentação ontológica secundante. Georg Lukács conseguiu mesmo a proeza de formular uma "Ontologie des Gesellschaftlichen Seins [Ontologia do Ser social]" (1973) fundada no "trabalho", onde ao conceito de trabalho é atribuída a habitual qualidade transhistórica, no sentido de uma "definição teleológica" da acção referente à natureza e à sociedade.
Ora, é um facto que se pode afirmar (explícitamente desde Aristóteles) que a humanidade se destacou do reino natural e animal com uma relação de definições teleológicas (definições de objectivos e de meios), tal como decorre, por exemplo, da conhecida sentença de Marx sobre a diferença entre o pior construtor e a melhor abelha, segundo a qual todo o processo, no caso do primeiro, tem de passar primeiro pela consciência. Lukács formula-o ontologicamente de tal modo "que um esboço mental chega à realização material, que o estabelecimento de objectivos em pensamento altera a realidade material, insere na realidade algo de material, que face à natureza representa algo de qualitativa e materialmente novo... Não existe qualquer desenvolvimento imanente das suas qualidades, das leis e forças que nelas se encontram activas, que permita ‘deduzir’ uma casa do mero ser-em-si da pedra ou da madeira. Para tal faz falta o poder do pensamento e da vontade humanos..." (Georg Lukács, Ontologie des Gesellschaftlichen Seins [Ontologia do Ser social], vol. parcial, Die Arbeit [O Trabalho], Neuwied e Darmstadt 1973, p. 21). No entanto não é de modo nenhum forçoso, nem de modo nenhum justificado por Lukács, mas axiomaticamente pressuposto, que a relação de definição teleológica enquanto prática é idêntica à abstracção "trabalho". Assim foi ontologizada a forma de praxis histórica específica da modernidade.
É por isso também que Lukács estende o conceito de substância como substância do trabalho, definida claramente por Marx como a do capital, a uma categoria ontológico-transhistórica, que apenas teria de ser "dinamizada": "Os mais recentes conhecimentos sobre o Ser destruíram a concepção estática, imutável, de substância; no entanto, daí não decorre de modo nenhum a necessidade da sua negação no interior da ontologia, mas sim o reconhecimento do seu carácter essencialmente dinâmico. A substância é aquilo que, na eterna mudança das coisas, mudando-se a si mesma, se preserva na sua continuidade... O Ser do Ser social preserva-se como substância no processo de reprodução..." (Georg Lukács, Ontologie des Gesellschaftlichen Seins, ibidem, p. 113 s.). É precisamente esta substância que é definida como "trabalho": "O trabalho pode ser... considerado um fenómeno primordial, como modelo do Ser social" (ibidem, p. 9).
A especificidade da abstracção "trabalho" como abstracção real é esmaecida na ontologização, já apenas figurando como uma "abstracção racional no sentido de Marx" (ibidem, p. 160). Aqui Lukács nem sequer deixa de fora a ideia Engels sobre a "humanização do macaco pelo trabalho", de vez em quando involuntariamente cómica; o trabalho como "fenómeno primordial" vem ontologicamente logo a seguir às "formas existenciais precedentes do inorgânico e do orgânico" (ibidem, p. 32), constitui a linguagem, etc., de modo que ao "tornar-se Homem" corresponde, além de "andar erecto", também a "aptidão para o trabalho" (Georg Lukács, Ontologie des Gesellschaftlichen Seins [Ontologia do Ser social], vol. parcial, Die ontologischen Grundprinzipien von Marx [Os princípios ontológicos fundamentais de Marx], Neuwied e Darmstadt 1972, p. 101). A realização desta aptidão para o trabalho será a seu ver o ponto de partida "para a formação das suas capacidades, entre as quais nunca deve ser esquecido o domínio sobre si mesmo (!)" (ibidem, p. 92). Isto soa muito mais a protestante do que a "fenómeno primordial", e uma pessoa mesmo sem querer lembra-se da história, divulgada com toda a candura burguesa por Locke e Kant, segundo a qual os orangotangos apenas teimariam em não falar por não quererem trabalhar.
É inevitável que Lukács (ao contrário, por exemplo, de Rubin) tenha de ontologizar junto com o trabalho também o valor; no fim de contas, uma coisa tem a outra por consequência. Assim sendo, a categoria do valor é estendida e desfocada como a categoria do trabalho, na medida em que a definição do conceito de valor, tal como acontece em Adam Smith e outros teóricos do Iluminismo do século XVIII, se confunde tanto com "critérios de valor" ético-morais como com o conceito de "utilidade". Assim, a abstracção social do valor aparece integrada num processo ontológico da substância do trabalho, que sempre se conserva na mudança e é igualmente "fenómeno primordial": "Sobretudo, no valor como categoria social não tarda a apresentar-se o fundamento elementar do Ser social, o trabalho. A sua ligação às funções sociais do valor revela ao mesmo tempo os princípios fundamentais estruturantes do Ser social, que provêm do Ser natural do Homem e simultaneamente do seu metabolismo com a natureza..." (ibidem, p. 46) Como tal, seria essencial que se definisse de um modo transhistórico "a unidade final do valor como factor real do Ser social, sem prejuízo das suas mudanças estruturais qualitativas altamente significantes no decurso do desenvolvimento da sociedade..." (Georg Lukács, Ontologie des Gesellschaftlichen Seins [Ontologia do Ser social], vol. parcial, Die Arbeit [O Trabalho], ibidem, p. 97).
Também o "valor económico" em sentido mais restrito recebe uma bênção ontológica, como lei do valor do trabalho: "A lei mais geral, a lei do valor, foi demonstrada por Marx por exemplo no capítulo introdutório da sua obra principal. No entanto é imanente ao próprio trabalho, uma vez que está ligada, através do tempo de trabalho, ao próprio trabalho como desabrochar das capacidades humanas, estando mesmo assim já implicitamente contida onde o Homem ainda apenas faz trabalho útil, onde os seus produtos não se convertem em mercadorias, e mantendo-se implicitamente ainda em vigor depois de terminada a compra e venda das mercadorias (Georg Lukács, Ontologie des Gesellschaftlichen Seins [Ontologia do Ser Social], vol. parcial, Die ontologischen Grundprinzipien von Marx [Os princípios ontológicos fundamentais de Marx], ibidem, p. 107). Lukács demonstra aqui com uma particular clareza como a transformação histórica no entendimento do marxismo do movimento operário se refere em exclusivo à circulação e à distribuição. "A compra e venda" pode ainda não se ter efectuado ou estar prestes a passar à história, mas o "trabalho" abstracto e o valor são para a eternidade. Na opinião de Lukács, com o socialismo "termina a estrutura da troca de mercadorias, a eficácia da lei do valor para o indivíduo como consumidor. No entanto vai de si que, na própria produção e no quadro do crescimento das forças produtivas, o tempo de trabalho socialmente necessário e com ele a lei do valor como regulador da produção têm de se manter em vigor inalterados" (ibidem, p. 189). A ontologização da lei do valor simplesmente como "economia de tempo", no entanto, simplesmente esquece (já acontecendo o mesmo, por vezes, no próprio Marx) que também a qualidade do tempo como tal é historicamente diversa, e que ele apenas é destrutivamente "economizado" em sentido moderno no espaço funcional capitalista.
O "socialismo" neste sentido reduzido, limitado à regulação modificada das relações jurídicas e de distribuição, não transcendendo a ontologia capitalista, também tem então de confirmar involuntariamente a qualidade social explicitamente idêntica: "O que o capitalismo tem de especial é que produz espontaneamente uma produção social no sentido próprio da palavra; o socialismo transforma essa espontaneidade em uma regulação consciente" (Lukács, ibidem, p. 182). A diferença qualitativa, que em sentido estrito não o é, limita-se à suposta transição da "espontaneidade" da regulação ("anarquia do mercado") para a "regulação consciente", enquanto o "quê" desta espontaneidade ou regulação, o conteúdo social basilar, a "produção social", é ontologicamente elevado à "continuidade do desenvolvimento humano", como "substancialidade real do processo na sua continuidade" (ibidem, p. 180). Precisamente aquilo que deveria ser abolido sem dó nem piedade, para se romper com a falsa ontologia capitalista, assim é declarado "conditio humana"; como em geral, a ideia de uma "conditio humana", de uma "autenticidade" antropológica que possa ser aferida e instituída nos seus direitos, é um sinal de todo o pensamento afirmativo por princípio.
Com o trabalho abstracto a ser deste modo ontologizado em condição humana e sendo representada como intransponível a concomitante constituição de uma "segunda natureza", Lukács também se enquadra na metafísica da história e na ideologia do progresso do Iluminismo, onde o desenvolvimento da abstracção do valor se mantém de pedra e cal como uma continuidade meta-histórica, da craveira de uma "necessidade" hegeliana: "Também o trabalho socialmente necessário (logo ipso facto abstracto) é uma realidade, um momento da ontologia do Ser social" (ibidem, p. 48). Lukács, ao mesmo tempo, está bem ciente de que esta história como ontologia "dinamizada" é uma história de vítimas: "No século XIX, milhões de artesãos independentes viveram a entrada em vigor desta abstracção do trabalho socialmente necessário como a sua própria ruína, com isso sofreram na prática as consequências concretas, sem fazerem a mínima ideia de que enfrentavam uma abstracção traduzida em factos pelo processo social; esta abstracção tem a mesma dureza ontológica da facticidade de por exemplo um automóvel que nos passa por cima" (ibidem, p. 48 s.). Porém, este conhecimento não leva o ontólogo do trabalho à crítica radical e à ruptura com a falsa ontologia, mas apenas ao "reconhecimento da necessidade". A seu ver, essa "dureza da facticidade" abarca em si o "progresso ontológico..., sendo que se destaca claramente que a essência do desenvolvimento ontológico se encontra no progresso económico (que acaba por dizer respeito ao destino do género humano) e as contradições são as suas formas de aparência ontologicamente necessárias e objectivas" (ibidem, p. 56). Ora sacrificai-vos ao "progresso ontológico" da economia do trabalho e do valor, com os seus pequenos riscos e efeitos colaterais.
Moishe Postone não se debruçou sobre a ontológica obra principal e tardia de Lukács; mas aquilo que ele diz sobre o que acaba por ser a inconsistência das suas obras anteriores, que antes de mais argumentavam na crítica do conhecimento a partir das formas do pensamento, também se aplica à "Ontologia do Ser social": "A identificação do proletariado (ou da espécie) com o sujeito histórico acaba por manter-se na mesma representação historicamente não diferenciada do ‘trabalho’ que o ‘marxismo ricardiano’. O trabalho é definido como a fonte transhistórica da riqueza social e é considerado a substância do sujeito histórico, isto é, aquilo que constitui a sociedade" (Postone, ibidem, p. 138). Assim Lukács se enquadra nesse "marxismo ocidental" (Perry Anderson) que, embora aqui e ali tenha arranhado o verniz do paradigma do marxismo do movimento operário, de modo nenhum o suplantou decisivamente. A prática histórica do "socialismo real", que passava por uma modernização recuperadora ainda por inteiro nos horizontes da ontologia capitalista da modernidade, era deste modo mais apoiada filosoficamente do que criticamente decifrada.
Quanto a Lukács, sempre se pode ainda aduzir como atenuante ter escrito num tempo em que esta prática histórica da modernização recuperadora (mal entendida como transcendente) todavia não se tinha esgotado, e ainda parecia encaminhada para o seu auge, numa segunda vaga de movimentos de libertação nacional e regimes progressistas do Sul global, segundo o "modelo" russo-soviético. A inacreditável inércia de padrões interpretativos ideológicos para além da sua fundamentação na história real, porém, evidencia-se no facto de que as teorizações legitimadoras de uma ontologização do trabalho abstracto prosseguem mesmo após a derrocada do socialismo real e da modernização recuperadora, tal como as unhas dos pés dos cadáveres ainda continuam a crescer por algum tempo embora o corpo no seu todo já esteja morto. Do mesmo modo, a continuada elaboração da ontologia do trabalho por uma obsoleta e desmoralizada esquerda ocidental de proveniência tradicional também já não se desenrola na cabeça cerebralmente morta de uma História defunta, mas apenas nas extremidades de modelos de fim de linha. A notícia do fim do seu mundo ainda não chegou às unhas dos pés ideológicas.
Esta literatura histórica "das unhas dos pés" de um marxismo do trabalho já morto e enterrado, como formação associada a uma determinada época que ainda continuará a assombrar o mundo durante bastante tempo, não raramente se apresenta com pretensões teóricas elevadas; afinal pode valer-se, contra a nova elaboração da teoria crítica do valor e da respectiva crítica da ontologia do trabalho ainda em desenvolvimento embrionário, de toda a riqueza teórica da antiga exegese do Marx da ontologia do trabalho — com o único senão que essa riqueza de outrora entretanto assumiu o aspecto de um "belo cadáver". Este género de ontologia do trabalho marxista muito documentada, mas já não mediada histórico-socialmente, é provavelmente um fenómeno mundial.
Na Alemanha enquadra-se neste lote a obra do intérprete marxista de Hegel, Dieter Wolf, com o qual a elaboração da teoria crítica do valor por assim dizer já teve várias colisões desde o fim dos anos oitenta. Não é por acaso que o livro de Wolf publicado em 1985, fundamentado na ontologia do trabalho, "Ware und Geld [Mercadoria e Dinheiro]" foi reeditado sob o título "Der dialektische Widerspruch im Kapital. Ein Beitrag zur marxschen Werttheorie [A Contradição Dialéctica no Capital. Uma achega à teoria do valor de Marx]" (2002). Esta reedição insere-se no contexto de uma talvez derradeira tentativa do marxismo académico chegado à idade da reforma, de só mais uma vez iniciar uma espécie de contra-ofensiva contra a nova crítica do capitalismo feita pela crítica do valor.
Já fala por si a forma como Wolf pretende enquadrar a crítica da economia política de Marx na história das teorias: "Marx com a sua teoria não assume uma posição independente da história das teorias, a partir do qual invalida as teorias dos seus antecessores. Como mostra um olhar à génese do socialismo científico, trata-se antes de um movimento histórico-social em que Marx, confrontando-se com as teorias anteriores e a situação economico-social mais adiantada, abre caminho através destas teorias em direcção ao trabalho social como o fundamento que tanto lhes é comum como inconsciente" (Dieter, Wolf, Der dialektische Widerspruch im Kapital. [A Contradição Dialéctica no Capital], Hamburgo 2002, p. 19).
Marx é inserido num movimento de fundo da história das teorias que se mantém no interior dos limites da ontologia capitalista. Este é um exemplo típico de um conceito errado de "imanência", na maior parte dos casos implícito nas pretensões de uma suposta "crítica imanente". O movimento centrífugo da imanência para a transcendência è devolvido à origem; a transcendência desaparece, ou então uma posição que no essencial continua imanente faz-se passar por transcendente. O que já se manifestara relativamente à filosofia iluminista no seu todo no seio do marxismo do movimento operário repete-se com relação à teoria económica em sentido mais restrito: a teoria de Marx figura como a mera continuação da construção de um edifício, de uma espécie de panteão da história da reflexão moderna, em cuja construção também participaram os seus "antecessores", nele tendo encontrado o seu lugar. A crítica de Marx não se apresenta assim sob a perspectiva da ruptura com toda a teoria que o antecedeu, ruptura que operou de uma forma incipiente no quadro da confrontação imanente (e que hoje teria de ser completada), mas sob a perspectiva da continuidade em que alegadamente se insere com a teoria precedente. Sob esta perspectiva, Marx não "rompe", mas "continua a desenvolver". E o "trabalho social" é axiomaticamente declarado o conceito essencial desta falsa continuidade, "o fundamento tanto comum como inconsciente", não só da moderna história da continuidade, como duma sociabilidade transhistórica em geral.
A partir da premissa ideológica desta falsa história da continuidade desdobra-se agora a argumentação legitimadora da ontologia do trabalho. Neste caso, Wolf é mais exigente que a superficializada literatura tecnocrática e positivista do defunto universo científico do "socialismo real", na medida em que tenta como outrora Rubin (de resto sem sequer o mencionar) proceder a uma exo-diferenciação histórica do conceito da abstracção "trabalho" ou do "trabalho abstracto", a fim de o salvar como transhistórico. Ele distingue três níveis de abstracção. A abstracção do trabalho na forma da mercadoria, como de costume deduzida na circulação da mera "abstracção da troca", é em primeiro lugar distinguida da abstracção meramente conceptual (nominal) do "trabalho", tida como "racional": "Para tornar isto claro, observemos uma quantidade de cadeiras diferentes umas das outras: podemos reter em mente a qualidade de serem cadeiras, como a qualidade geral que é comum a todas. Aqui é levado em linha de conta o facto real de a toda a cadeira, seja ela de cozinha, de sala ou de jardim, etc., assistir a qualidade de ser simplesmente uma cadeira, independentemente da sua forma concreta virada para um determinado tipo de utilização. Cada cadeira em particular, tal como qualquer trabalho em particular, pode, por um lado, ser contemplada sob o aspecto da particularidade em termos de conteúdo e, por outro, sob o aspecto de uma qualidade geral que abstrai dessa particularidade" (Dieter Wolf, ibidem, p. 55 s.)
Há algo de insólito em equiparar a abstracção do trabalho com a da cadeira. Mas é precisamente isso que chama a atenção para o contra-senso. É que no caso das cadeiras a qualidade comum a que se refere a abstracção e que a torna "racional" é por de mais óbvia. Mas não é esse o caso do trabalho. As qualidades totalmente díspares das áreas da reprodução e da vida humanas, ou das possibilidades humanas de uma "alienação" de actividade, não podem ser reunidas no mesmo plano, como no caso das cadeiras, sob um conceito genérico qualitativo comum "racional"; antes pelo contrário, esta generalização em si é tudo menos racional.
Wolf também não salva o assunto reduzindo-o à transformação das matérias naturais: "... tratar-se-á apenas de ver no trabalho útil concreto um processo de transformação da natureza, que se materializa em um pedaço de matéria a que foi dada uma determinada forma" (ibidem, p. 54). A qualidade comum dos diversos "trabalhos úteis concretos", no entanto, está aqui definida de um modo muito genérico, não tomando em conta o metabolismo dos homens consigo mesmos, a sua actividade na relação social que não se "materializa em um pedaço de matéria a que foi dada uma determinada forma" (ou seja, aquilo que no capitalismo figura por exemplo sob a designação de "prestação de serviços pessoais"). Mas se incluirmos as áreas de actividade socialmente interactivas, nada resta da abstracção "trabalho" senão o facto de se tratar de um modo de alienação humana em geral. No entanto, esta qualidade é tão genérica que já nem representa um enunciado que faça qualquer sentido. Sobretudo, a este nível exagerado de abstracção, já nem pode ser delimitada de modos de alienação humana como o jogo, o sonho, a contemplação, a sexualidade, o passeio, o prazer, etc. Precisamente por isso, o conceito abstracto de trabalho afinal não nasceu como conceito genérico "racional" deste tipo, mas primordialmente como uma abstracção social negativa (aquilo que é feito por um escravo, independentemente do conteúdo específico).
Mas, precisamente porque não foi possível estabelecer nenhuma generalidade social do conceito de trabalho deste modo de abstracção social (a não ser no sentido meramente metafórico da negatividade, do sofrimento), esta, como conceito abstracto de "trabalho", pertence unicamente ao moderno sistema produtor de mercadorias. A "qualidade geral" das alienações de energia humana de serem designadas por "trabalho" não se deve a nenhuma "abstracção racional", mas apenas faz sentido se essa "generalidade" consistir na potencialidade de dar valor; apenas através desta comunidade social (negativa), as diversas actividades podem ser subsumidas sob o conceito de trabalho, como os diversos tipos de cadeira sob o conceito de cadeira. Portanto, a abstracção nominal é apenas uma consequência da abstracção real e de modo nenhum é em si "racional".
Nada melhor é a situação do segundo nível de abstracção do conceito de trabalho, que Wolf vai buscar para ontologizar o trabalho abstracto. Este já não conteria apenas um suposto conceito genérico "racional", segundo o exemplo da cadeira , mas representaria um conceito da prática social. Wolf recorre neste caso à linha de argumentação ontologizante do próprio Marx, que afinal também serve de tábua de salvação a Lukács e a toda a ontologia do trabalho marxista. Aqui já não se trata do mero conceito genérico, do "trabalho humano abstracto como qualidade geral dos trabalhos úteis concretos" (Wolf, ibidem, p. 54), mas da relação social prática das diversas áreas de actividade e "alienações" individuais e particulares umas com as outras.
Neste sentido da regulação social e do "reconhecimento" mútuo, é agora introduzido um segundo conceito de "trabalho humano abstracto" em sentido social: "Existe, no contexto social em que os seres humanos despendem os seus trabalhos úteis concretos, um processo em que os mesmos, abstraindo do seu carácter concreto e útil, também sejam referidos uns aos outros como humanos, isto é, gerais e abstractos? Esse processo existe. Ele consiste na já referida distribuição do trabalho social em determinadas proporções, tal como é comum a todas as formações sociais. Se, a partir desta distribuição, for possível determinar por que os trabalhos úteis concretos também podem ser referidos uns aos outros como abstractos e humanos, nesse caso trata-se de uma situação a-histórica, comum a todas as comunidades" (ibidem, p. 48).
Esta, no entanto, é uma interrogação que como tal nem sequer existe nas sociedades pré-modernas. Wolf confunde aqui duas coisas completamente diferentes. A única coisa que vai de si é que qualquer sociedade implica uma relação com a natureza e relações sociais, que os seres humanos têm de assegurar a sua reprodução através de interacções para comerem, beberem, se vestirem, habitarem, lidarem uns com os outros, brincarem, formarem uma imagem do mundo, etc. Daí, no entanto, não decorre nenhuma abstracção de um "dispêndio de energia humana" no sentido de uma regulação de conjunto. Por exemplo, o facto de se saber que é preciso semear para colher não implica um "sistema de contabilização" geral social do dispêndio de energia, que seria implícito numa generalidade abstracta correspondente. Se e na medida em que semelhante regulação contabilística ocorre em sociedades agrárias, refere-se invariavelmente apenas à abstracção social de uma determinada actividade, nomeadamente à dos socialmente dependentes, e de modo nenhum a uma "generalidade social"; e, em determinadas sociedades, não ou não em primeira linha à reprodução da vida, mas a fins transcendentes (por exemplo na construção das pirâmides no Egipto antigo).
A questão também poderia ser formulada da seguinte maneira: todas as sociedades pré-modernas partem implicitamente do princípio de que, de qualquer modo, há sempre tempo de sobra à disposição, que se "tem tempo", e de modo nenhum é preciso colocá-lo adicionalmente numa "relação de escassez" das diversas actividades ou alienações humanas em geral. Semelhante ideia ter-se-ia afigurado pura e simplesmente absurda. Aqui se revela claramente um determinado aspecto das diversas qualidades históricas do tempo. Marx chamou repetidamente a atenção para o absurdo do facto de que é precisamente a aplicação de meios "economizadores de tempo" no capitalismo moderno que está ligada a uma eterna falta de tempo e simultaneamente à transformação do tempo de vida em "tempo de trabalho". A razão é que a economia apenas técnica do tempo (que, mesmo no plano técnico, muitas vezes se teria afigurado ridícula e grotesca à consciência pré-capitalista) é definida por uma relação social que se baseia no "descomedimento [Masslosigkeit]" (Marx) do capital, nomeadamente na incorporação desmedida do dispêndio de energia humana em unidades de tempo abstractas.
Assim, quando Wolf afirma a "relação (social) mútua dos trabalhos úteis concretos como humanos abstractos" (ibidem, p. 49), de resto entroncando directamente em Rubin e no seu conceito de "equiparação social" (como já se disse, sem referência à origem), na medida em que ela está "incluída na distribuição proporcional da totalidade do trabalho à disposição duma comunidade" (ibidem), Wolf está a cometer um anacronismo. O sistema de tributos, exacções, etc. vigente nas antigas sociedades agrárias como expressão da dominação social em determinadas constituições de fetiche não se baseava exactamente numa "contabilização" assim tão absoluta e totalitária. Elementos de semelhantes práticas apenas se encontram em trabalhos forçados periódicos, por exemplo na construção das pirâmides, da muralha de China, etc. Nesses casos, porém, invariavelmente se tratou de ocorrências de expressão limitada, que de modo nenhum abrangiam a totalidade da reprodução social.
A simples a ideia de fazer o levantamento da "totalidade do trabalho à disposição duma comunidade" já contém em si sem o saber o descomedimento capitalista e o totalitarismo da forma do valor, tal como historicamente foi pela primeira vez idealizado pelo protestantismo. O facto de as sociedades que apostaram na modernização recuperadora, com a sua lógica da planificação estatal, terem sempre procedido precisamente a esse "levantamento [Erfassung]", tendo com esse acto primeiramente definido a "população" como "força de trabalho colectiva" abstracta, não foi mais que a repetição da história da constituição capitalista da "soberania", a qual tinha seguido o mesmo percurso com outro revestimento ideológico.
Embora Wolf, contrariamente aos ideólogos do socialismo de estado, se demarque com facilidade da transformação do "valor em uma categoria a-historicamente válida" (ibidem, p. 47), vê-se obrigado, em completa sintonia com os trechos de ontologia do trabalho de Marx ou com a ontologia do trabalho de Lukács, a tentar salvar a definição do valor como transhistórica num determinado sentido, recorrendo ao conceito de "distribuição proporcional dos diversos trabalhos": "Se o valor das mercadorias não é uma categoria de validade a-histórica, e se nem sequer existiu em todas as formações sociais, tal não exclui que também se trata sempre de algo que é comum a todas as formações sociais... Este ‘algo’ é... a distribuição da totalidade do tempo de trabalho que está à disposição de uma sociedade pelos vários trabalhos úteis concretos. Esta distribuição é sempre efectuada num contexto historicamente determinado, que ao mesmo tempo decide sobre o reconhecimento social dos vários trabalhos, ou seja, sobre a sua forma historicamente específica" (ibidem, p. 47).
Para Wolf, portanto, o "trabalho" é historicamente diferente apenas no sentido de diferentes "formas de reconhecimento", sendo que a forma moderna, capitalista, está determinada precisamente pelo mercado, isto é, pela troca dos produtos do trabalho como mercadorias. O conceito de uma "forma de reconhecimento" já encerra em si a possibilidade do não reconhecimento, que é igualmente ontologizado. Uma relação de reconhecimento e não reconhecimento, a ser regulada à parte por instâncias de mediação social, é no entanto um elemento basilar das relações de dominação e por conseguinte de fetiche.
Wolf ontologiza a relação de reprodução e de submissão fundamental do trabalho abstracto, mas quer separar dela a correspondente relação de mediação do mercado, para declarar apenas esta última a característica específica do modo de produção capitalista: "Assim, embora numa comunidade não capitalista os trabalhos úteis concretos também sejam mutuamente relacionados como abstractos e humanos no âmbito da distribuição proporcional da totalidade do trabalho, o seu carácter social geral não consiste porém em trabalho humano abstracto, mas, de um modo que se explica pela natureza do contexto social, em trabalho útil concreto. Tal como nas comunidades não capitalistas, também numa comunidade capitalista os trabalhos úteis concretos são mutuamente relacionados, na distribuição proporcional da totalidade do trabalho, como abstractos e humanos... Aqui, porém, trata-se de um papel social extraordinário que é desempenhado pelo trabalho humano abstracto em apenas uma única situação social" (Wolf, ibidem, p. 49).
O que aqui vemos não é mais que rabulística conceptual. Se, numa comunidade não capitalista, o carácter socialmente geral dos trabalhos já consiste no trabalho útil concreto, já não sobra lugar para o conceito de trabalho humano abstracto, e nesse caso o conceito de trabalho como tal, que em si já representa uma abstracção, não pode ser aplicado em sentido moderno ou, nos casos onde existe de algum modo um conceito abstracto para "actividade em geral", este refere-se a tudo menos à generalidade social (actividade dos escravos, etc.). O facto de em todas as formas de alienação na sociedade se tratar de alienações humanas ou mesmo sociais não necessita de uma conceptualidade extra, uma vez que já de si é evidente. Se, portanto, Wolf opera com dois estatutos diferentes do "trabalho humano abstracto", sendo que o que se supõe ontológico e transhistórico deve desempenhar apenas no capitalismo um "papel extraordinário", enquanto o autor não consegue indicar nenhum "papel" com algum sentido para situações não capitalistas, tal apenas comprova que ele tenta a todo o custo introduzir de contrabando a especificamente moderna abstracção trabalho na história e no futuro.
As suas subdivisões do trabalho abstracto em pretensos dados ontológicos, por um lado, e factos especificamente capitalistas, por outro, tal como os esforços similares de Lukács, não passam de bizantinices. Quem se pode permitir este tipo de rabulística como mero malabarismo conceptual são os marxistas do trabalho ocidentais, porque não respondem por um processo de reprodução social real com base no trabalho abstracto e na forma do valor, enquanto os pensadores do socialismo real, no sistema de referência da "produção planificada de mercadorias" e sob a pressão das contradições intrínsecas às mesma, tiveram de afirmar bastante brutal e abertamente a categoria do trabalho abstracto nua e crua.
Os ideólogos do socialismo real não foram mais estúpidos, mas de certa maneira, com o seu modo de pensar afirmativo, mais inteligentes do que marxistas ocidentais como Wolf, ao retirarem da ontologização do trabalho abstracto a consequência de uma igual ontologização da forma do valor e da mediação do mercado ("planificada"). É que ambas estas coisas também andam na realidade associadas; o mercado não é outra coisa senão a "esfera de realização" do processo abrangente de valorização, e como tal imprescindível. Quando Wolf declara apenas a mediação do mercado no "papel" especificamente capitalista de "trabalho humano abstracto", ontologizando ao invés a situação basilar da abstracção trabalho, lança uma luz meridiana sobre o que ele entende por uma sociedade pós-capitalista, supostamente emancipada.
Um sistema de trabalho abstracto sem a correspondente mediação do mercado apenas poderia ser uma ditadura extremamente repressiva do processo de reconhecimento/não reconhecimento, contabilização e distribuição, levantamento e administração de pessoas, à moda de Estaline ou quiçá de Pol Pot; ou seja, precisamente o que os marxistas tradicionais andaram repetidamente a vaticinar como alegada consequência da crítica do valor para a denunciarem e repudiarem. No entanto, só é emancipatória a suplantação do sistema do trabalho abstracto por inteiro, incluindo a mediação do mercado; não, porém, da mediação cega do mercado sozinha (que nem poderia ser uma suplantação verdadeira, mas apenas uma ingerência exterior, estatal, que se mantém vinculada à forma categorial do valor e, com isso, do mercado).
Portanto, é precisamente a teoria supostamente mais reflectida, ocidental, de uma crítica do trabalho abstracto e do fetichismo, cuja intervenção no entanto fica absolutamente limitada à esfera da circulação, que tem de ser alvo da acusação de implicação num sistema estilo Pol Pot; e não a crítica do valor, que como crítica radical do trabalho se destaca exactamente da anterior ao pôr a descoberto a relação de reprodução subjacente no seu todo e desde a raiz. Só quando se acabar de vez com o conceito de "trabalho humano abstracto", que não assombra apenas Wolf, se ganhará uma perspectiva emancipatória que aponte um caminho para lá do modo de produção capitalista, e em especial para além do paradigma da "modernização recuperadora", que carrega sobre os cérebros de esquerda como um pesadelo.