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Primeira Edição: Original alemão DIE SCHULE DES BELLIZISMUS in www.exit-online.org. Tradução de Lumir Nahodil
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Um dos mais perniciosos de entre os muitos conceitos orwellianos que as instituições de ensino superior inculcam aos seus discípulos é o de "realismo". Logo que, no discurso hipócrita do pensamento ideológico afirmativo que idolatra os valores ocidentais, seja pronunciada esta palavra, convém procurarmos a arma, caso a tenhamos. Ser "realista" significa apenas uma coisa: não se limitando a reconhecer a jaula de ferro das "necessidades" burguesas, pressupô-la à partida como o melhor de todos os mundos. Nunca por nunca admitir que a coisa real em si é profundamente repelente. A ideologia do realismo é a mãe de toda a falsidade. É disso que tem de se falar quando se discute a causa do belicismo de esquerda anti-alemão, tal como ele se apoderou, nos dias que correm, em diversos graus e medidas, de uma grande parte da imprensa alemã outrora conotada com a esquerda radical. Partindo do núcleo duro reunido em torno da revista Bahamas, o belicismo é representado pela redacção do semanário Jungle World, sendo degustado com um piscar de olho no magazine mensal Konkret e tolerado na redacção ou hospedado como publicista nas revistas Blätter des Informationszentrums 3. Welt (iz3w), bem como na Phase 2.
Nestes media, não só se recorre à projecção a fim de se reduzir a guerra capitalista de ordenamento mundial levada a cabo sob a liderança da última potência mundial, dos EUA, às dimensões da situação ideológica na Alemanha; também se faz de conta de aqui se tratar de pregadores solitários que se levantam num putativo deserto jornalístico alemão do "antiamericanismo". Em boa verdade, uma parte significativa dos media alemães (tal como largos sectores da política alemã e, sobretudo, dos gestores empresariais) apoiaram fielmente a intervenção militar dos EUA no Iraque e, à frente de todos os demais, o órgão de combate bolsista Wirtschaftswoche e o velho bastião da propaganda anticomunista do magnata jornalístico Springer, o diário Die Welt. A Bahamas, publicação belicista hardcore, até reconheceu esse facto abertamente: "A caminhada dos EUA para a guerra contra o regime de Saddam Hussein foi apoiada sem reservas e com bons argumentos...O Die Welt destoa, deste modo, de forma decisiva da maré dos amigos da paz podre ..." (Bahamas 41/2003). Assim sendo, a imprensa anti-alemã e belicista de esquerda não se ergue, numa postura de solidão heróica, contra "os" alemães e os seus media uniformizados, tal como ela própria se estiliza, mas está de braço dado com as piores forças reaccionárias existentes na Alemanha. A sua mensagem vem no mesmo comprimento de onda que a dos jornais alemães ultra-neoliberais, economicistas radicais e conservadores de direita no sentido "atlântico". E a Jungle World não se poupou a esforços para merecer o seu novo nome como o Welt dos pequenitos da fauna de esquerda influenciada pelo belicismo.
Pingando silenciosamente, mas com insistência, introduziu-se através desta imprensa, a partir do 11 de Setembro, uma ideologia pro-imperial de "libertação" que se esforça por atribuir qualidades emancipatórias, logo à máquina mortífera de alta tecnologia da última potência mundial capitalista, os EUA, tendo celebrado esta notável ideia, durante a campanha do Iraque, numa variante "de esquerda" do embedded journalism. Embora até à data nenhum dos representantes desta corrente de pensamento tivesse integrado pessoalmente a tripulação de um tanque Abram, várias redacções e numerosos autores fizeram em grande medida sua a perspectiva histórica vista pela estreita escotilha desse veículo tecnicamente impecável.
Para além do antisemitismo (e em estreita ligação com este, embora numa oposição na aparência diametralmente oposta ao mesmo), esta é de facto a última perspectiva do pensamento iluminista burguês nos limites do moderno sistema de fetiche produtor de mercadorias. A racionalidade monetária armada do radicalismo de mercado e a irracionalidade sangrenta da reacção de crise anti-semita tocam-se, para lá do fim do movimento de desenvolvimento histórico do capital, na violência sem perspectivas em que as contradições insanáveis se descarregam. E os belicistas de esquerda anti-alemães voltam a abraçar a racionalidade da mercadoria, na ilusão de que aqui, uma vez mais, um lado "menos mau" poderá ser dotado de conotações positivas. No entanto, a loucura endémica da racionalidade iluminista em lado nenhum se deixa reintroduzir na garrafa, já que deixou de existir qualquert impulso fundamental de desenvolvimento baseado no "trabalho abstracto".
Aos pensadores-mores que vão à frente das lagartas dos tanques seguem-se as hostes dos peões ideologicamente ensaboados provenientes do antigo espectro antifascista, por assim dizer a infantaria intelectual do belicismo pro-imperial "de esquerda". E a questão que aqui se levanta é a de como algo assim pode de todo funcionar ao nível do discurso, como pode actuar sob a máscara de um realismo "de esquerda". Mesmo que seja com subtis diferenças, que fazem parte da insidiosidade específica deste assunto.
Como é evidente, alguns dos motivos fundamentais do espectro belicista de esquerda ou favorável ao belicismo podem sem dúvida ser descritos. Na (em grande medida escamoteada) crise mundial do moderno sistema produtor de mercadorias, surgem as recordações positivadoras da própria forma capitalista do sujeito, assim como vivas e, até certo ponto, saudosas reminiscências da suposta promessa de felicidade da sociedade burguesa, invoca-se o carácter "civilizatório" do centro imperial, dos EUA, regressando-se ao lar dos tópicos essenciais da constitutiva ideologia burguesa do século XVIII. É esta a voluptuosa união com o mainstream da globalizada consciência neoliberal, no caminho do regresso ao império mundial ideal da racionalidade da mercadoria, precisamente porque na realidade já quase nada é possível para além de intervenções militares. E, para mal dos seus pecados, os bárbaros têm de ficar à porta, pois afinal não passam de aproximadamente cinco mil milhões de anti-semitas depauperados, ou acaso não é assim?
Para além de tudo isso, o tronco cerebral burguês de esquerda pensa, de qualquer forma, de um modo perfeitamente espontâneo, que nunca pode fazer mal estar-se do lado do mais forte. Aí o raciocínio torna-se mais fácil. O proletariado e o poderio soviético são coisas do passado, mas ao menos ainda existe o Pentágono. E já os novos tempos voltam a estar do nosso lado, incluindo a promessa de felicidade e tudo o mais. Confere-se um ar de crítica radical a tudo isto, inventando-se um novo perigo alemão ou euro-asiático para o mundo, uma mítica superpotência negativa e virtual que, lado a lado com o grão-ducado de Luxemburgo, desafia o aparelho militar dos EUA, o último garante da "civilização", ao qual, na sua aflição, evidentemente tem de se dar o mais veemente dos apoios. Para além do mais, os iraquianos, os islamistas da Al-Quaeda e, de um modo geral, "os muçulmanos lá em baixo" são os melhores alemães que alguma vez existiram. Tudo é igual a tudo o mais e uma única prova de que "a essência alemã, na figura do terrorista suicida muçulmano" (declaração da Bahamas do 17.9.2001) pouco fez por encobrir a sua verdadeira identidade. E já a ideologia anti-alemã deu a volta a quase tudo, ou será que ainda falta alguma coisa?
Mas não é disso que aqui se deve tratar. Nem de conteúdos teóricos, nem de uma disputa em torno da verdade. Afinal a "causa" burguesa nunca é o conteúdo, e muito menos a verdade. Pois bem, de algum modo o conteúdo não deixa de existir mas, nas sociedades fetichistas, e muito particularmente na moderna "civilização" da mercadoria, é considerado sinal de má educação chamá-lo pelos nomes devidos, porque na maior parte dos casos é tão imundo. Tem-se certas necessidades objectivas de sujidade, mas não se fala do assunto. Ou, quando muito, da mesma forma como o professor católico de religião e moral explica o acto sexual, que pelo menos ele próprio tem como sujo, com o famoso exemplo da abelha e da flor. A alta escola do jornalismo burguês consiste em dizer tudo de uma forma tal que faça transparecer certas necessidades sem as fazer parecer demasiado imundas. E, em especial para o jornalismo burguês de esquerda, ainda é mais alta a escola de quem sabe colocar-se virtuosamente do lado do poder precisamente sob a forma da crítica, ou seja, de desenvolver uma "ladainha" tão astuta quanto possível, que permita manter no seu séquito um público que, bem lá no fundo, deseja poder querer algo totalmente diferente, mas que ainda assim acaba por deixar-se ludibriar de bom grado, uma vez que se encontra condicionado em função dos mecanismos da racionalidade da mercadoria.
Um ponto importante neste jogo consiste no facto de o verdadeiro "assunto" da sociedade burguesa ser, em vez do conteúdo, desde sempre a forma. O conteúdo em si é considerado sujo, a forma em si é nobre (Kant). No entanto é precisamente a forma capitalista que torna tão pouco limpo o conteúdo, e não apenas em termos ideológicos, mas em termos reais. Este facto tem de ser recalcado. Afinal faz parte da promessa de felicidade da Modernidade a possibilidade de se poder votar a uma certa indiferença o conteúdo tornado sujo. A racionalidade capitalista é a forma vazia, a forma indiferente a qualquer conteúdo, do valor no sistema da valorização do valor. A isto corresponde o carácter de forma vazia de toda a "civilização" burguesa. As formas de trato da sociedade civil são tão vazias de conteúdo como a forma do fetiche que se encontra na sua base. Este facto torna a verdade quase impronunciável. E com isso o belicismo de esquerda jornalístico pode viver muito bem. Este vende o imundo conteúdo fazendo surf em cima da consciência formal dos seus destinatários.
Qualquer filho de dentista com licença de vela e dotado de uma sólida semi-cultura humanista já bebeu a questão da forma com o respectivo biberão, mesmo que o destino o tenha atirado para o seio da esquerda anti-alemã. Mal ele recupere, um dia, os sentidos como um belicista pro-imperial, é precisamente por isso que sabe comportar-se. A forma determina a consciência. Mesmo que não saiba mais nada, tem um vago pressentimento disto. Aí entra em funções a racionalidade formal burguesa geral e alheia ao conteúdo: Um tiro na nuca em princípio até está bem, mas a forma tem de ser salvaguardada. Evidentemente existem situações excepcionais. Mas se for mesmo imprescindível trair o seu papel por momentos, convém que ninguém o veja. Importa atirar o cadáver rápida e silenciosamente ao rio, numa noite de lua nova, dar às de vila-diogo e, no dia seguinte, voltar a apresentar-se ao serviço com o cabelo acabadinho de secar e com o sorriso solícito do realismo nos lábios. Nem há que pensar duas vezes. Assim raciocina qualquer tronco cerebral burguês, e em particular o anti-alemão softcore.
Convém anotar que o "cadáver" constitui aqui uma metáfora para todas as necessidades um tanto sujas e húmidas. Como é evidente, o termo "húmido" aqui, longe de designar algo de erótico, designa uma humidade diferente, vermelha, tanto no sentido literal como no figurado. Os trabalhos húmidos (calão dos serviços secretos, das forças especiais e das polícias torturadoras) mandam-se fazer ou, se uma pessoa tiver de tratar do assunto ela própria, não faz grande alarde disso. Essas coisas fazem parte da vida, só não convém esparramá-las tão ordinariamente em público. Assim também se passam as "coisas" quando o belicismo vende o seu peixe no seio da esquerda. O apelo à consciência formal encobre o lado húmido do assunto. A fim de podermos apreciar com que pérfida hipocrisia aliada ao primitivismo argumentativo se apresenta em especial o belicismo de esquerda apenas meio admitido na Jungle World, também conhecida como o Welt dos pequenitos, na iz3w e na Konkret, torna-se infelizmente necessário entrarmos bastante nos pormenores.
A forma mais simples de se fazer surf em cima da consciência formal burguesa consiste em operar um desdobramento, por exemplo segundo o padrão de certos métodos de investigação policial, em um "bad guy" e um "good guy". Um grita e dá socos nas trombas, o outro oferece cigarros e deixa transparecer que tudo não é assim tão grave. É aproximadamente desta maneira que funciona a divisão do trabalho entre os fanáticos do órgão de combate pró-imperial Bahamas e o resto moderado do espectro belicista de esquerda anti-alemão. Todos sabem o que têm nos outros, mas travam uma escaramuça intra-belicista destinada a fazer esquecer que uma esquerda radical reflectida, a bem dizer, deveria ser pura e simplesmente contra todas as guerras imperiais.
A berlinense Bahamas, juntamente com os seus mentores da "Initiative Sozialistisches Forum" (Iniciativa Fórum Socialista / ISF) de Friburgo, não disfarçando o orgulho do papel entretanto bem assumido do "mauzão", dizem tudo à boca cheia e de nada se retractam. Assim, encenam sem dó nem piedade ovações de pé para a guerra policial do Império, não se detendo perante a interpretação mais absurda. "Até ver, teriam de aplaudir quaisquer ataques militares dos EUA dirigidos contra centros islâmicos todos os que continuem a entender ... a emancipação da forma da mercadoria, do mercado e do estado como o pressuposto da autonomia humana. Se realmente o Afeganistão vier a ser o primeiro alvo de um contra-ataque americano, seria de exigir que este fosse perpetrado da forma mais consequente possível ..." (declaração da Bahamas do 17.9.2001). Quem não havia de entender semelhante lógica. É de esperar que o governo dos EUA tenha reparado no facto do bonsai berlinense do espírito universal lhe ter dado pessoalmente a autorização para o massacre bombista.
E, como todos gostaram tanto, repete-se todo o ritual aquando do ataque ao Iraque. Até os homens da linha dura imperialista em torno de Rumsfeld e os ultras do jaez de um Ashcroft estão milhas à esquerda de semelhantes arautos com o juízo turvado pela psilocibina de uma "emancipação da forma da mercadoria" operada por intermédio de porta-aviões imperiais. E como semelhantes tripes não passam sem deixar danos cerebrais irreparáveis, logo juntam mais um petardo: "A redacção da Bahamas felicita os governos dos Estados Unidos da América e da Grã-Bretanha, assim como os seus aliados ... pela sua rápida vitória ... A redacção faz seu o regozijo da população iraquiana com a sua libertação" (declaração da Bahamas do 14.04.2003). Esta já é a linguagem da paranóia galopante, uma combinação de propaganda resistente a toda e qualquer realidade com uma boa dose de megalomania que teria feito as honras de Sahhaf.
Chegados a este ponto, até os anti-alemães Softcore torcem o nariz com indignação. Não se deveria falar de um modo tão claro e louco sob o ponto de vista da racionalidade burguesa, que semelhante atitude ameaça desnudar indecentemente o inefável conteúdo. Este tipo de nudismo é malvisto. Convém manter vestida ao menos uma cueca formal se acharmos uma piada racional a pequenas carnificinas perpetradas pela polícia mundial. Por isso, o rude belicismo hardcore dá nervos aos belicistas softcore. Por favor, não façam tanto barulho, e tenham mais cuidado! "Muitos daqueles que são acusados de belicismo nem sequer querem a guerra" (Jochen Müller na iz3w 267/Março de 2003). É que apenas se esforçam por "manter em aberto a opção de uma guerra contra o Iraque como uma ultima ratio" (ibidem). A conversa não podia ser mais inofensiva, pois não? Quem quis alguma vez uma guerra, sempre a única coisa que estava em causa foi a de "manter as suas opções em aberto". E convém tomar nota da diferença em relação à megalómana Bahamas que, de potência para potência, dá os parabéns à administração dos EUA, enquanto o pessoal da iz3w se contenta em manter em aberto para si "a opção de uma guerra". Pois têm mesmo consciência da realidade, estes pretensos belicistas opcionais.
Aí já quase não faz diferença o facto de terem recitado de trás para a frente e da frente para trás a propaganda dos EUA, já há muito evidentemente mentirosa, tendo dado uma certa razão às posições belicistas, visto que "realmente é fácil de acreditar para quem conheça o regime do partido Baas que este possua armas de destruição maciça e não hesite em usá-las" (Christian Stock na iz3w 267). Afinal foi só uma ideia, depois sempre saberemos melhor. E se Bush entretanto deixou de falar em "armas de destruição maciça", por que carga de água é que o Christian Stock ainda há de falar nisso? Afinal logo tinha opinado: "In dubio contra bellum" ("Na dúvida contra a guerra", ibidem). E quem assim mal conseguir andar de cepticismo crítico acompanhado de uma compreensão benevolente por princípio para com a guerra de ordenamento mundial dos EUA, também tem à mão a fórmula costurada à medida para o belicismo softcore: "Os EUA querem o que é (parcialmente) certo, mas querem-no pelas razões erradas e com os meios errados" (ibidem). Isto é a moderação em pessoa a falar, ou não será?
E agora já entra em cena Hermann L. Gremliza, editor da revista Konkret e, de algum modo, talvez contra a guerra. Ou quase. Ele próprio não o sabe assim tão bem. A este propósito deverá estar de acordo com um prodígio de precocidade da terceira liga regional dos sub-21 anti-alemães, vindo de uma "Autonome Antifa Nordost Berlin" (AANO — antifascistas autónomos do Nordeste de Berlim) que, sob o nome Thomas Sayinski, se faz entrevistar por um pasmado redactor da Junge Welt e se faz ouvir sobre "soluções emancipatórias" com o seguinte: "Estas não podem ser reduzidas à simples questão de se ser a favor ou contra uma guerra. Nesta medida, a Autonome Antifa Nordost (AANO) recusa assumir um claro compromisso ... Não podemos responder a estas questões com um sim ou um não — e em princípio é essa a nossa resposta. Dizemos por um lado, por outro lado ..." (in: Junge Welt, 1./2.2. 2003).
Tão jovem (22), e já tão equilibrado. Isso faz vislumbrar a única coisa que o "AA" poderá representar. Se é sabido que, nos tempos pós-modernos, a puberdade se arrasta até aos 40, em compensação a esclerose realista de um pensamento burguês exo-diferenciado até ao puro e simples enunciado zero já começa aos 20. Será que este espertalhuço da Antifa resolveu ir para político? Entre Thomas S. e Hermann L. G., porém, está a desenrolar-se um enternecedor encontro de gerações. A indiferença é uma das posturas esteticamente mais belas, nomeadamente quando se trata de uma guerra.
Ora, Hermann L.G., um pouco mais vivido que Thomas S. duplo A, apesar de tudo apresenta por onde anda o seu alibi, e este consiste em ter dito várias vezes ser quase contra a guerra. E qual é a primeira coisa de que se lembra um "opositor da guerra" de um género um pouco diferente? Pois claro, de andar com uma lágrima na casa do botão em memória da maltratada e solitária última potência mundial capitalista que, com o seu golpe preventivo, perdeu tantas simpatias. Pois, essa é a reacção mais evidente, ou acaso não será assim? Coitado do Bush, pobre do Rumsfeld! Gremliza faz um sólido trabalho de luto perante o facto trágico e triste "de que os EUA, quando as coisas se tornam sérias, estão sozinhos no mundo. As massas que povoam o globo terrestre enfrentam os Estados Unidos com um misto de temor e ódio" (Konkret 4/2003). Quase dá vontade de derreter-se de compaixão pelos cowboys solitários, enquanto estes se entretêm a atirar as suas bombas de alta tecnologia em cima de algumas das massas que povoam o globo terrestre. Assim, de um modo assombrosamente realista, é-se a favor, perdão, contra a guerra. Ou lá o que é.
É-se simplesmente a favor/contra a guerra, da mesma forma como se é um/uma duplo A. Como exemplo, vejamos novamente Thomas S.: "Isto quer dizer que, mesmo que eu seja contra a guerra, um desenvolvimento emancipatório do país pode presentemente apenas ser pensado no contexto de um ataque militar" (ibidem). Aqui vemos os pensamentos emancipatórios do duplo A do Nordeste de Berlin divagarem, por motivos desconhecidos, justamente rumo ao Iraque, talvez porque por aquelas bandas existe uma oposição tão pronunciadamente emancipatória (mais tarde diremos mais a este propósito); e como o feliz acaso milagrosamente o proporciona, logo o Iraque é o país que é tomado de assalto pela máquina militar dos EUA. E em menos de nada está criado um "contexto emancipatório" e o duplo A do Nordeste de Berlim pode, de algum modo, integrar as hostes invasoras, ao menos no espírito que, entretanto, foi dos primeiros a integrar a lista dos danos colaterais. Em todo o caso sabemos, de boca infantil autorizada, que a venerável "Internacional" se enganou redondamente: Embora não nos salve nenhum deus, nenhum césar nem nenhum senhor, já um Rumsfeld nos salva, coisa que, afinal, antigamente ainda não podíamos saber.
De um modo geral, o espírito danificado pelo pensamento anti-alemão vai lentamente concebendo a excitante ideia de que Rumsfeld poderia ser uma espécie de reencarnação de Lenine. Talvez fosse boa ideia perguntarmos ocasionalmente ao Dalai Lama, que esse tem obrigação de saber estas coisas ao certo. Em todo o caso, Rumsfeld fez muito pela revolução no Iraque, ou não foi assim? Ao menos, assim fez de forma indirecta, como parteiro da guerra, e por esse acto todos os verdadeiros revolucionários têm de ficar-lhe eternamente gratos. No fundo, isso sempre foi assim, como nos sabe informar um historiador das revoluções amador do Welt dos pequenitos chamado Jörn Schulz: "Se os bolcheviques se tivessem limitado a censurar a guerra como má sem reflectirem sobre as hipóteses que para eles resultavam da até aí mais profunda crise do capitalismo, sem dúvida tinham passado a dormir a altura propícia à revolução de Outubro. A guerra equivale à agudização das contradições existentes no seio da sociedade de classes, pondo a nu o carácter violento desta. Por isso, segue-se-lhe quase sempre uma perda de legitimidade dos governantes e um ímpeto revolucionário. A primeira guerra mundial trouxe, entre outras coisas, o sufrágio feminino, a segunda guerra mundial iniciou a descolonização, e o movimento de Maio de 68 dificilmente pode ser dissociado da guerra do Vietname." (Jungle World 18/2003).
Um viva emancipatório às guerras mundiais! Pronto, e agora respiremos fundo a fim de podermos absorver por inteiro a lógica de um bem dormido pensador de riscos e chances (sendo as chances sempre maiores que os riscos). Ele desvendou-nos a razão pela qual os revolucionários, em 1914, tiveram de ser, com umas falinhas tão doces como as dele, a favor da primeira guerra mundial, e a geração de 68, a favor da guerra do Vietname. Afinal, esses eram peritos em dialéctica, sabiam como andam as coisas da lógica. Qual não foi o esforço que Lenine teve de fazer para convencer os opositores à guerra da altura de que afinal tinham de sentir uma certa gratidão para com as potências beligerantes da época pela hipótese de emancipação que abriam, podendo, por isso, dar o seu aval emancipatório à guerra, esfregando as mãos de contentes. E é a mesma cruz que hoje em dia têm os lógicos de alto gabarito do Welt dos pequenitos, com os opositores incorrigivelmente coerentes da guerra.
O assunto talvez se torne mais evidente se o expressarmos em termos ainda um pouco mais gerais: Pese embora toda a crítica, por exemplo o capitalismo acaba por ser, de certa forma, bom e louvável porque, se não existisse, não poderia ser abolido e, nesse caso, o que seria feito da emancipação face a ele? Assim sendo, não podemos ser tão consequentemente contra o capitalismo porque, de outro modo, estaríamos a destruir o pressuposto para a sua eventual superação. Tem muita lógica, não é verdade?
Esta opinião também é partilhada por um certo indivíduo que contribuiu para a discussão na Internet, e que de certo modo não acha muito bem que o "belicismo tenha sido incentivado por alguns círculos anti-alemães" (em x-berg.de). Mas por que havia isso de impedir-nos de sermos a favor da guerra? Simplesmente somos contra os belicistas, mas a favor da guerra, está certo? Dá-se a volta a esta questão ascendendo aos níveis de abstracção da "questão da violência" enquanto tal: "A questão da violência — ao fim e ao cabo também a questão de um eventual apoio à guerra passa por aí — pode ser contemplada desde uma perspectiva instrumental, não é assim?! Isso ainda não quer dizer de longe que tivéssemos de aplaudir os EUA em qualquer outra guerra que aí viesse" (ibidem). Mas nesta ainda vamos dando um viva ou outro, é assim a vida. Pronto, desta vez contemplamos a questão da violência de um ponto de vista instrumental e, sendo assim, o apoio verbal à guerra já é quase a mesma coisa que a insurreição emancipatória armada. Mais perguntas?
Estas inacreditáveis deturpações da "questão da violência", pois é claro, os pintainhos belicistas foram uma vez mais buscá-las à Bahamas, que todos eles acham "horrível", mas onde se fornecem de aproximadamente cem por cento dos seus pensamentos. Ali "sabe-se" com a ajuda de Karl Marx ("A violência é a parteira no nascimento de uma nova ordem"), "que a rejeição geral da violência é despropositada" (Bahamas 41/2003). E já sabemos por que a guerra de ordenamento mundial dos EUA deve ser apoiada com base nas leis gerais da relação entre a violência e a emancipação.
E agora segue-se, como síntese da maravilhosa lógica da esperteza saloia secundária dos belicistas, ainda uma bela adivinha para os mais pequenos de entre os leitores do Welt dos pequenitos: 1. As guerras por vezes despoletam em algum lado movimentos emancipatórios. 2. O assalto ao Iraque de algum modo foi uma guerra desse género. 3. Por isso tem-se de ser de algum modo, e de uma forma um pouco crítica, a favor do assalto ao Iraque. Ou dito de forma ainda mais singela: 1. A violência é a parteira da emancipação. 2. A agressão da máquina militar dos EUA é violência. 3. Por isso, a agressão da máquina militar dos EUA é a parteira da emancipação e deve ser bem acolhida. O que está mal neste raciocínio? Eu não vos digo, mas não custa nada descobrir. Alguma proposta?
Aí só resta fazer uma coisa, se o que está em causa é a "intervenção internacionalista", como diz o pequeno historiador revolucionário Jörn S., e dado que a "política internacionalista (compreende) os seres humanos como sujeitos actuantes e não como meras vítimas de leis económicas" (Jungle World 18/2003). Após um breve minuto de silêncio pelos "sujeitos actuantes", este tópico só adquire toda a sua estonteante beleza se for balbuciado de um modo conceptualmente tão rebarbado como o é aqui. E quem são eles? Pois claro, os sujeitos de alta tecnologia da emancipatória máquina militar dos EUA, esses, de algum modo, não são apenas vítimas de leis económicas, pois não? E, por isso, a nossa "intervenção internacionalista" agora consiste em desejarmos muita sorte aos boys e às girls nas suas máquinas de combate. Qual não teria sido a admiração dos inventores do chavão esquerdista dos "sujeitos actuantes", desta nunca se teriam lembrado. Pois é assim que a consciência emancipatória prossegue intrépida a sua marcha vitoriosa.
Voltemos agora ao Thomas S. duplo A: "Como combato um regime que, em qualquer parte do mundo, apoia grupos direitistas, religiosos, nacionalistas e islamistas que actuam de uma forma anti-emancipatória?" (ibidem). Pois nada mais simples que isso, "eu" mando-o invadir pelo exército dos EUA, e já actuei de forma emancipatória. "Eu" nem percebo como esses opositores consequentes da guerra não se lembram disso. Afinal o exército dos EUA é tal e qual cera nas mãos dos alemães anti-alemães.
E, ao descansar dialecticamente, face aos opositores à guerra, à sombra da sua consciência revolucionária pro-imperial e da sua reflexão das questões da violência de não pacifista, finalmente uma pessoa se torna um verdadeiro duplo A e Antifa, que afinal Thomas S. sabe: "O único meio eficaz contra o nacional-socialismo foi a guerra" (ibidem). Será, então, Saddam a reencarnação de Hitler? Aí assusta-se o duplo A: "Em caso algum" (ibidem). Essa já seria quase a voz off da Bahamas, e esta, como a gente sabe, é ruim com as suas equiparações históricas erróneas em que o nacional-socialismo acaba por ser banalizado. Em filmes deste género, um rapazinho crítico não entra. Por isso, Thomas S. duplo A, declara em representação de toda a comunidade softcore: "Não fazemos nada disso" (ibidem). Pois o que fazem afinal? Equiparam ou não equiparam? Thomas S. duplo A: "Temos de reconhecer como necessidade histórica o facto de o fascismo ter de ser debelado com recurso à guerra" (ibidem). Está bem, mas o nosso pequeno problema não era a equiparação? Mas se o Iraque não pode ser equiparado com o império nacional-socialista, então aí... Thomas S. duplo A: "Ponto final. Aí não há debate" (ibidem). Se é assim, peço desculpa por ter perguntado. Pensei que vocês eram o "debate" por excelência.
Também podemos dar à questão da legitimação da guerra imperial de ordenamento mundial a volta pelo outro lado. Por que não esquecemos o Iraque por momentos, de qualquer forma esse não tem importância, porque ali apenas se conduz uma guerra real. Mas no fundo, o que nunca deixa de estar em causa é a Alemanha, independentemente do que se trata. Fiquemos, por isso, na Alemanha e vejamos o que dizem os alemães. Nesse caso, constatamos que os media alemães se lembram com cada vez maior frequência de Dresden quando opinam que Bagdade não deveria ser bombardeada. Uma equiparação descarada, não é? Não se precisa de uma ideologia anti-alemã para se chegar a esta conclusão. E agora mais uma adivinha para os pequenos leitores do Welt dos pequenitos: 1. Muitos dos alemães vêem nas bombas sobre Bagdade apenas as bombas que foram lançadas sobre Dresden e sentem-se atingidos na sua consciência apologética dos nazis. 2. Com isso, procedem a uma projecção que faz "vítimas" do nacional-socialismo e da comunidade nacional alemã. 3. Por conseguinte, as Bombas sobre Bagdade são o mais certo que pode acontecer. Ora, onde é desta vez que a lógica está um tanto coxa? Mais uma vez, não vos digo.
Os belicistas hardcore são aberta e honestamente a favor da guerra policial do Império, sem o mínimo subterfúgio. Os belicistas softcore, pelo contrário, são a favor da guerra sendo contra ela, ou vice-versa, e puxam todos os registos de uma rabulística jesuítica tentando vender gato por lebre tanto aos outros como a si próprios. Aspiram, por assim dizer, a serem reconhecidos como opositores à guerra belicistas esclarecidos, ou como belicistas que se opõem à guerra, ao passo que os Bahamas e Comp. Lda. são declarados belicistas não esclarecidos, sendo a delimitação da sua candura lesiva das formas da boa educação utilizada como alibi. Numa palavra, aqui temos a duvidosa honra de lidar com a "parte razoável da esquerda", como Christian Stock (iz3w) nobilita essa corja num dos seus e-mails de ódio e despedida dirigidos à Krisis.
E estes minimonstros do "realismo" ainda por cima gostam de se ver na pose de uma esquerda "reflectida" que é capaz de "aguentar" uma coisa, e qual é ela? Pois claro, as "ambivalências", isso todos eles aprenderam no curso fundamental do não pensamento pós-moderno. Então não é maravilhoso: Nem sequer na guerra uma pessoa tem de se decidir de uma forma clara e inequívoca. Em todo o caso, isso é verdade no que diz respeito às guerras de ordenamento mundial "lá em baixo" e que por estas bandas podem ser destituídas de toda a sua realidade com recurso à "crítica ideológica". E já o envergonhado e desonesto belicismo softcore se converteu em uma heróica dissidência contra a "ortodoxia" de esquerda e no exemplo acabado do oposicionismo ferrenho: Assim falou, a este propósito, o historiador revolucionário do Welt dos pequenitos: "Os mundos intercalares são perigosos. É que ali habitam os demónios que sempre voltam a reaparecer à face da Terra a fim de tentarem os ortodoxos" (Jungle World 18/2003). Quem exigir clareza na inevitável questão decisiva entre o belicismo e a oposição à guerra "revela o seu carácter autoritário, na medida em que não aguenta o demónio da ambivalência..." (ibidem). Por isso, não sejas nem a favor, nem contra a guerra, mas sê a favor da mesma de facto, de uma forma algo ordinária e com argumentos lógicos de fazer chorar as pedras da calçada, que assim terás uma vida selvagem e perigosa e serás um sacaninha "anti-autoritário" exemplar.
Assim se desvanece, para uma fauna amolecida pela propaganda anti-alemã, a confrontação objectivamente irredutível entre o belicismo de esquerda por um lado e a oposição radical à guerra, por outro, para dar lugar a um duelo pouco apetitoso entre "ortodoxos" e dogmáticos, enquanto uma pessoa, quanto ao conteúdo, não é, ela própria, nem um bocadinho menos belicista que a Bahamas, querendo, no entanto, na sua qualidade de tirolês da ambivalência estudado que se tem na conta de um "demónio" da crítica, fazer desaparecer este conteúdo sangrento por detrás da forma do raciocínio velador. Em boa verdade, desde o 11 de Setembro, pelo menos os enunciados centrais da Bahamas são macaqueados, em regra com um atraso de três a quatro semanas, pelas "razoáveis" variantes softcore da ideologia anti-alemã. De qualquer modo partilham a ideologia de base burguesa de esquerda da Bahamas e, por isso, este tipo de "ortodoxos" sempre também faz parte da família e, no subcódigo da respectiva fauna, eles acabam por ser integrados enquanto tais apesar de toda a gritaria sobre a sua "impossibilidade".
A confrontação entre o belicismo consequente e a oposição consequente à guerra, que já não pode ser transmitida de uma forma positiva, assim se transforma pela calada da noite num debate soft muito conciliador e maravilhosamente fácil de transmitir entre o belicismo ambivalente, esclarecido e "razoável", e o belicismo não esclarecido e ortodoxo. Por outras palavras:
A esquerda dita reflectida, que se opõe tanto ao anti-semitismo de esquerda como ao anti-imperialismo nacionalista, supostamente já apenas pode escolher entre estes dois tipos de ideologia belicista. Assim, todo o "debate" fica circunscrito ao espaço do discurso belicista e domesticado no sentido anti-alemão. Uma jogada deveras genial.
Logo que a questão da guerra e da oposição à mesma esteja transformada numa questão intrabelicista de graus e modos de expressão diversos da vertigem bombista imperial, a esquerda "razoável" pode reclinar-se descansadinha e limitar-se a vituperar de um modo mais ou menos condescendente e com a atitude de um árbitro imparcial as pouco realistas quebras da forma cometidas por parte dos adversários enlevados pelas emoções. Se já se torna suspeito quem ao nível intelectual colocar o conteúdo acima da forma, quem ainda por cima meter ao barulho os sentimentos perde a face de vez. Uma vez mais, o tronco cerebral burguês sabe alguma coisa: Quem quiser enriquecer a discussão com o seu contributo, deveria manter sob controlo as suas emoções, se é que tem sentimentos de tamanho exotismo. Tudo, menos uma polémica pouco realista, seja qual for a temática. A isso, a esquerda "razoável" e consciente da forma não acha piadinha nenhuma.
Se é igual ao litro sermos a favor ou contra a guerra, já são bem graves as lamentáveis gaffes de gente que, de ambos os lados da barricada, se deixa levar pelas suas emoções. Essa linguagem, essa horrível linguagem! Está bem que em termos de conteúdo já não tem novidades a dar vai para vinte anos, mas como último derivado vivo de Karl Kraus, que chega aproximadamente tão perto do original como a Doris Schröder-Köpf se assemelha a Rahel Varnhagen, o editor da Konkret, Hermann L. Gremliza, vai encontrando este ou aquele erro gramatical nas obras dos apressados escribas da esquerda, e então debica nele e canta de galo. Assim sempre fica com alguma coisa para dizer, mesmo que no fundo nada tenha a dizer. E o critério de avaliação não tem nada que saber. Ao tratar-se de amigos da potência mundial assassina dos EUA, o erro gramatical não passa de um defeito estético. No caso de se tratar de inimigos da potência mundial assassina dos EUA, pelo contrário, qualquer erro gramatical, mesmo que não passe de uma gralha tipográfica, é de algum modo sinónimo de antisemitismo tal como, de resto, tudo o que dizem, quer com ou sem erro gramatical. E já voltámos a estabelecer um equilíbrio realista, ou acaso não foi assim?
Como o resto da comunidade discursiva que tem um fraquinho pelos belicistas de qualquer forma não domina a gramática (sendo aparentemente, em função de questões da respectiva paridade, este o pressuposto para a contratação de redactoras e redactores por parte do Welt dos pequenitos), este tem de desenrascar-se com matéria menos subtil a fim de poder comprovar uma quebra da forma tão indizível como irrealista. Isso não é nada difícil, visto que a polémica antibelicista recorre a palavras extremamente horrendas e sujas. Para jogarmos pelo seguro, chega metermos na cabeça uma coisa: Não é a guerra imperial que é suja, e não é o apoio da "esquerda" à guerra que é infame, mas sim a polémica contra tudo isso.
Quão desumanizada se apresenta esta polémica ressalta do metaforismo que ela emprega, e aí evidentemente qualquer caloiro de formação pós-moderna sabe o que a casa gasta. "Vocês com o vosso vocabulário de ‘higiene intelectual’ e semelhantes formulações fascizantes", vaticina, em um e-mail exasperado um senhor às direitas chamado Thomas Schmidinger. "Até recorrem a metáforas provenientes do reino animal", exaspera-se um Lorenz G. de Munique. Mal alguns esquerdistas honrados são um pouco a favor de uma guerra imperial, e já os opositores à guerra se desmascaram com a sua inqualificável linguagem! "Algo veio à superfície em Robert Kurz, quando ele insultou os comunistas anti-alemães como uma ‘pandemia’..." (assim reza o guru arquibelicista do ISF de Friburgo, J. Bruhn, em Trend-Partisan). Aí é que ficamos a saber onde mora a verdadeira inteligência assassina. Até se pode ser contra a guerra, mas não há necessidade de se ser assim tão brutal. Afinal é tudo gente por estas bandas!
Sobre o emprego de bombas de fragmentação no Iraque podemos falar, mas estabelecer comparações com animais e doenças no debate com belicistas anti-alemães já vai longe de mais. Afinal vivemos aqui na Europa central, não é verdade, onde a dignidade humana semântica é respeitada. Mais ou menos meia dúzia de iraquianos feitos em pedaços, vá lá que não vá, mas formulações "fascistas" anti-anti-alemãs? Aí já podemos perder as estribeiras. E o mesmo se aplica às formulações "estalinistas", pois a gente sabe que obscura vontade de intolerância se oculta por detrás delas. Em toda a inocência, o oráculo de Friburgo apenas tinha exigido o bombardeamento de Bagdade, e qual é o resultado? Os críticos do valor de Nuremberga mais uma vez mostram a sua verdadeira face estalinista. Quem denuncia a nova escola B-52 como aquilo que ela é, nutre "um ódio incomensurável a tudo que queira a revolução" (Bruhn, ibidem), visto que as coisas são o que são e a revolução é representada, em termos objectivos, pela maquinaria militar dos senhores Bush e Rumsfeld, e qualquer herói da dialéctica crítico e anti-alemão sabe isso. A gente não fez mais que aplaudir e dar vivas a um bocadinho de assassínio imperial em massa, e já somos "desclassificados como desumanos" (Bruhn, ibidem), já a "linguagem policial do grupo Krisis" (Bruhn, ibidem) se perfila como "a antecipação intelectual da limpeza e dos comandos de execução" (Bruhn, ibidem). Só se "empenharam" um pouco "em prol da sociedade mundial sem estados nem classes" (Bruhn, ibidem) como claque de apoio moral da imperial polícia mundial, "sem qualquer liquidação" (Bruhn, ibidem), visto que alguns poucos cadáveres terceiro-mundistas afinal não contam, e já se vêem expostos ao potencialmente assassino "furor anticrítico" (Bruhn, ibidem) daqueles que cultivam o "ódio antisemita à teoria crítica" (Bruhn, ibidem). Pois é, a linguagem assassina realmente nos diz muita coisa!
O que há a fazer? Como protagonista de um modo de falar que atentou contra o pudor verbal da intelligentsia dos mísseis de cruzeiro e dos respectivos amigos, técnicos do discurso e demais comparsas, tenho de apresentar as minhas desculpas, tal como deve acontecer entre idóneos cidadãos ocidentais dotados de impecáveis e esclarecidas formas de trato e respeito mútuo. Assim sendo, peço pela presente as minhas mais encarecidas desculpas a todas as epidemias e espécies animais que comparei, na emocionalidade desenfreada do momento, com o belicismo anti-alemão (não com as pessoas desencaminhadas por esta ideologia). Nenhum porco honesto, nenhum carneiro, e nem sequer uma doença infecto-contagiosa merece ser destarte insultada, isso é mais que evidente. Também ao lidarmos com assuntos de algum melindre, como um ou outro comunicado de somenos importância em prol da guerra, é imprescindível satisfazermos a sensibilidade semântica do público de esquerda que simpatiza com os belicistas, não é verdade?
Ora, os anti-alemães softcore, os belicistas esclarecidos e os opositores à guerra a vinte por cento igualmente esclarecidos sabem evidentemente que o ímpeto denunciatório tanto dos anti-alemães hardcore de Friburgo, como dos seus congéneres berlinenses, tem bastante que se lhe diga. Mas este facto podia ser desprezado com um abanar de cabeça ou um sorriso enquanto o há muito esperado ataque frontal não se verificasse. Mas mal esse ataque acontece, reparamos em como tudo isso é pouco apetitoso. "O nível da Bahamas já chegou aos Kurz e Comp. Lda.", assim se exaltam os participantes da discussão no "portal da crítica social" x-berg.de, cuja maior parte, a ajuizar pelo nível do respectivo discurso, deve ter cerca de doze anos de idade, ou seja, os suficientes para estarem maduros para o Welt dos pequenitos. O "nível da Bahamas" que, de qualquer modo, nunca os impedira de devorarem os pontos de vista ideológicos fundamentais ali representados, pro-ocidentais e burgueses de esquerda, não é porventura considerado negativo em si, mas apenas serve de rótulo negativo para desacreditar a irredutível polémica antibelicista. Para a comunidade alargada dos seus sequazes, o verdadeiro escândalo consiste, pois, no facto de os pensadores-mores da ideologia anti-alemã levarem nas orelhas, com a intensidade apropriada, com a sua propaganda pro-imperial primária. E já o belicismo esclarecido e as hostes esclarecidas dos quase-opositores envergonhados da guerra podem imaginar-se como "superiores" às partes não esclarecidas, mesmo em termos de sensibilidade linguística. A patente da razão permanece, também neste sentido, na família dos anti-alemães.
Sejam as coisas como forem com o belicismo, quando estão em jogo os valores fundamentais do Ocidente, bem se vê o que valem os amigos do Iluminismo assassino. Tudo menos o racismo contra os belicistas, que estes são uma espécie protegida pelos anti-alemães! Afinal ainda ambos têm de fazer em conjunto pelo cumprimento da promessa de felicidade da sociedade burguesa. Por isso, mal alguém ataca os belicistas de um modo realmente consequente, logo se faz ouvir: Não te metas com o meu compincha! O nível da Bahamas nem sempre é igual ao nível da Bahamas. Quando se trata dos opositores críticos do valor e consequentes da guerra, o nível da Bahamas é designado desta forma: "Para a acta: O suicídio de Robert Kurz" (frase publicitária da Konkret na Freitag). Ao falar-se da Bahamas propriamente dita, pelo contrário, o respectivo nível é designado de um modo um pouco ou nada diferente: "Cá entre nós, Justus, ... por que te irritas tanto?" (Gremliza in Konkret 5/2003). Um desejo de morte mal disfarçado aqui, uma palmadinha amistosa ali: há que conhecer as subtilezas do código de computador anti-alemão, que assim uma pessoa nunca falha.
A bem ver, esses opositores à guerra críticos do valor poderiam participar na discussão à vontade, se eles não fossem tão irracionalmente emocionalizados, soubessem comportar-se de um modo minimamente decente, ou seja, se reconhecessem ao belicismo anti-alemão o direito a ser discutido. Ou se, ao menos, dando ao seu discurso um debrum adequadamente anti-alemão, pudessem ser tornados um pouco ambíguos. Podem existir como uma espécie de arabesco, mas no final de contas o discurso não há que deixar de ser belicista. Especialmente no Welt dos pequenitos, "debate", afinal, não quer dizer de qualquer forma que algo está seriamente em causa, mas que se "representa" um debate. "Bless or blame", "War & Peace", maldição ou bênção?, assim vão os seus exercícios escolares "controversos", embora na realidade uma linha rigidamente pro-imperial esteja preestabelecida há muito e esse jornal de superficialidades, enquanto tal, depois do 11 de Setembro tenha claramente declarado a sua fidelidade à comunidade de valores capitalista. Deve ser a isto que se chama jornalismo crítico para finalistas de liceu. O nível de um jornal escolar já aí está de qualquer modo e, mais concretamente (para não ofender as manifestações dos alunos contra a guerra), é o de um jornal feito por membros da organização juvenil dos democratas-cristãos. E estes são tão assustadoramente tolerantes que até cedem algumas colunas a opositores à guerra de carne e osso, desde que estes respeitem o regulamento escolar belicista.
Estão prontíssimos para a discussão e mandam organizar "conselhos de guerra" em eventos do Welt dos pequenitos no âmbito da ideologia anti-alemã que sempre já traz consigo o belicismo pro-imperial como o cão se faz acompanhar pelo respectivo rabo. "Cerca de trezentas pessoas vieram, na Quinta-feira passada, ao salão vermelho do Teatro do Povo de Berlim para ouvirem o que Thomas Ebermann e Thomas Uwer teriam a dizer um ao outro. Na nossa opinião, foi um serão interessante, onde muitos argumentos foram examinados quanto à sua pertinência... contrariando as expectativas, as e os ouvintes mostraram-se sobretudo interessados em um debate realista... Será este o início de um novo realismo?" (JungleWorld 9/2003). Ora, nem mais. O assunto cheira mal que tresanda e o discurso dos democratas anti-alemães torna-se realista, é assim que deve ser.
Ora bem, houve quem em tempos chamasse a isso "tolerância repressiva". Também sobre isso podemos falar. Afinal faz parte da promessa de felicidade da sociedade burguesa que se possa falar de tudo. Como é sabido, já Rosa Luxemburg sabia que a liberdade é sempre a liberdade de quem discorda. E os outros devem ter a sua oportunidade de se expressarem, não é isso que está em questão. Simplesmente, uns são a favor dos mísseis de cruzeiro, os outros são contra os mísseis de cruzeiro, uns são a favor de um bocadinho de tortura, os outros são contra um bocadinho de tortura. Tudo isso faz pouca diferença, desde que tudo se passe no respeito mútuo.
Aqui entre nós: A dialéctica do realismo quase que manda que se dê espaço jornalístico e de expressão pública aos opositores à guerra, tão pouco consequentes como for possível, e que assim aconteça de um modo tão bem doseado que estes acabem por funcionar, antes de mais, como uma protecção discursiva dos flancos da comunidade belicista anti-alemã. Evidentemente não é assim em todo o lado, também aqui voltamos a encontrar a divisão do trabalho entre os "bad guys" e os "good guys". Na Bahamas pontifica o sistema fechado da loucura anti-alemã, onde já nem cabe um rato discordante. Nas publicações mais abertas, como o Welt dos pequenitos, pelo contrário, precisa-se da oposição moderada que, nos limites do quarto almofadado do discurso anti-alemão, levante o dedinho bem comportado a fim de dar um cheirinho de oposição à guerra — por assim dizer como o sal na sopa do belicismo. Também poderia dizer-se do seguinte modo: O belicismo anti-alemão precisa de manter perto de si, numa cerca ao ar livre, meia dúzia de opositores à guerra, a fim de poder tornar-se e manter-se capaz de ter um discurso. Afinal há um público de compradores e assinantes de esquerda a abastecer, ao qual o belicismo pode apenas ser servido sob a forma de um discurso aparentemente aberto, porque de outro modo talvez comece a levantar dificuldades.
Sejamos francos: Quem teria pensado, há dez, e mesmo ainda há cinco anos, que a "esquerda radical" da RFA, no início do século XXI, andasse a "discutir" seriamente a "libertação" do terceiro mundo pela máquina militar dos EUA, ou uma suposta "promessa de felicidade" do capitalismo que provavelmente seria de procurar na Califórnia, etc.? nem a sonhar alguém se teria lembrado de um quadro semelhante. Seriam precisos a encenação discursiva da tolerância repressiva e um alargado debate de contaminação para se administrar uma tamanha lavagem aos cérebros de antigos críticos radicais do capitalismo. A aceitação deste debate como debate já foi o ganho estratégico decisivo para o belicismo anti-alemão. Agora, porém, encontra-se "consagrado" e já não ocorre a ninguém que algo poderia estar mal com ele. Sejamos realistas, sempre realistas! Daí resulta uma versão interessante da "crítica radical", cujos pensamentos voam a bordo de caças-bombardeiros dos EUA, e por que não. Que viva a novidade no seio do novo realismo.
A única função destes absurdos "debates" organizados desde o 11 de Setembro foi a de tornar aceitável a posição belicista pro-imperial no âmbito dos resquícios da esquerda radical. Assim, a revista iz3w anotou já em Outubro de 2002, de um modo peculiarmente "realista": "... com uma força ainda maior que há dez anos, hoje está a formar-se uma esquerda anti-alemã que, no mínimo, compreende um golpe militar contra o regime de Saddam Hussein como um mal menor" (editorial n°. 264). "No mínimo"! Se não for logo como um dos bens supremos da "democratização", também sobre isso a gente pode conversar no âmbito da promessa de felicidade. Lá está, o belicismo é o que está a dar, de algum modo entrou na moda. O discurso pro-imperial dos anti-alemães constituiu-se como síndroma de um "chique radical", sobre as ossadas de meia dúzia de pessoas que de qualquer maneira tinham uma baixa esperança de vida. No iz3w isto é encarado no sentido de assim chamadas "conclusões de política real" (ibidem); de um modo pragmático, prático e bom, à imagem e semelhança do que se vai pensando quando se tem uma cabeça quadrada.
Se o conceito da "Realpolitik", sob a demolidora impressão deixada pelos "realistas" do partido dos Verdes, no seio da esquerda radical ainda há pouco tempo tinha antes de mais o carácter de um palavrão, agora está em voga, já agora sob a forma da adopção do belicismo, junto da própria esquerda radical. A necessidade de fazer e participar simplesmente não se detém perante nada. "Neste lugar tem de se dar início a uma reflexão que nem sequer pode ter outro cariz senão o da Realpolitik, visto dizer respeito a acções políticas e militares no seio de um mundo que se encontra organizado da forma sob a qual se nos defronta". Quem o disse foi Joseph Fischer, ou seja, perdão, desta feita foi o redactor da iz3w Jochen Müller (n° 267, Março de 2003).
E mesmo isto no fundo não passa de um plágio fiel da Bahamas, pois afinal a "Realpolitik" não é outra coisa senão uma associação entre uma quimera ideológica, uma pose crítica e a debandada desenfreada para o campo do poder instalado. Nesta medida, a combinação característica da Bahamas entre o palavreado radical e a permanente tomada de partido em prol da última potência mundial capitalista pode ser designada mesmo como Ultra-Realpolitik. Fazer fogo de vista com conceitos nebulosos como "comunismo", "revolução mundial" etc. mergulhados na penumbra de uma mistificação da forma do valor e, ao mesmo tempo, projectar o conceito da "emancipação" sobre o centro imperial do capital mundial constitui a melhor oferta de identificação para jovens cidadãos desorientados que jamais existiu. É que a tentação não poderia ser maior: Supostamente salvar a sua pele de sujeito burguês sob o escudo protector do imperialismo de crise e mesmo assim sentir-se como um revolucionário exemplar é a política identitária realista mais catita de que alguém se poderia ter lembrado. Até um Erich Mühsam teria ficado sem palavras.
Existe um meio bem simples de fazer com que os que se encontram em oposição à guerra não saiam da cerca do belicismo, em termos discursivos, mesmo onde e quando possam dizer "ah" na imprensa de esquerda dominada pelos anti-alemães,. Isso é conseguido pelo "enquadramento" redaccional belicista. Também neste aspecto estamos perante um embedded journalism. O Welt dos pequenitos costuma mostrar já pela capa com uma imagem de grandes dimensões e o prelúdio verbal impresso em letras grandes para onde, em boa verdade, vão as simpatias e o que há que pensar, se alguém quiser pensar alguma coisa.
"Paz nos palácios!", nomeadamente nos de Saddam, assim se faz o resumo pejorativo do movimento contra a guerra nos termos da própria propaganda "civilizatória" pro-imperial: "Para 26 de Outubro está prevista uma marcha contra os planos de guerra do governo dos EUA" (Jungle World 44/2002), o que evidentemente não é coisa que se faça. "A América joga golf" (Jungle World 13/2003): com brincadeiras destas vai-se banalizando a guerra. E então finalmente começa: "A democracia está em marcha" diz o título sem qualquer ironia, e: "A liberdade brota dos canos dos canhões" (Jungle World 14/2003). Mesmo que "role sobre cadáveres", a "libertação" merece um viva: "Os dias do regime do partido Baas estão contados" (ibidem). "Reconstrução do Iraque" (Jungle World 17/2003) é o que se vai fabulando depois de feito o serviço húmido: "Tudo sobre o negócio do pós-guerra e a libertação..." (ibidem).
E já não tardam os elogios dos esforços da revolução à Rumsfeld, fazendo uma estúpida apologia do colonialismo de crise: "O paciente árabe — a democratização do próximo Oriente" (Jungle World 18/2003). Aí, o médico imperial ao lado do leito dos bárbaros faz o seguinte diagnóstico: "Os sintomas consistem em um comportamento autoritário acompanhado pela distribuição desigual da riqueza... Como meio de cura propomos operações cirúrgicas visando o estabelecimento da democracia" (ibidem). Assim sendo, graças ao cirurgião da História, Lenine Rumsfeld, agora vem a caminho um regime anti-autoritário onde a riqueza se encontrará distribuída de forma igual, não é verdade? A regressão para o reino das frases feitas do democratismo vulgar tem de ser fácil se quisermos fazer embedded journalism do bom e do melhor. E, para a velha "distribuição igualitária da riqueza" do idealismo vulgar (em vez de uma superação da forma capitalista da riqueza), a gloriosa "civilização" dos EUA é, afinal, a prova viva e o grande exemplo, como todos os amigos da liberdade, igualdade e riqueza capitalista sabem. É que lá até qualquer sem-abrigo tem o direito moral a uma Cola.
Mais no interior do pasquim de combate sectário e iluminista vêm desde há muito, e voltam amiúde, os bacanos da guerra, todos exaltados a apoiar a equipa cósmica da casa, com relatos da frente de combate da manifestação pro-americana, escrita por um ser chamado Andrea Albertini e que teria de ser inventado se uma miúda tão verdadeiramente falsa não existisse já: "A manhã seguinte começa com o devido requinte: ‘Olha, ontem já não tive mesmo cabeça para aquilo do texto do Habermas’, desculpa-se uma mulher vestida à moda perante o seu interlocutor... Esta estreia histórica — pela primeira vez, representantes da esquerda alemã manifestam-se publicamente a favor dos EUA — quase teria passado despercebida perante o esplendor desse dia de Sol. Os aplausos dos manifestantes que, de resto, são do género mais calmo ... têm um ar decidido. E, à margem dos acontecimentos, uma mulher com ar de noitada e com um "top" que deixa descoberta a barriga tem a sua sentença a dar: "‘Coca e Cola em vez do Alcorão!’. A festa começou, com ou sem Habermas" (Jungle World 21/2002). Quem nem sequer tem cabeça para um texto de Habermas pelo menos tem de ser capaz de agitar uma bandeirinha dos EUA, nesta festa permanente neste melhor dos mundos cerebrais. Tanta estupidez junta já quase é genial, esse mérito ninguém o tira a esta bacana que escrevinha para o Welt dos pequenitos. Se calhar o seu cariz insuperável ainda um dia lhe merece um prémio jornalístico. E, por isso, cá vai um triplo viva democrático cheio de coca e cola. Hip-hop-hurra, hurra, hurra!
E pronto, já estamos em pleno ambiente de festa realista, e agora passemos aos serviços húmidos em todo o seu, digamos, concretismo. Como belicista convém lidar com cadáveres ao nível discursivo com uma certa precaução. O público poderia ofender-se, se uma pessoa se alegrasse com demasiada veemência com o poderoso avanço dos "libertadores". Por isso, os, digamos, cadáveres são tratados de um modo o mais abstracto possível, de modo que, a bem dizer, nem existem muito a sério. Tudo menos cadáveres concretos, que esses não fazem nada bem ao negócio belicista anti-alemão. O melhor é fazer umas contas, já de antemão, que lancem a luz certa sobre o prognóstico dos cadáveres, como se se tratasse de quantidades de metades de porco em Chicago ou de dólares nos mercados europeus.
Neste sentido, Gremliza, uma vez mais, pensou em algo de extraordinariamente crítico e empático, na véspera da invasão do Iraque pelos seus solitários amigos americanos: "Como a esse propósito a minha fama está suficientemente arruinada, posso dizê-lo à boca cheia: Se existisse a garantia de que o regime de Saddam Hussein seria removido do poder e substituído por outro sem se matar de forma colateral cinquenta mil, cem mil ou mais iraquianos e sem se soltar, ao mesmo tempo, outros monstros noutros lugares, eu não teria qualquer objecção" (Konkret 3/2003).
Afinal a "oposição à guerra" social-democrata foi desde sempre algo que se passou no plano das "objecções". Uma "objecção" não constitui uma crítica radical, mas reconhece o seu destinatário como um interlocutor positivo no âmbito da mesma lógica. As "objecções" são, por isso, conhecidas como algo que, por exemplo, um funcionário subalterno apresenta ao respectivo chefe de serviço, honrando o seu papel oficial como pensador suplente auto-responsável. (pois é, a língua é traiçoeira, como já sabia o verdadeiro Karl Kraus). Ora, como parece, o funcionário subalterno e pensador suplente Gremliza estabeleceu aqui uma divisória: Mais de cem mil mortos significam polegar para baixo e "objecções": os guerra não és bom, caro Mr. Bush, tenta matar um pouco menos, cara "civilização"! Menos de cem mil mortos significam polegar para cima: Tudo numa boa, Mr. Bush, pode seguir com a "libertação" em prol de um pouco mais humanidade neste mundo, não temos "objecções"!
Será esta porventura uma interpretação maldosa? Evidentemente pode dar-se o caso que Gremliza já há algum tempo tenha perdido o controlo sobre o sentido das suas palavras. Em termos clínicos, o estado da demência esclarecida ainda não se encontra descrito. A promessa de felicidade da sociedade burguesa bem pode dar cabo de uma pessoa. Uma overdose de promessa de felicidade, e já não sabemos bem ao certo o que dizemos quando queremos dizer algo.
Agora é que estamos em pulgas: Serão mais ou menos de cem mil mortos? O suspense não é pouco, visto depender da resposta a esta questão se esta pequena guerra ofensiva de somenos importância é boa ou má. Na primeira Konkret do pós-guerra tira-nos as últimas dúvidas: a ideia era mesmo essa. O alívio é grande, tudo respira fundo: Desta ainda nos safámos! Grande careca para todos aqueles peritos antiamericanos em todos os cantos do mundo que já estiveram esperançados em ver as pilhas de cadáveres — não se passou nada. Ou, em todo o caso, quase nada. Gremliza manda um Gert Ockert anunciar a opção do polegar para cima de acordo com a sua bitola relativamente ao número dos cadáveres: "Bastante rapidamente e de uma forma surpreendentemente pouco sangrenta (em termos comparativos), as tropas americanas conquistaram Bagdade. Tal constituiu uma demonstração de superioridade militar absoluta, acompanhada de um número reduzido de baixas nas próprias fileiras. E o número das vítimas civis foi muito inferior ao que o movimento alemão pela Paz, com o alto patrocínio do chanceler, tinha sonhado" (Konkret 5/2003).
Tudo numa nice, foi uma "libertação". "Libertação" de um "regime nazi" que não chegava bem aos calcanhares do seu modelo. Este foi o "perigo para o mundo" mais fácil de manejar que já se viu à face da Terra. Mas em termos fundamentais a interpretação anti-alemã esteve certa, não foi? E agora ainda por cima nada de vítimas. Ockert foi pessoalmente ao Iraque para contar as vítimas a mando de Gremliza, mas não encontrou nenhuma, porque estranhamente não as havia. É também esta a opinião do nosso historiador revolucionário amador do Welt dos pequenitos: "No entanto, o apocalipse, tantas vezes sonhado, não aconteceu" (Jungle World 18/2003). No fundo, a população iraquiana quase não foi beliscada. Todo um país esteve, ao longo de três semanas, debaixo de uma chuva de bombas, enfim, todo menos o Hotel Palestina no centro de Bagdade, sem qualquer possibilidade de averiguar as notícias, e mesmo assim sabemos: quase não houve mortos! Pois bem, dois ou três jornalistas televisivos do canal Al-Jazira foram eliminados pelos soldados dos EUA, assim de passagem, como qualquer um teve a oportunidade de casualmente ficar a saber, mas esses de qualquer forma foram apenas árabes. Que os tanques dos EUA tenham, também, atirado a matar sobre as testemunhas oculares indesejáveis do Hotel Palestina, com consequências mortais para jornalistas da agência Reuters e da Telecinco espanhola, enfim, isso ainda não é nenhum apocalipse.
E afinal foi essa a excepção, não foi? Pelo menos entre os assassinos de alta tecnologia dos aliados, de facto não morreram muitos, aproximadamente cem, e a maior parte destes foi provavelmente em acidentes de viação na retaguarda. Mas de qualquer modo eles tinham pouca resistência a esperar. É que as tropas libertadoras dos EUA só atacam mesmo os edifícios de escolas depois de os mísseis de alta tecnologia e os bombardeiros de longo alcance, orientados por satélite, terem terraplenado tudo de tal forma que mesmo os veteranos da guerra do Vietname poderiam ocupar esses lugares de cadeira de rodas sem encontrarem a mínima resistência. E também desta vez não precisamos de pensar nem um minuto nos soldados da infantaria iraquiana cujos cadáveres, já em 1991, tiveram de ser enterrados às dezenas de milhar com recurso a bulldozers. Ou seja, no caso de terem existido meia dúzia de mortos, quantos militares e civis iraquianos foram definitivamente libertados das suas vidas sem valor? Será que queremos mesmo saber isso assim ao certo?
E nem precisamos de o saber. É que, na sua infinita misericórdia, a administração militar americana acabou de vez com a conversa sobre a contagem dos cadáveres. Anunciou que não haveria lugar a quaisquer investigações sobre o número dos civis e soldados iraquianos que, ao longo dos esmagadores ataques aéreos perpetrados durante várias semanas e durante o avanço das tropas de alta tecnologia, foram mortos, estropiados ou feridos. Isso é bom para o negócio anti-alemão, em particular da esquerda "razoável". Se a tarefa da crítica emancipatória sempre consistiu em romper o silêncio em torno das vítimas, a imprensa anti-alemã hoje suplanta de longe todos os media burgueses quando toca a silenciar e relativizar aquilo que não convém. Assim temos de contentar-nos com os raros testemunhos oculares de correspondentes ocidentais presentes in loco para ao menos termos uma vaga ideia dessa "festa de guerra sem derramamento de sangue" de Abril de 2003.
"Em Bagdade, depois dos ataques aéreos maciços da semana passada prevalece o sentimento de raiva aos atacantes. Muitos civis foram mortos ou gravemente feridos. A população está psiquica e fisicamente extenuada... As gravações nos hospitais são algo temido por todos os colegas. A miséria é indescritível: crianças com queimaduras a chorar de dor, adultos, aos quais tiveram de ser amputados os braços ou as pernas" (Der Spiegel 15/2003), assim reza o correspondente televisivo Christoph Maria Fröhder no final da segunda semana da guerra. O que dizem a isto os ideólogos anti-alemães da "libertação" sem derramamento de sangue? Pois bem, "em termos comparativos", os assassinos de alta tecnologia transformaram relativamente poucas pessoas em pedaços de carne chorões, queimados e libertados, e convenhamos que também há que fazer algum sacrifício pela sua "libertação".
Disso também não se deveria esquecer esse Ali que foi interrogado pelo correspondente do Spiegel, Claus Christian Malzahn: "Ali desertou. Quis fugir de Bagdade de carro, acompanhado pela sua família. Logrou esquivar-se aos postos de controlo dos sequazes de Saddam. Depois viu americanos, que lhe diziam qualquer coisa em voz alta. Ali não entendeu nada... Ali fala apressadamente, usando um inglês rudimentar, as lágrimas escorrem-lhe pelas faces. ‘My older sister: shot. My younger sister and my parents: in the car. The tank’. O automóvel de Ali foi abalroado por um tanque americano depois de ele próprio ter sido atingido pelas balas e de a sua irmã mais velha ter sido morta. Os seus pais e a sua irmã de cinco anos foram esmagados por um tanque" (Der Spiegel 16/2003).
Bastante pouco sangrento, tudo isso, opinam os simpáticos não-correspondentes do Welt dos pequenitos, da Konkret ou do iz3w. "Em termos comparativos", as "tropas de libertação" esmagaram relativamente poucas crianças de cinco anos com os seus tanques, não foi? Para além do mais, de qualquer forma, o mais certo é terem sido antisemitas. Também a rapariguinha de cinco anos? O ou a anti-alemã(o) não faz disso um bicho de sete cabeças metafísico. Se o que está em questão é a guerra contra uma ameaça nazi à Humanidade, não podemos agir com paninhos quentes. E, quem não quer acreditar que estamos em 1941, que Saddam é igual a Hitler e o Iraque é o império nazi, de qualquer maneira é um caso perdido. Por isso, em vez de nos armarmos em picuinhas por causa desta ou daquela criança de idade pré-escolar esmagada por um tanque (que, de qualquer forma, não passam de muçulmanos) deveríamos alegrar-nos juntamente com um oficial dos EUA que também tem uma palavra a dizer sobre o avanço pouco sangrento: "Perto de Kerbala, os iraquianos atacaram os nossos tanques com espingardas. Não tinham qualquer hipótese. Houve milhares de mortos" (ibidem). Aí também se alegra o combatente anti-alemão na retaguarda ideológica.
Depois da "libertação", tudo se passa de um modo ainda menos sangrento, "a procissão ainda vai no adro", ou não é assim? "Em termos comparativos", os ocupantes vindos dos EUA até matam bastante poucos iraquianos que se manifestam contra o seu regime, é coisa tão pouca que bem pode ser negligenciada. Em todo o caso é esta a opinião da imprensa belicista de esquerda que alegremente vai dando ao Iraque os seus parabéns pela "democratização". Assim, até se pode dar bem ao luxo de deixar passar em branco meia dúzia de outros pormenores de somenos importância vindos de um país tão simpaticamente "libertado". Por exemplo, tais como o jornalista Charles Hanley julgou ter de desvendar a todo o custo: "As provas do uso de bombas de fragmentação no Iraque são evidentes: Entre elas, encontram-se os padrões deixados pela sua explosão no pátio da escola, vêem-se as caixas metálicas amarelas que contiveram as bombas, assim como as próprias pequenas bombas. ‘Estão por toda a parte. Até nos quartos de dormir das pessoas’, diz um perito em minas e armadilhas. Um mês depois de as bombas de fragmentação do exército dos EUA terem chovido sobre a região de Hillah, uma cidade situada noventa quilómetros a Sul de Bagdade, o legado mortal mata todos os dias mais pessoas... Um habitante local relata um ataque ocorrido a 8 de Abril e em que a sua casa foi atingida. Uma vizinha e uma criança que se tinham refugiado no seu pátio foram mortas, dois irmãos mais novos foram gravemente feridos. ‘Não houve qualquer motivo. Daqui não veio a mínima resistência’, diz abanando a cabeça com perplexidade... Continua a haver novos mortos todos os dias, porque ainda continuam a explodir as bombas que não deflagraram na altura prevista. Segundo refere o director da protecção civil, Hussein Djaber, bombas não deflagradas foram retiradas tanto de salas de aulas como de residências particulares. ‘Já tive de lidar com trezentas bombas de fragmentação por dia’, diz um colaborador seu chamado Hillal Saadi...Saadi mostra uma peça metálica amarela com o carimbo ‘Bomb Frag BLU-97 A/B’. A BLU-97 é uma das bombas de fragmentação mais modernas que o exército dos EUA tem à sua disposição. No seu interior encontram-se até quarenta bombas. ‘Crianças estiveram a brincar com elas quando explodiram’, diz Hillal Saadi com um nó na garganta..." (relato da ap [associated press] de 21.5.2003).
Uns belos choramingões que me saíram esses iraquianos com seus nomes cómicos, em vez de se mostrarem devidamente agradecidos pela sua "libertação" — é o que pensa o/a filósofo/a anti-alemã(o). Como tudo se passou realmente no passado e no presente, ficamos a sabê-lo, como não poderia deixar de ser, do Welt dos pequenitos. Ali faz-se uma publicidade benevolente a uma investigação (Britta Lange, Einen Krieg ausstellen / Exibir uma guerra) que, com base na "Exibição da guerra" organizada em Berlim em 1916, se preocupa com a questão: Como funcionou a propaganda na primeira guerra mundial? Ora bem, da mesma maneira como ela funciona nas guerras imperiais de ordenamento mundial do início do século XXI, e o próprio Welt dos pequenitos é um exemplo cabal disso pela forma como conjuga o texto com a imagem, merecendo, por isso, uma investigação própria. Assim, um belo instantâneo, apresentado em grande formato, informa-nos sobre quão pouco sangrenta foi a "libertação" do Iraque na realidade: Ali vemos um ser de capacete e camuflado que, munido de luvas cirúrgicas, segura com todo o cuidado um recém-nascido enquanto no segundo plano um homem de traje árabe, provavelmente o pai babado, sorri para a câmara. A legenda da imagem reza assim: "O nascimento do novo na guerra. Um enfermeiro militar britânico com um bebé no dia 13 de Abril" (Jungle World 18/2003).
É, portanto, assim que ficamos a saber toda a verdade sobre uma guerra em que durante semanas estiveram em campo sobretudo enfermeiros militares para ajudar as iraquianas grávidas nos partos. E, ainda por cima, há a mais-valia de um belo simbolismo, cujo efeito de estupefacção emancipatória não pode ficar oculto nem sequer aos leitores do Welt dos pequenitos. Digam lá se não é super-esperto! E como as pessoas que ainda continuam a ler o "Welt dos pequenitos" devem ser há muito resistentes a qualquer pensamento, até dispensam o balde para os vómitos. Assim é que é bonito. Perante isto, quase automaticamente se inicia uma sessão de brainstorming em busca de outras propostas de ilustração. Como seria por exemplo um Tony Blair a fazer festinhas a crianças na sua visita a Baçorá? É só uma pequena ideia para o departamento de propaganda de guerra começar a aquecer os motores.
Isto ainda não esgota de longe o repertório. Alguns dos factos da simpática "libertação" nem sequer têm de ser silenciados, sendo suficiente proceder-se à sua reinterpretação. Por exemplo os desacatos da populaça pro-americana que depois da "libertação" varreu as ruas de Bagdade. "Na Sexta-feira e no Sábado, os vândalos roubaram e destruíram no museu histórico de Bagdade mais de 50.000 insubstituíveis artefactos mesopotâmicos... Também a biblioteca nacional ficou à mercê dos saqueadores e foi incendiada. No entanto, o que mais atrapalhou a vida aos habitantes de Bagdade foi o saque de vários hospitais, onde os arruaceiros não só levaram as incubadoras e os cardiógrafos, mas igualmente as camas, despachando os doentes para o chão. Até o pessoal de enfermagem sentiu as suas vidas ameaçadas. O CICV (Comité Internacional da Cruz Vermelha) anunciou no Sábado que apenas três de trinta e dois hospitais mantinham um regime precário de funcionamento. Estes percalços espectaculares ocultam, no entanto, prejuízos de vulto nos vários ministérios saqueados que ameaçam dificultar a administração e a reconstrução do país por muito tempo. Depois de serem devidamente investigados os diversos arquivos e registos convertidos em cinzas, as más notícias não podem ser excluídas. Como poderá levar-se a efeito a administração de uma cidade de cinco milhões de habitantes se estiverem destruídos os registos das centrais eléctricas e as plantas das redes de água potável e de esgotos?" (Neue Zürcher Zeitung, 14. 4.2003).
No Welt dos pequenitos, os mesmos acontecimentos apresentam-se sob uma luz um pouco diferente, nomeadamente como uma espécie de tomada da Bastilha. Vai um minuto de silêncio pela Revolução! Deve estar no ar a promessa de felicidade. Mais vale não falarmos nos feios pormenores. As "massas libertadas" lá costumam ser um pouco intempestivas, como Lenine Rumsfeld sabe, contrariamente aos esquerdistas opositores à guerra com a sua displicência pelos acontecimentos "revolucionários" de massas: "Comparado com este obtuso ressentimento..., Donald Rumsfeld quase se assemelha a um revolucionário quando comenta: ‘É desordenado, a liberdade é desordenada’. A maior parte dos esquerdistas alemães não aprecia a desordem" (uma vez mais, o historiador revolucionário amador Jörn Schulz, Jungle World 18/2003). Vejam só como este sacaninha "anti-autoritário" aquece a sua sopinha ao lume da "consciência revolucionária" outorgada por obra e graça do exército americano. Um viva democrático a Lenine Rumsfeld!
É também esta a opinião de um amigo da Revolução de Leipzig com o nom deguerre "Mausebär" na Internet contra os opositores à guerra radicais e críticos do valor: "Eu teria um movimento para eles que não apresenta poucos sinais de uma acção ‘contra o mercado e o estado’ — um movimento que toma de assalto ministérios e pega fogo ao banco central... Então, que tal?! Ao menos seria um movimento que não teria de ser denegrido, pois poderia encerrar em si um potencial eventualmente promissor?! Será que o grupo Krisis agora vai escrever um texto de apoio aos homens e mulheres iraquianos que fizeram todo esse serviço? Vai declarar a sua "solidariedade crítica" com eles, mesmo que desta vez não tenha mesmo havido nenhum antiamericanismo à mistura?" (Conne Island-CEE IEH).
Este é apenas um de muitos exemplos de como a corja intelectual anti-alemã reconhece o seu parentesco intelectual com a ralé saqueadora, incendiária e assassina de Bagdade. E já temos uma nova teoria revolucionária. Primeiro precisamos de um sólido tapete de bombas emancipatório, depois mandamos entrar as tropas revolucionárias do exército dos EUA. Em seguida assaltamos os hospitais como o primeiro objectivo estratégico da Revolução, atiramos os doentes das camas abaixo, arrancamos as incubadoras e, por fim, pegamos fogo a essa tralha toda. Depois tratamos da saúde aos museus e às bibliotecas. O mais importante é levado para benfeitores endinheirados dos EUA, e o resto, incendiamo-lo também. E com isso já quase que estamos emancipados. A promessa de felicidade faz os seus efeitos e, para mais, "não está em jogo nem uma ponta de antiamericanismo". Este é, de qualquer modo, o único critério que resta no regulamento linguístico ideológico anti-alemão, tendo apenas sofrido uma inversão semântica: pro-americanismo (o que quer dizer a aceitação "pro-ocidental" das pretensões imperiais e da máquina assassina) equivale à licença para matar e queimar.
Mas onde reside, afinal, a diferença entre a imprensa belicista de esquerda, que vai amenamente mentindo, como o Welt dos pequenitos, Konkret etc. e a imprensa normal burguesa de um nível um pouco mais elevado como o Spiegel (distanciado face à guerra do Iraque, mas fala em "libertação") ou o Neuer Zürcher Zeitung (benevolente face à guerra do Iraque e, como é natural, também fala em "libertação")? É muito simples; na "imprensa de qualidade" burguesa que não é escrita tanto para a populaça como para os grandes e pequenos chefes, a realidade tem de aparecer mesmo com alguns detalhes menos bonitos, pelo menos na medida suficiente para os grandes e pequenos chefes poderem ficar com uma ideia geral; mera propaganda de nada serviria a esse público pertencente à intelligentsia burguesa.
A imprensa belicista de esquerda, pelo contrário, já não precisa de pormenores realistas nem de uma investigação aturada porque já apenas tem de fazer propaganda cerebral para a corja esclarecida anti-alemã que quer ver servida a sua necessidade de uma imagem do mundo em que a pequena guerra de ordenamento mundial no Iraque tem de ser um assunto limpíssimo, pouco sangrento e a evoluir para a festa. Nenhum anti-alemão precisa de se dotar de uma imagem dos acontecimentos reais no Iraque e em outros lados do mundo, porque de qualquer modo o único assunto em causa é a situação no interior da Alemanha. Do ponto de vista de uma antiquada ética profissional, o "noticiário", por exemplo, do Welt dos pequenitos teria de ser designado como um ordinário jornalismo ideológico do tipo Lumpen.
O belicismo de esquerda pode, por isso, ser facilmente reconhecido como propaganda no sentido mais puro e funesto da palavra. A propaganda hardcore não esclarecida da Bahamas apresenta-se bastante estéril, ao passo que a propaganda softcore esclarecida do Welt dos pequenitos, da Konkret ou também do iz3w, munidos da dose devida de desonestidade, servem de um modo melhor e mais diferenciado a confusão discursiva de um público de esquerda mais alargado. Tudo isto recorda um pouco os métodos daqueles esquerdistas culturais que, no tempo da guerra fria, foram patrocinados pela CIA (sobre este assunto já existem investigações académicas). A fim de poderem funcionar no seio da máquina geral anticomunista, eles próprios tinham evidentemente de ser um pouco de esquerda e reagir aos problemas da esquerda; e assim as coisas funcionam também agora com o belicismo softcore anti-alemão. Para que não haja mal-entendidos do foro das teorias da conspiração: Esta gente nem sequer é paga. Trabalham de borla. Como idealistas alemães, eles evidentemente agem de forma jornalística por convicção. Ser anti-alemão significa, afinal, fazer uma coisa por ela própria.
Também o resto do sujo conteúdo se encontra sujeito aos regulamentos de linguagem, na medida em que for inevitável falar-se um tanto ou quanto no assunto. A "libertação" já foi positivamente encaixada, isto é, foi copiada da imprensa burguesa. Agora só falta treinarmos alguns outros pormenores da nova semântica de esquerda. Os assuntos relativos ao regulamento da linguagem não podem ser tratados levianamente. Como foi ainda nas guerras da Jugoslávia? Nessa altura, do ponto de vista anti-alemão foi necessário atacar os opositores à guerra críticos do valor, porque estes não faziam a mínima tenção de exaltarem o regime de Milosevic como o lado "bom", e o protagonista como estadista anti-alemão, reclamando em vez disso uma posição de esquerda contra a guerra e situada para além das falsas alternativas imanentes que perderam a sua pertinência histórica.
Mas o carácter burguês da ideologia anti-alemã que sempre volta a cair na racionalidade da mercadoria afinal manifesta-se no facto de, mesmo ainda no contexto dos conflitos de crise da Modernidade produtora de mercadorias que passou à autodestruição, ter de encontrar, custe o que custar, um lado que possa designar como o "bom" (ou em todo o caso, para os tiroleses da ambivalência, o "muito, mas muito melhor"). De outro modo gera-se uma inquietude no seu interior, porque a esquerda da ideologia da modernização está programada para aceitar as alternativas respectivamente preestabelecidas pelo sistema em vez de se posicionar a si própria como o pólo que transcende ambos os lados da falsa imanência.
Saddam, favorito da outra faculdade "anti-imperialista" da mesma universidade da nostalgia da ideologia da modernização, seria ainda mais embaraçoso que Milosevic, mas por que não declarar alternativa positiva, para variar, a própria última potência mundial, tanto mais que isso acarreta como mais-valia a vantagem de já não se ter de apostar em um perdedor militar? Desde que a comunidade anti-alemã, depois do 11 de Setembro, voltou a assumir uma linha belicista mais ou menos dura, evidentemente os guerreiros pelo ordenamento mundial dos EUA são os "bons". É precisamente por isso que o regime de Saddam, muito ao contrário do de Milosevic, teve de ser transformada em uma "ditadura hitleriana" que constituiria uma ameaça para o mundo. Por acaso é verdade que a real evolução e o desfecho da guerra comprovaram o preciso oposto, mas o que importa isso a um apologista da guerra anti-alemão?
Embora a estrutura do interesse capitalista de ordenamento mundial seja, no seu fundamento, bastante semelhante no Iraque e na Jugoslávia, a interpretação anti-alemã vai num sentido diametralmente oposto. Em relação ao regime de Saddam, assume-se precisamente a mesma posição que os Fishermens Friends outrora assumiram em relação ao regime de Milosevic. Por isso, naquela altura tinham de ser banalizados os reais crimes deste último, ao passo que hoje em dia têm de ser empolados os reais crimes do primeiro.
Pelas mentiras mais grosseiras do campo anti-alemão sobre o próximo Oriente responde entretanto o sistema de peritos Thomas Uwer /Thomas von der Osten-Sacken. O facto de o regime de Saddam ser uma ditadura sangrenta como dúzias de outras, na maior parte dos casos sustentadas pelos EUA (entre as quais, de resto, durante muito tempo também figurou a própria ditadura de Saddam), não é mesmo novidade para ninguém. Mas como se enfuna um Saddam para parecer um Hitler, a fim de justificar a guerra dos EUA? Muito simplesmente juntando mais alguns zeros ao número estimado das suas vítimas. "O regime Hussein constitui uma ameaça extrema.. Com efeito, é responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas, senão mesmo de milhões" (Jochen Müller no iz3w 267).
Aqui já desenvolve uma agitada vida jornalística própria e é citado sem um exame prévio o que Uwer / Osten-Sacken foram espalhando. A versão primitiva encontra-se, como não podia deixar de ser, no Welt dos pequenitos, onde v. der Osten-Sacken gozou, em Novembro de 2002, com a resolução da ONU sobre as "armas de destruição maciça" de Saddam adoptada na época, porque em sua opinião não iria suficientemente longe: "Deveria ter causado revolta a notícia de que, embora o relator especial da ONU, Max van der Stoel, tivesse designado o Iraque como ‘a ditadura provavelmente mais feroz desde 1945’ e até à data mais de um milhão de pessoas tenham sido vitimadas pelo regime de Saddam Hussein, a resolução não perdeu uma palavra para exigir o fim da opressão da população iraquiana" (Jungle World 47/2002).
Nenhum daqueles que copiaram ou divulgaram isto, desde essa altura, no sector anti-alemão e belicista achou necessário tomar conhecimento da correcção destas afirmações publicada em "Steinberg Recherche". Ali podemos ler o seguinte: "v. d. Osten-Sacken não indica qualquer fonte que justifique as suas afirmações. No entanto existe, desde 1995, um ‘Interim report on the situation of human rights in Iraq, prepared by Max van der Stoel, Special Rapporteur of the Commission on Human Rights [Relatório preliminar sobre a situação dos direitos humanos no Iraque, preparado por Max van der Stoel, relator especial da Comissão de Direitos Humanos]’... não existe qualquer outro relatório do relator especial da ONU sobre o mesmo assunto. Em van der Stoel, não existe qualquer referência a uma ‘ditadura provavelmente mais feroz desde 1945’. Pode ser que v. der Osten-Sacken leu a frase em algum outro lugar. E será que o relatório contém a referência a ‘mais de um milhão de pessoas’ que teriam sido ‘vitimadas’ pelo regime de Saddam? O relatório contém oito vezes a palavra ‘million’, tendo três vezes a ver com dinheiro, e cinco com pessoas. No que diz respeito às pessoas, em dois lugares trata-se de números de eleitores (§57), uma vez de mais de dois milhões de pessoas especialmente ameaçadas pela fome (§51) e uma vez de quatro milhões de pessoas a viver em uma situação sanitária e alimentar precária (§43). Apenas uma vez se fala de milhões e de mortos, e é deste modo: ‘As such, there can be no doubt that the policy of the Government of Iraq is directly responsible for the physical and mental pain, including long-term disabilities, of millions of people and the death of many thousands more [Como tal, não pode haver dúvidas sobre que a política do governo do Iraque é directamente responsável pela dor física e mental, incluindo perturbações de longo prazo, de milhões de pessoas e pela morte de muitos milhares mais]’. O relatório fala, isso sim, de milhões de lesados e deficientes e, para além disso, de ’muitos milhares de mortos’. Não existe qualquer referência a milhões de vítimas" (Steinberg Recherche, 13 de Novembro de 2002).
É sempre assim que se processa a invenção ou deturpação de factos por parte da propaganda belicista de esquerda, que procede de um modo puramente associativo para, apesar de tudo, ainda conseguir fazer de Saddam ao menos "uma espécie de Hitler" e assim acabar por justificar a guerra apesar de todos os desmentidos hipócritas de uma "equiparação". Trata-se da repetição exacta do processo pelo qual os repetidores vermelhos e verdes arranjaram uma justificação moral para a guerra do Kosovo. Neste contexto, também o regime de Milosevic teve de ser elevado acima de todos os restantes bolsos e ditaduras de crise da periferia a fim de assumir uma qualidade nazi para nos podermos alegrar, com uma expressão de quem se rala com os direitos humanos, com o facto de os EUA ou a NATO "pelo menos neste caso de uma gravidade especial" se decidirem pela intervenção.
Para uma crítica emancipatória que tenha consciência de, neste momento, não poder ter qualquer intervenção em termos de "Realpolitik", o único objectivo prioritário deveria ser o de nomear inexoravelmente as vítimas reais tanto dos potentados de crise sem perspectivas como das guerras imperiais de ordenamento mundial igualmente falhas de perspectivas em vez de as fazer desaparecer por detrás de fórmulas ideológicas. As atrocidades do regime de Saddam e o carácter deste têm de ser postas a nu da mesma forma que as da máquina militar dos EUA; não num sentido unicamente moral, mas sobretudo para tornar visível uma perspectiva emancipatória para lá das falsas alternativas do capitalismo de crise global.
Ao darem troco a estas destrutivas alternativas aparentes, tal como o fazem os seus congéneres nacionalistas e anti-imperialistas, os ideólogos anti-alemães tornam-se, por assim dizer, corruptos e tanto têm de inflacionar a massa das vítimas de um dos lados errados como se vêem obrigados a reduzir a massa das vítimas do outro lado errado. Estas mentiras servem o único propósito de imputar aos opositores consequentes da guerra a intenção de fecharem os olhos perante o carácter assassino do regime de Saddam Hussein. No entanto, ninguém está para se ocupar da crítica da colocação errónea das alternativas. O mesmo jogo já se fez após o 11 de Setembro em relação à Al-Quaeda. Face a isso, temos de reter de uma vez por todas que o imperialismo de crise ocidental nunca por nunca constitui uma força capaz de pôr um travão à indubitável barbarização. É que essa barbárie é a mais genuína das suas consequências. A intervenção imperial dos EUA tão-pouco constitui uma posição contrária à barbárie de crise global como a ideologia anti-alemã representa uma posição contrária às formas de degeneração nacionalistas e antisemitas do marxismo do movimento operário.
Em vez de se relatarem os factos bárbaros tais como eles são, assim até os mortos são instrumentalizados para a respectiva regressão ideológica. Os belicistas anti-alemães põem as valas comuns encontradas e ainda por encontrar no Iraque à mercê da interpretação propagandística precisamente do mesmo modo como o fizeram os belicistas vermelhos e verdes em relação a semelhantes vestígios de massacres no Kosovo e na Bósnia; por exemplo no caso seguinte: "Em Kirkuk, os americanos descobriram, junto a uma base militar situada na orla Sul da cidade, uma vala comum que contém as ossadas de cerca de mil e quinhentas pessoas. Supõem-se na mesma ou as vítimas curdas da campanha de repressão do regime, ou soldados iraquianos que morreram na guerra de 1991" (Neue Zürcher Zeitung, 20. 4. 2003). É destes e de semelhantes achados que os belicistas anti-alemães podem, então, montar a sua própria Srebrenica; e se a guerra tivesse durado mais tempo, também teriam encontrado o seu equivalente do famigerado "plano da ferradura". Ao passo que uma Srebrenica foi desmentida por motivos puramente ideológicos, a outra, por motivos que são igualmente de um cariz puramente ideológico, é explorada para além da sua dimensão real.
Tal como o fizeram os ideólogos da guerra vermelhos e verdes por altura das guerras da Jugoslávia, os belicistas anti-alemães efabulam hoje uma "democratização" em relação ao Iraque. Que o barão da mentira von der Osten-Sacken se entusiasme com esta perspectiva é normal, visto que ele não é um aprendiz de "comunista" anti-alemão pela graça da promessa de felicidade burguesa e da força aérea dos EUA, mas um simples lobbyista de ONGs com interesses perfeitamente transparentes e que se organizaram como "protecção humanitária dos flancos" (assim reza de um modo perfeitamente positivo o Handelsblatt) das guerras de ordenamento mundial capitalistas e cujos administradores da categoria dos Uwer/Osten-Sacken ganham com isso o seu pão ora melhor, ora pior guarnecido. Mas o facto de também a fauna anti-alemã adoptar este mantra demonstra que todo o seu espalhafato teórico e toda a sua atitude armada ao reflectido (até à aparente aproximação de algumas das suas partes à reformulação crítica do valor da crítica do capitalismo) nunca tiveram o mínimo significado real. Segundo o seu entendimento primordial, pelos vistos nunca foram outra coisa senão democratas sociológicos habermasianos do nível do ciclo.
São, de um modo algo consequente, as mesmas pessoas a que corresponde como caracterização do seu estado mental a palavra de ordem estupidamente esclarecida "Fanta em vez de fatwa" da bacana belicista Andrea Albertini, divulgada no Welt dos pequenitos. A "Fanta" representa, neste contexto, o consumo de mercadorias de sujeitos do valor do "trabalho abstracto" ocidentais ou de orientação ocidental. E a ela aplica-se o mesmo que à "democracia": Primeiro trata-se (também no sentido metafórico) de uma mixórdia nojenta e intragável e, segundo, os iraquianos nem a esta terão direito devido ao seu estado muito avançado no seio da crise mundial do moderno sistema produtor de mercadorias. É por demais evidente que perante esta situação no Iraque e em qualquer parte do mundo tem de se constituir um novo movimento emancipatório. E é precisamente por isso que uma esquerda radical que leve a sério esta tarefa não pode comprometer-se com quaisquer malabarismos protagonizados por uma suposta "Realpolitik", onde apenas a própria impotência é recalcada pela simulação de poder no plano das "questões capitalistas" (imperialismo securitário e exclusionista).
Mas quem for nessa conversa, e é isso que fazem os belicistas de esquerda e respectivos amigos, tem de recorrer à alucinação para se dotar de um "sujeito emancipatório" do velho estilo sobre o pano de fundo do capitalismo de crise global. A esquerda portadora da ideologia da modernização e que está agarrada às alternativas aparentes de produção sistémica escolheu, na sua variante pro-ocidental e belicista de esquerda, logo a última potência mundial imperial da relação do capital como portadora da "intervenção emancipatória". O absurdo de se apostar na máquina militar dos EUA como potência garante de um "pressuposto civilizatório do comunismo" é evidente. Mas como esta construção sem dúvida derradeira de um pensamento historico-filosófico iluminista não dispensa uma certa iniciativa por parte do Homem em prol da própria emancipação, os belicistas de esquerda tiveram de introduzir no jogo uma espécie muito peculiar, nomeadamente a chamada "oposição iraquiana". Este sujeito começou de repente a materializar-se nas colunas, em especial, da imprensa belicista softcore, e quem se tornou os seus profetas foram os senhores Uwer / Osten-Sacken.
Evidentemente na realidade não existem quaisquer sintomas de que logo no Iraque tivesse começado a formar-se a necessária nova consciência de uma emancipação face ao sistema da valorização do valor e contrária ao imperialismo de crise. Em qualquer parte do mundo podem observar-se presentemente formas de decadência e regressão nacionalistas, racistas, antisemitas, etno-culturalistas etc. da "libertação nacional" e da "luta de classes". O facto de, neste contexto, já não existir nenhuma força positiva de um movimento emancipatório que possa ser invocada, no entanto, apenas pareceu dizer algo aos anti-alemães até terem descambado para o belicismo. Na guerra do Kosovo, por exemplo, foi claramente nomeada a constituição anti-emancipatória do movimento étnico "kosovar", mesmo que tal não tivesse acontecido sem uma pitada de racismo. O mesmo se aplica aos etno-"marxistas" curdos do PKK.
Assim, por exemplo, Udo Wolter falou no início do ano 1999 de um "discurso de bloqueio" de uma esquerda tradicionalmente anti-imperialista, de grupos de solidariedade com o Curdistão etc. que, de um modo "estereotipado, não admitem qualquer crítica da sua referência revolucionária romântica ao PKK..., a fim de se esquivarem a uma crítica ideológica da referência positiva da esquerda a ‘povos’ e a movimentos de libertação nacional autoritariamente estruturados" (Jungle World 8/1999). E também ainda foi referida a falsa analogia histórica: "Constantes comparações do estilo ‘ontem os judeus, hoje os curdos’ causam, perante o pano de fundo do discurso de normalização que se faz ouvir na Alemanha, apenas uma relativização da prática de extermínio nacional-socialista" (ibidem). Até aqui, tudo certo. Mas tudo isso não deixa de ser pronunciado apenas em um horizonte completamente diferente, para já ainda oculto.
Anton Landgraf, hoje ideólogo-mor de um belicismo redaccional e de todas as promessas de felicidade burguesas no Welt dos pequenitos, três anos mais tarde elevou a mesma argumentação, sob a impressão do 11 de Setembro, a um nível ainda mais geral censurando a interpretação "anti-imperialista" dos bárbaros ataques do terror: "Em vários aspectos, este modo de ver as coisas equivale a uma declaração de bancarrota intelectual. Os movimentos anticolonialistas do século passado professavam, na maior parte dos casos, objectivos socialistas ou ao menos republicanos. Agora, pela primeira vez depois do fim do socialismo real, volta a existir um movimento revolucionário — desta feita, no entanto, ele é sustentado por um ideal comunitário reaccionário" (iz3w 260, Abril / Maio 2002).
No entanto, nessa mesma altura, a própria declaração de bancarrota intelectual da cagança iluminista anti-alemã burguesa de esquerda e a salvação da "civilização" por parte da maquinaria militar imperial etc. já estava em plena marcha. A partir dessa altura podemos maravilhar-nos com a mudança de paradigma ocorrida no seio do realismo belicista de esquerda, no que diz respeito ao novo palco que é o Iraque. Isto aplica-se à apreciação que faz da "oposição iraquiana" em geral, e dos curdos do Norte iraquiano em particular. Na abordagem deste assunto, não falta nem um dos clichés que outrora estiveram inteiramente por conta dos "anti-imperialistas nacionalistas". Evidentemente esta "oposição", como nem poderia ser de outro modo na ausência de um novo movimento emancipatório crítico da forma, consiste inteiramente de estruturas de clãs revitalizadas e dotadas de um "ideal comunitário reaccionário" baseado nos laços de sangue. Mas de repente isso já não incomoda ninguém.
É que agora o próprio belicismo de esquerda tingido de anti-alemão recorda-se de si próprio no seu novo contexto de tempos "nacional-revolucionários" passados. Para além dos clãs xiitas etno-religiosos no Sul, muito em especial os dois partidos curdos do Norte iraquiano se tornaram coqueluches do "discurso emancipatório" algo diferente. O território dominado pelo "Partido Democrático do Curdistão" (DPK) liderado pelo chefe de tribal Masud Barzani e pela "União Patriótica do Curdistão" (PUK) encabeçada pelo chefe tribal Jalal Talabani é notoriamente designado por Uwer / Osten-Sacken como o de um "Iraque do Norte libertado e autónomo" (entrevista em: Der Standard, 14. 3.2003). O velho conceito maoista dos "territórios libertados" manda saudades. Aqui estamos perante a mesma semântica baseada na reinterpretação de conceitos outrora críticos da esquerda adepta da modernização em termos da administração de crise capitalista como aconteceu aos conceitos outrora críticos de "reforma", "autonomia" etc. no discurso neoliberal.
Que diferença faz que o DPK e o PUK não só tenham conduzido sangrentas guerras uns contra os outros como também sejam conhecidos pelo facto de os seus "pechmergas" terem regularmente saqueado não só a população do lado adversário como igualmente as suas próprias gentes? A quem incomoda que aqui se trate estruturalmente de um governo tribal que se assemelha como um ovo ao outro ao que foi exercido pelo clã de Tikrit de Saddam Hussein? E muito menos interessa que os "partidos" dos senhores Barzani e Talabani ainda falam em tons muito mais nacionalistas do que o PKK, e ainda por cima completamente libertos do peso morto do marxismo da idade da pedra. Também não se afigura problemático o facto de os clãs xiitas do Sul serem aproximadamente tão islamistas como a Al-Quaeda e não querem outra coisa senão o estado teocrático. Afinal o conteúdo pouco conta no novo realismo anti-alemão.
Agora é que se torna evidente que toda essa "crítica ideológica" do pensamento nacionalista regressivo afinal não era para se levar assim tanto a sério. Lá se é nacionalista ou deixa de o ser, na realidade é cagativo. O verdadeiro critério consiste na postura face à investida imperial da máquina militar dos EUA. Todo o espalhafato da "crítica ideológica" dirigida contra a barbárie nacionalista não passava de uma cortina de fumo para a tomada de partido pro-imperial. Se os colectivos encabeçados por clãs e milícias anti-emancipatórios e autoritários são meramente pro-americanos, isso quer dizer: aqui eles são "nações", é-lhes lícito sê-lo. E, nesse caso, também as "constantes comparações do estilo ‘ontem os judeus, hoje os curdos’..." tornam-se, de repente, muito bem vistas, desde que se trate dos curdos certos, pro-americanos que, do lado de lá das fronteiras turcas, foram bombardeados pelas tropas de Saddam com armas químicas. Aí já nenhum Udo Wolter protesta invocando a "relativização da prática de extermínio nacional-socialista". Não há dúvida que convém conhecer essas nuances a quem queira ter uma palavra a dizer no âmbito do realismo definido. E nenhum turista de congressos anti-alemão lesado por tanto "debate" já se admira que o Welt dos pequenitos organize, sob o título "Saddam — e depois?" uma digressão, evidentemente com Thomas Uwer como moderador, onde os representantes claramente nacionalistas do DPK e do PUK podem esclarecer o seu devoto público anti-nacionalista sobre a "libertação" e instituir as mesmas identificações como outrora, nos tempos de Che-Guevara. "Ouve lá, estimado público, és mesmo assim tão estúpido?" (Tucholsky).
Sob as condições da crise mundial capitalista, num país que irremediavelmente fracassou por obra dos critérios do mercado mundial e que vai vegetando sem qualquer perspectiva de acumulação capitalista, agora "democratização, direitos cívicos e separação de poderes" (v. d. Osten-Sacken no Standard, ibidem) devem conduzir aos amanhãs que cantam sob a benevolente égide da administração militar dos EUA. Raramente o idealismo político documentou tão abertamente a sua estupidez. As três zonas do Iraque, tal como foram delineadas pela administração militar, reproduzem à risca as fronteiras etno-culturais. Não é necessário ser-se profeta para se vislumbrar nesta compartimentação do território os contornos de uma futura guerra étnica como continuação da concorrência de crise por outros meios. É exactamente a mesma lógica que conduziu ao desmoronamento da Jugoslávia, depois de ter sido destruída a base economico-política do país. O senhor Genscher manda saudades. E, na realidade, o jardim zoológico etno-cultural é o que constitui a concepção que orienta a administração de crise imperial.
Os peritos em questões do próximo Oriente, os autores preferidos e permanentes de toda a imprensa belicista de esquerda, Uwer / Osten-Sacken, no seu benemérito trabalho de lobbying nacionalista pro-curdo já quase se converteram em anti-alemães fervorosos e, com isso, ficaram visivelmente contaminados com a profunda falta de honestidade destes no que toca à crítica do pensamento nacionalista. Como adeptos da ideologia anti-alemã, eles evidentemente também apoiam o argumento de base desta de que não é necessário atacar porventura a participação real alemã no complexo global das guerras de ordenamento mundial capitalistas de crise, defendendo, em vez disso, a condução de guerras pelos EUA à escala mundial de uma irreal "concorrência alemã" neste nobre negócio da libertação.
Já sob este aspecto, Uwer / Osten-Sacken demonstram ser exemplos acabados do Homem flexível. É que, ao passo que nos eventos que o Welt dos pequenitos dedica a esta temática se manifestam, a condizer com o gosto do público, antes de mais no traje da ambivalência, de um modo crítico e recheado de ressalvas, a favor da potência mundial capitalista e contra a grande Germânia, nos certames da Bahamas, onde são bem vistos como oradores convidados, há quem diga que já foram vistos com a espuma na boca batida a preceito.
No entanto, este duo de peritos ainda é muito mais flexível do que isso. Se fizeram um esforço ciclópico por desmascararem o imperialismo concorrente da grande Alemanha, ainda falta muito para se cansarem, e assim ainda redobram a passada com o segundo fôlego. E aí apresentam-se no ministério dos negócios estrangeiros de Berlim, logo à porta da escada de serviço dos fornecedores ideológicos precisamente do mesmo imperialismo megalo-germânico e ali entregam um memorando pertinente recheado de bons conselhos de como a potência capitalista alemã pode salvar e fazer valer a sua influência no Iraque: "Não pode ... ser no interesse da República Federal da Alemanha ser a única a agarrar-se ao status quo de um regime condenado a desmoronar-se... Tanto a Comissão de Transição como os diversos partidos no seio da oposição iraquiana expressaram o desejo de trocarem ideias com peritos, académicos e políticos alemães sobre as possibilidades ... da criação de um sistema de estado federal no próximo Oriente... por exemplo no que se refere à estrutura a dar às instituições confederais ou federais, o direito policial ... A República Federal da Alemanha dispõe de uma vasta experiência neste campo. Muitos iraquianos consideram a Alemanha um exemplo especial, senão mesmo o modelo, para a transformação de uma ditadura militarizada administrada de forma centralista em um estado federal. Da Alemanha partiram, nas décadas passadas, repetidamente iniciativas de apoio e aconselhamento na edificação de estruturas de estado de direito federais e democráticas em outros países ..." (WADI e.V., Memorandum Irak, Fevereiro de 2003).
A ideologia anti-alemã não só não é uma festa como também constitui uma montanha russa do pensamento: Da famosa promessa de felicidade do capitalismo, o caminho é sempre a subir até à emancipação da forma da mercadoria por obra dos porta-aviões de Rumsfeld e, em seguida, a descer a pique em direcção à democratização do Iraque com o manual escolar alemão federal de sociologia em riste, da inimizade renhida à funesta essência alemã directamente rumo à alegre descoberta do ímpar acervo da experiência alemã no que diz respeito à organização do direito policial e de estruturas federais — primeiro corta-se a respiração, logo se cobra fôlego, e então seguem-se os risos: Afinal estamos apenas na feira popular para os tiroleses da ambivalência! Depois segue-se ainda um viva à Coca e à Cola! E o coração de Gremliza alegra-se na medida em que ele observa os seus divertidos autores de renome equipararem a RDA, como "ditadura militarizada administrada de forma centralista", de um modo perfeitamente escolar ao regime do partido Baas de Saddam Hussein e apregoarem a experiência do aparelho da RFA no que toca à "transformação" da antiga RDA em mais um Mezzogiorno como "exemplo, senão mesmo modelo" para a transformação do Iraque em uma paisagem federal florescente.
Alguma vez soubemos alguma coisa deste memorando em muitos aspectos magistral na Konkret, no iz3w ou até pelos campeões mundiais do "debate"" do Welt dos pequenitos? Houve nem que fosse uma única tímida pergunta sobre como tudo isso se conjuga? Pois claro, nem uma palavra. Para quê fazer os próprios autores de renome perder uma oportunidade de brilharem? Ora, coisas deste género de qualquer modo não se deixam manter em segredo, mas sempre se pode guardar um férreo silêncio em torno das mesmas. Afinal o Homem foi feito para, em caso de necessidade, calar o bico até tudo ter caído no esquecimento.
No entanto, o devoto público anti-alemão, a quem este episódio embaraçoso dificilmente terá passado despercebido, no fundo deveria ficar muito seriamente maldisposto. E será que um único assinante da Konkret- ou do Welt dos pequenitos vomita por causa disso agarrado à sua sanita doméstica? Qual quê. O inveterado tirolês da ambivalência e a tirolesa da ambivalência não menos inveterada, "vestida à moda" e com a sua pele ideológica curtida por muitos anos de ginásio, aguentam tudo isto e ainda muito mais. Assim o sistema de peritos Uwer / Osten-Sacken mantém-se ao serviço da imprensa belicista de esquerda, esta mantém-se ao serviço da respectiva fauna, a qual, por seu lado, se mantém como tropa suplente ideal da tão injustamente hostilizada potência civilizatória que são os EUA, de modo que o mundo ainda não tem de perder definitivamente a esperança da sua salvação por obra e graça da essência anti-alemã. E isso afinal também é uma coisa bem porreira, de forma que mais vale não sermos demasiado picuinhas.
Se todas as contradições e vulgaridades se encontram devidamente regulamentadas e engomadas no plano linguístico, se o belicismo anti-alemão é o que está a dar e tem a sua carta verde para o discurso "de esquerda" no bolso, não é preciso entrar sempre a matar provocando os restantes com a sua postura fundamental belicista. Afinal existem tantas temáticas em que podemos voltar a fazer gala da "reflexão radical" do intelectual de blusão de cabedal. Por exemplo quando importa, com toda a suposta superioridade teórica, lançar invectivas sobre a "crítica abusivamente simplificada do capitalismo" do movimento contra a globalização e contra a guerra. Para este efeito, toda a imprensa anti-alemã belicista de esquerda e próxima do belicismo de esquerda ou que dá guarida jornalística ao mesmo organiza um simpático e esclarecido congresso a transbordar de realismo puro e duro (sob o título "Spiel ohne Grenzen"/SPOG [Jogo sem fronteiras], nos finais de Maio de 2003 em Munique); de um modo geral, o turismo congressista tornou-se, para esta fauna, o lubrificante de uma permanente auto-afirmação que mantém os peões ocupados, não fosse ocorrer-lhes um ou outro pensamento.
O melhor é começar por fazer-se de completamente estúpido se alguém criticar como uma provocação descarada que logo as mesmas pessoas que namoriscam a guerra policial imperial e raciocinam sobre o carácter "civilizatório" do capitalismo assassino com promessa de felicidade incorporada convidem, em toda inocência "esquerdista" ao congresso que se propõe ajuizar sobre a "crítica do capitalismo abusivamente simplificada" dos movimentos. Mas porquê, pelo amor de deus, o que tem uma coisa a ver com a outra? Absolutamente nada, trata-se de dois temas que nada têm em comum. "Não existem quaisquer tomadas de posição do grupo que prepara o congresso sobre a guerra dos EUA contra o Iraque. Por isso não sei a que é suposto referir-se a acusação do ‘belicismo’" (Lorenz G.). Pois não, afinal são apenas os mesmos periódicos que suportam e dão guarida ao belicismo anti-alemão e que agora aparecem como organizadores de um congresso dedicado a um complexo temático "completamente diferente".
Para quê haverá a mão esquerda de querer saber a toda a hora o que anda a fazer a direita? "O congresso não faz nenhum apelo à guerra" (Mr. SPOG na Internet). Bestial. Nem sequer directamente apelamos à guerra, o que querem mais? "Houve apenas um debate sobre as eventuais consequências positivas de uma guerra. Por isso vejam se não exageram" (mais um querido participante da discussão na Internet). E isto, afinal, já paga metade da renda à crítica radical, não é assim? "Se tivessem dado cabo de uma reunião com o belicista e adepto da Realpolitik Thomas Uwer chamada ‘Saddam — e depois?’, eu concordava convosco" (mais um participante apologista da discussão na Internet, tudo em x-berg.de). Esse Uwer apenas escreve que se desunha em prol da guerra de ordenamento mundial dos EUA, e logo nos jornais que figuraram como organizadores deste congresso, mas o que tem este pobre congresso a ver com tudo isso? As personalidades múltiplas sabem lidar com este tipo de coisas, e ainda ficam com vagar para usarem ambas as mãos para devidamente se desgraçarem. Tomem nota: Sobre o belicismo não se fala em cada ocasião, basta tê-lo.
E mais uma vez clamam inocência: Lá bem no fundo, nem sequer somos belicistas! Nós não, devem ser os outros. Apenas nos parecem merecer, aqui e ali, uma discussãozinha os efeitos emancipatórios das guerras preventivas dos EUA, mas digam lá onde eles estão, esses famigerados belicistas? "Entre as pessoas que participam na preparação do congresso, em todo o caso, não existe nem um único. Mesmo em termos gerais, faz semanas que não vejo nenhum" (mais um participante apologético da discussão na Internet). Os belicistas são uma espécie muito tímida que, de certo modo, até se resguarda da luz do dia. O Welt dos pequenitos, por exemplo, farta-se de fazer propaganda à guerra imperial, mas alguém deve ter trazido isso de fora; esses belicistas devem ser uns animais muito esquivos, caso existam de todo. Já agora, o que é afinal o belicismo? No fundo, nem sabemos o que isso quer dizer.
E um dia também tem de acabar esta permanente agitação contra o pobre amigo global ideal da guerra, esclarecido e anti-alemão. E também contra a sua congénere feminina. Por que havemos logo de levar tudo tão a sério? "O permanente alarme sobre os belicistas, com o tempo, vai-se tornando um jogo bem aborrecido" (Christian Stock / iz3w numa resposta enervada e defensiva à Krisis). Afinal colocamos aqui tantas questões tão belas e coloridas, porque é que ninguém vê isso? Esta eterna animosidade exaltada tem um ar bem patológico. "Nós aqui na Bergmannstraße apenas nos esforçamos por fazer um jornal de esquerda" (Jungle World Home Story 8/2003). Então, se é assim, evidentemente não deveríamos estorvar de um modo pouco realista.
E depois, apesar de todo o debate realista e controverso, ainda temos coisas em comum. Qual seria a altura mais indicada para deixar isso bem vincado que o 1º de Maio depois de uma pequena guerra, e quem haveria de ser uma pessoa mais indicada para tal que uma "gata" de um grupo chamado MIA que toca na "verdadeira" manifestação engalanada com todos os atributos da ideologia anti-alemã: "Tudo isto afinal é algo de artificial..., mas, para além disso, todos os que vão para a rua no dia 1 de Maio fazem-no pela mesma razão e em prol da mesma causa... no fundo, no centro do 1º de Maio não deveria estar o arremesso de pedras, mas uma unidade que une a todos nós. Afinal somos todos juntos pela Revolução" (Jungle World 19/2003). Uns vão com Lenine Rumsfeld, os outros talvez vão por outro lado, mas lá no fundo queremos todos o mesmo, não é assim? Vem sobre mim, doce estupidificação. Um pouco de guerra, um pouco de Paz, um pouco de bola. Afinal está tudo numa boa por estas bandas, e tudo está numa de um "neo-new wave cheio de genica e atrevimento" (Jungle World, ibidem).
Depois de tantos esforços e pecados, precisamos de algo que se beba. Está bem o que acaba em bem. Temos uma coisa a festejar, nomeadamente a vitória. A vitória dos aliados "na primeira guerra antifascista do século XXI" (declaração da Bahamas do 14.4.2003). "Aliados", como isso já soa, até parece a música de 1941. E toda a família anti-alemã com todos os rapazes e raparigas do Welt dos pequenitos está do lado certo, e até é um pouco vencedora, imaginem-me só isso! Até puxa um pouco pelos sentimentos, sentimentos de vitória, mais concretamente, e desta feita não precisamos de nos envergonhar daquilo que sentimos. Isso já quase é a Revolução. Obrigados, Lenine Rumsfeld! E, na qualidade de gloriosos co-vencedores jornalísticos ao lado dos aliados, até podemos dar-nos ao luxo de sermos aqui e ali generosos para com os que não pensam como nós. No fundo é uma pena que esses malucos dos opositores à guerra críticos do valor tenham vindo a cometer um suicídio lento, bem teríamos gostado de os ver mais algumas vezes a saltar através do pneu no circo discursivo da esquerda "razoável".
Agora que ganhámos podemos admiti-lo: No fundo não somos muito a favor dos sacrifícios humanos. O que tem de ser tem muita força, mas ficarmos contentes se, por exemplo, uma ou outra rapariga iraquiana de cinco anos for esmagada por um tanque dos EUA não passa de má língua. Claro que isso aconteceu sem querer, no calor da batalha antifascista. Mesmo que talvez sempre se tivesse tratado de uma antisemita. Nos quentes países do deserto, lá em baixo, como todos sabemos, eles são muito precoces, mesmo em termos ideológicos. Mas que se lixe, o que interessa é termos ganho.
Não vale a pena deixarmo-nos contagiar pelo ressabiamento dos Estalines reencarnados da crítica do valor. Os belicistas esclarecidos são, no fundo, gente alegre e com uma atitude positiva perante a vida, sobretudo quando ganham. Por isso, o Welt dos pequenitos preparou tudo, atempadamente e na sábia expectativa da vitória, para o fim feliz desta guerra de libertação e de todas que aí vêm: "Temos planos novos e magníficos. E, o que é melhor, estes dizem respeito não só a nós, como aos nossos leitores, autores, editores, fãs e inimigos. E o que é mais bonito é que nada têm a ver com a transformação do mundo...Yes, abrimos um Bar. Todos são convidados... O programa, ainda um pouco nebuloso, visa a apresentação de concepções hedonistas..." (Jungle-World Home Story 16/2003). Onde o prazer é uma "concepção hedonista", atrás dos muros da linha de demarcação imperial, sabemos lá bem no fundo por que necessitamos da máquina militar dos EUA, se quisermos continuar a tratar do próprio cu como os idiotas formais produtores de mercadorias o fazem na "preocupação consigo", sendo que esse cu, por seu lado, também não passa de uma "concepção".
Mas não vale estragar a festa. E agora a festa pode finalmente começar. Venha a Fanta e canecas ao alto! Afinal é esse o único luxo a que nos damos. Viva a libertação, sempre e em toda a parte, no Iraque e noutro lado e, já agora: Vivam Bush, Rumsfeld, Cheney, Wolfowitz, Ashcroft, vivam todos os homens e todas as mulheres da linha da frente da "civilização"! Afinal sempre gostámos tanto dela, da promessa de felicidade da sociedade burguesa... Saúde!
Epílogo: O que é a cólera em Baçorá comparada com este "discurso"? Então estão a ver...