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Primeira Edição: Original Jenseits des Klassenkampfs em www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland, 30.05.2003. Tradução de Nikola Grabski
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Os marxistas tradicionais ainda têm lágrimas nos olhos quando pronunciam as expressões "classe" e "luta de classes". A sua identidade como críticos do capitalismo começa e termina com estes termos. Mas na situação de um sistema capitalista uniformizado no início do século XXI, sob as condições de terceira revolução industrial, globalização da economia industrial e individualização social, o paradigma teórico de classes do "proletariado" parece estranhamente empoeirado. Quanto mais obstinadamente os veteranos marxistas celebram a afirmação de que "ainda estamos a viver numa sociedade de classes", tanto menos eles conseguem fazer a situação dançar, ainda que, ou justamente porque as contradições capitalistas se agravam como nunca e uma crise mundial sócio-económica de um novo tipo abala o planeta. O discurso do "retorno das classes" fica sem força e superficialmente sociológico, sem fundamento de crítica económica. Por isso é inútil aos novos movimentos de massas contra a globalização capitalista, a guerra e o declínio social.
O aparelho conceptual da crítica radical tem de ser liberto do pó. A "classe revolucionária" de Marx foi inequivocamente o proletariado fabril do século XIX. Unida e organizada através do próprio capital, tornar-se-ia o seu coveiro. Os grupos sociais, dependentes de salário das áreas derivadas de serviços, infra estruturas, etc. estatais e comerciais, podiam ser juntos ao "proletariado" apenas como uma espécie de grupos auxiliares, e mesmo isto só enquanto este ainda dominava como núcleo de massas sociais nas fábricas produtoras de capital. Com uma inversão das proporções numéricas, como se tinha esboçado já desde o início do século XX (e fora reflectido apenas de forma superficial pelo antigo marxismo, p. ex. no debate de Bernstein) o esquema tradicional de classes e de revolução não podia continuar a passar.
Os empregados dos serviços públicos e de outros sectores secundários, que pouco a pouco representavam a maioria na reprodução capitalista, diferem um pouco do antigo "proletariado", não só sociologicamente, mas também economicamente. Os seus custos de reprodução são, assim como os custos de toda a sua área de actuação, deduzidos da produção industrial de mais-valia. Da mesma medida, todavia, que a relação se inverte em termos de proporção, o "financiamento" destes sectores já não pode provir da produção real de mais-valia, mas tem de ser simulado através da antecipação de uma mais-valia futura, em primeiro lugar através de endividamento estatal e da criação de dinheiro estatal, mas também através do endividamento privado e da "economia de bolhas financeiras". Já a teoria de Hilferding do "Capitalismo financeiro" tem de ser vista neste contexto, ainda que o autor não tenha tido consciência disso. De facto, isto não significa senão que o próprio capital, através da necessidade estrutural e da preponderância numérica dos serviços públicos e de outros sectores secundários, produz um grau de socialização que o próprio já não consegue suportar.
Na terceira revolução industrial esta contradição agrava-se. O capital destrói a sua própria base num movimento de tenaz: Por um lado, aumentam as áreas que aparecem na reprodução do capital total como "custos mortos". Por outro lado, a revolução micro-electrónica faz com que encolha como nunca o núcleo de produção de capital da produção industrial. A marginalização do proletariado fabril é idêntica à crise capitalista fundamental de novo tipo. É verdade que, através de privatização, os sectores públicos secundários podem ser transformados formalmente em capital comercial, embora, uma vez que desta forma o seu carácter economicamente derivado não muda, eles são ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruídos. Ao não poder manter o grau de entrelaçamento atingido, o capital dissocializa a sociedade. O resultado é uma sociologia de crise de desempregados em grande escala e beneficiários de rendimento mínimo garantido, de estabelecidos fictícios e empresas de miséria, de mães solteiras, e "jobhopers" flexibilizados etc., até para lá da queda do Terceiro Mundo na economia de subsistência primitiva e na economia de pilhagem.
Nesta crise revela-se também o carácter da concorrência, que já está inerente ao próprio conceito de capital. Não só concorre o trabalho contra o capital, mas igualmente trabalho contra trabalho, capital contra capital, ramo contra ramo, nação contra nação, e actualmente também localização contra localização, bloco económico contra bloco económico, homem contra mulher, indivíduo contra indivíduo, até criança contra criança. A "luta de classes" está dissolvida como parte integrante deste sistema da concorrência universal, e tem-se revelado como mero caso especial desta, que de modo algum consegue transcender o capital. Pelo contrário, num baixo nível de desenvolvimento, ela foi directamente a sua forma de movimento imanente, quando ainda se tratava de reconhecer os proletários fabris como sujeitos civis neste sistema. Para poder concorrer, tem de se agir nas mesmas formas comuns. O capital e o trabalho são no fundo diferentes estados de agregação de uma mesma substância social. O trabalho é capital vivo e o capital é trabalho morto. A nova crise porém consiste precisamente no facto de que, através do desenvolvimento capitalista, a própria substância do "trabalho abstracto" é derretida como base de produção de capital.
Assim, a noção da "luta de classes" perde a sua luminiscência metafísica, aparentemente transcendente. Os novos movimentos já não podem definir-se a si próprios, "objectivistica" e formalmente através de uma ontologia do "trabalho abstracto" e através da sua "posição no processo produtivo". Eles podem definir-se apenas pelo conteúdo através daquilo que querem. Nomeadamente, o que querem impedir: a destruição da reprodução social através da falsa objectividade dos constrangimentos formais capitalistas. E o que querem ganhar como futuro: o emprego racional comum das forças produtivas alcançadas, de acordo com as suas necessidades em vez de conforme os critérios doidos da lógica capitalista. A sua comunidade já só pode ser a comunidade da fixação emancipatória do objectivo, e não a comunidade de uma objectivação definida pela própria relação do capital. A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo que a prática já está a executar tacteando no escuro. Só então os novos movimentos podem tornar-se radicalmente críticos de capitalismo, de uma maneira também nova, para lá do velho mito da luta de classes.